Você está na página 1de 11

Adriana Ortega Clímaco

Raquel da Silva Ortega


Isis Milreu
(Orgs.)

Campina Grande - PB
2018
  © dos autores e organizadores
Todos os direitos desta edição reservados à EDUFCG
Comitê Científico
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - EDUFCG

Adriana Ortega Clímaco (IFSP/Jacareí)


Amarino Oliveira de Queiroz (UFRN)
Ana Cristina dos Santos (UERJ)
Antonio Roberto Esteves (UNESP/Assis)
Cláudia Paulino de Lanis Patrício (UFES)

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - EDUFCG


Cláudia Heloísa Impellizieri Luna Ferreira (UFRJ)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – UFCG
editora@ufcg.edu.br Diana Araújo Pereira (UNILA)
Prof. Dr. Vicemário Simões Elda Firmo Braga (UERJ)
Reitor

Prof. Dr. Camilo Allyson Simões de Farias Elena Cristina Palmero González (UFRJ)
Vice-Reitor
Isis Milreu (UFCG)
Prof. Dr. José Helder Pinheiro Alves
Diretor Administrativo da Editora da UFCG
Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento (UFF)
Simone Cunha / Isis Milreu
Revisão Raquel da Silva Ortega (UESC)
Yasmine Lima
Editoração Eletrônica
Rita de Cássia Miranda Diogo (UERJ)
CONSELHO EDITORIAL Silvia Inés Cárcamo de Arcuri (UFRJ)
Anubes Pereira de Castro (CFP)
Benedito Antônio Luciano (CEEI)
Erivaldo Moreira Barbosa (CCJS)
Janiro da Costa Rego (CTRN)
Marisa de Oliveira Apolinário (CES)
Marcelo Bezerra Grilo (CCT)
Naelza de Araújo Wanderley (CSTR)
Railene Hérica Carlos Rocha (CCTA)
Rogério Humberto Zeferino (CH)
Valéria Andrade (CDSA)
Ensinar a ensinar literatura hispânica:
Um relato de experiência

Raquel da Silva Ortega (UESC)

Introdução

Ensinar literatura estrangeira na educação básica é um


grande desafio. Ensinar professores da educação básica a en-
sinar literatura hispânica nas aulas de espanhol é um desafio
ainda maior.
Este relato de experiência surge a partir de uma inquie-
tação pessoal. O primeiro fator a gerar inquietação é a confusão
existente entre o que significa utilizar o texto literário na aula
de espanhol e o que significa ensinar literatura hispânica. Outro
fator inquietante é o lugar que a literatura estrangeira ocupa na
educação básica, de acordo com o sugerido nos documentos
norteadores. Em terceiro lugar, inquieta-nos averiguar até que
ponto os professores da educação básica são conscientes da im-
portância do ensino de literatura nas aulas e, por último, tam-
bém nos inquieta a maneira como o ensino de literatura deve
ser introduzido nas aulas de língua espanhola.

602 603
O problema da disciplina Literatura na escola fessores universitários detectam, em sua prática cotidiana, as
carências na formação inicial dos alunos e como estas prejudi-
cam o processo de aprendizagem na universidade. No entan-
Atualmente, enfrentamos uma crise no ensino da litera-
to, Perrone-Moisés (2006, p.18) afirma que a preocupação dos
tura. Por mais que o mercado editorial esteja aquecido e que as
professores se limita a constatação e lamentação, sem que ações
vendas de livros aumentem ano a ano, o ensino de literatura, na-
efetivas para a resolução do problema sejam adotadas.
cional e/ou estrangeira, está em declínio, não só no Brasil, mas
no mundo. Diante dessa situação, torna-se necessário refletir Diante desse quadro de crise do ensino da literatura e
sobre as possíveis causas e as estratégias para reverter essa crise. dos problemas que isso está ocasionando na formação acadêmi-
ca dos estudantes, acreditamos ser de suma importância a busca
No seu livro A literatura em perigo, Todorov (2012) afir-
de estratégias para minimizar o problema através do ensino da
ma que a literatura está em risco porque não é mais utilizada na
literatura hispânica nas aulas de espanhol. Para isso, analisamos
formação intelectual e afetiva do aluno. De acordo com o autor,
os documentos norteadores da educação para verificar como
isso ocorre, em primeiro lugar, porque a disciplina Literatura
eles preconizam o ensino da literatura e, em especial, da litera-
está sendo reduzida ou eliminada dos currículos do ensino bá-
tura estrangeira.
sico em todo o mundo. Em segundo lugar, pela maneira como
ela está sendo ensinada: priorizando as teorias e a periodização Considerando que a literatura de língua materna não
e negligenciando o contato real com o texto literário. Essa me- é oferecida como disciplina no segundo ciclo do ensino fun-
todologia de ensino reduz do texto literário o seu valor estético damental, o aluno deste período só tem contato com o texto
e elimina seu caráter comunicativo, fazendo com que o aluno literário nas aulas de língua, nas quais o texto literário muitas
não relacione a literatura ao seu cotidiano nem desenvolva as vezes é utilizado como pretexto para o ensino da gramática. Isso
habilidades relacionadas à competência literária (reconheci- configura um erro metodológico, uma vez que seu uso apenas
mento dos aspectos expressivos e estéticos do texto literário). para exemplificar, exercitar e fixar estruturas linguístico-grama-
Se o desenvolvimento da competência literária for deficiente, o ticais o esvazia de sentido.
estudante poderá apresentar problemas na leitura e na escrita. Acreditamos que é preciso problematizar como a lite-
Para reverter essa situação, Todorov defende que a leitura do ratura vem sendo ensinada na educação básica. Nesse intuito,
texto literário deve voltar a ocupar o lugar central e não o peri- Oliveira e Rezende (2015) realizaram uma pesquisa com profes-
férico nas aulas de Literatura. As teorias, os períodos e as escolas sores de literatura do ensino médio para verificar as dificuldades
literárias são importantes, mas devem estar em segundo plano, enfrentadas e, assim, pensar uma mudança de paradigma do en-
como complemento. sino da disciplina. Na pesquisa, as autoras puderam identificar e
Os efeitos negativos de um ensino deficiente de litera- descrever duas práticas de ensino diferentes: o ensino de um con-
tura na educação básica repercutem na universidade. Os pro- teúdo (literatura) e o ensino de uma prática (a leitura literária).

604 605
O que elas classificam, em seu trabalho, como ensino de apresentam o ensino da leitura literária como uma possível mu-
literatura, seria a abordagem da história da literatura: informa- dança de paradigma para o ensino da disciplina Literatura na
ções expositivas sobre a vida do autor, o local de nascimento e educação básica, mas que só é possível se o professor também
os detalhes da época em que viveu, bem como a leitura de frag- for um leitor experiente; caso contrário, continuará a reprodu-
mentos da sua obra, etc. O objetivo dessa abordagem seria apre- zir o ensino tradicional da disciplina. Particularmente, acredita-
sentar um panorama geral da história, os períodos literários, a mos que as ideias apresentadas neste estudo são pertinentes, no
evolução do pensamento e das características da escrita, entre entanto, ressaltamos o problema de nomear um ensino tradi-
outros elementos estruturais. No entanto, as autoras enfatizam cional e pouco efetivo da disciplina Literatura como “ensino de
que os objetivos dessa metodologia poderiam prescindir do tex- literatura”, pois há o risco de que se confunda o ensino efetivo
to literário, isto é, a apresentação de correntes e estilos literários de literatura a essa prática pouco produtiva.
não envolve, necessariamente, a leitura do texto de literatura e A prática de ensino de leitura literária apresentada no
sim uma exposição histórica de conteúdos teóricos. Em outras estudo de Oliveira e Rezende (2015) se aproxima às ideias apre-
palavras, se esse trabalho não for cuidadoso, há o risco de que o sentadas por Todorov (2012, p.92), uma vez que o autor afirma
aluno tenha pouca ou nenhuma leitura de literatura. Essa abor- que a análise literária não é o fundamental no conhecimento da
dagem é a que prevalece, de maneira geral, nas escolas, fruto do literatura:
ensino tradicional da disciplina que muitos professores recebe-
ram ao longo da sua formação universitária e que, muitas vezes, Sendo o objeto da literatura a própria condi-
é desenvolvida por professores que não apresentam hábitos de ção humana, aquele que a lê e a compreende
leitura os quais, ao não terem uma experiência pessoal com a não se tornará um especialista em análise li-
literatura, reduzem seu trabalho a uma apresentação histórica. terária, mas um conhecedor do ser humano.
Que melhor introdução à compreensão das
Já o ensino de uma prática (leitura literária) seria o con- paixões e dos comportamentos humanos do
traponto da prática anterior, fruto do trabalho de docentes que que uma imersão na obra dos grandes escrito-
planificam seu trabalho enfatizando, em primeiro lugar, a leitu- res que se dedicam a essa tarefa há milênios?
ra do texto literário e o desenvolvimento de uma leitura crítica E, de imediato: que melhor preparação pode
haver para todas as profissões baseadas nas
a partir da leitura do texto literário, delegando a contextualiza-
relações humanas? Se entendermos assim a
ção histórica e teórica para um segundo plano. Os professores
literatura e orientarmos dessa maneira o seu
entrevistados que adotam essa abordagem são, de acordo com ensino, que ajuda mais preciosa poderia en-
as autoras, leitores experientes de literatura e, deste modo, re- contrar o futuro estudante de direito ou de
conhecem a importância de formar leitores de literatura e res- ciências políticas, o futuro assistente social ou
gatam suas experiências como leitores em suas aulas. As autoras psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo?

606 607
Ter como professores Shakespeare e Sófocles, tempo; fizerem vibrar o presente, sem brandir
Dostoievski e Proust não é tirar proveito de a ameaça do futuro; se recusarem a transformar
um ensino excepcional? E não se vê que mes- em obrigação aquilo que era prazer, entretendo
mo um futuro médico, para exercer o seu ofí- esse prazer até que ele se faça um dever, fun-
cio, teria mais a aprender com esses mesmos dindo esse dever na gratuidade de toda apren-
professores do que com os manuais preparató- dizagem cultural, e fazendo com que encon-
rios para concurso que hoje determinam o seu trem eles mesmos o prazer nessa gratuidade.
destino? Assim, os estudos literários encontra-
riam o seu lugar no coração das humanidades,
ao lado da história dos eventos e das ideias, Já em relação ao ensino médio, temos diretrizes dife-
todas essas disciplinas fazendo progredir o rentes em cada documento. Nos Parâmetros Curriculares Na-
pensamento e se alimentando tanto de obras cionais (PCN), elimina-se a tríade língua/literatura/redação e
quanto de doutrinas, tanto de ações políticas
adota-se uma perspectiva mais ampla, a da linguagem, que en-
quanto de mutações sociais, tanto da vida dos
globaria os elementos da tríade, antes ministrados em discipli-
povos quanto da de seus indivíduos.
nas separadas. De modo contraditório ou talvez numa tentativa
de correção, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
Todorov (2012) também irá afirmar que a literatura (OCEM) sugerem a literatura como disciplina (fora da perspec-
pode muito. De acordo com o autor, ela pode melhorar o esta- tiva da linguagem). Ao mesmo tempo, o documento não res-
do anímico, ajudar a entender as outras pessoas e o mundo que tringe apenas ao ensino de literatura de língua materna, abrin-
nos cerca, amenizar a solidão, permitir a contemplação estética, do assim a possibilidade do ensino da literatura estrangeira:
ensinar sobre a condição humana, em resumo, a literatura nos
ajuda a viver. Nesse sentido, Pennac (1993, p. 55) fala sobre a Pensamos que se deve privilegiar como conteú-
formação do leitor em casa e na escola: do de base no ensino médio a literatura brasi-
leira, porém, não só com obras da tradição li-
terária, mas incluindo outras, contemporâneas
Ele é, desde o começo, o bom leitor que con- significativas. Nada impede, e é desejável, que
tinuará a ser se os adultos que o circundam obras de outras nacionalidades, se isso respon-
alimentarem seu entusiasmo em lugar de pôr der às necessidades do currículo de sua escola,
à prova sua competência; estimularem seu de- sejam também selecionadas. Também é desejá-
sejo de aprender, antes de lhe impor o dever vel adotar uma perspectiva multicultural, em
de recitar; acompanharem seus esforços, sem que a Literatura obtenha a parceria de outras
se contentar de esperar na virada; consentirem áreas, sobretudo artes plásticas e cinema, não
em perder noites, em lugar de procurar ganhar de modo simplista, diluindo as fronteiras en-

608 609
tre elas e substituindo uma coisa por outra, A especialização1 e a disciplina
mas mantendo as especificidades e o modo
de ser de cada uma delas, pois só assim, não
pejorativamente escolarizados, serão capazes A especialização em Didática de Espanhol Língua Es-
de oferecer fruição e conhecimento, binômio
trangeira na Educação Básica é um curso de pós-graduação
inseparável da arte. (MEC/SEB, 2006, p. 73).
lato sensu oferecido pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), situada em Ilhéus, na Bahia. Foi formulado para aten-
Ora, se a literatura tem o poder de nos ajudar a com- der às demandas de formação continuada para professores de
preender o mundo, se ajuda na melhoria da leitura e da escrita e língua espanhola da região que atuam na educação básica. Seu
se o ensino de literatura estrangeira está preconizado nos docu- corpo docente está formado pelos professores da subárea de es-
mentos norteadores, não podemos omitir o ensino da literatura panhol do curso de Letras da UESC, e também por professores
hispânica nas aulas de língua espanhola. de espanhol da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sua
O texto literário de língua estrangeira está a serviço de carga horária é de 465 (quatrocentas e sessenta e cinco) horas/
duas competências, da competência linguística e da competên- aula e é oferecida na modalidade presencial, de forma modular,
cia literária, e irá desempenhar papéis diferentes em cada caso. com aulas durante uma semana por mês. O período descrito
Quando está a serviço da linguística, o texto literário poderá ser neste relato refere-se à oferta do curso que teve início em setem-
utilizado para o desenvolvimento das habilidades e estratégias bro de 2013 e término em 2014.
de leitura e, neste caso, o texto literário exerce o papel de mais Como o público-alvo é o professor de espanhol que
um gênero textual. Já quando está a serviço da competência atua na escola, os objetivos primordiais da especialização estão
literária, o texto literário tem como objetivo desenvolver as ha- voltados para esta realidade, ou seja, o curso visa à formação
bilidades de reconhecimento de seus recursos estéticos e expres- continuada do professor; à reflexão crítica acerca de aspectos
sivos e aqui não se enfatizam as suas características de gênero metodológicos e didáticos do ensino de espanhol; à análise, se-
e sim seus elementos estéticos. Neste ponto, é comum ocorrer leção e elaboração de materiais didáticos; à reflexão sobre a sua
outro erro metodológico, que consiste em apresentar a aborda- própria prática docente (pesquisa-ação); ao olhar crítico e ao
gem linguística do texto literário como ensino de literatura. É aprofundamento dos conteúdos linguísticos, literários e cultu-
preciso esclarecer que, se o texto literário não for abordado a rais do mundo hispânico.
partir de uma perspectiva estética, não se está ensinando litera-
tura. Portanto, é preciso que o professor tenha a consciência de
que, se o seu objetivo é ensinar literatura, é preciso ir além da 1 As informações apresentadas neste artigo sobre o curso de especialização Di-
dática de Espanhol Língua Estrangeira na Educação Básica podem ser encontradas
abordagem linguística e enfatizar também os aspectos estéticos na página <http://www.uesc.br/cursos/pos_graduacao/especializacao/didatica_espa-
e expressivos do texto literário. nhol/index.php?item=conteudo_apresentacao.php>

610 611
No que diz respeito ao ensino de literatura, a especiali- natureza, infância, amor) e tinha como tarefa selecionar textos
zação conta com a disciplina Didática do Ensino de Literaturas da literatura hispânica relacionados com o tema recebido para
de Língua Espanhola, com carga horária total de trinta horas e realização de atividades ao longo da disciplina. Também an-
dois créditos (o que prevê duas avaliações) e cuja ementa é: tes do início das aulas, os alunos receberam as instruções para
a realização das avaliações da disciplina. A primeira avaliação,
A literatura e o ensino de línguas estrangeiras individual, era composta por duas tarefas: na tarefa 01, o aluno
modernas. O texto literário na aula de ELE. O deveria escrever um comentário crítico, relacionando sua ex-
livro didático de espanhol para brasileiros e o periência como leitor com a leitura de dois textos indicados
tratamento do texto literário. Análise, produ- pela professora; e, na tarefa 02, deveria escrever um fichamento
ção e aplicação de atividades a partir do texto
crítico de textos específicos. A segunda avaliação, em grupo,
literário: uma proposta para o ensino de ELE
na educação básica.2
também estava composta por duas tarefas. Na primeira tarefa,
de ordem prática, o grupo deveria preparar propostas de ativi-
dades baseadas nos textos literários escolhidos após o sorteio,
A partir da proposta do curso, dos seus objetivos e da
utilizando os pressupostos teóricos abordados ao longo da disci-
ementa da disciplina, formulamos os caminhos didáticos do
plina e apresentá-las em aula. Já para a segunda tarefa, o grupo
trabalho, descritos a seguir.
deveria preparar uma unidade didática de literatura, utilizando
também os textos escolhidos após o sorteio.
Ensinar a ensinar literatura hispânica na educação Tivemos cinco encontros de quatro horas cada um. No
básica primeiro encontro, realizamos uma discussão teórica com base
nos textos “A literatura em perigo” (TODOROV, 2012), “Li-
Os encontros da disciplina ocorreram no primeiro se- teratura para todos” (PERRONE-MOISÉS, 2006), “Anotações
mestre de 2014 e foram concebidos a partir das inquietações para o uso da literatura no ensino da língua espanhola” (GÓ-
apresentadas inicialmente. Optamos por reservar dez horas MEZ SÁNCHEZ, 2012) e “O lugar da literatura no ensino de
para as leituras e a realização das tarefas propostas, utilizando espanhol como língua estrangeira” (MUNIZ; CAVALCANTE,
então vinte horas para o trabalho efetivo em sala de aula. 2009). O objetivo era conscientizar os alunos sobre a impor-
tância do ensino da literatura e sinalizar o lugar que a literatura
Antes do início das aulas, a turma (com 24 alunos) foi
hispânica deve ocupar na aula de espanhol. Neste encontro, os
dividida em oito grupos de três alunos. Cada grupo recebeu um
alunos comentaram sua dificuldade em ensinar literatura nas
tema por sorteio (amizade, família, fantástico, aventura, herói,
suas aulas. Eles tiveram também a oportunidade de comentar
2 Disponível em: <http://www.uesc.br/cursos/pos_graduacao/especializacao/di- suas leituras pessoais e pudemos detectar que os alunos eram
datica_espanhol/index.php?item=conteudo_ementas.php>.

612 613
leitores, no entanto, não liam nem conheciam a produção lite- sivos e culturais, já que, de acordo com Pizarro (2004), não é
rária em espanhol, o que poderia nos levar à conclusão de que possível ensinar literatura desvinculada da cultura.
a dificuldade em ensinar literatura hispânica parte da falta de No quarto encontro, discutimos os textos “A estilística
conhecimento dos professores em relação aos textos literários da enunciação” (MARTINS, 1997), “A formação do professor
em língua espanhola. e a compreensão leitora do texto literário” (SANTOS, s.d.) e
No segundo encontro, analisamos os documentos nor- “El texto literario y sus funciones em la clase de E/LE: de la
teadores da educação básica vigentes naquele momento, com o teoria a la práctica” (SANTOS, 2007), com o objetivo de esta-
objetivo de mostrar aos alunos como esses documentos preconi- belecer, junto com os alunos, que elementos do texto devem ser
zam o ensino da literatura materna e de língua estrangeira. Tam- enfatizados para o ensino da literatura hispânica.
bém analisamos algumas coleções de livros didáticos, buscando Por último, no quinto encontro, cada grupo apresentou
neles a aparição de textos literários e a abordagem aplicada. Os para a turma suas propostas de atividades baseadas nos textos
alunos constataram que a presença do texto literário nos livros dos temas sorteados. Com este encontro, encerramos as ativi-
didáticos ainda é muito limitada e quase sempre a abordagem se dades da disciplina.
dá a partir da perspectiva linguística, isto é, visando ao desen-
Podemos considerar que a proposta para a disciplina em
volvimento da compreensão leitora e da expressão escrita, mas
questão mostrou-se adequada, uma vez que respondeu às nossas
negligenciando o desenvolvimento da competência literária.
inquietações sobre o ensino da literatura nas aulas de espanhol
Voltamos à discussão teórica no terceiro encontro, a e também às dificuldades dos alunos em relação a como ensinar
partir da leitura dos textos “A leitura como enunciação” (MAN- literatura, o que ficou comprovado nas apresentações do último
GUENEAU, 1996), “El texto literario y la construcción de la encontro. Ainda assim, consideramos que, em uma próxima ofer-
competencia literaria em E/LE. Un enfoque interdisciplinario” ta da disciplina, devemos realizar algumas alterações, como am-
(AVENTÍN FONTANA, s.d.), “O plurilinguismo no romance pliar o embasamento teórico e as discussões sobre competência
/ A pessoa que fala no romance” (BAKHTIN, 2002) e “Os literária e, ao mesmo tempo, introduzir mais atividades práticas.
estudos literários hoje” (BAKHTIN, 2003). Neste momento, Observamos, no início das atividades, certa dificulda-
os alunos expressaram dificuldade no entendimento dos textos de dos alunos em conceber o valor estético do texto literário,
de Bakhtin, o que nos surpreendeu, considerando que Bakhtin uma vez que estavam acostumados a abordá-lo apenas como
é um autor bastante lido no ambiente dos estudos linguísticos. um gênero textual. Ao longo das aulas, tivemos uma boa res-
Poderíamos, a princípio, considerar que a dificuldade se deu posta deles em relação aos conteúdos e aos objetivos propostos,
devido à falta de leituras de textos de Bakhtin sobre as questões que consideramos cumpridos, uma vez que afirmaram que, ao
da literatura. Também apresentamos algumas possibilidades de término das atividades, tinham uma compreensão melhor de
abordagem do texto literário, explorando seus aspectos expres- como ensinar literatura na aula de espanhol da educação básica.

614 615
Considerações finais ______. A pessoa que fala no romance In: Questões de literatu-
ra e de estética. 5. ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002.

______. O plurilinguismo no romance In: Questões de litera-


O ensino da literatura hispânica deve estar presente nas tura e de estética. 5. ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002.
aulas de língua espanhola da educação básica, uma vez que seu
conhecimento contribui para a formação cidadã do indivíduo BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bá-
sica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens,
e para o entendimento de si mesmo e do mundo que o cerca. códigos e suas tecnologias. Ministério da Educação. Secretaria
Sendo assim, a universidade deve ocupar-se, na graduação e na de Educação Básica: Brasília (DF), 2006.
pós-graduação, das questões relativas ao ensino da literatura nas
CLÍMACO, A. O.; ORTEGA, R.S. O ensino da literatura
aulas de espanhol. Para isso, é necessário promover seu ensino, estrangeira segundo os documentos oficiais brasileiros. In: Lec-
através do ensino da literatura hispânica nas aulas da gradua- tura y escritura del discurso literario 8 / Diana Moro... [et al.];
ção, da criação de parâmetros e estratégias para a inserção da editado por Cecilia Muse; prólogo de Liliana Tozzi. - 1. ed
. - Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 2015. Libro
literatura hispânica na educação básica, da conscientização dos digital, PDF - (Volúmenes Digitales Cátedra UNESCO. Lec-
professores da educação básica para o seu ensino e do desen- tura y Escritura: continuidades, rupturas y reconstrucciones /
volvimento de metodologias adequadas para evitar equívocos Muse, Cecilia; 8).
metodológicos no tratamento do texto literário. GÓMEZ SÁNCHEZ, D. Anotações sobre o uso da litera-
tura no ensino da língua espanhola. In: Eutomia. Ed. 10 dez.
2012. Disponível em: <http://www.revistaeutomia.com.br/
v2/wp-content/uploads/2013/01/Anota%C3%A7_es-so-
bre-o-uso-da-literatura-no-ensino-da-l%C3%ADngua-espan-
Referências hola.pdf.> Acesso em: 10 jan. 2014.

MAINGUENEAU, D. A leitura como enunciação. In: Prag-


AVENTÍN FONTANA, A. El texto literário y la construcción mática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes,
de la competencia literaria em E/LE. Un enfoque interdis- 1996.
ciplinario. In: Espéculo. Revista de estudios literarios. Madrid:
Universidad Complutense de Madrid, 2005. Disponível em: MARTINS, N. S. A estilística da enunciação. In: Introdução à
<http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/nume- estilística. 3. ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1997.
ro29/textele.html.> Acesso em: 30 mai. 2014.
MEC/SEB. Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
BAKHTIN, M. Os estudos literários hoje. In: Estética da Linguagens, códigos e suas tecnologias. Conhecimentos de
criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Línguas Estrangeiras; Conhecimentos de Espanhol. Brasília:
Fontes, 2003. MEC, Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em:
<http://www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volu-
me_01_internet.pdf>. Acesso em 10 mar. 2016.

616 617
MUNIZ, C. D.; CAVALCANTE, I. F. O lugar da literatura
no ensino de espanhol como língua estrangeira. In: Holos, Ano
25, v. 4, 2009. Disponível em: <http://www2.ifrn.edu.br/ojs/
index.php/HOLOS/article/view/345.>. Acesso em: 10 jan.
2014. O ensino de literatura em língua
PENNAC, D. Como um romance. Trad. Leny Werneck. Rio estrangeira: quebrando
de Janeiro: Rocco, 1993. paradigmas1
PERRONE-MOISÉS, L. Literatura para todos. In: Literatura
e Sociedade. Faculdade de Filosofia/Universidade de São Paulo. Maria Luiza Teixeira Batista (UFPB)
n. 9, São Paulo, 2006.

PIZARRO, A. El sur y los trópicos. Ensayos de cultura lati-


noamericana. Cuadernos de América sin nombre. Dir. José Car- Introdução
los Rovina. Alicante: Universidad de Alicante, 2004.

OLIVEIRA, G. R. de; REZENDE, N. L. de. Aula de litera- Neste artigo, apresentarei algumas reflexões sobre o en-
tura no ensino médio: escombros do texto ou leitura literária.
In: Revista Todas as Letras (MACKENZIE. online), v. 17, p. sino de literatura no curso de licenciatura em Letras-Espanhol
13-24, 2015. Disponível em <http://editorarevistas.macken- da Universidade Federal da Paraíba. A licenciatura em Letras
zie.br/index.php/tl/article/view/8409/5606>. Acesso em: 08 teve seu projeto pedagógico aprovado em 2006. Nele a língua
jan. 2016.
espanhola aparece como uma das habilitações do curso que an-
SANTOS, A. C. dos. A formação do professor e a com- tes contava com as línguas portuguesa, inglesa e francesa. A
preensão leitora do texto literário. In: Cadernos do CNLF. criação desse curso veio, por um lado, responder aos interesses
Série X, n. 6. Disponível em: < http://www.filologia.org.br/
xcnlf/7/01.htm.>. Acesso em: 10 jan. 2014. da comunidade acadêmica, que há anos solicitava a inclusão da
língua espanhola como uma das habilitações da graduação em
______. El texto literario y sus funciones en la clase de E/LE: Letras, e, por outro, veio atender a Lei nº 11.161, de agosto
de la teoría a la práctica. In: Anuario Brasileño de Estudios His-
pánicos, 2007. de 2005, que trata do ensino de língua espanhola como oferta
obrigatória nos currículos das escolas de ensino médio; portan-
TODOROV, T. A literatura em perigo. 3. ed. Trad. Caio Mei- to, se fazia necessária a criação desse curso, que, por sua vez,
ra. Rio de Janeiro: DIFEL, 2012.
seria responsável pela formação de profissionais que pudessem
atuar como professores de espanhol nas escolas da nossa região.
1 Este trabalho foi apresentado no I Coloquio de Estudios Hispánicos na UFCG,
em 11 de dezembro de 2015.

618 619

Você também pode gostar