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Considerações iniciais

Gonçalves Dias ao escrever “Canção do Exílio”, abriu o caminho para que


muitos outros depois dele também escrevessem poemas sobre o mesmo tema. O
poema de Gonçalves Dias tem como tema a exaltação à pátria através de um
nacionalismo explícito que pode ser visto em cada verso do poema.

A proposta deste ensaio é comparar o poema “Canção do Exílio” com uma de


suas paródias, o poema “Canto de regresso à pátria” escrito por Oswald de
Andrade. O intuito da comparação dos dois poemas não é apenas analisar as
diferentes visões sobre a mesma pátria, mas é também aproximar os poemas de
nossa realidade, mostrando a relevância que o tema ainda tem na atualidade. As
infinitas recriações satíricas e poemas escritos nos moldes do poema de Gonçalves
Dias são exemplos de quão atual é “Canção do Exílio”.

A escolha do poema de Oswald de Andrade nessa comparação é baseada na


divergência de idéias e imagens do Brasil que são percebidas na leitura dessas duas
obras. Portanto, buscaremos destacar em cada poema o extremo da exaltação à pátria
e a crítica à mesma.

É importante dizer que nossa preocupação neste ensaio não é com a forma de
ambos os poemas, mas com a mensagem que cada um passa sobre a pátria. Logo,
características como: rima, métrica, formas estróficas e outras não serão examinadas.
Contudo, trataremos de qualquer aspecto formal se este for de importância para o
contraste entre os poemas, interferindo na interpretação.

Por fim, este ensaio tem seu foco nos poemas e não nos contextos histórico-
sociais ou na vida pessoal dos autores, porém algumas considerações sobre tais
dados serão necessárias para que consigamos fazer a relação entre os poemas e sua
atual relevância, pois para o entendimento de certas partes dos poemas será
necessário um conhecimento histórico da época, que agirá como uma ferramenta
para a análise, mas nunca colocado como razão de existência dos poemas.

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Canção do Exílio – A análise

Para fazermos a análise do poema de Gonçalves Dias utilizaremo-nos de


tópicos, que discursarão sobre algumas características destacadas no poema e que
serão de importância na comparação e no traço de paralelos com o poema de Oswald
de Andrade.

Os exageros

O poema já começa com um título forte, pois temos nele a palavra exílio que
traz um peso grave ao discurso do poema. Ao lermos apenas o título é possível que
imaginemos se tratar de alguém que foi forçado a sair de seu país e está preso, longe
de sua pátria, porém sabemos que Gonçalves Dias estava em Coimbra estudando e
podia voltar ao Brasil quando bem quisesse, pois naquela época, assim como
atualmente, estudar na Europa é apenas para quem tem uma boa condição financeira.
Deduzimos então que o título foi feito para acentuar o sentimento nostálgico que
envolve o poema.

Notamos em “Canção do Exílio” que o poema exalta apenas as belezas


naturais da pátria distante. Em cada estrofe há algo sobre a fauna e a flora brasileira.
Temos uma visão exagerada da Europa no poema, pois o eu lírico não encontra em
seu exílio o que há em seu país, descrito com beleza e perfeição.

A idéia de perfeição da pátria em vista do lugar de exílio pode ser vista no uso
da palavra “primor”, que em um de seus sinônimos é interpretada como perfeição,
logo vemos que a visão do eu lírico sobre a pátria também é exagerada e
ultranacionalista ao afirmar que encontra mais prazer em seu país e assim
desprezando qualquer qualidade do seu lugar de exílio. Então, aqui estabelecemos
que há um discurso perfeccionista sobre o Brasil e por outro lado um discurso de
desvalorização das qualidades do continente europeu.

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O Recorte histórico e a Visão limitada

Ao exaltar à pátria eu lírico não vê a situação político-social em que se


encontra seu país. O poema foi escrito em 1843, numa época de crise financeira de
um país recentemente independente. Ainda nos anos que rodeiam a criação do
poema, várias revoltas e movimentos separatistas tomavam conta do Brasil, dentre
eles podemos citar: começando em 1832 a Cabanada e a Federação dos Guanais e
em 1835 a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos e a Revolta dos Malês. Levando em
conta os acontecimentos citados anteriormente, é possível concluir que o poema é
livre de qualquer engajamento político ou social, pois sua única preocupação é com
“os primores” que o eu lírico tanto elogia ao falar do Brasil.

Encontramos uma visão limitada da realidade da época, pois como veremos a


seguir o Brasil é descrito como um paraíso perdido, pois este era o sentimento da
época em que o poema foi escrito. Abrams (1993; p.117) explica bem o
cumprimento da promessa da volta ao paraíso encontrado na mitologia Judaico-
Cristã ao dizer: “that a short period of retributive and cleansing violence would
Usher in na era of universal peace and felicity equivalent to a restored Paradise.”
Esta era a expectativa de muitos neste inicio de época. Inspirados pela revolução
francesa, muitos sonhavam com um paraíso na terra; podemos assim encontrar
idéias similares a esta no poema de Gonçalves dias quando leva o Brasil a ser
descrito como um verdadeiro paraíso.

Propaganda patriota

Como foi dito na seção anterior, O início do século XVII foi de grandes
acontecimentos mundiais e nacionais. O Brasil era recém independente e com todos
os problemas que tinha, precisava de alguma propaganda favorável ao país e é por
isso que nesta fase muitos escreveram, ainda que não propositalmente, para exaltar a
pátria e os elementos da mesma; vemos no poema que com Gonçalves Dias não foi
diferente. A nostalgia expressa nos versos do poema pode ser vista como um certo
orgulho de ser brasileiro, pois havia a esperança de que melhoras estavam por vir.

Se voltarmos à palavra “primor”, usada no poema, podemos agora também


inferir que há nela também um sentido de frescor, vigor, de primeiro fruto, ou seja, o

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eu lírico quer desfrutar os prazeres de um lugar recém formado, um país que acabou
de nascer e tudo o que nele há é novo que nos dá o contraste com o velho da Europa
onde estava Gonçalves Dias quando escreveu “Canção do exílio”. Enfim, o poema
serviu como um convite para que o Brasil não fosse visto como um lugar de
confusão e precariamente desenvolvido, mas como um lugar agradável e desejável
de estar.

Canto de regresso à pátria – A Análise

Passaremos agora ao poema de Oswald de Andrade que é uma parodia do


poema de Gonçalves dias. Para esta parte seguiremos o mesmo estilo aplicado no
poema “Canção do exílio”, utilizando a divisão das características a serem
relacionadas em seções.

A escravidão

Logo no primeiro verso, Oswald de Andrade brinca com as palavras


“Palmares” e “palmeiras”, nota-se que o uso da palavra “Palmares” é bem
estratégico para nos remeter ao famoso quilombo que resistiu por mais de um
século, nos lembrando que o mesmo Brasil exaltado por suas belas palmeiras era o
mesmo Brasil que tinha acabado de abolir a escravatura em 1888, devido as
imposições da Inglaterra, mas a situação do negro no país não tinha mudado em
praticamente nada e logo um ano depois o Brasil seria uma república.

O poema foi escrito em 1925, fato que enfatiza ainda mais a seriedade do
problema racial, pois já se passavam 37 anos que o negro no país tinha deixado de
ser escravo, mas essa condição de liberdade estava apenas no papel, porque na
realidade a situação do negro no país em muitos aspectos não era ainda de igualdade
com os outros e é neste absurdo que Oswald de Andrade aproveita para fazer no
poema sua primeira sátira da pátria.

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Palavras que destoam

Em alguns versos do poema, se comparados ao original parodiado, causam


uma estranheza no leitor, pois o verso adquire um sentido completamente novo ou
como veremos, não causam mudança de sentido, mas o esvaziamento do mesmo ao
usar construções que formam imagens irreais.

A troca de “Palmeiras” por “Palmares”, como vimos antes, é um exemplo


dessa troca de sentido levando o leitor a uma nova visão sobre o Brasil e ainda nesta
estrofe, no segundo verso temos “Onde Gorjeia o mar” completando o sentido do
verso anterior, mas o verso não nos dá um sentido palpável, nos deixando apenas
com especulações sobre o qual o seu significado, se é que há realmente um
significado ou se ele foi introduzido apenas para destoar do poema de Gonçalves
Dias.

Já na segunda estrofe temos uma seqüência de versos semelhantes aos versos


da mesma estrofe do poema parodiado, mas uma palavra no segundo verso do
poema de Oswald de Andrade faz com que o significado mude totalmente. Quando o
verso “E quase que mais amores”, temos na palavra quase a idéia de incompletude,
que contrasta com a idéia de perfeição do poema de Gonçalves dias, pois voltando
ao sentido primitivo da palavra, perfeito é aquilo que está feito por completo, como
vemos em Canção do exílio, a imagem é de um Brasil que não há falta de coisa
alguma.

O nacionalismo preservado

Oswald de Andrade foi um dos promotores da semana de 22 e um grande


nome do modernismo brasileiro, seu poema ainda que em parodia o poema de
Gonçalves dias, preserva ainda um traço de nacionalidade. Os primeiros modernistas
no Brasil, além da originalidade e da polêmica, buscavam um Nacionalismo que
diferente da visão romântica e exagerada de Gonçalves Dias, exercia também a
crítica e denuncia da realidade

Quando analisamos os últimos dois versos da primeira estrofe “Os


passarinhos daqui / Não cantam como os de lá”, percebemos que “Os passarinhos”

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podem não ser apenas aves, porém a representação de uma arte totalmente brasileira,
feita por brasileiros, que tem uma identidade cultural e que buscam uma
independência cultural e política.

O futuro e o Progresso

O século XX foi palco de grades avanços como o primeiro avião, o


surgimento de aparelhos eletrodomésticos e outros produtos com a linha de
montagem e produção em massa, o inicio de tecnologias que mais tarde evoluiriam
no computador e muitos outros adventos que não citaremos aqui.

O clima do novo também tomou conta das artes, pois a proposta era cortar os
laços com o passado e produzir uma arte livre de formas e regras. Surgem então as
vanguardas européias, que dentre elas podemos citar o expressionismo, futurismo,
cubismo, dadaísmo e o surrealismo. O modernismo brasileiro foi fortemente
influencia por essas Vanguardas e Oswald de Andrade tem influências do Futurismo
e do Cubismo.

Nos últimos versos do poema vemos que há o uso de uma metonímia quando
O desejo de voltar para o Brasil expresso por Gonçalves Dias é substituído pelo
desejo de voltar a São Paulo, no poema de Oswald de Andrade. São Paulo já é a
capital financeira do País onde tudo acontece, onde estão as fábricas e onde ocorrem
as grandes negociações. Não há aqui neste final do poema a mesma idéia de um país
apenas reconhecido por suas belezas naturais, mas agora este país também está em
desenvolvimento e crescendo economicamente.

Mais adiante na ultima estrofe troca o desejo, expresso no poema de


Gonçalves Dias, de não querer morrer antes ver as Palmeiras de sua terra Esses dois
últimos versos são substituídos pelo desejo de voltar à Rua 15 de Novembro em São
Paulo. Aqui temos uma alusão a republica, ao novo e no ultimo verso vemos a
influência Futurista no poema, ainda mais clara quando o eu lírico afirma quere
voltar para ver o progresso de São Paulo e assim as belezas naturais exaltadas no
poema de Gonçalves dias são transferidas para o avanço e progresso de São Paulo
que por sua vez representa todo o crescimento econômico do país. É interessante
lembrar que a produção de café no Brasil estava a todo vapor, pois é estimado que ¾

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do café bebido no mundo era brasileiro, portanto o que está retratado no poema é
exatamente o pensamento de quase todo brasileiro na época de pensar que este
progresso seria continuo e enfim o Brasil teria a sua ascensão. O que Oswald de
Andrade, assim como qualquer um, não esperava era que 1929 o mundo entraria em
crise devido à quebra da bolsa de Nova Iorque.

Considerações finais

Após as análises dos poemas propostos neste ensaio, chegamos a algumas


conclusões sobre ambos. Teremos nesta última parte o apontamento dessas
conclusões que são o propósito deste ensaio.

Percebemos no poema de Oswald de Andrade algumas diferenças como as


críticas sociais, as denúncias da realidade e o engajamento político que não
encontramos no poema de Gonçalves Dias por ser um poema que idealiza a pátria,
tirando o seu foco da realidade. Temos então em “Canto de regresso à pátria” uma
linguagem mais real e uma visão mais crítica da realidade, enquanto que por outro
lado temos em “Canção do exílio” uma linguagem mais idealizada e uma visão
seletiva da realidade.

Por fim, é possível dizer que em “Canto de regresso à pátria” o Brasil que
era diferente da Europa por suas belezas naturais, como descrito no poema de
Gonçalves Dias, estava tornando-se cada vez mais parecido com o lugar de exílio do
eu lírico em “Canção do exílio”, devido ao crescimento da vida urbana e ao
desenvolvimento das cidades, especialmente São Paulo que experimentava o fervor
das mudanças do início do século XX. Apesar de diferentes, os poemas abordam um
tema nacionalista e de exaltação a pátria que se transformou no espaço de tempo que
separa os dois poemas e que vem em constante transformação até hoje.

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Bibliografia

ABRAMS, M. H. The Norton Anthology of English Literature. 6th edition. New


York: W.W. Norton, 1993.

MONTELLO, J. Para conhecer melhor Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Block.


1973.

NUNES, Benedito. Oswald Canibal. São Paulo: Perspectiva, 1979.

VIANNA, Hélio. História do Brasil: período colonial, monarquia e república. 15ª


edição. São Paulo: Melhoramentos, 1994

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