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A construção de um mito nas narrativas da marca Apple:

história de vida, publicidade e ficção sobre Steve Jobs


Beatriz Braga BEZERRA - ESPM1
Viviane RIEGEL - ESPM/Goldsmiths College2

Resumo: A trajetória de Steve Jobs se relaciona com a da marca que ele fundou, a Apple. A partir das diferentes
narrativas relacionadas à marca, tanto pela história de vida, quanto pela produção de publicidade e ficção
cinematográfica sobre Jobs, buscamos compreender como ocorreu a construção de um mito, como proposta
estratégica de consumo de seu brandscape. Para esse estudo, seguimos o caminho analítico do discurso crítico,
que nos permitiu demostrar os diferentes textos e imagens que compõem o mito da marca Apple, chamado Steve
Jobs.
Palavras-chave: Marca; Narrativas de consumo; Mito.

Abstract: The story of Steve Jobs is related to the brand he founded, Apple. From the different narratives related
to the brand, whether in the history of life, or in the production of advertising and of a moving picture about
Jobs, we aimed to understand how did the construction of a myth take place, as a strategic consumption proposal
of their brandscape . For this study, we followed the analytical path of critical discourse, which allowed us to
demonstrate the different texts and images that make up the myth of the Apple brand, called Steve Jobs.
Keywords: Brand; Consumption Narratives; Myth.

1. Introdução

Steve Jobs foi um dos criadores da multinacional Apple Inc. nos Estados Unidos em 1976.
Sua empresa passou a ser conhecida por sua logomarca, uma maçã com uma mordida, e em
2013 atingiu o ponto mais alto dos rankings de valor de mercado nos Estados Unidos e de
marca mais valiosa no mundo. Sendo conhecida por seus produtos, como o computador
Macintosh, o iPod, iPhone, iPad, entre outros, a marca também tem em seu fundador um de
seus principais símbolos, que representa a trajetória da empresa ao longo desses quase 40 anos
de existência.
A partir das diferentes narrativas relacionadas à Apple, tanto pela história de vida, quanto
pela produção de publicidade e ficção cinematográfica sobre Steve Jobs, buscamos
compreender como ocorreu a construção de um mito, como proposta estratégica para
consumo da marca.
Para isso, analisaremos (1) a narrativa publicitária da Apple, por meio das campanhas
“1984”, “Crazy ones”, “iPod Silhouettes” e “1984 Revisited”; (2) a narrativa literária da
história de vida de Steve Jobs, por meio da biografia “Steve Jobs” publicada por Walter
Isaacson; e (3) a narrativa audiovisual dessa história, na ficção cinematográfica “Jobs”. Para
esse estudo, seguimos o caminho analítico proposto por Norman Fairclough (2001), nas
relações indissociáveis entre práticas sociais e discursivas: os textos e filmes possuem tanto

1
Doutoranda em Comunicação e Práticas de Consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM e
Mestre pelo PPGCOM-ESPM. E-mail: beatriz.braga@hotmail.com
2
Doutoranda em Sociologia na Goldsmiths College (University of London) e em Comunicação e Práticas de
Consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM e Mestre pelo PPGCOM-ESPM. E-mail:
viviane_riegel@terra.com.br.
uma estética documental quanto uma estética ficcional, e em ambas o estatuto de verdade é
sustentado pelo efeito de real da história representada (BARTHES, 1994).

2. Marcas e narrativas de consumo

Conforme propõe Adam Arvidsson (2005), a utilização de diferentes narrativas para


consumo é uma das formas que as marcas usam para permear nossas vidas: a publicidade em
todas as suas formas, a colocação de produtos em filmes, videogames e outros produtos de
mídia, patrocínio de empresas desde eventos desportivos até exposições e livros escolares
infantis, e não menos importante, os logos onipresentes que enfeitam nossos corpos.
É nessa múltipla perspectiva que está a base econômica da marca, a partir da sua
capacidade de provocar familiaridade, confiança e conforto no consumidor, levando-o a
consumi-la constantemente, ajudando a criar uma ordem econômica afetiva (LASH e LURY,
2007). Isto significa que as representações do que é uma marca se transformam e passamos a
nos relacionar com ela de forma mais próxima, mais constante e mais afetiva. Diante dessa
transformação, a necessidade da marca como mercadoria pode ser questionada, sendo que a
gama de produtos com a proposta de “mercadorias experienciais” (ARVIDSSON, 2006, p.
35) cresce, e os conceitos das marcas se tornam mais completos e mais focados no
consumidor. Ou seja, uma marca não é mais um símbolo de um produto ou um bem em si,
mas as associações e as experiências que a marca produz nos consumidores.
Em uma perspectiva crítica, argumentamos que as marcas e seus instrumentos de
gerenciamento permeiam nossa vida por meio de diferentes narrativas de consumo: a
publicidade em todas as suas formas, a colocação de produtos em filmes, videogames e outros
produtos de mídia, e não menos importante, os logos onipresentes que enfeitam nossos
corpos. “Marcas funcionam como plataformas para ação, que permitem a produção de
determinados bens imateriais: uma experiência, uma emoção compartilhada, um senso de
comunidade” (ARVIDSSON, 2005, p. 8).
Nessas interações diversas ocorrem diferentes experiências, que constroem o que é
denominado por Craig Thompson e Zeynep Arsel (2004) de brandscape. Tal panorama é
pautado nos mediascapes (que apresentam e disseminam informação, construindo formas de
consumo de entretenimento ou informação) e possui signos que compõem a enunciação das
marcas, assim como os significados que os indivíduos traduzem da ideia de suas experiências.
Enquanto aparecem em grande variedade de formatos, os brandscapes têm um elemento
comum: a geração e a exploração do afeto do sujeito consumidor. Prometendo ao consumidor
algo completamente consumível para aumentar a sua experiência com a marca, permitindo-
lhes descobrir seus significados mais intrínsecos e, portanto, para cimentar a sua relação com
a marca, os brandscapes são espaços cuja experiência provoca emoções nos consumidores,
que irão ressurgir assim que ele reencontrarem a marca em qualquer outro lugar em suas vidas
(WOOD e BALL, 2013). Os brandscapes reconstroem o consumidor como um corpo afetivo,
que deseja, que busca prazer ao consumir as narrativas da marca. E nesse panorama surgem
diferentes possibilidades de representações, como a construção de mitos.
No caso das narrativas da marca Apple, há elementos na sua história que formulam o mito,
pela jornada do herói (CAMPBELL, 1997), tanto no seu fundador quanto em diversos de seus
produtos. Por motivos tão diversos como a sua filosofia de design estético abrangente, ou
como suas campanhas publicitárias distintas, a Apple estabeleceu uma reputação única na
indústria de eletrônicos. Isso inclui uma base de clientes que é dedicada à empresa e à marca,
traduzindo o valor da marca em engajamento e lealdade. Esta lealdade de usuários da Apple
tem sido caracterizada como um exemplo de comunidade de marca há décadas.
A Apple tem trabalhado para cultivar uma personalidade de marca forte baseada nas idéias
de não-conformidade, inovação e criatividade. Um tema da estratégia de branding emocional
da empresa é a esperança que cultiva nos consumidores, para que se tornem um tipo de pessoa
diferente, o que seria resultado do consumo dos símbolos da marca. Na personificação desse
personagem que inspira os consumidores de Apple, consolidam-se as narrativas do mito
chamado Steve Jobs.

3. Novas narrativas de marca e a consolidação do mito

Dentre as estratégias contemporâneas de comunicação publicitária podemos destacar o


branded content, o marketing viral e o product placement. A primeira estratégia diz respeito
aos conteúdos de entretenimento desenvolvidos por marcas, descrita por Scott Donaton
(2007); a segunda aponta o grande potencial de compartilhamento de conteúdos através das
redes sociais digitais, contextualizada por Nelito Silva (2008); e a terceira afirma a relevância
do respeito ao momento de fruição dos consumidores em comparação aos tradicionais
anúncios televisivos que insistem no hábito de “partir” os programas, novelas e filmes com
intervalos comerciais (BLESSA, 2006).
Essas práticas atuais trazem em comum a característica do entretenimento que se mescla,
cada vez mais, aos discursos persuasivos. Rogério Covaleski (2010) afirma que a publicidade
sofre, então, um processo de hibridização. As ações estariam compostas por quatro dimensões
constituintes: a) persuasão – o discurso persuasivo está diluído em uma narrativa, mas não
perde sua carga suasória; b) entretenimento – o produto midiático tem a função de entreter o
público, recobrindo de ação, humor, romance a mensagem comercial; c) interação – o
conteúdo deve ter capacidade de mediação; e d) compartilhamento – a mensagem deve ter alta
probabilidade de recomendação.
Percebe-se, portanto, que esse novo formato de publicidade pretende, com um
conteúdo único em cada mensagem, interagir com o público e persuadi-lo de maneira singular
e envolvente, incentivando a partilha desse momento com os demais conectados. Com essa
constituição a publicidade reconfigurada se assume mais próxima do consumidor que –
indivíduo em uma sociedade em transformação – demanda conteúdos também permeados de
hibridismos.
Para Roland Barthes (1987), o mito seria uma fala, uma mensagem, um sistema de
comunicação. “O discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o
esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de apoio à fala mítica” (p.200).
Sal Randazzo (1996) afirma que a publicidade se utiliza do universo mítico objetivando
conferir emoções e, assim, se aproximar da mente humana. Missila Cardozo (2004) explica:
Nossos sonhos e fantasias são refletidos nas mídias diariamente, porque a
publicidade não vende apenas produtos, ela cria um vínculo emocional entre
a marca e o consumidor, ao humanizá-lo e dar ao produto uma identidade,
uma personalidade e uma sensibilidade próprias. A publicidade tem o poder
de mitologizar as marcas vestindo-as com os sonhos e as fantasias do
consumidor (p.78).

A publicidade estabelece, então, uma conexão entre os produtos/serviços anunciados – e


suas respectivas empresas e marcas –, e os personagens criados por ela tomando por base
imagens arquetípicas de larga difusão social. O público, por sua vez, contempla e consome
tais construções míticas através dos diversos formatos e nas distintas plataformas, assumindo
sua posição enquanto decodificadores da mensagem publicitária que fora, assim, pensada de
modo mais “simples” se apoiando nos estereótipos.
Retornando à visão de Barthes (1987), compreendemos a publicidade como o lugar onde
os mitos se tornam imagem. Assim, a análise da construção de um mito nas narrativas da
marca remete às diferentes formas utilizadas para esse processo, assim como a produção e
reprodução das imagens que compõem esse mito. Veremos a seguir de que forma as narrativas
publicitária, literária e audiovisual se apropriaram do discurso da marca Apple na construção
da figura mitológica do co-fundador da empresa, Steve Jobs.

4. Narrativa publicitária Apple

Se compreendermos as relações indissociáveis entre práticas sociais e discursivas, a análise


da publicidade de Apple pode nos demonstrar como seu brandscape foi sendo formado, assim
como seus sentidos foram sendo destacados, dialogando, no caso de Steve Jobs, com sua
história de vida e com sua trajetória profissional na fundação e no desenvolvimento da
empresa, seus produtos e suas narrativas.
A comunicação publicitária, que absorve diversas vozes sociais, refletindo-as e refratando-
as de forma persuasiva, busca como estratégia de produção de seus textos aproximar o sujeito
consumidor desse sujeito ideal construído. “O discurso publicitário (...), para persuadir seu co-
enunciador, deve captar seu imaginário e atribuir-lhe uma identidade, por meio de uma cena
de fala valorizada” (MAINGUENEAU, 2005, p. 90). Aquelas cenas de fala que já estão
instaladas na memória coletiva são as cenas validadas (MAINGUENEAU 2005, p. 92), e
formam os modelos de experiência que se valorizam.
Segundo Dominique Maingueneau, o discurso publicitário, em sua própria enunciação,
apoia-se em estereótipos3 validados, para incorporar o que prescreve, incorporação que se dá
no imaginário da marca: “a publicidade põe em primeiro plano o corpo imaginário da marca
que supostamente está na origem do enunciado publicitário” (MAINGUENEAU, 2008, p. 1).
A partir da compreensão da intencionalidade da comunicação e das estratégias persuasivas
da comunicação publicitária, analisamos o discurso da comunicação publicitária da marca
Apple em dois de seus textos, verificando as duas questões propostas por Maingueneau (2005;
2008): 1) a captação do imaginário do co-enunciador por meio de atribuição de uma
identidade; 2) utilização de estereótipos validados incorporados no imaginário da marca.

a) Filme publicitário “1984”

O filme denominado “1984”4, feito para o lançamento do Macintosh em 1984, é o primeiro


filme publicitário de Apple com grande visibilidade, dirigido pelo famoso diretor de cinema
Ridley Scott, e veiculado somente uma vez, no Super Bowl. O Super Bowl, jogo final do
campeonato anual de futebol americano profissional, é o evento de maior visibilidade e mais
caro do mercado publicitário norte-americano e mundial. Historicamente, anunciantes
utilizam esse evento para apresentar em seu intervalo filmes publicitários de destaque. O
filme “1984” foi inserido nesse espaço publicitário seguindo essa lógica e sua repercussão foi

3
Lippmann (1972, p. 16) define os estereótipos como imagens mentais que se interpõem, sob a forma de
enviesamento, entre o indivíduo e a realidade. Segundo o autor, os estereótipos formam-se a partir do sistema de
valores do indivíduo, tendo como função a organização e estruturação da realidade.

4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2zfqw8nhUwA. Acesso em: 02 de junho de 2015.
tão representativa que até hoje ele é considerado o filme publicitário mais assistido na história
da publicidade mundial. Isso quer dizer que ele não foi assistido somente no seu momento de
veiculação, no intervalo do Super Bowl, mas inúmeras vezes posteriormente em gravações e
via Internet.
O produto apresentado nesse filme, o Macintosh, era um lançamento de um computador
pessoal de mesa (um desktop), que trazia diversas inovações tecnológicas e um novo sistema
operacional, fator que apresentava uma ruptura no mercado de computadores da época. Ele foi
uma importante conquista que marca a busca de Steve Jobs por um computador pessoal que
oferecesse um avanço importante na interface gráfica, tratamento de vídeo, imagem e som,
questões relevantes para a criação e para o crescimento da Apple. Macintosh é também uma
menção a um tipo de maçã, elemento que virou um dos símbolos mais relevantes da marca,
como sua logomarca. O nome Macintosh virou referência aos computadores Apple, que até a
atualidade são também chamados de Mac pelo público (o produto atualmente é denominado
de iMac). Na época, a empresa líder desse mercado era a IBM, e ela possuía grande
participação do mercado, sendo a principal fornecedora tanto de computadores pessoais
quanto de sistemas para utilização nesses produtos. Logo, IBM era o grande concorrente do
mercado que Apple buscava combater e superar.
O filme “1984” (os frames das sequencias do filme estão recortados na ordem na Figura 1
a seguir) inicia com uma imagem de trabalhadores marchando dentro de um túnel, com a
locução de um homem: "Today we celebrate the first glorious anniversary of the Information
Purification Directives5”. Aparece, então, uma mulher com um martelo nas mãos e seguranças
armados correndo, com a locução: “We have created for the first time in all history a garden
of pure ideology, where each worker may bloom, secure from the pests of any contradictory
true thoughts6”. Surge, então, uma sala com uma tela, onde está a imagem do homem locutor,
e uma plateia, formada pelos trabalhadores sentados, e o discurso segue, enquanto outros
entram marchando e a mulher com o martelo continua correndo, seguida dos seguranças:
“Our Unification of Thoughts is more powerful a weapon than any fleet or army on earth. We
are one people, with one will, one resolve, one cause7”. A mulher com o martelo entra, então,
nessa sala onde o discurso está sendo projetado e gira o martelo, enquanto os seguranças
também chegam para detê-la, no fundo a locução segue: “Our enemies shall talk themselves
to death and we will bury them with their own confusion8”. O martelo é arremessado contra a
tela e a atinge durante o pronunciamento da frase: “We shall prevail!9”. Da tela sai um estouro
e no rosto dos espectadores sentados há uma fumaça branca, e suas feições espantadas,
enquanto um letreiro sobe na tela, na voz de outro narrador: “On January 24th Apple
Computer will introduce Macintosh. And you'll see why 1984 won't be like '1984'10".

Figura 1 – Frames do filme publicitário “1984”

5
Tradução livre do autor: Hoje nós celebramos o primeiro aniversário glorioso das Diretivas de Purificação da
Informação.
6
Tradução livre do autor: Nós criamos pela primeira vez em nossa história um jardim de pura ideologia, onde
cada trabalhador pode florescer, protegido das pestes de quaisquer pensamentos verdadeiros contraditórios.
7
Tradução livre do autor: Nossa Unificação de Pensamentos é uma arma mais ponderosa do que qualquer frota
ou exército na Terra. Nós somos um povo, com uma vontade, uma resolução, uma causa.
8
Tradução livre do autor: Nossos inimigos devem se convencer a morrer e nós os enterraremos com sua própria
confusão.
9
Tradução livre do autor: Nós devemos prevalecer!
10
Tradução livre do autor: Em 24 de Janeiro a Apple Computer apresentará o Macintosh. E você verá porque
1984 não será como ‘1984’.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2zfqw8nhUwA. Acesso em: 02 de junho de 2015.

A primeira parte do filme “1984” remete à formação de um discurso desse ambiente


distópico, escuro, sem emoções, onde as informações e a ideologia foram purificadas pelas
diretivas, e não há mais espaço para as pestes e as contradições dos pensamentos verdadeiros,
o que resultaria nesse exército de pensamentos unificados. Na construção estética, discursiva
e simbólica desse filme, estão presentes as narrativas do livro “1984”, de George Orwell
(1949), mencionado também ao final do texto. Na obra de Orwell, é apresentada uma
sociedade distópica, totalitária, onde os indivíduos não possuem liberdades próprias e não
tomam suas próprias decisões, são controlados por um líder, o Big Brother (grande irmão), e
suas diretrizes, que são repetidas continuamente em telas espalhadas pelos diversos espaços
esvaziados e escuros. A citação do livro de Orwell, com a apresentação das imagens dessa
sociedade distópica, da figura dos sujeitos sem vida e do grande irmão, e com a formulação de
um discurso baseado na narrativa da obra literária, é uma produção de sentido usada pela
marca em sua comunicação publicitária, para representar o contexto do mercado de
informática (de informações) daquele momento. Nessa representação, o líder do mercado, o
responsável pela falta de opções diversas e principalmente pela liberdade dos indivíduos
(consumidores de computadores pessoais), é a grande empresa de informática daquele
momento, a IBM. A empresa é, assim, representada como o grande irmão que dita o que os
usuários podem consumir e ter acesso, que não permitiria concorrência e que buscaria
eliminá-la.
A segunda parte do filme, com a entrada da mulher com o martelo seguida pelos
seguranças, representa o inimigo, que causaria confusão nesse universo apresentado pelo livro
e pela publicidade. Como inimiga, ela é perseguida e deve ser eliminada (com armas,
inclusive). Ao encontrar a fonte, o alvo de sua contestação, a imagem do grande irmão, ela
arremessa o martelo e quebra a tela, propondo a revolução, a ruptura desse estado de anestesia
que estavam esses sujeitos representados no vídeo. No ano de 1984, com o lançamento de
Macintosh no mercado, os consumidores de computadores pessoais ver-se-iam libertados do
regime totalitário do mercado. A história passaria a ser, portanto, diferente à do livro de
Orwell, citado na fala final do texto publicitário. A apresentação do produto da Apple promete
essa ruptura no mercado, uma visão diferente, destoante, que promete inovação, novos
pensamentos, maior liberdade.
Ao utilizar essas cenas como referência e representação e propor uma produção de sentidos
que remetem à revolução, a uma solução para a falta de liberdade que os consumidores
possuíam no mercado, Apple constrói seu discurso publicitário. Nesse discurso, a partir da
proposta de análise de Maingueneau (2005; 2008), encontramos: 1) a captação do imaginário
do co-enunciador, do consumidor de computadores pessoais, que precisava de novas
ferramentas tecnológicas e de maior facilidade de interface, por meio de atribuição de uma
identidade para a marca Apple, de inovadora e revolucionária; 2) a utilização de estereótipos
validados, como a sociedade distópica, o grande irmão e a história de Orwell, incorporados no
imaginário de Apple, como a solução para esse cenário negativo e totalitário.
Esse filme torna-se um discurso fundante da Apple, e contribui na construção da
intencionalidade em cultivar uma personalidade baseada nas ideias de não-conformidade e
inovação. Nessa perspectiva, sua estratégia de cultivar esperança nos consumidores,
propondo um novo projeto de sociedade, uma nova forma de pensar e de se expressar, é um
discurso que torna-se presente no panorama da marca.

b) Filme publicitário “Think different”

Figura 2 – Publicidade de revista “Think Different”

Fonte: https://www.pinterest.com/pin/74027987596718375/. Acesso em: 02 de junho de 2015.

O filme “Crazy ones”, de 199711 marca a introdução de um novo slogan, “Think Different”,
e o retorno de Steve Jobs à Apple, como CEO, doze anos depois de sua demissão. O filme
mostra diversas imagens de personalidades como Mahatma Ghandi e Martin Luther King, e
os relaciona com os “loucos”, que mudaram o mundo. O texto, recitado como um manifesto a
esses personagens “loucos”, porém geniais, termina com uma visão utópica (em contraposição
às imagens distópicas do primeiro filme), de possibilidade de se mudar o mundo: “Porque as
pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo, são as que de fato,
mudam”12. O retorno de Jobs e a continuação da narrativa da marca Apple permitem que
compreendamos as representações no texto desse filme, de Steve Jobs como um desses loucos
que querem e podem mudar o mundo. O slogan, “Think Different”, também se conecta ao
sentido daqueles que querem mudar e pensam de forma “não normal” (ou loucos), e é
novamente uma forma de combater a imagem da concorrente IBM, que teve como slogan o
texto “Think”.

c) Filme publicitário “Think differente”

Figura 3 – Frame do filme publicitário “iPod Silhouettes”

11
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nmwXdGm89Tk. Acesso em: 02 de junho de 2015.
12
Trecho do texto do filme Crazy ones (1997), traduzido livremente pelo autor do original em inglês.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oFiEPEWK6xY&list=PL7JtADjbou7LrqLa21JKl6JHLZkO_z7fe.
Acesso em: 02 de junho de 2015.

Os filmes criados para a campanha “iPod Silhouettes”13, a partir de 2003 até 2006,
introduzem o iPod, um produto que marca uma grande inovação no mercado tecnológico e
musical. Com esse produto, o brandscape da Apple se amplia com novas possibilidades de
práticas, fato que será ainda mais consolidados com os lançamentos que seguiram, como o
iPhone e o iPad. Essa amplitude é perceptível também na multiplicação dos gêneros musicais,
que são trabalhados nos diferentes filmes da campanha, como rock, pop, hip hop. Os filmes
mostram o aparelho branco em destaque, sendo utilizado por silhuetas, figuras na cor preta,
contra fundos coloridos de tela. Quando Steve Jobs lançou o iPod em outubro de 2001, ele
afirmou que ouvir música não seria nunca mais a mesma coisa. Dessa forma, sua busca em
criar diferenças, mudar determinadas formas e práticas (como foi mostrado desde a introdução
do Macintosh, fato que foi resgatado com o relançamento do filme “1984” em 2004, o “1984
Revisited” com a inserção do iPod, dialogando com o texto de inovação que rompe com a
realidade das grandes indústrias, das grandes narrativas), se evidencia novamente, aqui
atingindo uma nova abrangência narrativa e simbólica.

d) Filme publicitário “What will your verse be?”

Em 2014, 30 anos depois do lançamento do filme que marcou a história publicitária e a da


Apple, é lançado um filme denominado “What will your verse be?”14. O filme introduz uma
proposta de produção de narrativas pelos consumidores, com a utilização do produto iPad,
lançado em 2010. O brandscape assume nesse momento não somente a produção e o
consumo de tecnologia, música, telefone, internet, fotos, vídeos (proporcionados pelos
produtos Apple, especificamente todos eles no produto iPad apresentado na campanha), mas
também as histórias dos próprios usuários, dos sujeitos que consomem Apple e produzem
com seus produtos.
O filme “What will your verse be?” traz imagens de captura e interação com ferramentas
do produto iPad. São imagens de natureza, de pessoas, em diferentes práticas, em diferentes

13
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=oFiEPEWK6xY&list=PL7JtADjbou7LrqLa21JKl6JHLZkO_z7fe. Acesso
em: 02 de junho de 2015.
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B2IaaFz4Fz4. Acesso em: 02 de junho de 2015.
partes do mundo. Ao fundo dessas imagens, há uma locução de uma voz reconhecida, a do
ator Robin Williams, recitando um trecho do texto do filme que protagonizou, Sociedade dos
Poetas Mortos (WEIR, 1989):
“We don’t read and write poetry because it’s cute. We read and write poetry
because we are members of the human race. And the human race is filled
with passion. And medicine, law, business, engineering – these are noble
pursuits and necessary to sustain life. But poetry, beauty, romance, love –
these are what we stay alive for. To quote from Whitman, ‘O me, O life of
the questions of these recurring. Of the endless trains of the faithless. Of
cities filled with the foolish. What good amid these, O me, O life? Answer:
that you are here. That life exists and identity. That the powerful play goes
on, and you may contribute a verse’. “That the powerful play goes on, and
you may contribute a verse. What will your verse be?”

A utilização do texto do filme protagonizado por Williams remete ao projeto para o


produto iPad, denominado “Your Verse” (Seu verso, apresentada no site da Apple, conforme
Figura 2). Assim como no filme publicitário, no site são compartilhadas algumas das histórias
de consumidores de iPad. O projeto pede aos consumidores Apple um verso, fazendo
referência à contribuição que o poeta norte-americano Walt Whitman (1855)15 propõe em seu
poema “O me, O life!”. Esse verso, como descreve o professor Keating (personagem
representado por Williams), é poesia e romance, mas também é negócios e engenharia, na
sustentação e na razão da vida. A tecnologia e a inovação de iPad permite a expressão da
beleza e do amor dos sujeitos que se envolvem nessa peça poderosa da vida. O sujeito faz
parte dessa vida, contribuindo com suas histórias. O poema, o verso que pode ser criado com
as ferramentas do iPad, é uma forma de representar a vida, a identidade do consumidor Apple.

Figura 2 – Página do site “What will your verse be?”

Fonte: http://www.apple.com/your-verse/. Acesso em: 02 de junho de 2015.

Para apresentar o texto, o filme publicitário demonstra diferentes formas de uso do iPad,
como formas de se fazer um verso, e a partir dele, a poesia, a beleza, o romance e o amor.

15
Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/1322/1322-h/1322-h.htm. Acesso em: 04 de junho de 2015.
Essas imagens incluem biologia marinha, escalar montanhas, coreografias de dança, música,
educação, medicina, produção de filme, e atletismo. Todas as práticas que, segundo o texto,
dão suporte à vida. Atividades que podem ser praticadas e mediadas pelas ferramentas
oferecidas pelo produto Apple apresentado.
Ao utilizar essas cenas como referência e representação e propor uma produção de sentidos
que remetem à contribuição à raça humana, Apple segue na construção de seu discurso
publicitário. Nesse discurso, a partir da proposta de análise de Maingueneau (2005; 2008),
encontramos: 1) a captação do imaginário do co-enunciador, do consumidor de iPad, com a
participação efetiva na construção da narrativa da marca, com o envio de histórias, de
imagens, músicas, vídeos, feitos com esse produto, atribuindo assim à identidade da marca
Apple pequenas partes da identidade de cada um de seus interlocutores; 2) a utilização de
estereótipos validados, como a narrativa poética do filme e de Whitman, incorporados no
imaginário de Apple, como ferramenta que dá suporte à vida e possibilita, portanto, que os
indivíduos produzam aquilo que realmente precisam para dar significado às suas vidas: a
poesia.
Esse filme contribui para o discurso da Apple, na intencionalidade em cultivar uma
personalidade baseada nas ideias de inovação e criatividade. Nessa perspectiva, sua estratégia
de cultivar esperança nos consumidores, de inspirá-los, propondo um projeto individual, que
pode tornar-se coletivo, uma forma de cada indivíduo tornar-se único e ao mesmo tempo
pertencer à comunidade da marca.
O brandscape assume agora não somente tecnologia, música, telefone, internet, fotos,
vídeos, mas também as histórias dos próprios sujeitos que consomem Apple e produzem com
seus produtos. A partir das imagens e da locução do filme Sociedade dos Poetas Mortos, o
poema, o verso que pode ser criado com as ferramentas do iPad, é uma forma de representar a
vida, a identidade do consumidor Apple, do grande poeta (morto) da marca, Steve Jobs.

5. Narrativa literária “Steve Jobs”

Da narrativa publicitária de representação do mito Steve Jobs no brandscape da Apple,


analisamos a narrativa literária, que tem como principal produto a biografia “Steve Jobs”,
publicada por Walter Isaacson (2011). A história da vida de Jobs é narrada, com base em mais
de quarenta entrevistas concedidas por ele ao longo de dois anos e entrevistas com mais de
cem familiares, amigos, colegas, e concorrentes. Embora tenha cooperado com esta obra, Jobs
não pediu controle sobre seu conteúdo, ou o direito de lê-lo antes de ser publicado, tendo
incentivado seus conhecidos a falarem sobre ele com franqueza.
O texto do livro possui, portanto, uma estética documental, cujo estatuto de verdade é
sustentado pelo efeito de real da história representada (BARTHES, 1994), com suas múltiplas
fontes e com as citações dos personagens que fizeram parte da vida de Jobs e com suas
próprias palavras.
A história narra a vida atribulada do empresário inventivo e de personalidade polêmica,
cuja paixão pela perfeição e energia indomável revolucionaram grandes indústrias:
computação pessoal, cinema de animação, música, telefonia celular, computação em tablet e
edição digital. As múltiplas vozes presentes nessa narrativa apresentam um painel com as
paixões, demônios, perfeccionismo, desejos, talento artístico, manias e obsessão controladora
que formaram sua atitude empresarial e os produtos inovadores que criou. Desde o início a
história mostra essa dualidade da personalidade de Jobs, como se posse possível falar dele
como duas pessoas com lados de atração e repulsão.
Passando pelos desafios iniciais de sua carreira na Atari, a história mostra as fases iniciais
do projeto que levou à fundação da Apple e seus primeiros produtos. Nas relações
profissionais, são apresentados tantos os conflitos e a necessidade de controle (possivelmente
resultantes do sentimento de abandono da infância), quanto a criatividade e o esforço para o
desenvolvimento de cada detalhe de seus projetos. A descrição do lançamento do Macintosh é
feita em analogia a uma revolução, tanto tecnológica, quanto ideológica. Segundo Isaacson
(2011), esse conceito era algo que soava familiar para Steve Jobs, que se sentia um rebelde.
Ele gostava de pensar em si como um rebelde e queria ser visto mais como um cidadão da
contracultura, do que da cultura corporativa. A combinação entre invenção e ideias de Jobs é
que permitia a ruptura com certas estruturas. Os momentos de reviravolta, a saída e o retorno
à Apple, os novos projetos (como a Pixar), os novos produtos, como o iPod, iTtunes, iPhone,
iPad, são apresentados pelo aspecto de desenvolvimento tecnológico e de inovação
mercadológica.
No âmbito pessoal, além de sua infância e a questão da adoção, que causaram algumas
dificuldades na estrutura emocional de Jobs, a história também mostra a paternidade precoce,
a relação familiar, as paixões pessoais (incluindo a música), e o câncer que levou a sua morte
em 2011. A face “real” de Steve Jobs é delineada pelo biógrafo, buscando nas falas dos
familiares e nas histórias de seu protagonista as possíveis explicações para a genialidade do
mito reconhecido pela sociedade.
Como biógrafo de outros homens considerados mitos, como Albert Einstein e Benjamin
Franklin, Isaacson busca em sua narrativa descrever seus atos, mas igualmente celebrar a
existência dessas figuras. Em algumas de suas palavras a seu biógrafo, sobre o que ele
imaginaria ser a vida após a morte, Steve Jobs afirmou: “It’s strange to think that you
accumulate all this experience, and maybe a little wisdom, and it just goes away. So I really
want to believe that something survives, that maybe your consciousness endures”16
(ISAACSON, 2011, p. 274). Essa fala de Jobs nos remete à narrativa póstuma da publicidade
de iPad, que o gênio, a partir de sua experiência de vida, contribua com seu verso, com sua
história.

6. Narrativa audiovisual “Jobs”

Reafirmando os ideais descritos nas publicidades da Apple e também no livro


anteriormente analisado, o filme Jobs (Joshua Michael Stern, 2013) teve grande destaque na
mídia por retratar a biografia de um dos grandes nomes da atualidade, Steve Jobs. Tendo
como foco o cofundador da empresa Apple, a obra cinematográfica está permeada de menções
e argumentos em defesa da marca e de seus diversos produtos apresentados ao longo da
trama. Abaixo podemos ver a sinopse do filme:
De hippie sem foco nos estudos a líder de uma das maiores empresas de
tecnologia do mundo. Este é Steve Jobs (Ashton Kutcher), um sujeito de
personalidade forte e dedicado, que não se incomoda de passar por cima dos
outros para atingir suas metas, o que faz com que tenha dificuldades em
manter relações amorosas e de amizade (JOBS, 2013)17.

Já a partir desse texto é possível perceber a ênfase dada no filme aos traços fortes e
questionáveis da personalidade de Jobs. Composto de modo não linear, o roteiro parte do
lançamento do iPod em 2001 e regressa no tempo para dar início à trajetória de Steve, desde
16
Tradução livre pelo autor: É estranho pensar que você acumula toda essa experiência e talvez um pouco de
sabedoria, e que isso simplesmente vai embora. Então eu realmente quero acreditar que algo sobrevive, e que
talvez sua consciência dure.
17
Texto da contracapa do DVD. Disponível em: http://goo.gl/YjQQht. Acesso em: 20/03/2015.
sua passagem pela universidade até a fundação e o sucesso da empresa Apple. Passando por
uma fase “hippie”, quando usa drogas, anda descalço e reflete bastante sobre o fato de ter sido
abandonado por seus pais biológicos, ele decide abandonar os estudos (era avesso aos moldes
convencionais de ensino) e se empenhar no trabalho.
Figura 5 – Ashton Kutcher em cena inicial de Jobs

Fonte: http://goo.gl/ha7ftj. Acesso em: 02 de junho de 2015.

É na Atari que sua carreira parece ter um início realmente marcante. Seu chefe, após
passar-lhe um sermão por mau comportamento junto à equipe, propõe uma tarefa desafio.
Caso conseguisse programar um jogo de computador em cores com o menor recurso possível
e em um prazo apertado, receberia US$ 5 mil. Auxiliado por seu colega Steve Wozniak, Jobs
entrega o jogo ao chefe e sua questionável postura já se revela ao repassar para esse colega
somente US$ 350.
Por outro lado, Jobs se depara com o novo trabalho de Wozniak e enxerga ali uma
oportunidade: um computador atrelado ao visor da televisão. Era o protótipo do computador
pessoal. A partir de uma feira de inventores, Jobs consegue um negócio com um comerciante
do ramo de informática para a produção de placas de computador. Dessa forma surgiu a
Apple, com uma equipe convocada para trabalhar em uma oficina improvisada na garagem da
casa dos pais de Jobs.
Desse momento em diante, a empresa evolui e ganha uma nova sede, mas Jobs continua
em suas oscilações entre discursos motivadores sobre criatividade e inovação e sermões
destemperados junto aos funcionários. O filme remonta cenas em que o líder da Apple passa
horas fazendo ligações para conseguir financiadores ou para reduzir o orçamento de seus
projetos e, em contrapartida, o momento da demissão de um colaborador aos gritos na frente
de todos por pura intolerância. Seu perfeccionismo e arrogância lhe custaram o afastamento
da companhia por votação unânime do conselho; sua genialidade e determinação o fizeram ser
recontratado, anos depois, para resgatar os valores originais da Apple.
Embora o filme tenha recebido diversas críticas18 alegando seu caráter demasiadamente
exaltador à figura de Jobs e pouco realista, ressalta-se, aqui, que a obra, embora biográfica, é
ficcional e não documental. As perspectivas tecidas sobre Jobs e a “identidade” que lhe foi
conferida são ficcionais, não cabendo aqui o julgamento de sua veracidade e sim sua análise

18
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/09/1338290-critica-jobs-o-filme-falha-ao-omitir-
lado-ordinario-de-criador-da-apple.shtml. Acesso em: 20/03/2015.
enquanto construção midiática. Evidencia-se, contudo, que a narrativa audiovisual Jobs
consolida a imagem mitológica de Steve Jobs: um gênio, um visionário, um líder. E, como
muitos daqueles reconhecidos por sua genialidade – a saber, Newton, Van Gogh, Beethoven19
–, era indomável, arrogante e, por que não, “louco”.

7. Considerações finais

Ao estudarmos o brandscape da Apple, por meio da construção do mito Steve Jobs,


compreendemos como as narrativas publicitária, literária e audiovisual da marca e sobre seu
co-fundador buscam relacionar a história de vida de Jobs com a história da própria Apple,
criando imagens e sentidos que formulam um estatuto de verdade, e que mitificam a figura
humana como símbolo da marca.
Na narrativa publicitária de Apple, estão representadas em textos e imagens as fases
marcantes da história de vida de Steve Jobs, que se entrelaçam com os momentos da marca.
Da mesma forma, as ideias do cofundador da empresa se misturam aos conceitos propostos
pela marca e se consolidam. A narrativa literária da biografia de Steve Jobs busca, na sua
proximidade com o próprio fundador da Apple e com as pessoas que se relacionaram com ele,
mostrar a história de uma vida. Ao mostrar a inventividade do ser humano e o legado do
empresário, elenca os momentos de grande relevância para a Apple, e a coloca como
personagem co-protagonista dessa história. Por fim, na narrativa fílmica temos em imagem,
som e movimento a composição da identidade mitológica de Jobs.
O brandscape incorpora o mito e se expande; Apple e Jobs se fundem. Desde as primeiras
ideias até sua morte, as criações de Steve Jobs são imortalizadas nessas imagens e nesses
textos. E dessa forma o mito foi criado e é mantido, como um elemento presente na marca
para o infinito e além.

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19
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