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A PROCISSÃO DOS

DEUSES DESTRONADOS:
formação carnavalizada de
professores para o ensino de
Literatura e Humanidades
no Ensino Médio

Tatyana Rodrigues Barcellos


Letícia Queiroz de Carvalho

ilustração capa: Mariana Zanetti


As ilustrações este trabalho foram tiradas da obra de
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mario de
Andrade, com ilustrações de Mariana Zanetti e posfácio e
notas de Noemi Jaffe, pela editora FTD (2016).
Mestrado Profissional em Ensino de Humanidades
PPGEH

CADERNO PEDAGÓGICO

A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS:


formação carnavalizada de professores para o ensino
de Literatura e Humanidades no Ensino Médio

1ª edição
2019

REALIZAÇÃO:
IFES CAMPUS VITÓRIA
PPGEH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE HUMANIDADES

Vitória
TATYANA RODRIGUES BARCELLOS
LETÍCIA QUEIROZ DE CARVALHO

Editora IFES - Edifes

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo


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Vitória – Espírito Santo – CEP: 29056-255
Tel. (27) 3227-5564
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Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Humanidades - PPGEH


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Comissão Científica
Aldieris Braz Amorim Caprini
Cleonara Maria Schwartz
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Revisão do Texto
Letícia Queiroz de Carvalho

Capa e Editoração Eletrônica


Pollyana Martins Rodrigues

Programa PPGEH / IFES


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Diretor de Administração

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Coordenador do PPGEH

Dilza Côco
Vice-Coordenadora do PPGEH
SOBRE OS AUTORES

Leticia Queiroz de Carvalho


Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Espírito Santo (IFES), com lotação no campus Vitória e
atuação na Área de Letras e Educação, na graduação
presencial em Letras-Português, na graduação a distância
em Letras-Português e nos Programas de Pós-Graduação
em Ensino de Humanidades (PPGEH) e Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS), em disciplinas
cuja discussão central seja a Literatura e a Educação, a
pesquisa em Literatura e Ensino e as repercussões da
teoria e crítica literária na escola. Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
(2012); Mestre em Estudos Literários pela UFES (2004) e
Licenciada em Letras-Português pela UFES (1999). Integra
o grupo de pesquisadores do Grupo de Pesquisas Culturas,
Parcerias e Educação do Campo (UFES) e Grupo de
Estudos Bakhtinianos (GEBAKH - UFES). É líder do grupo de
pesquisas Núcleo de Estudos em Literatura e Ensino (IFES
- Campus Vitória). Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente
nos seguintes temas: literatura e ensino, prática de ensino
de língua e literatura, linguagem, formação de professores,
pedagogia social e educação profissional.

Tatyana Rodrigues Barcelos


Professora de Língua Portuguesa do Ensino Básico, Técnico
e Tecnológico (EBTT) do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) desde
2012. Atuou no magistério Estadual, Municipal e Privado
de 1995 a 2012. Mestranda do programa de mestrado
Profissional em Ensino de Humanidades – PPGEH. Possui
especialização em Gestão Escolar pela FACEL e graduação
em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa
pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES (1999).
APRESENTAÇÃO
Este caderno nasceu de uma proposta de intervenção que foi materializada em
encontros com professores e professoras do Ensino Médio do Instituto Federal do
Espírito Santo – IFES campus Cariacica, de setembro a novembro de 2018, intitulada
A procissão dos deuses destronados: formação carnavalizada de professores para o
ensino de Literatura e Humanidades no Ensino Médio. Essa proposta de intervenção é
parte integrante da pesquisa A Antropofagia convida para o Banquete: Macunaíma,
Carnavalização e Formação Docente realizada no decorrer do curso de Mestrado
Profissional em Ensino de Humanidades oferecido pelo IFES campus Vitória.
O mestre Antonio Candido ao defender que a literatura é uma necessidade universal , 4

uma vez que todo ser humano, segundo ele, das sociedades mais tribais às mais
avançadas, possuem uma necessidade de fabulação no seu cotidiano que faz com que a
ficção integre nossa maneira de ver o mundo, de sermos seres humanos, constituindo-
se, dessa forma, uma necessidade fundamental, defende, consequentemente, que a
literatura, por conta disso, seja considerada uma necessidade básica humana, assim
como a alimentação e a educação, configurando-se como um direito elementar que
contribuiria fortemente para a diminuição da desigualdade social.
Esse direito vem sendo negado há muito tempo em um espaço, que embora não seja
o único possível para que isso se realize, é, sem dúvida nenhuma, o mais privilegiado
para que isso aconteça, a escola. No lugar do texto, o enxerto. No lugar do livro literário,
o livro didático. No lugar da leitura literária, a teoria literária. No lugar de professores
que são também leitores, professores que leram sobre o livro e não o livro . Essas 5

dicotomias ajudam a perpetuar uma dinâmica perversa no universo escolar, em


particular, no ensino de literatura no ensino médio, objeto da pesquisa. Nas aulas de
literatura, gasta-se, muitas vezes, mais tempo com a leitura de fragmentos de textos
presentes no livro didático e a análise literária em detrimento à leitura dos textos
literários propriamente ditos. Impiedosamente, afasta-se a literatura do leitor, neste

4 O Direito à Literatura – Antonio Candido


5 É imprescindível ressaltar que por conta de injustos salários pagos pela maioria das prefeituras e
Estados do país, muitos professores e professoras ficam impossibilitados de praticarem sua leitura
literária, seja por conta dos baixos salários que os/as obrigam a adotar uma carga horária nefasta de
aulas, seja pela incapacidade financeira para compra de livros até a falta de bibliotecas em suas escolas
e arredores.
caso, o/a aluno/a leitor/a ou o/a leitor/a aluno/a, alçando-a a um patamar canônico
inacessível ao ser humano, principalmente ao pertencente ao ensino médio. Esteriliza-
se o acesso a um bem maior, fertilizando um preconceito bastante difundido em
nosso país, a literatura, principalmente, a clássica/canônica, é destinada somente a
uma ínfima parte da população brasileira, a elite culta.
Como uma possível tentativa de mudança de paradigma, optou-se por trabalhar com
formação de professores para resolução de problemas do ensino de literatura no ensino
médio, a partir da leitura de um clássico da literatura brasileira, muito comentado nos
livros didáticos, mas raramente lido, Macunaíma de Mário de Andrade. Variados foram
os motivos que nos levaram a essa obra. O mais decisivo foi, sem dúvida nenhuma,
o diálogo que a narrativa Andradeana mantém com o conceito de carnavalização
do filósofo russo Mikhail Bakhtin, através da sincrônica presença de elementos
cômicos-populares, folclóricos, eruditos, de origem oral ou escrita. Esses elementos,
muito bem concatenados pelo genial Mário de Andrade, estabelecem uma narrativa
fantástica, não-linear, sem pontuação aparente, recheada de referências a figuras e
acontecimentos da cultura popular brasileira que implicam em uma originalidade
estrutural concomitante a uma profundidade de significados.
Pensando/refletindo sobre a universalidade dos clássicos literários, neste caso
específico, Macunaíma, o herói da nossa gente, elaboramos todos os sete encontros
a partir, primeiramente, da leitura dos capítulos do clássico modernista de Mário de
Andrade e seu cotejamento com textos teóricos e vídeos, previamente selecionados, em
diálogo com os temas vigentes. A estrutura dos encontros encontra-se, assim, dividida
nestes tópicos: O CORTEJO – trata-se do desfile, por assim dizer, do que será feito em
cada encontro, seus objetivos e finalidades; O LIVRE CONTATO EM PRAÇA PÚBLICA
– diz respeito aos capítulos, textos teóricos e vídeos selecionados para cada encontro,
para que “na praça pública” dos encontros haja a desconstrução da segregação entre a
teoria e a práxis; O RISO CARNAVALESCO – são questões provocativas feitas a partir da
leitura dos capítulos, textos teóricos e/ou vídeos elencados para cada encontro, com
a finalidade de direcionar o debate, o diálogo, negando e afirmando possibilidades; O
SAGRADO E O PROFANO – questões/reflexões a serem escritas/narradas no caderno
de anotações, que não foram suscitadas no debate ou não tiveram tempo hábil para
serem discutidas, unindo a teoria (o sagrado) e a prática cotidiana (o profano) e, por
fim, o INACABAMENTO – textos, vídeos, músicas, filmes que dialogam com o tema e
podem ajudar a construir ou desconstruir paradigmas.
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 - SOBRE MACUNAÍMA E MÁRIO DE ANDRADE........................................... 11


CAPÍTULO 2 - CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE............................................ 17
CAPÍTULO 3 - SUGESTÕES PEDAGÓGICAS.............................................................................. 25

1ª ENCONTRO - Contextualização da pesquisa, análise e discussão dos 5 primeiros


capítulos de macunaíma............................................................................................................. 27

2ª ENCONTRO - O lugar da literatura na escola................................................................... 33

3ª ENCONTRO - Currículo: Espaços de poder e o ensino de literatura........................ 36

4º ENCONTRO - Vozes docentes e as relações de poder na escola............................... 38

5º ENCONTRO - Carnavalização................................................................................................. 41

6º ENCONTRO - Carnavalização e o ensino de literatura.................................................. 43

7º ENCONTRO - Carnavalizar para mudar paradigmas..................................................... 45

AGRADECIMENTO............................................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 52
ANEXO...................................................................................................................................................... 55
1 Sobre Macunaíma e
Mário de Andrade
12 SOBRE MACUNAÍMA E MÁRIO DE ANDRADE

Macunaíma, nasce no meio do mato virgem, preto retinto,


filho do medo da noite, uma criança feia, que só principiou
a falar aos seis anos de idade sua frase característica “Ai,
que preguiça”! Em sua narrativa épica, debocha, “brinca”,
vira príncipe, “brinca”, mata a mãe, “brinca”, apaixona-
se, “brinca”, sente saudades, “brinca” de novo, perde a
muiraquitã, corre o país inteiro, “brinca” até não querer
mais, vira imperador, “brinca” mais um pouquinho, escreve
carta, “brinca” “pra danar”, morre, ressuscita, “brinca” mais
uma vez, mata o gigante, “brinca” de novo porque ninguém
é de ferro, resgata a muiraquitã e vira a constelação da Ursa
Maior porque “brincar” já não tinha mais graça. Primeira Edição De Macunaíma
Fonte: https://upload.wikimedia.org/
O herói da nossa gente, lançado em 1928, por Mário de wikipedia/commons/0/02/Capa_
de_Macuna%C3%ADma_2.jpg
Andrade, foi escrito em seis dias, fruto de pesquisas do
autor sobre a cultura, música e narrativas populares brasileiras. Mário conhece nosso
herói através de pesquisas do etnógrafo alemão Theodor Koch Krunberg sobre as lendas
e mitos dos índios Taulipang e Arekuna e consegue com genialidade, assim como fez
Baudelaire com seu gigante Gargântua, criar uma narrativa crítica, debochada e atual
através de um personagem já existente no folclore regional, transformando o local
em universal. O ponto final na narrativa Andradeana não é capaz de pôr um fim às
transformações do nosso anti-herói que de livro vira filme, teatro, exposições, danças,
artigos, dissertações, teses e até samba-enredo.
A rapsódia de Mário de Andrade é, nas palavras do mestre Antonio Candido , um 4

compêndio alegre de “lendas de índios, ditados populares, obscenidades, estereótipos


desenvolvidos na sátira popular, atitudes em face do europeu, mostrando como a cada
valor aceito na tradição acadêmica e oficial correspondia, na tradição popular, um
valor recalcado que precisava adquirir estado de literatura (p.127)”. Mário de Andrade
rompe, assim, definitivamente, com o cânone oficial dominante e alça à condição
literária o rico universo cultural brasileiro.

4 CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 13

Em 1893, nasce Mário Raul de Soares Andrade. Não no


fundo do mato-virgem, mas em uma cidade que “hoje é
a mais barulhenta, mais cheia de carros, motos, ônibus,
poluição, chaminés, máquinas, gente e prédios do Brasil:
São Paulo!” . Poeta, ensaísta, romancista, professor, crítico
5

literário, musicólogo e folclorista, “o menino da cidade


lambida pelo igarapé Tietê” tem no conhecimento a sua
muiraquitã.
Lança seu primeiro livro de poesias, em 1917, aos 24
anos. Em 1921, escreve e publica Paulicéia Desvairada,
o primeiro livro de poesia do modernismo brasileiro,
foi um dos idealizadores da Semana da Arte Moderna Mário de Andrade
Fonte: https://www.saraiva.com.
de 1922, financia a 1ª edição de Macunaíma com 800 br/autor/mario-de-andrade
exemplares, escreve A Escrava que não é Isaura, Amar
verbo Intransitivo, O clã do Jabuti, Ensaio sobre Música Brasileira, Belasarte e Música,
doce música, Lira Paulistana, e incontáveis outros contos, poesias, cartas, ensaios,
partituras,... Sua biblioteca, atualmente, no Instituto de Estudos da Universidade de
São Paulo (IEB-USP) conta com 17.624 volumes.
De 1935 a 1938, chefia o departamento de cultura da prefeitura de São Paulo e lá,
apaixonado que era pela cultura brasileira, institui um curso de Etnografia, ministrado
por Dina Lévi-Strauss; funda a Sociedade de Etnografia e Folclore e envia ao Nordeste a
Missão de Pesquisas Folclóricas, que registra a cultura popular da região - um trabalho
sem precedentes no Brasil, de inestimável valor cultural – estuda e cataloga ritmos
musicais indígenas e folclóricos.
O ponto final na vida de Mário de Andrade, em fevereiro de 1945, também não é capaz
de apagar sua imperiosa contribuição à cultura brasileira. Sua obra, um verdadeiro
império literário, passa a ser de domínio público em 2016. Sua imagem eternizada
no retrato pintado por Lasar Segall, na nota de quinhentos mil cruzeiros, em um
documentário produzido pelo Ministério da Educação, transformada em palavras em
um samba-enredo , nomeando uma das mais importantes bibliotecas de pesquisa
6

do país (BMA), sem mencionar as incontáveis homenagens prestadas em peças


teatrais, palestras e saraus faz com o criador e, consequentemente, sua criatura sejam
eternizados na constelação literária mundial.

5 SANDRONI, Luciana. O Mário que não é de Andrade: o menino da cidade lambida pelo igarapé Tietê.
São Paulo. Companhia das Letrinhas, 2001.

6 Paulicéia Desvairada: 70 anos de Modernismo - GRES Estácio de Sá (1992)


14 SOBRE MACUNAÍMA E MÁRIO DE ANDRADE

Alguns livros

A B C

D E F

Fontes das imagens


A - https://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/10/cultura/1431210552_217300.html
B - https://www.saraiva.com.br/a-escrava-que-nao-e-isaura-col-fronteira-3065642.html
C - https://www.estantevirtual.com.br/sebosaojudas/mario-de-andrade-amar-verbo-intransitivo-1337611541
D - http://www.ubook.com/ebook/237741/cla-do-jabuti
E - https://www.levyleiloeiro.com.br/peca.asp?ID=69979
F - https://www.skoob.com.br/o-turista-aprendiz-42284ed46313.html
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 15
2 Carnavalização e
formação docente
18 CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE

Mikhail Bakhtin, filósofo russo, do início do século XX,


expôs o conceito de carnavalização primeiramente
em seu livro Problemas na Poética de Dostoiévski,
lançado na Rússia em 1929, como um ensaio sobre os
romances do genial escritor russo Fiodor Dostoiévski.
Esse conceito foi melhor aprofundado a partir da
análise das principais obras literárias do escritor
francês renascentista François Rabelais, Gargântua
e Pantagruel, na obra intitulada A cultura popular na Mikhail Bakhtin
Idade Média e no Renascimento, lançado na Rússia em Fonte: https://novaescola.org.br/con-
teudo/1621/mikhail-bakhtin-o-filosofo-
1965. Bakhtin se propõe a “colocar o problema da -do-dialogo
cultura cômica popular na Idade Média e no Renascimento, discernir suas dimensões
e definir previamente suas características originais”4. Assim, é feito um estudo mais
aprofundado da cultura cômica popular em suas fontes populares mais originais – que
ainda não haviam sido reveladas – e sua importância na Idade Média e Renascimento,
com destaque para o lugar de extrema relevância que ela exercia na vida do povo
medieval.
No início da idade média, as festas populares, que aconteciam em tempos pré-
estabelecidos, ainda eram muito encantadoras e seduziam de leigos a eclesiásticos.
A festa dos loucos e a festa dos asnos são exemplos de manifestações populares que
encontraram na igreja um certo abrigo tolerante e um incentivo para continuarem a
acontecer. Esse fenômeno é explicado, segundo Bakhtin, porque nos séculos VII, VIII e IX
a cultura medieval oficial (religiosa e feudal) ainda não estava plenamente estabelecida,
junta-se a isso o fato de a cultura popular ser muito forte, nesta época, para ser silenciada
por uma estrutura religiosa e/ou política, as tradições das festas saturnais romanas e
outras manifestações populares, permitidas e legalizadas em Roma, ainda continuavam
vivas e, por fim, atrelada a tudo isso, temos a igreja que com o intuito de cristianizar
fazia coincidir festas cristãs com festas pagãs locais. Nessas festas e nas demais festas
populares (da carne e não do espírito), “o riso era festivo por excelência”!
No livro sobre a obra de Rabelais, é feito um estudo mais aprofundado da cultura
cômica popular em suas fontes populares mais originais – que ainda não haviam sido
reveladas – e sua importância na Idade Média e Renascimento, com destaque para
o lugar de extrema relevância que ela exercia na vida do povo medieval. As diversas
festas populares junto ao carnaval propriamente dito enchiam as praças com risos
que, segundo Bakhtin, não podem ser subestimados ou ignorados, uma vez que se
constituem peças-chave para entender o processo de evolução da cultura europeia

4 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de


François Rabelais. 4. Ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 19

com o passar dos séculos (BAKHTIN, 2008). Essa cultura popular do riso, de acordo com
o filósofo, foi se desenvolvendo à margem da cultura oficial, séria, cotidiana.
As formas simbólicas do carnaval, enquanto manifestação popular na Idade Média, são
variadas e de difícil compreensão, dependendo exclusivamente do seu lugar de fala,
por assim dizer. Logo, as diferentes épocas, povos e festejos particulares carregarão
consigo inúmeras maneiras de simbolizar seus rituais que estão repletas do que o
filósofo chamará de cosmovisão carnavalesca. Essa linguagem de formas concreto-
sensoriais simbólicas não é passível de ser verbalizada, dada a sua complexidade.

Pintura localizada sobre uma


cratera grega (século IV a.C.) no
Museu arqueológico nacional,
de Nápoles, Itália.
Retrata festa em homenagem a
Dionísio.
Fonte: https://patrimonioextinto.
blogspot.com/2019/03/o-carna-
val-dos-fenianos-portuenses-de.
html

Imagem da carnavalização na
Idade Média
Fonte: https://novaescola.org.br/
conteudo/1621/mikhail-bakhtin-
-o-filosofo-do-dialogo

Abaixo:
”O Combate do Carnaval e a
Quaresma”, de Pieter Bruegel
Fonte: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Le_combat_de_
Carnaval_et_de_Car%C3%AA-
me_Pieter_Brueghel_l%27An-
cien.jpg
20 CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE

Todavia, é possível transpô-la para uma outra linguagem que se utilize de dinâmicas
semelhantes. A linguagem que possibilita essa transposição, segundo Bakhtin, é a
linguagem literária. Assim sendo, ele chamará de carnavalização da literatura essa
transposição da linguagem carnavalesca para a linguagem literária. Essa transposição
acarreta a formação de categorias carnavalescas específicas, tais como o emergir da
cultura popular, o livre contato familiar entre os homens, o destronamento do rei do
carnaval e a morte e a renovação. Essas categorias em cotejamento com Pedagogia
da Autonomia, Professora sim, Tia não e A educação como prática de liberdade, obras
de Paulo Freire em consonância direta com a formação de professores, nortearam os
encontros com os docentes.
Paulo Freire em Pedagogia da autonomia escreve o que se pode designar um manual para
a prática docente. Nele, elenca saberes que a formação docente como qualquer outra
formação exige, saberes tão necessários quanto a prática em si e alerta para a periculosidade
da mera transferência de conhecimentos em uma formação, seja ela inicial ou continuada.
A impossibilidade de vivenciar o outro, seu lugar de fala, suas condições objetivas de
trabalho, seus conhecimentos prévios, possibilita que uma formação docente que se
quer progressista torne-se autoritária e forme profissionais que se acreditam sujeitos,
mas que agem como objetos. Por isso, em Professora sim, tia não (1997), Freire no
quarto capítulo “Das qualidades indispensáveis ao melhor desempenho de professoras
e professores progressista”, elenca predicados imprescindíveis para os educadores e
educadoras progressistas que serão gerados na sua prática cotidiana.

Pintura de Paulo Freire


Fonte: https://pt.m.wikipedia.
org/wiki/Ficheiro:Painel.Paulo.
Freire.jpg
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 21

Bakhtin olha para o carnaval vivenciado na Idade Média sob uma perspectiva de
contra-senso, a da cultura popular que no seu emergir festivo destrona valores e
inverte papéis. Esse movimento momentaneamente subversivo (modificador de
algo estabelecido) retrata na concretude de sua dinâmica que os paradigmas são
possíveis de serem modificados, mesmo que de maneira efêmera e festiva, porque
implica “viver” o mundo (leia-se a sociedade) sob um ponto de vista que burla, no seu
sentido zombeteiro, da primazia da cultura formal, a única autorizada. Freire com sua
pedagogia crítica observa a educação a partir de um paradigma contra-hegemônico,
os saberes do educando. Saberes que não os oficiais, formadores de narrativas outras
invisibilizadas e dessa forma silenciadas por uma episteme moldada para desqualificar
aquilo que não se parece com ela, o homem branco/ocidental/europeizado. Aponta
assim, para a possibilidade concreta de se pensar/fazer a educação um discurso para e
com as vozes desautorizadas.
Segundo Bakhtin, durante as festas carnavalescas, o sistema hierárquico vigente é
destronado para que se instaure uma nova ordem. As desigualdades de qualquer
espécie são revogadas temporariamente, enquanto duram os festejos. Com a anulação
temporária das diferenças segregadoras, é permitido ao homem comum uma vida às
avessas da chamada vida normal. É possível inverter papéis tão seriamente pré-fixados
e dessa forma aproximar classes em posição desiguais que na praça púbica viverão
essa familiarização carnavalesca chamada pelo filósofo russo de o livre contato familiar
entre os homens. Paulo Freire em seu projeto humanizador do agir educativo traz para
a praça pública da sociedade, por assim dizer, a educação que se quer problematizante,
progressista e por isso libertadora. Com ela, o educador almeja que o conhecimento seja
compartilhado igualmente com todos os sujeitos, construídos histórico e socialmente,
em uma dinâmica de promoção do pensamento ingênuo para o pensamento crítico.
Uma vez que o carnaval tem como premissa primeira opor-se a qualquer ideia de
perpetuação de algo, já que é regido pelo paradigma do inacabamento, a ideia de
quebrar hierarquias também chega à figura do rei. Dessa forma, o destronamento bufão
tem como finalidade parodiar, segundo a cultura popular, a vida séria, monológica,
consagradora da ordem vigente. Nosso filósofo da educação ao evidenciar em forma
de denúncia as mazelas de uma educação bancária propõe o destronamento do
professor enquanto único detentor do conhecimento.
Para Bakhtin, o riso dito carnavalesco possui uma natureza complexa que pode
ser explicada a partir de três premissas: ele é um patrimônio do povo, universal e
ambivalente. Ou seja, ele é inerentemente carnavalesco, de caráter popular. Por conta
disso, é universal, atinge todos e todas sem amarras hierárquicas, ao mesmo tempo
em que ludibria e debocha. Assim, consegue negar a realidade cotidiana, no mesmo
instante em que afirma que uma outra realidade (menos dura, mais risível) é também
22 CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE

possível, mesmo que efêmera. O povo ao rir de seus governantes, ri também de si mesmo,
negando todo autoritarismo medieval afirma para uma outra forma de viver mais alegre de
viver em sociedade. Freire ao afirmar que a educação é a prática da procura da verdade em
comum e não um aquietar de pensamentos e ações propõe uma mudança de uma educação
massificante para uma “postura conscientemente crítica” perante aos conhecimentos
mediados pela escola. Assim, nega as verdades autoritárias colocadas em prática na escola ao
afirmar uma educação para a decisão, libertadora, crítica, problematizadora, humanizadora
e negando-a (a educação massificante) pode sonhar com uma educação que assim como o
riso carnavalesco seja coletiva, universal, festiva, atingindo a todas as pessoas, um verdadeiro
“patrimônio do povo”.
Carnavalizar aspectos da pedagogia freiriana concernentes à formação literária docente significa
olhar o ensino de literatura sob uma ótica às avessas, por assim dizer. De maneira alguma isso
se apresenta como um desprezo ao ensino já praticado, mas sim um outro caminho possível.
Logo, trazer a cultura popular, a familiarização carnavalesca, o destronamento e ambivalência
do riso para o centro das atenções literárias, talvez seja uma maneira de possibilitar o desfile
de textos “não autorizados” pelo cânone escolar, por isso, desconhecidos, desprezados por não
fazerem parte de um lugar privilegiado junto aos denominados clássicos literários, gerando,
dessa forma, um quebra nas forças centrípetas dos cânones literários em prol das forças
centrífugas das literaturas que estão à margem; a quebra de tabus relacionados à leitura que
não se encontra prevista nos códigos educacionais, tirando o pedestal da literatura oficial
e colocando-a em “praça pública” para ser comungada por todos como um direito, já dizia
Candido (2004).
Aqui, se faz imprescindível observar também que seja possível a leitura, dada condições de
estratégias de leitura, de obras clássicas que somente são apresentadas aos discentes em
forma de trechos aleatórios no livro didático. O destronar de algumas manifestações reificadas
no ensino da literatura, tais como os currículos engessados, metodologias ultrapassadas,
a ciência como única meio de conhecimento humano, entre outros, para a construção de
paradigmas mais criativos e democráticos. Dessa forma, ao propormos um diálogo entre
os dois filósofos temos como objetivo observar como o caráter carnavalizado presente na
pedagogia progressista freireana – utilizando para isso as categorias previamente elencadas
da cosmovisão carnavalesca bakhtiniana – pode contribuir para uma formação docente que
fuja do padrão monológico e massificante para uma dinâmica às avessas, dialógica e crítica.
A formação do professor da área de Literatura ou que queira trabalhar a literatura em
sala de aula, a partir das aproximações propostas, poderá se constituir como espaço
dialógico em que os tensionamentos e as contradições próprias do fazer pedagógico
possam emergir na perspectiva do encontro polifônico das vozes docentes sob a ótica da
educação carnavalizada. O professor, sujeito cognoscente e pesquisador da sua prática,
assume nessa perspectiva uma posição ativa e responsiva diante das situações concretas
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 23

que emergem do contexto em que atua, as quais desafiam as suas concepções e posições
axiológicas diante do mundo da vida. Ao se constituir dialogicamente nos espaços sociais
em que as interações verbais se efetivam, esse professor, ao subverter algumas práticas
recorrentes nas aulas de Literatura, ainda bastante descoladas do contexto cultural mais
amplo, poderá apontar novos caminhos que potencializem um ensino literário mais
alinhado às questões contemporâneas e à formação humana dos alunos leitores.
3 Sugestões
pedagógicas
26 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

PROPOSTA DIALÓGICA
Duração: 1h40min
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 27

1ª ENCONTRO
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA, ANÁLISE E DISCUSSÃO
DOS 5 PRIMEIROS CAPÍTULOS DE MACUNAÍMA

O CORTEJO
O objetivo geral dos encontros é trabalhar o texto literário Macunaíma de Mário de
Andrade, em diálogo com o conceito de Carnavalização de Mikhail Bakhitn, em prol
de uma literatura carnavalizada, aliada a alguns pressupostos de Paulo Freire sobre
a docência, para que isso, de alguma maneira, contribua para o enfrentamento de
problemas ligados ao ensino de Literatura no Ensino Médio.
Foi pensada uma dinâmica que concatenasse com a finalidade pretendida. Cada
participante do encontro recebeu, antecipadamente, via email, o livro em PDF . Foi 4

pedido que lessem (ou pelo menos que tentassem ler) os cinco primeiros capítulos, uma
vez que contêm o cerne da rapsódia Andradeana: nascimento do herói, aparecimento
e desaparecimento da muiraquitã (seu amuleto), ida do herói a São Paulo para resgatar
seu talismã, encontro com Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã comedor de gente,
que guardava a muiraquitã.
Para este primeiro encontro, tem-se a apresentação da genialidade do autor Mário
de Andrade ao escrever Macunaíma; a compreensão a atividade de leitura como
processo discursivo em que autor e leitor participam para a produção de sentidos e a
compreender a história de Macunaíma em diálogo com a realidade cotidiana de forma
irônica, debochada e “escrachada”.
OBS: Antes de suscitar as questões provocativas, foi
entregue a cada professor/a um caderno de anotações, 1
caneta azul, um lápis, um marca texto e um post it.
O caderno de anotações tem como objetivo ser um aporte
para que os/as docentes anotem suas reflexões para e pós
encontros. Uma maneira de materializar pensamentos
sobre os capítulos lidos e suas convergências com os textos
teóricos, vídeos utilizados e discussões acerca dos assuntos
promovidos que não foram contemplados dentro do tempo
pré-determinado dos encontros ou que emergiram durante
Caderno de Anotações Narrativas
reflexões feitas no cotidiano entre o tempo dos encontros. Fonte: Autoria própria
Esse caderno é recolhido ao final do projeto e analisado
como mais um corpus de pesquisa.

4 Os escritos de Mário de Andrade, desde janeiro de 2016, não são mais protegidos por direito
autoral, entraram em domínio público.
28 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


A partir das questões provocadas no tópico O Riso Carnavalesco (mais à frente), os/as
docente expuseram suas opiniões, sensações, reflexões sobre a leitura ou não-leitura dos
cinco primeiros capítulos e ouviram a fala do/da colega.
Para que as questões provocativas sejam melhor entendidas, faz-se necessário um pequeno
resumo dos capítulos trabalhados neste encontro e o aporte teórico utilizado, um vídeo do
professor José Miguel Wisnik.

Macunaíma de Mário de Andrade (PDF)


https://sanderlei.com.br/PDF/Mario-de-Andrade/Mario-de-Andrade-Macunaima.pdf

Nascimento de Macunaíma
Óleo sobre tela Carybé
Fonte: http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/obra8787/
o-nascimento-de-macunaima

Resumo dos capítulos

Capítulo 1. Macunaíma
Nasce o herói sem caráter, uma criança feia, filho do medo da noite. Sua frase característica
é “Ai, que preguiça!”. Principiou a falar com seis anos. Vira um príncipe lindo quando vai
para a floresta com Sofará, mulher do seu irmão Jiguê, e brinca com ela.

Capítulo 2. Maioridade
Macunaíma continua brincando com a nova companheira do Jiguê, Iriqui, sem o irmão
saber. Ele engana o Curupira ao vomitar a carne da perna que havia comido. Seu corpo
cresce com o caldo envenenado de aipim da cotia, mas sua cabeça continua pequena
(“carinha enjoativa de piá”). Nosso herói mata uma veada parida que, na verdade, é a
sua mãe. Macunaíma, então, vai embora com os irmãos, “partiram para esse mundo”.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 29

Capítulo 3. Ci, Mãe do Mato


Macunaíma encontra Ci, Mãe do Mato, da tribo das mulheres sozinhas (as Icamiabas)
dormindo e fica encantado com sua beleza. Parte para cima dela para brincar. O herói
apanha dela. Os irmãos a seguram e a fazem desmaiar violentamente. Macunaíma
aproveita para brincar com ela sem seu consentimento (um estupro). Vira o novo
Imperador do Mato-Virgem. Ci engravida e pari um filho que toda tribo Icamiaba quer
muito bem. O menino morre ao mamar o peito de sua mãe, envenenado pela cobra preta.
A companheira de Macunaíma, tomada pela tristeza, tira do seu colar uma muiraquitã
famosa, dá a Macunaíma e sobe para o céu virando uma estrela, a Beta do Centauro.

Capítulo 4. Boiúna Luna


Macunaíma sofre com saudade de Ci. Ele e os irmãos encontram uma cascata que
chorava sem parar. Ela conta o porquê do seu choro. Sua tribo era escrava da Boiúna
Capei e ela fora escolhida para ser a cunhã virgem que dormiria com a Boiúna. No
entanto, ela se apaixonou por Titçatê e brincou com ele. A Boiúna descobriu a traição,
perseguiu os amantes e os transformou, em uma pedra da cascata (a cunhatã) e em
uma planta (Titçatê). Macunaíma fica muito emocionado com a história e revoltado
com a Boiúna e resolve matá-la. Em uma luta com ela, arranca-lhe a cabeça e percebe,
mais tarde, que perdera a muiraquitã dada por Ci. Nosso herói fica tão triste que o
Negrinho do Pastoreiro (para quem ele rezava diariamente) se apieda e manda
um Uirapuru contar para ele, em forma de canto, onde estava seu precioso
amuleto, com um regatão peruano Venceslau Pietro Pietra que morava em São
Paulo. Assim, o herói decide ir para São Paulo e seus irmãos vão junto para protegê-lo.

Capítulo 5. Piaimã
Macunaíma deixa sua consciência na foz do rio Negro e parte para São Paulo com uma
comitiva de duzentas igaras (canoas). Encontra uma cova com a marca de um pé de
gigante e se lava nessa água que ele não sabia ser encantada. Nosso herói sai do banho
loiro e de olhos azuis. Seus irmãos tentam a mesma sorte no banho, mas Jiguê fica com
a cor de bronze novo e Manaape fica negro com as palmas das mãos brancas. O herói
e os irmãos chegam a São Paulo. Lá, Macunaíma se vê intrigado com a Máquina. Nosso
herói constata que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piamiã comedor de gente. Ele
mata Macunaíma que é ressuscitado pelo seu irmão Manaape, que é feiticeiro.

Vídeo: Macunaíma e o Enigma do Herói às Avessas | José Miguel Wisnik


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l_hWIfYna7k
30 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

SOBRE O AUTOR

José Miguel Wisnik, (São Vicente, São Paulo, 1948).


Ensaísta, compositor, pianista, cantor, professor
universitário. Em 1974, obtém pela FFLCH/USP o
título de mestre em teoria literária com a orientação
de Antonio Candido, com a dissertação A música
em torno da semana de arte moderna de 1922.
Sua tese de doutorado,  Dança Dramática: Poesia/
Música Brasileira  − na FFLCH/USP, em 1980, também
é orientada por Antonio Candido. De 1976 a 1979,
leciona teoria literária no Instituto de Estudos da
Fonte: http://culturabrasil.cmais.com.br/
Linguagem da Universidade de Campinas (Unicamp), programas/piano-maior/arquivo/jose-miguel-
e em 1980 torna-se professor de literatura brasileira wisnik-5
da FFLCH/USP, onde atua até hoje. 

O RISO CARNAVALESCO
O intuito das provocações feitas é direcionar a conversa para iniciarmos os diálogos. Essas
primeiras provocações foram fomentadas antes de começar a discutir os capítulos. Servem
para quebrar o gelo, por assim dizer, entre os participantes.

• Você já havia lido Macunaíma antes?


• Qual foi o impacto que essa leitura causou em você na época?
• Como foi a sua primeira leitura de Macunaíma?
• Qual impacto essa leitura causou em você?
• Conseguiram ler os capítulos com facilidade?
• Qual a opinião de vocês sobre essa leitura ou não-leitura?
• Quais sentidos foram despertados nessa leitura?
• A literatura é sempre um prazer?
• Quais estratégias de leitura vocês utilizaram para conseguir ler a rapsódia Andradeana?

Os capítulos e suas provocações

Capítulo 1. Macunaíma
Como vocês entenderam o nascimento do herói da nossa gente (“filho do medo da noite”,
“uma criança feia”) e sua frase característica “Ai, que preguiça!”?
De que maneira também construímos a figura do herói encarnado em nossos/as alunos/as?
Que tipo de herói nós nos constituímos, para eles, em sala de aula?
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 31

Capítulo 2. A Maioridade
Como você enxerga o engano que Macunaíma fez com o Curupira, entidade que tem como
entre uma das suas finalidades enganar os outros.
O que é para um herói partir de sua terra sem nenhum objetivo a ser alcançado?

Capítulo 3. Ci, Mãe do Mato


Como o herói da nossa gente consegue ganhar uma batalha apelando para a covardia e não
a coragem?
Quais as covardias que acreditamos nos afligir em sala de aula?

Capítulo 4. Boiúna Luna


Nosso herói é tomado por um empatia, nunca antes sentida no desenrolar da história, se
compadece do sofrimento da jovem cunhã e seu amado encantados pela Boiúna Capei.
Pode-se dizer que essa compaixão torna nosso herói mais humano, por assim dizer?

Capítulo 5. Piaimã
Qual o olhar de Macunaíma (ser da floresta) sobre a cidade de São Paulo?
“[...] Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas
brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava os
homens porém os homens é que mandavam na Máquina... [...] De toda essa embrulhada
o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz: Os homens é que eram as máquinas e as
máquinas é que eram os homens. Macunaíma deu uma grande gargalhada. Percebeu que
estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe [...]” Como você entende essa reflexão, feita
por Macunaíma, na página 24?
De que maneira essa reflexão faz uma ponte com a questão do currículo em sala de aula?

Detalhe de Macunaíma em HQ
Fonte: https://jc.ne10.uol.com.br/
blogs/cinehq/2016/03/03/441/
32 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

O SAGRADO E O PROFANO

Investigação Narrativa (Escrita no caderno de anotação)


Como a ficção dialoga com a realidade cotidiana das suas salas de aula? Escrever seus
pensamentos, divagações, reflexões, conclusões no caderno.

INACABAMENTO

Por que ler os Clássicos – Italo Calvino


Editora Companhia das Letras
Capítulo 1 intitulado Por que ler os clássicos

O Mário que não é de Andrade: O menino da cidade lambida pelo igarapé Tietê– Luciana
Sandroni
Editora Companhia das Letrinhas

Samba enredo do ano de 1975, do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela:


Macunaíma
Vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=jbqwRtvSk48

Mário de Andrade: reinventando o Brasil (Mestres da Literatura 31min09s)


Documentário produzido pelo Ministério da Educação - TV Escola
https://www.youtube.com/watch?v=p6-sL4y0dAY

Macunaíma em Quadrinhos - Ilustradores: Angelo Abu e Dan X.


EditoraPeirópolis

Catálogo com ilustrações de Carybé para Macunaíma, de Mário de Andrade.


https://issuu.com/setefaces/docs/as_ilustra____es_de_caryb___para_ma

Ilustração do artista Carybé


para Macunaíma
Fonte: http://www.blogletras.
com/2014/05/as-ilustracoes-de-
-carybe-para-macunaima.html
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 33

2ª ENCONTRO
O LUGAR DA LITERATURA NA ESCOLA

O CORTEJO
Busca-se construir uma relação dialógica entre a leitura literária, a leitura teórica e o cotidiano
escolar, tendo em comum a literatura como uma expressão de arte e representação do real,
além de refletir sobre quais os lugares são determinados para a literatura dentro do ambiente
escolar, mais especificadamente, dentro do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), na
atualidade, e em que medida isso se constitui um problema ou uma solução para o ensino
de literatura no ensino médio. Também é feito um compartilhamento sobre as percepções
cotidianas escolares a partir do que foi discutido no encontro passado e análise dos trechos
irônicos, previamente selecionados, dos capítulos pertencentes ao 1º encontro, que serão
entregues aos docentes neste encontro.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulos 6. A francesa e o gigante, 7. Macumba e 8. Vei, a Sol. De Macunaíma

Literatura e Formação Humana - Jadir de Morais

PESSOA, Jadir de Morais Pessoa. Literatura e formação humana. EccoS Revista Científica,
núm. 32, septiembre-diciembre, 2013, pp. 179-196, Universidade Nove de Julho, São
Paulo, Brasil.
O artigo discute a fecundidade da relação entre arte e educação, particularizando a literatura como
potencialização do olhar pesquisante, tanto sobre questões teóricas quanto sobre processos humanos
e sociais que envolvem o fenômeno educacional. Considera que a educação é constituinte e constituída
pela cultura, entendendo-a, por isso, como formação humana, projeto cultural. Considera também
que a literatura pode ser tomada como representação do real, sem perder sua característica essencial
de criação do espírito humano, constituindo-se, portanto, por seus próprios princípios e regras. Isso
significa dizer, nos termos de Bourdieu, que a literatura é “campo” ou espaço de relações sociais, que tem
tudo a ver com a educação no sentido de formar o cidadão como ser portador de valores e aspirações.

Vídeo: A literatura e seu poder humanizador (5min 45s) | Antônio Candido


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E
34 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

SOBRE O AUTOR

Antonio Candido de Mello e Souza. Escritor, crítico literário,


sociólogo e professor. Expoente da crítica literária brasileira. Suas
obras tornam-se base para debate da formação literária nacional,
associadas aos estudos de nossa construção sociológica.
O autor desenha a literatura como um sistema orgânico de
obras que envolvem a tríade autor-obra-público. Para além
disso, o aspecto da literatura que Antonio Candido evidencia
é a função humanizadora. Mais do que uma projeção do
homem, a literatura é uma expressão de suas necessidades
universais: a ficção e a fantasia expressam o desejo natural Antonio Candido de Mello e Souza
do homem pela fabulação, produzida com base na realidade, Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.
br/pessoa378/antonio-candido
em paisagens conhecidas e em experiências de vida.

O RISO CARNAVALESCO
• Qual Literatura você teve acesso em sua vida escolar e como isso afetou sua capacidade de
leitura e seu desenvolvimento enquanto ser humano?
• Quais lugares são determinados para que a Literatura aconteça efetivamente em sua escola?
• Antonio Candido, em seu vídeo, afirma ser uma violência social e a perpetuação das
desigualdades sociais não garantir, como um direito básico, a possibilidade de “todos os
produtos da literatura, em todos os níveis, serem acessíveis a todos os grupos e classes
sociais”. Sendo assim, você considera que ao transformar a possibilidade de leitura de um
clássico como Macunaíma (simbólico e de difícil entendimento) em uma concreta realidade
faz com que a afirmação de Candido seja comprovada? Argumente sua resposta.

O SAGRADO E O PROFANO (A TEORIA E A PRÁTICA)


Pensar sobre a literatura de Mario de Andrade (Macunaíma) em consonância com a realidade
escolar: De que maneira as ironias macunaímicas lidas e debatidas no encontro acontecem
no cotidiano escolar da sala de aula?

O deboche – Alguns trecho irônicos a serem debatidos no encontro

Capítulo 1
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e
filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando
o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é
que chamaram de Macunaíma.”
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 35

Capítulo 3
“[...] herói apanhava. Recebera já um murro de fazer sangue no nariz e um lapo fundo de
txara no rabo. A icamiaba não tinha nem um arranhãozinho e cada gesto que fazia era mais
sangue no corpo do herói soltando berros formidandos que diminuíam de medo os corpos dos
passarinhos. Afinal se vendo nas amarelas porque não podia mesmo com a icamiaba, o herói
deitou fugindo chamando pelos manos:
— Me acudam que sinão eu mato! me acudam que sinão eu mato! [...]”
“[...] pra animá-lo, Ci empregava o estratagema sublime. Buscava no mato a folhagem de
fogo da urtiga e sapecava com ela uma coça coçadeira no chuí do herói e na nalachítchi
dela. Isso Macunaíma ficava que ficava um lião querendo. Ci também. E os dois brincavam
que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso.[...]”

INACABAMENTO

O Papel da Literatura na Escola – Regina Zilberman


http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/50376/54486

Uma nova abordagem de um professor de Literatura da UERJ


https://www.youtube.com/watch?v=YGxxczBcihQ

A Literatura como remédio: os clássicos e a saúde da alma – Dante Gallian, editora Martin
Claret

A Literatura em Perigo – Tzvetan Todorov


Editora DIFEL

Formação de leitores: a questão dos cânones literários - Graça Paulino


Paulino, Graça. Formação de leitores: a questão dos cânones literários
Revista Portuguesa de Educação, vol. 17, núm. 1, 2004, pp. 47-62
Universidade do Minho Braga, Portugal.
Fonte: https://gife.org.br/pesquisa-literatu-
https://www.redalyc.org/html/374/37417104/ ra-em-movimento-aponta-o-que-os-edu-
cadores-pensam-sobre-a-leitura-literaria/

Ensinar Literatura para quê?


Paulo Franchetti
http://desenredos.dominiotemporario.
co m / d o c / 0 3 _ e n s a i o _ - _ l i te r a t u r a _ - _
Franchetti.pdf
36 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

3ª ENCONTRO
CURRÍCULO: ESPAÇOS DE PODER E O ENSINO DE LITERATURA

O CORTEJO
A reflexão sobre o engessamento autoritário dos currículos é necessária para que possamos
discutir sobres as variadas possibilidades docentes que não cabem em um documento
oficial normatizado e prescrito como o currículo.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulo 9 de Macunaíma de Mário de Andrade, intitulado Carta pras Icamiabas

O que significa ensinar Literatura no mundo contemporâneo? Benedito Antunes

ANTUNES, Benedito. O QUE SIGNIFICA ENSINAR LITERATURA NO MUNDO


CONTEMPORÂNEO?. Miscelânea: Revista de Literatura e Vida Social, [S.l.], v. 18,
p. 217-230, ago. 2017. ISSN 1984-2899. Disponível em: file:///C:/Users/1955114/
Downloads/85-25-258-1-10-20170804.pdf
O artigo aborda os dilemas do ensino de literatura no mundo contemporâneo. Considera, para isso, a
suposta crise da leitura e o pouco interesse que estudantes de todos os níveis de ensino demonstram
pelo conhecimento da literatura. Entre outros aspectos, destaca o papel do professor enquanto
mediador da leitura literária e as condições de sua formação nos cursos de licenciatura.

O RISO CARNAVALESCO (A provocação)


• Inserido no gênero textual carta, o capítulo 9, intitulado Carta pras Icamiabas, interrompe o
tom coloquial utilizado até então por Mário de Andrade em sua rapsódia e traz, de maneira
debochada, uma imitação esdrúxula de um discurso culto e sofisticado. A linguagem culta
é assim caricaturada pelo nosso herói. Ao insistirmos em um currículo conteudista que
privilegia o ensino e não a aprendizagem, não estamos, de certa forma, caricaturando nossas
próprias aulas de Literatura, uma vez que o/a aluno/a não dá conta de absorver informações
que, na maioria das vezes, o/a levam para longe do texto literário e perto da teoria literária?
• Nosso herói, selvagem, que era negro e agora é branco, enxerga a cidade de São Paulo,
levando-se em consideração a língua e a cultura experimentadas por ele na cidade grande.
Será que estamos enxergando nosso aluno, na sala de aula do século XXI, do mesmo jeito
que Macunaíma enxergou a cidade de São Paulo?
• Neste capítulo, Macunaíma mente às Icamiabas ao contar sobre como conseguiu saber do
paradeiro da Muiraquitã. Em sua versão, o paradeiro foi dado por um impulso metapsíquico
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 37

e não por um passarinho. Dessa maneira, nosso herói debocha das Icamiabas ao mesmo
tempo em que torna a realidade mais sofisticada, segundo seu ponto de vista. De que
maneira, nós, em sala de aula, tornamos a realidade dos nossos currículos mais sofisticadas
e aceitáveis sob o nosso ponto de vista?

O SAGRADO E O PROFANO
No capítulo Carta prasIcamiabas, o narrador cede sua voz à Macunaíma. Seu discurso imita
um discurso de poder. Toda sua fala grandiloquente e hegemônica se constitui uma farsa.
Assim, debocha do preciosismo vocabular da metrópole, enquanto instaura um pensamento
crítico sobre tal preciosismo.
De que maneira Macunaíma, com essa atitude, pode nos inspirar a burlar o engessamento
curricular? Escreva suas impressões em seu caderno.

INACABAMENTO

La “Carta pras Icamiabas”: o la falta de carácter de um héroe imperial, artigo de Jerónimo


Pizarro.

Icamiabas na Amazônia de Pedra – Compilação dos interprogramas de 01min que deram


origem à série Icamiabas na Amazônia de Pedra, acessado em https://www.youtube.com/
watch?v=kjFr9XLgOlU
Fonte: https://www.youtube.
com/watch?v=kjFr9XLgOlU

Pedagogia do Oprimido– Paulo Freire


Capítulo 3. A dialogicidade, essência da educação como prática de Liberdade.
38 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

4º ENCONTRO
VOZES DOCENTES E AS RELAÇÕES DE PODER NA ESCOLA

O CORTEJO
Para se repensar práticas cotidianas escolares, é necessário analisar e refletir sobre a relação
de poder professor-aluno e seus efeitos reais na escola atual e no ensino de literatura e
humanidades. Além de analisar de que maneira podemos, enquanto docentes, planejar e
executar estratégias metodológicas que sejam pensadas a partir de um olhar “às avessas”.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulo 9 de Macunaíma de Mário de Andrade, intitulado Carta pras Icamiabas
OBS: O capítulo 9, Carta pras Icamiabas, aparece propositalmente em dois encontros, dada a
complexidade das informações contidas no trecho.

Pedagogia da Autonomia (Capítulos 1 e 2) | Paulo Freire


Acessado em: http://forumeja.org.br/files/Autonomia.pdf

Capa do livro
Fonte: https://www.
bertrand.pt/livro/
pedagogia-da-autonomia-
paulo-freire/13073585

Pedagogia da Autonomia é a última obra lançada por Paulo Freire em vida. Nela, ele enumera
saberes que Freire considera indispensáveis à formação e prática docente. Além do prefácio
e da introdução “Primeiras Palavras”, o livro possui três capítulos, que se subdividem em
vários subcapítulos, intitulados: 1. Não há docência sem discência; 2. Ensinar não é transferir
conhecimento; e 3. Ensinar é uma especificidade humana.

Charge Vini
Fonte: http://www.cefuria.org.
br/files/2016/07/charge-vini.png
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 39

SOBRE O AUTOR

Paulo Reglus Neves Freire, nasceu em Recife, em setembro


de 1921. Sua inovação na filosofia da educação se deu a partir
do seu trabalho de alfabetização nas periferias de Recife
e zonas rurais de Pernambuco que resultou no relatório A
Educação de Adultos e as Populações Marginais: O Problema
dos Mocambos, apresentado no II Congresso Nacional de
Educação de Adultos em julho de 1958, no Rio de Janeiro.
Começa aí seu projeto por uma educação progressista no
Brasil. No Rio Grande do Norte, desenvolveu seu método de
alfabetização a partir de um trabalho com camponeses. Na
ditadura militar, foi exilado e a convite do Departamento de
Educação do Conselho Mundial de Igrejas, localizado em Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.
Genebra, seu projeto ganhou o mundo: África, Oceania, Ásia, br/pessoa378/antonio-candido
América (sem poder visitar o Brasil). Deu aula sobre seu método de alfabetização a doutores em Harvard.
Na sua volta ao Brasil, 16 anos depois, foi professor da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC - São
Paulo) e da Universidade de Campinas (UNICAMP) e secretário de Educação da prefeitura de São Paulo.
Morreu em maio de 1997 e suas ideias sobrevivem corajosamente até os dias atuais.

Vídeo: da série completa sobre o livro Pedagogia da Autonomia: Toda educação é


política. (5min38seg) | André Azevedo da Fonseca
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6vApsF-U8FU

SOBRE O AUTOR

André Azevedo da Fonseca é professor adjunto e pesquisador no Centro de Educação, Comunicação


e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutor em História pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp), com pós-doutorado pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
É autor de Cotidianos culturais e outras histórias (Uniube, 2004) e A construção do mito Mário Palmério
(Unesp, 2012), entre outros.

O RISO CARNAVALESCO
Macunaíma ao enxergar a cidade de São Paulo, no início da carta, o faz, primeiramente,
pelo viés sexual. Esse ponto de vista bastante específico prevalece neste capítulo, narrado
agora pelo protagonista da história. Não se conta a história sobre Macunaíma. É o próprio
Macunaíma quem conta sua história.
• Muitas vezes, em nossas aulas somos os únicos narradores permitidos. Sob a alcunha
de “detentores do conhecimento” não deixamos nenhuma voz discente emergir. Assim,
40 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

contribuímos fortemente para sermos sujeitos formadores de objetos e não sujeitos


formadores de sujeitos (segundo Paulo Freire). Como faríamos para criarmos possibilidades
para produzir e construir conhecimentos (formar sujeitos) e não somente transferi-los
(formar objetos)?
• O herói da nossa gente insere-se muito bem na cidade de São Paulo, uma vez que a
metrópole lhe é estranha e familiar ao mesmo tempo. Assim também acontece em nossa
sala de aula. De que maneira, nossos/as alunos e alunas se sentem estranhos e familiares ao
se depararem com um processo de ensino-aprendizagem em que sua experiencia social, na
maioria das vezes, não é considerada?

O SAGRADO E O PROFANO
Como enfrentar as relações de poder construídas e constituídas pelo sistema, pela escola e
perpetuadas, muitas vezes, por docentes como nós? Qual caminho é possível trilhar?

INACABAMENTO

A Educação Proibida (áudio em português)


Ano: 2012 – Duração: 115 min.
País: Argentina – Gênero: Documentário
https://www.youtube.com/
watch?v=OTerSwwxR9Y&t=188s

Fonte: http://despertarcoletivo.
com/a-educacao-proibida/

Paulo Freire - Contemporâneo


Ano: 2006 – Duração: 52 min.
País: Brasil – Gênero: Documentário
https://www.youtube.com/watch?v=5y9KMq6G8l8

Diálogos através de Paulo Freire. Colecção Querer Saber 1. Porto: Edição Instituto Paulo
Freire de Portugal e Centro de Recursos Paulo Freire da FPCE, 2003/2004.

Fonte: https://www.youtube.com/
watch?v=2NfxvONcboo
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 41

5º ENCONTRO
CARNAVALIZAÇÃO

O CORTEJO
A carnavalização é um conceito de Mikhail Bakhtin exposto primeiramente no livro
Problemas na Poética de Dostoiévski. No entanto, será na obra A Cultura Popular na Idade
Média e no Renascimento que o filósofo russo aprofundará o conceito a partir da análise das
principais obras literárias do escritor francês renascentista François Rabelais, Gargântua e
Pantugrel. Entender o conceito de carnavalização é imprescindível para a compreensão de
que a carnavalização da literatura se dá na transposição da linguagem carnavalesca para a
linguagem literária. Dessa forma, pode-se intentar uma compreensão mais ampla de como
a carnavalização pode ajudar em busca de um ensino mais prazeroso de literatura e para a
quebra de paradigmas calcificados em nossa sociedade.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulo 10 do livro Macunaíma de Mário de Andrade, intitulado Pauí-Pódole
Vídeo: La risa del Mikhail Bakhtin
Acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=Iv4qJxQ2brM

O RISO CARNAVALESCO
Leia este trecho do capítulo 10 de Macunaíma:

“[...] — A senhora me arrumou com um dia-de-judeu! Nunca mais me bote flor neste...
neste puíto, dona!
Macunaíma era desbocado duma vez. Falara uma bocagem muito porca, muito! A cunhatã
não sabia que puíto era palavra-feia não e enquanto o herói voltava aluado com o caso pra
pensão, ficou se rindo, achando graça na palavra. “Puíto...” que ela dizia. E repetia gozado:
“Puíto... Puíto”... Imaginou que era moda. Então se pôs falando pra toda a gente si queriam
que ela botasse uma rosa no puíto deles. Uns quiseram outros não quiseram, as outras
cunhatãs escutaram a palavra, a empregaram e “puíto” pegou. Ninguém mais não falava
em boutonnière por exemplo; só puíto, puíto se escutava [...]”. p. 58

Neste trecho, Macunaíma utiliza o vocábulo “puíto”, um xingamento, no momento de raiva,


para debochar daquilo que desconhecia. Ele não sabia o nome que se dava à fenda em que
se coloca o botão (botoeira) e estava realmente convencido de que dominava o nome de
tudo do “brasileiro falado e do português escrito”. Como aquele xingamento não fazia parte
da cultura urbana de São Paulo, a cunhã não sabia que se tratava de um palavrão e passou
a usá-lo habitualmente.
42 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

Nosso herói ficou uma semana sem sair na rua por conta de não ter sabido a palavra correta
na hora necessária. O que ele sequer desconfiava era que puíto já substituía com sucesso e
legitimação o vocábulo francês boutonniére (muito utilizado em São Paulo). Ao perceber o
acontecido, Macunaíma dá grandes gargalhadas. O paradigma foi risivelmente modificado.
• De que maneira, podemos afirmar que o paradigma foi risivelmente modificado?

O SAGRADO E O PROFANO
De que maneira a carnavalização aparece no cotidiano escolar de nossas salas de aula e quais suas
consequências para o ensino-aprendizado? Nessa aparição ela é capaz de mudar paradigmas?

INACABAMENTO

A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento - Mikhail Bakhtin


Editora Hucitec.

Problemas da Poética em Dostoiévski - Mikhail Bakhtin


Editora Forense Universitária.

A carnavalização e o riso segundo Mikhail Bakhtin - Claudiana Soerensen


http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/4370/3889

A carnavalização da cultura popular - Luís Eustáquio Soares


http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/ed672-a-carnavalizacao-da-
cultura-popular/

M.M.Bakhtin como professor universitário - NikoláiLeonídovitchVassíliev. Bakhtiniana.


Revista de Estudos do Discurso. V. 13, nº 2, 2018. file:///C:/Users/1955114/Downloads/36771-
103586-5-PB%20(1).pdf

Fonte: https://ataqueaberto.blogspot.com/2018/02/a-historia-do-carnaval.html
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 43

6º ENCONTRO
CARNAVALIZAÇÃO E O ENSINO DE LITERATURA

O CORTEJO
Através da compreensão do conceito de Carnavalização em Bakhtin, podemos constatar que
a carnavalização pode ajudar para um ensino mais prazeroso de literatura e para a quebra de
paradigmas sobre o ensino de Literatura calcificados em nossa sociedade.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulo 11, 12, 13 e 14 de Macunaíma de Mário de Andrade, intitulado A velha Ceuci; Tequete,
Chupinzão e a injustiça dos homens; A piolhenta do Jiguê e Muiraquitã, respectivamente.

Recorte do documentário Quando sinto que já sei (6min10s iniciais)

A proposta do documentário Quando Sinto Que já Sei é levantar uma discussão sobre o atual momento
da educação no Brasil. Carteiras enfileiradas, aulas de 50 minutos, provas, sinal de fábrica para indicar o
intervalo, grades curriculares, conhecimento dividido em diferentes caixas. As escolas, como são hoje,
oferecem os recursos necessários para que uma criança se desenvolva ou a transformam em um robô,
com habilidades técnicas, mas sem senso crítico?
https://w w w.catarse.me/quandosintoquejasei?ref=c trse_explore_pgsearch&projec t_
id=1754&project_user_id=10739

Macunaíma e Carnavalização - Tatyana Rodrigues Barcelos


Breve ensaio sobre a obra Literária de Mário de Andrade e sua relação com o conceito de
carnavalização de Mikhail Bakhtin, em anexo.

O RISO CARNAVALESCO
De que maneira pode-se afirmar que a leitura e consequente reflexão/discussão sobre o livro
Macunaíma de Mário de Andrade se constitui um ato de resistência contra hegemônico, por
isso um ato de carnavalização?

O SAGRADO E O PROFANO
Pensar em propostas carnavalizadas de ensino de literatura para o ensino médio para que
possam ser discutidas no próximo encontro.
44 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

INACABAMENTO

Quando sinto que já sei


Ano: 2014 – Duração: 78 min.
País: Brasil – Gênero: Documentário
https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg

Fonte: https://cpan.ufms.br/2014/10/13/cineclube-crp-discute-os-modelos-de-educacao-com-o-documentario-quando-
sinto-que-ja-sei-em-corumba/

Especial José Pacheco – Escola da Ponte


https://www.youtube.com/watch?v=YXZuIA2bHao

Shakespeare no subúrbio: o carnaval na literatura e na aula de literatura - Míria Gomes


de Oliveira
http://www.scielo.br/pdf/tla/v44n1/v44n1a08.pdf
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 45

7º ENCONTRO
CARNAVALIZAR PARA MUDAR PARADIGMAS

O CORTEJO
Ao compreender o conceito de carnavalização, se faz necessário uma escuta dialógica sobre
as possibilidades de carnavalização do ensino de literatura a partir das propostas e dinâmicas
pensadas, refletidas e/ou postas em prática pelos/as docentes. Essas possibilidades deverão
estimular um pensamento crítico sobre os planos de ensino na área da Literatura. Só assim
pode-se apreender como a carnavalização possibilita mudanças de paradigmas necessárias
para uma educação mais festiva e prazerosa.

O LIVRE CONTATO NA PRAÇA PÚBLICA


Capítulos 15, 16, 17 e o epílogo do livro Macunaíma de Mário de Andrade, intitulados
respectivamente de A pacuera do oibê; Uraricuera e a Ursa Maior.

Samba enredo da Portela de 1975 – Macunaíma (Herói de nossa gente)


Vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=jbqwRtvSk48

Macunaíma E derrotando o gigante


Era uma vez Piaiman
GRES Portela – 1975
Macunaíma volta com a muiraquitã
Portela apresenta Marupiara na luta e no amor
Do folclore tradições Quando sua pedra para sempre o monstro levou
Milagres do sertão à mata virgem O nosso herói assim cantou
Assombrada com mil tentações Vou-me embora, vou-me embora
Cy, a rainha mãe do mato, oi Eu aqui volto mais não
Macunaíma fascinou Vou morar no infinito
Ao luar se fez poema E virar constelação
Mas ao filho encarnado
Toda maldição legou Fonte: http://www.
galeriadosamba.
Macunaíma índio branco catimbeiro com.br/escolas-
de-samba/
Negro sonso feiticeiro portela/1975/
Mata a cobra e dá um nó

Cy, em forma de estrela


À Macunaíma dá
Um talismã que ele perde e sai a vagar
Canta o uirapuru e encanta
Liberta a mágoa do seu triste coração
Negrinho do pastoreio foi a sua salvação
46 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

Documentário: A Educação Proibida (áudio em português)


Duração: 115 min.
https://www.youtube.com/watch?v=OTerSwwxR9Y&t=188s

A Educação Proibida é um documentário que se propõe a questionar as lógicas da escolarização moderna


e a forma de entender a educação, focando em experiências educacionais diferentes, não convencionais,
que buscam um novo paradigma educativo. É um projeto feito por jovens que partilhando dessa visão,
embarcaram em uma pesquisa em oito países realizando entrevistas com mais de 90 educadores com
propostas educativas alternativas. O filme foi financiado coletivamente graças a centenas de co-produtores
e tem licença livre que permite e incentiva sua copiagem e reprodução e se propõe alimentar e iniciar
um debate de reflexão social sobre as bases que sustentam a escola, promovendo o desenvolvimento
de uma educação integral centrada no amor, no respeito, na liberdade e na aprendizagem.

O RISO CARNAVALESCO
A leitura do clássico Andradeano Macunaíma, o herói sem caráter, em cotejamento com
textos teóricos e vídeos, possibilitou que variadas questões relacionadas ao ensino no
cotidiano da escola fossem suscitadas, analisadas sob um ponto de vista crítico, repensadas,
revisitadas, reescritas. De que maneira pode-se afirmar que esse movimento de reflexão
e práxis contribuíram, contribuem ou contribuirão para mudanças de paradigma no chão
escolar?

O SAGRADO E O PROFANO
Texto da professora de Química, participante do projeto no Instituto Federal
de Educação IFES campus Cariacica, em 2018, respondendo à pergunta “Como
carnavalizar as aulas de literatura?” que ela modificou para “Como carnavalizar as
aulas de química?”
O que eu pensei foi aprimorar um projeto que gosto muito, embora no campus Cariacica
não tenha sido tão interessante como foi no campus Aracruz e Venda Nova do Imigrante.
Esse projeto é a produção de vídeos de história da química.
Escolho um texto base para os alunos (separados em dois ou três grupos por turma) de
algum episódio da história da química que tenha relação com o conteúdo estudado no
semestre. os alunos devem produzir um vídeo fazendo uma releitura daquele fato histórico
de forma engraçada, divertida.
No geral, o resultado é muito bom. Os alunos se dedicam bastante, se divertem fazendo e
produzem vídeos bem feitos. Só para exemplificar, um dos últimos vídeos que os alunos
fizeram em Aracruz foi sobre a biografia de Gilbert Newton Lewis (químico importante que
desenvolveu a teoria das ligações químicas). Lewis nunca ganhou um prêmio Nobel, apesar
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 47

de ter sido indicado inúmeras vezes. Os alunos encenaram esse episódio de forma bem
engraçada. Eles foram para o mini-auditório do campus. A plateia estava cheia de figurantes
e o mestre de cerimônia iria dizer quem ganhou o prêmio Nobel. Refizeram essa cena a
quantidade de vezes que Lewis foi indicado e não ganhou. Em cada uma delas, Lewis saía
xingando, brigando, querendo “quebrar tudo”.
Na última cena, eles convidaram a professora de Artes, cujo sobrenome era Lima e o nome
dela seria o ganhador do Nobel. Só ficamos sabendo disso, quando o mestre de cerimônias
vai ler o nome do ganhador. Há um suspense e ele diz “Li”, “Li”, ... Lewis levanta achando que
é seu nome que será chamado. Então, o mestre de cerimônias completa “Lima! O prêmio vai
para Lima” e diz o nome completo da professora. Foi muito divertido!
Voltando para a resposta, mesmo sem saber, os alunos e eu fizemos a carnavalização. Quem
sabe para o próximo ano podemos repetir o projeto e dar uma aula de carnavalização para
os alunos?!
A partir da leitura do texto da professora de química, faça uma análise colaborativa e dialógica
da proposta de carnavalização descrita por ela e usando sua experiência como inspiração,
elabore coletivamente, em uma roda de discussão, uma dinâmica para carnavalizar o ensino
de literatura no ensino médio.

INACABAMENTO

Novos Paradigmas da Educação (3min) - vídeo de Mario Sérgio Cortella


https://www.youtube.com/watch?v=GQPXp7KOYAM

Vida Maria (8min34s)


Curta-metragem em 3D
Sinopse: O filme nos mostra a história da rotina da personagem “Maria José”, uma menina de cinco anos de
idade que se diverte aprendendo a escrever o nome, mas que é obrigada pela mãe a abandonar os estudos e
começar a cuidar dos afazeres domésticos e trabalhar na roça. Enquanto trabalha ela cresce, casa e tem filhos e
depois envelhece e o ciclo continua a se reproduzir nas outras Marias suas filhas, netas e bisnetas.

Fonte: https://www.
contioutra.com/vida-
maria-impactante-por-sua-
profunda-realidade/
48 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS

Filme A Chegada
Sinopse: Quando seres interplanetários deixam marcas na Terra, a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma
linguista especialista no assunto, é procurada por militares para traduzir os sinais e desvendar se os alienígenas
representam uma ameaça ou não. No entanto, a resposta para todas as perguntas e mistérios pode ameaçar a
vida de Louise e a existência de toda a humanidade (57min).

Projeto Âncora
https://www.projetoancora.org.br/

GodSave The Queen (1977)


Música protesto do grupo Sex Pistols lançada estrategicamente para
coincidir com o Jubileu de Prata da Rainha Elizabeth II.

Fonte: https://www.no-gods-
no-masters.com/tshirt-god-
save-the-queen-00101606149

Filme Capitão Fantástico


Sinopse: Nas florestas do estado de Washington, um pai cria seus seis
filhos longe da civilização, em uma rígida rotina de aventuras. Ele é forçado
a deixar o isolamento e leva sua família para encarar o mundo, desafiando
sua ideia do que significa ser pai (90min).

Fonte: https://www.saraiva.
com.br/capitao-fantastico-
dvd-9425565.html

Crítica à Razão Tupiniquim – Roberto Gomes


Editora FTD

Ilustração do livro Crítica da


Razão Tupiquim Fonte: http://
www.gonzatto.com/design-
de-interacao-a-serio/
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 49
AGRADECIMENTO
Caros leitores, este caderno pedagógico é mais uma possibilidade
para o trabalho com a formação do professor de Literatura
da educação básica, de modo a promover possibilidades de
trabalho docente na área de Literatura e Humanidades sob a
ótica da carnavalização. A partir desse foco, foram elencados os
objetivos específicos: identificar e problematizar as dificuldades
mais pertinentes ao ensino de literatura no ensino médio a partir
da leitura literária; ler com os docentes textos literários diversos
para problematizar o ensino de literatura vigente; analisar a obra
literária Macunaíma como fonte de inspiração para possibilidades
variadas e contra-hegemônicas do ensino de literatura no ensino
médio e elaborar em parceria com os professores participantes
caminhos possíveis de mediação do ensino de literatura pautados
em dinâmicas que possibilitem a prática da literatura em sala de
aula como força humanizadora.
Esperamos que este material seja um suporte para o trabalho
em sala de aula e que, longe de ser uma verdade absoluta, possa
criar espaços de interlocução entre professores e alunos para
corresponder às suas realidades e potencializar as práticas de
leitura no cotidiano escolar, subvertendo a lógica dos discursos
autoritários concernentes ao trabalho com a Literatura.
Acreditamos que, por intermédio deste material, novas discussões
serão incutidas em sala de aula a ponto de proporcionar momentos
de reflexão e transformação da realidade dos professores e dos
estudantes, bem como novos caminhos poderão ser pensados por
meio de práticas mais críticas e participativas no tocante à leitura
no contexto escolar.
52 REFERÊNCIAS

referÊncias

ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói da nossa gente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2016.

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de


François Rabelais. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.

______. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.

______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Fratechi Vieira. 16
ed. São Paulo: Hucitec, 2014.

CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 1999.

______. “Literatura e cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiros”. In: Literatura e
sociedade. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000. p. 109-138.

______. “O direito à literatura”. In: Vários Escritos. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 2004.

______. O direito à literatura. Vídeo disponibilizado em 6 de junho de 2014. In: Cedacvídeos.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E&t=17s>. Acesso em 2
de outubro de 2018.

FREIRE, Paulo. A educação como prática de liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.

______. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

______. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2015.

______. Professora sim, Tia não. São Paulo: Olho d’Água, 1997.

GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. 11 ed. São Paulo: FTD, 1994.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 53

PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Roteiro de Macunaíma. 6ª ed. Rio de Janeiro, Civilização


Brasileira, 1987.

SERODIO, Liana Arrais; PRADO, Guilherme do Val Toledo. Metodologia narrativa de pesquisa
em Educação na perspectiva do gênero discurso bakhtiniano. IN PRADO et al (Orgs.).
Metodologia Narrativa de Pesquisa em Educação: uma perspectiva bakhtiniana. São
Carlos: Pedro & João Editores, 2015.
WISNIK, JOSÉ Miguel. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
pessoa1244/jose-miguel-wisnik>. Acesso em: 06 de Mar. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

______. Macunaíma e o enigma do herói às avessas. Vídeo disponibilizado em 8 mai. 2016.


In: Café Filosófico CPFL. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=l_hWIfYna7k>.
Acesso em: 15 novembro 2017.
anexo
56 ANEXO

Macunaíma e a carnavalização
Tatyana Rodrigues Barcelos

1. Macunaíma
(Macunaíma: o herói sem nenhum caráter e Macunaíma e o Enigma do Herói às avessas)
A narrativa de Macunaíma escrita em seis dias é resultado de intensas pesquisas de Mário de Andrade sobre
a cultura, narrativas e música populares e incorpora os modos de ser, por assim dizer, da literatura oral, traço
marcante do modernismo brasileiro. Mário encontrou Macunaíma nas narrativas do alemão Koch Grunberg
(etnógrafo que estudou mitos e lendas dos índios do extremo norte do Brasil – limite com a Venezuela): “[...]
topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grunberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem
caráter. (Gozei). Vivi de perto o ciclo das façanhas dele. Eram poucas. [...] então veio vindo a ideia de aproveitar
pra um romancinho mais outras lendas casos brinquedos costumes brasileiros ou afeiçoados no Brasil. Gastei
muito pouca invenção neste poema fácil de escrever.” (2016, p. 161)

Macunaíma, filho do murmurejo do rio Uraricoera e do medo da noite, concebido sem ato sexual, é preguiçoso
para o trabalho, mas esperto para mulher e dinheiro. Mata a mãe, sem intenção, quando flecha uma viada
parida. Encontra a única mulher por quem realmente se apaixona, Si (a mãe do mato) e torna-se assim o novo
Imperador do mato-virgem. Sua amada transforma-se em estrela (a Beta do Centauro) depois que seu filho é
morto pela Boiuna Luna. Com saudades da sua companheira, Macunaíma fura o beiço e faz a muiraquitã, a
pedra/amuleto cuja perda o fará ir a São Paulo encontrar o gigante Pietro Pietra. Ao final, Macunaíma recusa-se
a virar pedra e sua morte, por assim dizer, é sua transformação em uma estrela, a Ursa maior.
O herói sem nenhum caráter, porque irresponsável, desregrado, de uma moral inexistente e, por outro lado,
sem características sólidas, sem identidade consolidada possui sua vida pautada pelo prazer imediato.
2. CARNAVALIZAÇÃO
(Problemas da Poética de Dostoiévski e Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: con-
texto de François Rabelais; Bakhtin e outros conceitos-chave; A carnavalização e o riso segundo
Mikhail Bakhtin)
Mikhail Bakhtin expôs o conceito de carnavalização primeiramente na obra “Problemas na poética de
Dostoiévski”, aprofundando-o a partir da análise das principais obras literárias do escritor francês renascentista
François Rabelais, Gargântua e Pantagruel, na obra intitulada “A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento”. Neste, predomina o realismo grotesco, enquanto naquele o sério-cômico inspirado na sátira
menipeia. Assim, “em Rabelais temos o inacabamento em função do riso estridente; em Dostoiévski esse efeito
estará em função do cômico-sério e do riso reduzido” ( 2012, p. 76).
A ideia de carnaval defendida, por assim dizer, por Bakhtin, diz respeito a uma festa em que todos participam
efetivamente, não vive-se o carnaval, mas sim, no carnaval, “ conforme suas leis enquanto estas vigoram,
ou seja, vive-se uma vida carnavalesca. (2015, p. 140). Essa vida, diferentemente da vida cotidiana/habitual,
apresenta-se como uma vida às avessas, já que nesse período carnavalesco todo o sistema hierárquico vigente
é de sobremaneira revogado para que uma outra maneira de viver sobressaia. Dessa forma, “o carnaval é a
segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É sua vida festiva. A festa é a propriedade fundamental
de todas as formas de ritos e espetáculos cômicos da Idade Média” (2012, p.07) que diferentemente das festas
oficiais vem a ser “o triunfo de uma espécie de liberação temporária da verdade dominante e do regime vigente,
da abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus” (2012, p.08), opondo-se “a
toda perpetuação, a todo aperfeiçoamento e regulamentação, apontava para um futuro ainda incompleto”
(2012, p.09).
“[...] Bakhtin afirma a importância do riso na Idade Média e Renascimento colocando-o como principal
elemento que distinguia os festejos de carnaval e ritos cômicos das cerimônias oficiais sérias da Igreja e do
Estado Feudal. [...] Absolutamente extra-oficial, embora legalizado, o riso medieval possui ligação indissolúvel
e ativa com a liberdade – ainda que relativa e de caráter efêmero por manter vínculos diretos com a Igreja e
o Estado. O riso, além de ser uma resposta à censura exterior – à cultura oficial e séria – liberta o indivíduo
―do censor interior, do medo do sagrado, da interdição autoritária, do passado, do poder, medo ancorado
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 57

no espírito humano há milhares de anos. Portanto, o riso da festa popular tem como componente essencial
a vitória a qual submete o terror metafísico (do além, das coisas sagradas e da morte) e também os temores
históricos – todas as formas de poder infringido pelos soberanos e aristocratas terrestres. O riso liberta de tudo
que oprime, principalmente, o medo limitador.” (2011, p. 324)

A natureza complexa do riso carnavalesco é explicada por Bakhtin a partir de três premissas: o riso é um
patrimônio do povo, universal e ambivalente. Ou seja, o riso é inerentemente carnavalesco, de caráter popular;
“atinge todas as coisas e pessoas” e ao mesmo tempo em que é “alegre e cheio de alvoroço” é também “burlador
e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita” (2015, p.10). O autor faz questão de diferenciar o riso festivo
popular do riso puramente satírico da época moderna porque, segundo ele, este não possui as mesmas
características daquele, uma vez que “uma qualidade importante do riso na festa popular é que escarnece dos
próprios burladores. Assim, [...] o riso popular ambivalente expressa uma opinião sobre um mundo em plena
evolução no qual estão incluídos os que riem (2015, p.10-11).

2.1 A natureza carnavalesca da paródia


(Paródia, Paráfrase e Cia)
• O jogo que se estabelece entre esses dois extremos que são a paráfrase e a paródia é o mesmo jogo
entre a automatização e a desautomatização da informação. Pela automatização, tem-se um reforço
da linguagem conhecida. Pela desautomatização, tem-se a contestação desta mesma linguagem.
• Toda linguagem se estabelece através de um processo de automatização. E é assim que se aprende e
que se ensina qualquer língua. Contudo a tarefa do escritor é exatamente desautomatizar os sintagmas.
Ele trabalha no sentido de des/velar (como queriam os metafísicos) ou des/construir (como dizem os
estruturalistas). Daí a relação entre “linguagem literária” e “desvio” ou “estranhamento”.
• A moda e as artes dos anos 60 instauraram uma carnavalização. Houve uma inversão de papéis, um
deslocamento dos significados. Misturou-se a noção de “lixo” e “luxo”. [...] Com a roupa, dessacralizou-
se também o corpo e sua postura.
• O movimento hippie foi eminentemente um movimento de carnavalização, na medida em que
procedeu a uma inversão do cotidiano, fazendo a superposição do sacro e do profano, do velho e
do novo, ultrapassando as barreiras da interdição em diversos níveis. E a vestimenta (ou a nudez)
carnavalizadora tem essa função parodística.
• Claro que o carnaval não é todo ele um fenômeno parodístico. Há que ressaltar que o efeito
carnavalizador é uma coisa, e a festa instituída como carnaval pode ser bem outra. [...] No carnaval
parafrásico, [...] a intenção é a cópia, a imitação e a mimesis. [...] A paródia aí, quando existe, é uma
exceção.

2.2 O gênero cômico-sério


(Problemas da Poética de Dostoiévski)
Em Problemas da Poética de Dostoiévski, Bakhtin desenvolve a ideia do gênero cômico-sério surgido, de
acordo com ele, na antiguidade clássica grega. Fazem parte “desse campo dois gêneros determinantes”, “o
diálogo de Sócrates” e “a sátira menipeia”.
Para Bakhtin, os gêneros pertencentes ao cômico-sério estão ligados “[...] por uma profunda relação com o
folclore carnavalesco, impregnados (em variados graus) “de uma cosmovisão carnavalesca específica [...]” (2015,
p. 122) que imbuída de uma força descrita pelo autor como vivificante, transformadora e de uma realidade
indestrutível, consegue sobreviver em gêneros que possuem “uma relação mais distante com as tradições do
cômico-sério” (2015, p. 122) conservando uma acentuada distinção entre os outros gêneros, chamada por
Bakhtin de o fermento carnavalesco.
2.3 Particularidades do gênero sério-cômico
(Problemas da Poética de Dostoiévski)
1- “[...] a primeira peculiaridade de todos os gêneros do sério-cômico é o novo tratamento que eles dão
à realidade. A atualidade viva, inclusive o dia-a-dia, é o objeto ou, o que é ainda mais importante, o
ponto de partida da interpretação, apreciação e formalização da realidade.” (2015, p. 122)
58 ANEXO

2- “[...] a segunda peculiaridade é inseparável da primeira: os gêneros do sério-cômico não se baseiam


na lenda nem se consagram através dela. Baseiam-se conscientemente na experiência (se bem que
ainda suficientemente madura) e na fantasia livre; na maioria dos casos seu tratamento da lenda é
profundamente crítico, sendo, às vezes, cínico-desmascarador.” (2015, p. 123)
3- “[ ...] a terceira peculiaridade são a pluralidade de estilos e a variedade de vozes de todos esses gêneros.
Eles renunciam à unidade estilística [...] da epopeia, da tragédia, da retórica elevada e da lírica.” (2015,
p.123)

2.4 Sátira Menipeia


(Problemas da Poética de Dostoiévski)
O filósofo Menipo de Gádara, do século II a.C. concebeu a forma clássica desse tipo de sátira, mas a versão mais
completa ou melhor compreendida como sendo este gênero veem através das “sátiras menipeia” de Luciano
que chegaram até nós (embora elas não se refiram a todas as variedades desse gênero)”. (2015, p. 128)
A sátira Menipeia não possui um tema único ou uma característica definida. É imbuída de forte crítica [...] em que
a fantasia mais audaciosa e descomedida [...] são justificadas e focalizadas aqui pelo fim puramente filosófico-
ideológico, [...] criar situações extraordinárias para provocar e experimentar uma ideia filosófica [...] (2015, p.
130)
3. CARNAVALIZAÇÃO NA LITERATURA

(Problemas da Poética de Dostoiévski e Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: con-


texto de François Rabelais)
“[...] O carnaval propriamente dito [...] não é evidentemente um fenômeno literário. É uma forma sincrética de
espetáculo de caráter ritual, muito complexa, variada, [...]” (2015, p. 139) que, segundo o filósofo russo, influencia
de maneira determinante a literatura. “[...] o carnaval criou toda uma linguagem de formas concreto-sensoriais
simbólicas [...] que exprime de maneira diversificada e, pode-se dizer, bem articulada(como toda linguagem)
uma cosmovisão carnavalesca uma, porém complexa que lhe penetra todas as formas [...]” (2015, p. 139). Essa
linguagem não pode ser traduzida para a linguagem verbal sem que haja prejuízo de entendimento. “[...] No
entanto, é suscetível de certa transposição para linguagem cognata, por caráter concretamente sensorial,
das imagens artísticas, ou seja, para a linguagem da literatura”. Assim, Bakhtin chamará de carnavalização da
literatura “a transposição do carnaval para a linguagem literária” (2015, p. 140)
3.1 Algumas categorias carnavalescas específicas...
O livre contato familiar entre os homens – “[...] os homens, separados na vida por intransponíveis barreiras
hierárquicas, entram em livre contato familiar na praça pública carnavalesca [...]” (2015, p. 140); destronamento
do rei do carnaval; a excentricidade, ênfase das mudanças e transformações, da morte e da renovação (núcleo
da cosmovisão carnavalesca), etc.

4. CARNAVALIZAÇÃO EM MACUNAÍMA
(A carnavalização em Macunaíma: um olhar Bakhtiniano)
• O gênero rapsódia como uma marca de carnavalização, uma vez que “[...] no aproveitamento da
cultura popular, que constrói o cenário da aventura do herói, o autor apresenta em um só espaço as
diversas manifestações culturais do Brasil, seja do interior, do litoral ou das grandes cidades.
• Macunaíma traz a festa popular para a literatura
• Macunaíma e a paródia: paródia da estrutura do romance tradicional; paródia do romance indianista
do século XIX e consequentemente dos romances de cavalaria na Idade Média (releitura da questão
do índio e do herói nos romances); paródia da Carta do Descobrimento de Pero Vaz de Caminha (Carta
pras Icamiabas)
• O grotesco, imagens do corpo, comida e bebida: recorrência do grotesco na narrativa, ligado,
sobretudo, a imagem do corpo e do vocabulário baixo.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 59

• Sexo: percepção do corpo e do ato sexual como elementos que dão noção de continuidade da
existência; retomada destronante do ato de cortejar a dama pelo cavaleiro medieval; forte sátira ao
amor cortês.
• Polifonia: Apesar da polifonia ser uma característica da imagem carnavalesca, esta não é uma forte
marca em Macunaíma, haja vista que é perceptível o confronto de vozes ideológicas através das
personagens na narrativa.
• Riso: O riso destrona o controle hierárquico que torna a situação igualitária, colonizador e colonizado.

Ler Macunaíma pelo viés Bakhtiniano de carnavalização é buscar a essência da narrativa que tenta compreender
a complexidade brasileira através de um vencido-vencedor, representado pelo herói.
Macunaíma morre, porém não e com a morte do herói que a narrativa termina, mas com sua ressurreição. A
morte representa sua “subida ao céu”. O herói vencido segue a direção do baixo, com a morte, para o alto, na
posição da Ursa Maior.
A memória é mantida através da tradição oral, na qual um homem se nomeia narrador da história, porque ele
ouve tudo de um papagaio e conta depois. Assim, não se trata apenas do corpo biológico que se perpetua
através das gerações, mas da própria humanidade que está sempre em progresso, da qual o homem faz parte
como personagem e como criador.

5. REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 6ª
ed. São Paulo. Hucitec. 2008.
______. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2015
BATISTA, Tatiana. A carnavalização em Macunaíma: um olhar Bakhtiniano. Palimpsesto-Revista do Programa
de Pós-Graduação da UERJ. V. 04, ano 04 .2005. Disponível em <http://www2.uerj.br/pgletras/palimpsesto/
num4/estudos/carnavalização.htm >. Acesso em: outubro 2017
DISCINI, Norma. Carnavalização in: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin outros conceitos-chave. 2ª ed. São Paulo.
Contexto. 2012.
SANTANA, Affonso Romano. Paródia, Paráfrase e Cia. 7ª ed. São Paulo. Ática. 2003
SOERENSEN, Claudiana. A carnavalização e o riso segundo Mikhail Bakhtin. Revista Travessia. Publicação do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Unioeste. V. 05, n. 01. 2011. Disponível em <http://e-revista.unioeste.
br/index.php/travessias/article/view/4370/3889>. Acesso em: maio 2017.
SCHIFFLER, Michele Freire. Sobre Bakhtin, quilombos e a cultura popular. Bakhtiniana: Revista de Estudo do
Discurso. V. 12, ano IX, n. 03. 2017. Disponível em < https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana> . Acesso em outubro
2017.

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