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Estamos invadidos por multinacionais, mas estas são, cada vez mais, obrigadas
a adaptar-se ao paladar nacional. E, no que respeita a comida, os portugueses
têm exigências muito particulares, o que levou gigantes do setor alimentar a
criar novas soluções para um País tão pequeno
PAULO M. SANTOS
Pela primeira vez, em 46 anos, o Super Maxi não vai estar à venda nos milhares de
restaurantes e cafés de Portugal. O mítico gelado da Olá, criado em exclusivo para o
mercado português, abandona o campo e passa a estar disponível apenas em caixas de
seis unidades nos súper e hipermercados. Foi campeão de vendas durante anos. Dele
nasceu o famoso pregão “Há fruta ou chocolate!” que se ouviu durante décadas nas
praias portuguesas.
Assim que a Olá anunciou que iria descontinuá-lo, começaram a proliferar os pedidos e
petições públicas para o trazer de volta. Afinal, estamos a falar de um gelado que marcou
gerações e no ano passado ainda vendeu dois milhões de unidades.
“Há uma aposta internacional da Olá em gelados como o Magnum e o Solero. As vendas
do Super Maxi estavam em queda e a perder quota no seio dos produtos da Olá”,
explicou à VISÃO Pedro Gonçalves, diretor de marketing da Olá.
Lançado em 1971, o êxito do Super Maxi foi imediato e abriu caminho para que a
multinacional criasse outros produtos exclusivamente adaptados aos gostos nacionais.
Em 1973 surge o Epá, o tal que tinha uma pastilha no fundo do copo, e dois anos depois,
em pleno Verão Quente, o Perna de Pau.
Chegados aos dias de hoje, se o Super Maxi estava a definhar em termos de vendas, os
outros dois conseguem aguentar-se a bom nível. O Perna de Pau vendeu mais de cinco
milhões de unidades no ano passado e o Epá manteve-se nos quatro milhões. Razões
de sobra para manter estas apostas.
Apesar de estar disponível na lista da Olá em todo o mundo (a marca difere de país para
país, com nomes como Algida, Frigo, Kibon, Wall’s, entre outros), o Cornetto de Morango
que se vende em Portugal é completamente diferente dos outros. "Desenvolvemos uma
formulação pensada e adaptada ao gosto português. Portugal é o país europeu onde se
consome mais fruta. Mais de 90% das pessoas consome fruta de forma regular e metade
deste universo consome fruta todos os dias. Além disso, o morango está entre os
sabores preferidos dos portugueses”, explica Pedro Gonçalves.
Com base nesta informação, a multinacional foi ao encontro desse gosto. “Decidimos
colocar mais quantidade e qualidade de morango no Cornetto que se vende em Portugal.
Não só tem mais concentrado de fruta mas também incorporamos morangos esmagados.
E isso apenas é feito cá”, acrescenta.
Depois das sopas, seguiu-se a McBifana, um prato que veio preencher esse gosto tão
português de juntar pão e carne de porco. Uma “mistura perfeita”, como descreveu o
falecido Anthony Bourdain, no final do programa que realizou em Lisboa, enquanto comia
uma bifana numa tasca da capital.
Após a fase de teste, estes novos produtos não só acabaram por se implementar nos
menus dos restaurantes portugueses desta multinacional mas também abriram as portas
para o desenvolvimento de outros.
Primeiro, foi o lançamento do hambúrguer Maestro Queijo da Ilha, fabricado com queijo
de São Miguel. “O novo hambúrguer Maestro Queijo da Ilha é o reflexo de mais uma
aposta da McDonald’s em ingredientes de sabor português, com um paladar
diferenciador”, diz Inês Lima, diretora de marketing da McDonald’s.
Em julho do ano passado, os menus passaram a ter o hambúrguer Rústico, com pão
produzido em Portugal. Atualmente, um português consegue entrar num McDonald’s e
fazer uma refeição completa com sabor português, começando na sopa, passando pela
bifana, acompanhada por uma salada, e acabando no pastel de nata com uma bica.
UM SUCESSO SEXAGENÁRIO
No que respeita a cereais, somos o povo que mais gosta de os comer em papa. Por essa
razão, a Cerelac e o Nestum são campeões de vendas no mercado nacional. Produzido
na fábrica de Avanca, terra natal de Egas Moniz – o médico que trouxe, em 1923, a
Nestlé para Portugal –, o Nestum surgiu no nosso país em 1958. Na altura chamava-se
apenas Nestum Rico em Proteínas. Era a primeira vez que apareciam em Portugal os
cereais de pequeno-almoço em flocos. A moda pegou e, ao longo dos anos, foram sendo
desenvolvidos outros sabores, como figo e arroz. Mais tarde, surgiram chocolate, alperce
e amêndoas, entre outros. Muitos destes sabores foram retirados do mercado, hoje
restam nove, e mais adaptados aos hábitos de consumo atuais. Mas, apesar do
rejuvenescimento do sabor, há um que não só se mantém firme como lidera as vendas
deste produto: o Nestum com Mel.
Atualmente, a fábrica de Avanca produz 12 mil toneladas por ano de Nestum, na sua
grande maioria consumido em Portugal. “Ao todo, consomem-se em Portugal 47 mil
caixas de Nestum por dia”, diz Gonçalo Granado, diretor de comunicação e marketing da
Nestlé.
A que se deve este sucesso? “Enquanto nos outros mercados, os cereais são
consumidos pelas crianças, em Portugal são apreciados por todas as idades”, salienta.
“Estas bebidas voltam a ter, nos dias de hoje, uma grande procura, por duas razões. Pela
tendência da população em procurar bebidas mais saudáveis, à base de cereais, e pela
opção de reduzir o consumo diário
de cafeína”, explica o gestor.
O KADJAR PORTUGUÊS
Quando o mercado dos pequenos SUV começou a crescer exponencialmente em todo o
mundo, a Renault não quis ficar de fora. Apresentou o Renault Kadjar como a sua grande
aposta neste segmento. No entanto, o modelo não foi lançado em Portugal, um mercado
onde a marca francesa tem uma tradição histórica de líder de vendas. A razão foi
simples. Face à legislação nacional, o Kadjar iria pagar a tarifa de classe 2 nas
portagens, o que seria um forte argumento para que o veículo vendesse pouco. Dois
anos após o lançamento mundial, eis que surge o Kadjar em Portugal a pagar… classe 1.
Vamos por partes. Todos os veículos que tenham uma altura superior a 1,1 metros no
eixo dianteiro pagam classe 2. Mas a lei cria uma exceção para veículos com cinco ou
mais lugares e um peso bruto acima dos 2 300 kg, desde que não tenham tração às
quatro rodas.
O Kadjar sem tração às quatro rodas pesava menos do que os 2 300 kg. A solução
encontrada passou por trocar o eixo semirrígido da versão 4x2 pelo eixo traseiro
multibraços que é utilizado na versão 4x4, mas mantendo o veículo apenas com tração a
duas rodas. Com esta configuração, o Kadjar ficou com um peso bruto de 2 305 kg, ou
seja, mais 5 kg do que a lei obriga para poder pagar classe 1 nas portagens. Portugal
ficou assim com um Kadjar exclusivo, com uma configuração – um 4x2 com um eixo
traseiro multibraços – que não existe em mais parte nenhuma do mundo.