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DEUSES DESTRONADOS:
formação carnavalizada de
professores para o ensino de
Literatura e Humanidades
no Ensino Médio
CADERNO PEDAGÓGICO
1ª edição
2019
REALIZAÇÃO:
IFES CAMPUS VITÓRIA
PPGEH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE HUMANIDADES
Vitória
TATYANA RODRIGUES BARCELLOS
LETÍCIA QUEIROZ DE CARVALHO
Comissão Científica
Aldieris Braz Amorim Caprini
Cleonara Maria Schwartz
Deane Monteiro Vieira Costa
Revisão do Texto
Letícia Queiroz de Carvalho
Hudson LuisCôgo
Diretor Geral do Campus Vitória – Ifes
Márcio Almeida Có
Diretor de Ensino
Dilza Côco
Vice-Coordenadora do PPGEH
SOBRE OS AUTORES
uma vez que todo ser humano, segundo ele, das sociedades mais tribais às mais
avançadas, possuem uma necessidade de fabulação no seu cotidiano que faz com que a
ficção integre nossa maneira de ver o mundo, de sermos seres humanos, constituindo-
se, dessa forma, uma necessidade fundamental, defende, consequentemente, que a
literatura, por conta disso, seja considerada uma necessidade básica humana, assim
como a alimentação e a educação, configurando-se como um direito elementar que
contribuiria fortemente para a diminuição da desigualdade social.
Esse direito vem sendo negado há muito tempo em um espaço, que embora não seja
o único possível para que isso se realize, é, sem dúvida nenhuma, o mais privilegiado
para que isso aconteça, a escola. No lugar do texto, o enxerto. No lugar do livro literário,
o livro didático. No lugar da leitura literária, a teoria literária. No lugar de professores
que são também leitores, professores que leram sobre o livro e não o livro . Essas 5
5º ENCONTRO - Carnavalização................................................................................................. 41
AGRADECIMENTO............................................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 52
ANEXO...................................................................................................................................................... 55
1 Sobre Macunaíma e
Mário de Andrade
12 SOBRE MACUNAÍMA E MÁRIO DE ANDRADE
4 CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 13
5 SANDRONI, Luciana. O Mário que não é de Andrade: o menino da cidade lambida pelo igarapé Tietê.
São Paulo. Companhia das Letrinhas, 2001.
Alguns livros
A B C
D E F
com o passar dos séculos (BAKHTIN, 2008). Essa cultura popular do riso, de acordo com
o filósofo, foi se desenvolvendo à margem da cultura oficial, séria, cotidiana.
As formas simbólicas do carnaval, enquanto manifestação popular na Idade Média, são
variadas e de difícil compreensão, dependendo exclusivamente do seu lugar de fala,
por assim dizer. Logo, as diferentes épocas, povos e festejos particulares carregarão
consigo inúmeras maneiras de simbolizar seus rituais que estão repletas do que o
filósofo chamará de cosmovisão carnavalesca. Essa linguagem de formas concreto-
sensoriais simbólicas não é passível de ser verbalizada, dada a sua complexidade.
Imagem da carnavalização na
Idade Média
Fonte: https://novaescola.org.br/
conteudo/1621/mikhail-bakhtin-
-o-filosofo-do-dialogo
Abaixo:
”O Combate do Carnaval e a
Quaresma”, de Pieter Bruegel
Fonte: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Le_combat_de_
Carnaval_et_de_Car%C3%AA-
me_Pieter_Brueghel_l%27An-
cien.jpg
20 CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE
Todavia, é possível transpô-la para uma outra linguagem que se utilize de dinâmicas
semelhantes. A linguagem que possibilita essa transposição, segundo Bakhtin, é a
linguagem literária. Assim sendo, ele chamará de carnavalização da literatura essa
transposição da linguagem carnavalesca para a linguagem literária. Essa transposição
acarreta a formação de categorias carnavalescas específicas, tais como o emergir da
cultura popular, o livre contato familiar entre os homens, o destronamento do rei do
carnaval e a morte e a renovação. Essas categorias em cotejamento com Pedagogia
da Autonomia, Professora sim, Tia não e A educação como prática de liberdade, obras
de Paulo Freire em consonância direta com a formação de professores, nortearam os
encontros com os docentes.
Paulo Freire em Pedagogia da autonomia escreve o que se pode designar um manual para
a prática docente. Nele, elenca saberes que a formação docente como qualquer outra
formação exige, saberes tão necessários quanto a prática em si e alerta para a periculosidade
da mera transferência de conhecimentos em uma formação, seja ela inicial ou continuada.
A impossibilidade de vivenciar o outro, seu lugar de fala, suas condições objetivas de
trabalho, seus conhecimentos prévios, possibilita que uma formação docente que se
quer progressista torne-se autoritária e forme profissionais que se acreditam sujeitos,
mas que agem como objetos. Por isso, em Professora sim, tia não (1997), Freire no
quarto capítulo “Das qualidades indispensáveis ao melhor desempenho de professoras
e professores progressista”, elenca predicados imprescindíveis para os educadores e
educadoras progressistas que serão gerados na sua prática cotidiana.
Bakhtin olha para o carnaval vivenciado na Idade Média sob uma perspectiva de
contra-senso, a da cultura popular que no seu emergir festivo destrona valores e
inverte papéis. Esse movimento momentaneamente subversivo (modificador de
algo estabelecido) retrata na concretude de sua dinâmica que os paradigmas são
possíveis de serem modificados, mesmo que de maneira efêmera e festiva, porque
implica “viver” o mundo (leia-se a sociedade) sob um ponto de vista que burla, no seu
sentido zombeteiro, da primazia da cultura formal, a única autorizada. Freire com sua
pedagogia crítica observa a educação a partir de um paradigma contra-hegemônico,
os saberes do educando. Saberes que não os oficiais, formadores de narrativas outras
invisibilizadas e dessa forma silenciadas por uma episteme moldada para desqualificar
aquilo que não se parece com ela, o homem branco/ocidental/europeizado. Aponta
assim, para a possibilidade concreta de se pensar/fazer a educação um discurso para e
com as vozes desautorizadas.
Segundo Bakhtin, durante as festas carnavalescas, o sistema hierárquico vigente é
destronado para que se instaure uma nova ordem. As desigualdades de qualquer
espécie são revogadas temporariamente, enquanto duram os festejos. Com a anulação
temporária das diferenças segregadoras, é permitido ao homem comum uma vida às
avessas da chamada vida normal. É possível inverter papéis tão seriamente pré-fixados
e dessa forma aproximar classes em posição desiguais que na praça púbica viverão
essa familiarização carnavalesca chamada pelo filósofo russo de o livre contato familiar
entre os homens. Paulo Freire em seu projeto humanizador do agir educativo traz para
a praça pública da sociedade, por assim dizer, a educação que se quer problematizante,
progressista e por isso libertadora. Com ela, o educador almeja que o conhecimento seja
compartilhado igualmente com todos os sujeitos, construídos histórico e socialmente,
em uma dinâmica de promoção do pensamento ingênuo para o pensamento crítico.
Uma vez que o carnaval tem como premissa primeira opor-se a qualquer ideia de
perpetuação de algo, já que é regido pelo paradigma do inacabamento, a ideia de
quebrar hierarquias também chega à figura do rei. Dessa forma, o destronamento bufão
tem como finalidade parodiar, segundo a cultura popular, a vida séria, monológica,
consagradora da ordem vigente. Nosso filósofo da educação ao evidenciar em forma
de denúncia as mazelas de uma educação bancária propõe o destronamento do
professor enquanto único detentor do conhecimento.
Para Bakhtin, o riso dito carnavalesco possui uma natureza complexa que pode
ser explicada a partir de três premissas: ele é um patrimônio do povo, universal e
ambivalente. Ou seja, ele é inerentemente carnavalesco, de caráter popular. Por conta
disso, é universal, atinge todos e todas sem amarras hierárquicas, ao mesmo tempo
em que ludibria e debocha. Assim, consegue negar a realidade cotidiana, no mesmo
instante em que afirma que uma outra realidade (menos dura, mais risível) é também
22 CARNAVALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE
possível, mesmo que efêmera. O povo ao rir de seus governantes, ri também de si mesmo,
negando todo autoritarismo medieval afirma para uma outra forma de viver mais alegre de
viver em sociedade. Freire ao afirmar que a educação é a prática da procura da verdade em
comum e não um aquietar de pensamentos e ações propõe uma mudança de uma educação
massificante para uma “postura conscientemente crítica” perante aos conhecimentos
mediados pela escola. Assim, nega as verdades autoritárias colocadas em prática na escola ao
afirmar uma educação para a decisão, libertadora, crítica, problematizadora, humanizadora
e negando-a (a educação massificante) pode sonhar com uma educação que assim como o
riso carnavalesco seja coletiva, universal, festiva, atingindo a todas as pessoas, um verdadeiro
“patrimônio do povo”.
Carnavalizar aspectos da pedagogia freiriana concernentes à formação literária docente significa
olhar o ensino de literatura sob uma ótica às avessas, por assim dizer. De maneira alguma isso
se apresenta como um desprezo ao ensino já praticado, mas sim um outro caminho possível.
Logo, trazer a cultura popular, a familiarização carnavalesca, o destronamento e ambivalência
do riso para o centro das atenções literárias, talvez seja uma maneira de possibilitar o desfile
de textos “não autorizados” pelo cânone escolar, por isso, desconhecidos, desprezados por não
fazerem parte de um lugar privilegiado junto aos denominados clássicos literários, gerando,
dessa forma, um quebra nas forças centrípetas dos cânones literários em prol das forças
centrífugas das literaturas que estão à margem; a quebra de tabus relacionados à leitura que
não se encontra prevista nos códigos educacionais, tirando o pedestal da literatura oficial
e colocando-a em “praça pública” para ser comungada por todos como um direito, já dizia
Candido (2004).
Aqui, se faz imprescindível observar também que seja possível a leitura, dada condições de
estratégias de leitura, de obras clássicas que somente são apresentadas aos discentes em
forma de trechos aleatórios no livro didático. O destronar de algumas manifestações reificadas
no ensino da literatura, tais como os currículos engessados, metodologias ultrapassadas,
a ciência como única meio de conhecimento humano, entre outros, para a construção de
paradigmas mais criativos e democráticos. Dessa forma, ao propormos um diálogo entre
os dois filósofos temos como objetivo observar como o caráter carnavalizado presente na
pedagogia progressista freireana – utilizando para isso as categorias previamente elencadas
da cosmovisão carnavalesca bakhtiniana – pode contribuir para uma formação docente que
fuja do padrão monológico e massificante para uma dinâmica às avessas, dialógica e crítica.
A formação do professor da área de Literatura ou que queira trabalhar a literatura em
sala de aula, a partir das aproximações propostas, poderá se constituir como espaço
dialógico em que os tensionamentos e as contradições próprias do fazer pedagógico
possam emergir na perspectiva do encontro polifônico das vozes docentes sob a ótica da
educação carnavalizada. O professor, sujeito cognoscente e pesquisador da sua prática,
assume nessa perspectiva uma posição ativa e responsiva diante das situações concretas
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 23
que emergem do contexto em que atua, as quais desafiam as suas concepções e posições
axiológicas diante do mundo da vida. Ao se constituir dialogicamente nos espaços sociais
em que as interações verbais se efetivam, esse professor, ao subverter algumas práticas
recorrentes nas aulas de Literatura, ainda bastante descoladas do contexto cultural mais
amplo, poderá apontar novos caminhos que potencializem um ensino literário mais
alinhado às questões contemporâneas e à formação humana dos alunos leitores.
3 Sugestões
pedagógicas
26 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
PROPOSTA DIALÓGICA
Duração: 1h40min
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 27
1ª ENCONTRO
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA, ANÁLISE E DISCUSSÃO
DOS 5 PRIMEIROS CAPÍTULOS DE MACUNAÍMA
O CORTEJO
O objetivo geral dos encontros é trabalhar o texto literário Macunaíma de Mário de
Andrade, em diálogo com o conceito de Carnavalização de Mikhail Bakhitn, em prol
de uma literatura carnavalizada, aliada a alguns pressupostos de Paulo Freire sobre
a docência, para que isso, de alguma maneira, contribua para o enfrentamento de
problemas ligados ao ensino de Literatura no Ensino Médio.
Foi pensada uma dinâmica que concatenasse com a finalidade pretendida. Cada
participante do encontro recebeu, antecipadamente, via email, o livro em PDF . Foi 4
pedido que lessem (ou pelo menos que tentassem ler) os cinco primeiros capítulos, uma
vez que contêm o cerne da rapsódia Andradeana: nascimento do herói, aparecimento
e desaparecimento da muiraquitã (seu amuleto), ida do herói a São Paulo para resgatar
seu talismã, encontro com Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã comedor de gente,
que guardava a muiraquitã.
Para este primeiro encontro, tem-se a apresentação da genialidade do autor Mário
de Andrade ao escrever Macunaíma; a compreensão a atividade de leitura como
processo discursivo em que autor e leitor participam para a produção de sentidos e a
compreender a história de Macunaíma em diálogo com a realidade cotidiana de forma
irônica, debochada e “escrachada”.
OBS: Antes de suscitar as questões provocativas, foi
entregue a cada professor/a um caderno de anotações, 1
caneta azul, um lápis, um marca texto e um post it.
O caderno de anotações tem como objetivo ser um aporte
para que os/as docentes anotem suas reflexões para e pós
encontros. Uma maneira de materializar pensamentos
sobre os capítulos lidos e suas convergências com os textos
teóricos, vídeos utilizados e discussões acerca dos assuntos
promovidos que não foram contemplados dentro do tempo
pré-determinado dos encontros ou que emergiram durante
Caderno de Anotações Narrativas
reflexões feitas no cotidiano entre o tempo dos encontros. Fonte: Autoria própria
Esse caderno é recolhido ao final do projeto e analisado
como mais um corpus de pesquisa.
4 Os escritos de Mário de Andrade, desde janeiro de 2016, não são mais protegidos por direito
autoral, entraram em domínio público.
28 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
Nascimento de Macunaíma
Óleo sobre tela Carybé
Fonte: http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/obra8787/
o-nascimento-de-macunaima
Capítulo 1. Macunaíma
Nasce o herói sem caráter, uma criança feia, filho do medo da noite. Sua frase característica
é “Ai, que preguiça!”. Principiou a falar com seis anos. Vira um príncipe lindo quando vai
para a floresta com Sofará, mulher do seu irmão Jiguê, e brinca com ela.
Capítulo 2. Maioridade
Macunaíma continua brincando com a nova companheira do Jiguê, Iriqui, sem o irmão
saber. Ele engana o Curupira ao vomitar a carne da perna que havia comido. Seu corpo
cresce com o caldo envenenado de aipim da cotia, mas sua cabeça continua pequena
(“carinha enjoativa de piá”). Nosso herói mata uma veada parida que, na verdade, é a
sua mãe. Macunaíma, então, vai embora com os irmãos, “partiram para esse mundo”.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 29
Capítulo 5. Piaimã
Macunaíma deixa sua consciência na foz do rio Negro e parte para São Paulo com uma
comitiva de duzentas igaras (canoas). Encontra uma cova com a marca de um pé de
gigante e se lava nessa água que ele não sabia ser encantada. Nosso herói sai do banho
loiro e de olhos azuis. Seus irmãos tentam a mesma sorte no banho, mas Jiguê fica com
a cor de bronze novo e Manaape fica negro com as palmas das mãos brancas. O herói
e os irmãos chegam a São Paulo. Lá, Macunaíma se vê intrigado com a Máquina. Nosso
herói constata que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piamiã comedor de gente. Ele
mata Macunaíma que é ressuscitado pelo seu irmão Manaape, que é feiticeiro.
SOBRE O AUTOR
O RISO CARNAVALESCO
O intuito das provocações feitas é direcionar a conversa para iniciarmos os diálogos. Essas
primeiras provocações foram fomentadas antes de começar a discutir os capítulos. Servem
para quebrar o gelo, por assim dizer, entre os participantes.
Capítulo 1. Macunaíma
Como vocês entenderam o nascimento do herói da nossa gente (“filho do medo da noite”,
“uma criança feia”) e sua frase característica “Ai, que preguiça!”?
De que maneira também construímos a figura do herói encarnado em nossos/as alunos/as?
Que tipo de herói nós nos constituímos, para eles, em sala de aula?
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 31
Capítulo 2. A Maioridade
Como você enxerga o engano que Macunaíma fez com o Curupira, entidade que tem como
entre uma das suas finalidades enganar os outros.
O que é para um herói partir de sua terra sem nenhum objetivo a ser alcançado?
Capítulo 5. Piaimã
Qual o olhar de Macunaíma (ser da floresta) sobre a cidade de São Paulo?
“[...] Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas
brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava os
homens porém os homens é que mandavam na Máquina... [...] De toda essa embrulhada
o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz: Os homens é que eram as máquinas e as
máquinas é que eram os homens. Macunaíma deu uma grande gargalhada. Percebeu que
estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe [...]” Como você entende essa reflexão, feita
por Macunaíma, na página 24?
De que maneira essa reflexão faz uma ponte com a questão do currículo em sala de aula?
Detalhe de Macunaíma em HQ
Fonte: https://jc.ne10.uol.com.br/
blogs/cinehq/2016/03/03/441/
32 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
O SAGRADO E O PROFANO
INACABAMENTO
O Mário que não é de Andrade: O menino da cidade lambida pelo igarapé Tietê– Luciana
Sandroni
Editora Companhia das Letrinhas
2ª ENCONTRO
O LUGAR DA LITERATURA NA ESCOLA
O CORTEJO
Busca-se construir uma relação dialógica entre a leitura literária, a leitura teórica e o cotidiano
escolar, tendo em comum a literatura como uma expressão de arte e representação do real,
além de refletir sobre quais os lugares são determinados para a literatura dentro do ambiente
escolar, mais especificadamente, dentro do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), na
atualidade, e em que medida isso se constitui um problema ou uma solução para o ensino
de literatura no ensino médio. Também é feito um compartilhamento sobre as percepções
cotidianas escolares a partir do que foi discutido no encontro passado e análise dos trechos
irônicos, previamente selecionados, dos capítulos pertencentes ao 1º encontro, que serão
entregues aos docentes neste encontro.
PESSOA, Jadir de Morais Pessoa. Literatura e formação humana. EccoS Revista Científica,
núm. 32, septiembre-diciembre, 2013, pp. 179-196, Universidade Nove de Julho, São
Paulo, Brasil.
O artigo discute a fecundidade da relação entre arte e educação, particularizando a literatura como
potencialização do olhar pesquisante, tanto sobre questões teóricas quanto sobre processos humanos
e sociais que envolvem o fenômeno educacional. Considera que a educação é constituinte e constituída
pela cultura, entendendo-a, por isso, como formação humana, projeto cultural. Considera também
que a literatura pode ser tomada como representação do real, sem perder sua característica essencial
de criação do espírito humano, constituindo-se, portanto, por seus próprios princípios e regras. Isso
significa dizer, nos termos de Bourdieu, que a literatura é “campo” ou espaço de relações sociais, que tem
tudo a ver com a educação no sentido de formar o cidadão como ser portador de valores e aspirações.
SOBRE O AUTOR
O RISO CARNAVALESCO
• Qual Literatura você teve acesso em sua vida escolar e como isso afetou sua capacidade de
leitura e seu desenvolvimento enquanto ser humano?
• Quais lugares são determinados para que a Literatura aconteça efetivamente em sua escola?
• Antonio Candido, em seu vídeo, afirma ser uma violência social e a perpetuação das
desigualdades sociais não garantir, como um direito básico, a possibilidade de “todos os
produtos da literatura, em todos os níveis, serem acessíveis a todos os grupos e classes
sociais”. Sendo assim, você considera que ao transformar a possibilidade de leitura de um
clássico como Macunaíma (simbólico e de difícil entendimento) em uma concreta realidade
faz com que a afirmação de Candido seja comprovada? Argumente sua resposta.
Capítulo 1
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e
filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando
o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é
que chamaram de Macunaíma.”
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 35
Capítulo 3
“[...] herói apanhava. Recebera já um murro de fazer sangue no nariz e um lapo fundo de
txara no rabo. A icamiaba não tinha nem um arranhãozinho e cada gesto que fazia era mais
sangue no corpo do herói soltando berros formidandos que diminuíam de medo os corpos dos
passarinhos. Afinal se vendo nas amarelas porque não podia mesmo com a icamiaba, o herói
deitou fugindo chamando pelos manos:
— Me acudam que sinão eu mato! me acudam que sinão eu mato! [...]”
“[...] pra animá-lo, Ci empregava o estratagema sublime. Buscava no mato a folhagem de
fogo da urtiga e sapecava com ela uma coça coçadeira no chuí do herói e na nalachítchi
dela. Isso Macunaíma ficava que ficava um lião querendo. Ci também. E os dois brincavam
que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso.[...]”
INACABAMENTO
A Literatura como remédio: os clássicos e a saúde da alma – Dante Gallian, editora Martin
Claret
3ª ENCONTRO
CURRÍCULO: ESPAÇOS DE PODER E O ENSINO DE LITERATURA
O CORTEJO
A reflexão sobre o engessamento autoritário dos currículos é necessária para que possamos
discutir sobres as variadas possibilidades docentes que não cabem em um documento
oficial normatizado e prescrito como o currículo.
e não por um passarinho. Dessa maneira, nosso herói debocha das Icamiabas ao mesmo
tempo em que torna a realidade mais sofisticada, segundo seu ponto de vista. De que
maneira, nós, em sala de aula, tornamos a realidade dos nossos currículos mais sofisticadas
e aceitáveis sob o nosso ponto de vista?
O SAGRADO E O PROFANO
No capítulo Carta prasIcamiabas, o narrador cede sua voz à Macunaíma. Seu discurso imita
um discurso de poder. Toda sua fala grandiloquente e hegemônica se constitui uma farsa.
Assim, debocha do preciosismo vocabular da metrópole, enquanto instaura um pensamento
crítico sobre tal preciosismo.
De que maneira Macunaíma, com essa atitude, pode nos inspirar a burlar o engessamento
curricular? Escreva suas impressões em seu caderno.
INACABAMENTO
4º ENCONTRO
VOZES DOCENTES E AS RELAÇÕES DE PODER NA ESCOLA
O CORTEJO
Para se repensar práticas cotidianas escolares, é necessário analisar e refletir sobre a relação
de poder professor-aluno e seus efeitos reais na escola atual e no ensino de literatura e
humanidades. Além de analisar de que maneira podemos, enquanto docentes, planejar e
executar estratégias metodológicas que sejam pensadas a partir de um olhar “às avessas”.
Capa do livro
Fonte: https://www.
bertrand.pt/livro/
pedagogia-da-autonomia-
paulo-freire/13073585
Pedagogia da Autonomia é a última obra lançada por Paulo Freire em vida. Nela, ele enumera
saberes que Freire considera indispensáveis à formação e prática docente. Além do prefácio
e da introdução “Primeiras Palavras”, o livro possui três capítulos, que se subdividem em
vários subcapítulos, intitulados: 1. Não há docência sem discência; 2. Ensinar não é transferir
conhecimento; e 3. Ensinar é uma especificidade humana.
Charge Vini
Fonte: http://www.cefuria.org.
br/files/2016/07/charge-vini.png
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 39
SOBRE O AUTOR
SOBRE O AUTOR
O RISO CARNAVALESCO
Macunaíma ao enxergar a cidade de São Paulo, no início da carta, o faz, primeiramente,
pelo viés sexual. Esse ponto de vista bastante específico prevalece neste capítulo, narrado
agora pelo protagonista da história. Não se conta a história sobre Macunaíma. É o próprio
Macunaíma quem conta sua história.
• Muitas vezes, em nossas aulas somos os únicos narradores permitidos. Sob a alcunha
de “detentores do conhecimento” não deixamos nenhuma voz discente emergir. Assim,
40 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
O SAGRADO E O PROFANO
Como enfrentar as relações de poder construídas e constituídas pelo sistema, pela escola e
perpetuadas, muitas vezes, por docentes como nós? Qual caminho é possível trilhar?
INACABAMENTO
Fonte: http://despertarcoletivo.
com/a-educacao-proibida/
Diálogos através de Paulo Freire. Colecção Querer Saber 1. Porto: Edição Instituto Paulo
Freire de Portugal e Centro de Recursos Paulo Freire da FPCE, 2003/2004.
Fonte: https://www.youtube.com/
watch?v=2NfxvONcboo
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 41
5º ENCONTRO
CARNAVALIZAÇÃO
O CORTEJO
A carnavalização é um conceito de Mikhail Bakhtin exposto primeiramente no livro
Problemas na Poética de Dostoiévski. No entanto, será na obra A Cultura Popular na Idade
Média e no Renascimento que o filósofo russo aprofundará o conceito a partir da análise das
principais obras literárias do escritor francês renascentista François Rabelais, Gargântua e
Pantugrel. Entender o conceito de carnavalização é imprescindível para a compreensão de
que a carnavalização da literatura se dá na transposição da linguagem carnavalesca para a
linguagem literária. Dessa forma, pode-se intentar uma compreensão mais ampla de como
a carnavalização pode ajudar em busca de um ensino mais prazeroso de literatura e para a
quebra de paradigmas calcificados em nossa sociedade.
O RISO CARNAVALESCO
Leia este trecho do capítulo 10 de Macunaíma:
“[...] — A senhora me arrumou com um dia-de-judeu! Nunca mais me bote flor neste...
neste puíto, dona!
Macunaíma era desbocado duma vez. Falara uma bocagem muito porca, muito! A cunhatã
não sabia que puíto era palavra-feia não e enquanto o herói voltava aluado com o caso pra
pensão, ficou se rindo, achando graça na palavra. “Puíto...” que ela dizia. E repetia gozado:
“Puíto... Puíto”... Imaginou que era moda. Então se pôs falando pra toda a gente si queriam
que ela botasse uma rosa no puíto deles. Uns quiseram outros não quiseram, as outras
cunhatãs escutaram a palavra, a empregaram e “puíto” pegou. Ninguém mais não falava
em boutonnière por exemplo; só puíto, puíto se escutava [...]”. p. 58
Nosso herói ficou uma semana sem sair na rua por conta de não ter sabido a palavra correta
na hora necessária. O que ele sequer desconfiava era que puíto já substituía com sucesso e
legitimação o vocábulo francês boutonniére (muito utilizado em São Paulo). Ao perceber o
acontecido, Macunaíma dá grandes gargalhadas. O paradigma foi risivelmente modificado.
• De que maneira, podemos afirmar que o paradigma foi risivelmente modificado?
O SAGRADO E O PROFANO
De que maneira a carnavalização aparece no cotidiano escolar de nossas salas de aula e quais suas
consequências para o ensino-aprendizado? Nessa aparição ela é capaz de mudar paradigmas?
INACABAMENTO
Fonte: https://ataqueaberto.blogspot.com/2018/02/a-historia-do-carnaval.html
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 43
6º ENCONTRO
CARNAVALIZAÇÃO E O ENSINO DE LITERATURA
O CORTEJO
Através da compreensão do conceito de Carnavalização em Bakhtin, podemos constatar que
a carnavalização pode ajudar para um ensino mais prazeroso de literatura e para a quebra de
paradigmas sobre o ensino de Literatura calcificados em nossa sociedade.
A proposta do documentário Quando Sinto Que já Sei é levantar uma discussão sobre o atual momento
da educação no Brasil. Carteiras enfileiradas, aulas de 50 minutos, provas, sinal de fábrica para indicar o
intervalo, grades curriculares, conhecimento dividido em diferentes caixas. As escolas, como são hoje,
oferecem os recursos necessários para que uma criança se desenvolva ou a transformam em um robô,
com habilidades técnicas, mas sem senso crítico?
https://w w w.catarse.me/quandosintoquejasei?ref=c trse_explore_pgsearch&projec t_
id=1754&project_user_id=10739
O RISO CARNAVALESCO
De que maneira pode-se afirmar que a leitura e consequente reflexão/discussão sobre o livro
Macunaíma de Mário de Andrade se constitui um ato de resistência contra hegemônico, por
isso um ato de carnavalização?
O SAGRADO E O PROFANO
Pensar em propostas carnavalizadas de ensino de literatura para o ensino médio para que
possam ser discutidas no próximo encontro.
44 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
INACABAMENTO
Fonte: https://cpan.ufms.br/2014/10/13/cineclube-crp-discute-os-modelos-de-educacao-com-o-documentario-quando-
sinto-que-ja-sei-em-corumba/
7º ENCONTRO
CARNAVALIZAR PARA MUDAR PARADIGMAS
O CORTEJO
Ao compreender o conceito de carnavalização, se faz necessário uma escuta dialógica sobre
as possibilidades de carnavalização do ensino de literatura a partir das propostas e dinâmicas
pensadas, refletidas e/ou postas em prática pelos/as docentes. Essas possibilidades deverão
estimular um pensamento crítico sobre os planos de ensino na área da Literatura. Só assim
pode-se apreender como a carnavalização possibilita mudanças de paradigmas necessárias
para uma educação mais festiva e prazerosa.
O RISO CARNAVALESCO
A leitura do clássico Andradeano Macunaíma, o herói sem caráter, em cotejamento com
textos teóricos e vídeos, possibilitou que variadas questões relacionadas ao ensino no
cotidiano da escola fossem suscitadas, analisadas sob um ponto de vista crítico, repensadas,
revisitadas, reescritas. De que maneira pode-se afirmar que esse movimento de reflexão
e práxis contribuíram, contribuem ou contribuirão para mudanças de paradigma no chão
escolar?
O SAGRADO E O PROFANO
Texto da professora de Química, participante do projeto no Instituto Federal
de Educação IFES campus Cariacica, em 2018, respondendo à pergunta “Como
carnavalizar as aulas de literatura?” que ela modificou para “Como carnavalizar as
aulas de química?”
O que eu pensei foi aprimorar um projeto que gosto muito, embora no campus Cariacica
não tenha sido tão interessante como foi no campus Aracruz e Venda Nova do Imigrante.
Esse projeto é a produção de vídeos de história da química.
Escolho um texto base para os alunos (separados em dois ou três grupos por turma) de
algum episódio da história da química que tenha relação com o conteúdo estudado no
semestre. os alunos devem produzir um vídeo fazendo uma releitura daquele fato histórico
de forma engraçada, divertida.
No geral, o resultado é muito bom. Os alunos se dedicam bastante, se divertem fazendo e
produzem vídeos bem feitos. Só para exemplificar, um dos últimos vídeos que os alunos
fizeram em Aracruz foi sobre a biografia de Gilbert Newton Lewis (químico importante que
desenvolveu a teoria das ligações químicas). Lewis nunca ganhou um prêmio Nobel, apesar
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 47
de ter sido indicado inúmeras vezes. Os alunos encenaram esse episódio de forma bem
engraçada. Eles foram para o mini-auditório do campus. A plateia estava cheia de figurantes
e o mestre de cerimônia iria dizer quem ganhou o prêmio Nobel. Refizeram essa cena a
quantidade de vezes que Lewis foi indicado e não ganhou. Em cada uma delas, Lewis saía
xingando, brigando, querendo “quebrar tudo”.
Na última cena, eles convidaram a professora de Artes, cujo sobrenome era Lima e o nome
dela seria o ganhador do Nobel. Só ficamos sabendo disso, quando o mestre de cerimônias
vai ler o nome do ganhador. Há um suspense e ele diz “Li”, “Li”, ... Lewis levanta achando que
é seu nome que será chamado. Então, o mestre de cerimônias completa “Lima! O prêmio vai
para Lima” e diz o nome completo da professora. Foi muito divertido!
Voltando para a resposta, mesmo sem saber, os alunos e eu fizemos a carnavalização. Quem
sabe para o próximo ano podemos repetir o projeto e dar uma aula de carnavalização para
os alunos?!
A partir da leitura do texto da professora de química, faça uma análise colaborativa e dialógica
da proposta de carnavalização descrita por ela e usando sua experiência como inspiração,
elabore coletivamente, em uma roda de discussão, uma dinâmica para carnavalizar o ensino
de literatura no ensino médio.
INACABAMENTO
Fonte: https://www.
contioutra.com/vida-
maria-impactante-por-sua-
profunda-realidade/
48 SUGESTÕES PEDAGÓGICAS
Filme A Chegada
Sinopse: Quando seres interplanetários deixam marcas na Terra, a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma
linguista especialista no assunto, é procurada por militares para traduzir os sinais e desvendar se os alienígenas
representam uma ameaça ou não. No entanto, a resposta para todas as perguntas e mistérios pode ameaçar a
vida de Louise e a existência de toda a humanidade (57min).
Projeto Âncora
https://www.projetoancora.org.br/
Fonte: https://www.no-gods-
no-masters.com/tshirt-god-
save-the-queen-00101606149
Fonte: https://www.saraiva.
com.br/capitao-fantastico-
dvd-9425565.html
referÊncias
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói da nossa gente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2016.
______. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Fratechi Vieira. 16
ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 1999.
______. “Literatura e cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiros”. In: Literatura e
sociedade. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000. p. 109-138.
______. “O direito à literatura”. In: Vários Escritos. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 2004.
FREIRE, Paulo. A educação como prática de liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.
______. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
______. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2015.
______. Professora sim, Tia não. São Paulo: Olho d’Água, 1997.
GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. 11 ed. São Paulo: FTD, 1994.
A PROCISSÃO DOS DEUSES DESTRONADOS: FORMAÇÃO CARNAVALIZADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE LITERATURA E HUMANIDADES NO ENSINO MÉDIO 53
SERODIO, Liana Arrais; PRADO, Guilherme do Val Toledo. Metodologia narrativa de pesquisa
em Educação na perspectiva do gênero discurso bakhtiniano. IN PRADO et al (Orgs.).
Metodologia Narrativa de Pesquisa em Educação: uma perspectiva bakhtiniana. São
Carlos: Pedro & João Editores, 2015.
WISNIK, JOSÉ Miguel. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
pessoa1244/jose-miguel-wisnik>. Acesso em: 06 de Mar. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Macunaíma e a carnavalização
Tatyana Rodrigues Barcelos
1. Macunaíma
(Macunaíma: o herói sem nenhum caráter e Macunaíma e o Enigma do Herói às avessas)
A narrativa de Macunaíma escrita em seis dias é resultado de intensas pesquisas de Mário de Andrade sobre
a cultura, narrativas e música populares e incorpora os modos de ser, por assim dizer, da literatura oral, traço
marcante do modernismo brasileiro. Mário encontrou Macunaíma nas narrativas do alemão Koch Grunberg
(etnógrafo que estudou mitos e lendas dos índios do extremo norte do Brasil – limite com a Venezuela): “[...]
topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grunberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem
caráter. (Gozei). Vivi de perto o ciclo das façanhas dele. Eram poucas. [...] então veio vindo a ideia de aproveitar
pra um romancinho mais outras lendas casos brinquedos costumes brasileiros ou afeiçoados no Brasil. Gastei
muito pouca invenção neste poema fácil de escrever.” (2016, p. 161)
Macunaíma, filho do murmurejo do rio Uraricoera e do medo da noite, concebido sem ato sexual, é preguiçoso
para o trabalho, mas esperto para mulher e dinheiro. Mata a mãe, sem intenção, quando flecha uma viada
parida. Encontra a única mulher por quem realmente se apaixona, Si (a mãe do mato) e torna-se assim o novo
Imperador do mato-virgem. Sua amada transforma-se em estrela (a Beta do Centauro) depois que seu filho é
morto pela Boiuna Luna. Com saudades da sua companheira, Macunaíma fura o beiço e faz a muiraquitã, a
pedra/amuleto cuja perda o fará ir a São Paulo encontrar o gigante Pietro Pietra. Ao final, Macunaíma recusa-se
a virar pedra e sua morte, por assim dizer, é sua transformação em uma estrela, a Ursa maior.
O herói sem nenhum caráter, porque irresponsável, desregrado, de uma moral inexistente e, por outro lado,
sem características sólidas, sem identidade consolidada possui sua vida pautada pelo prazer imediato.
2. CARNAVALIZAÇÃO
(Problemas da Poética de Dostoiévski e Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: con-
texto de François Rabelais; Bakhtin e outros conceitos-chave; A carnavalização e o riso segundo
Mikhail Bakhtin)
Mikhail Bakhtin expôs o conceito de carnavalização primeiramente na obra “Problemas na poética de
Dostoiévski”, aprofundando-o a partir da análise das principais obras literárias do escritor francês renascentista
François Rabelais, Gargântua e Pantagruel, na obra intitulada “A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento”. Neste, predomina o realismo grotesco, enquanto naquele o sério-cômico inspirado na sátira
menipeia. Assim, “em Rabelais temos o inacabamento em função do riso estridente; em Dostoiévski esse efeito
estará em função do cômico-sério e do riso reduzido” ( 2012, p. 76).
A ideia de carnaval defendida, por assim dizer, por Bakhtin, diz respeito a uma festa em que todos participam
efetivamente, não vive-se o carnaval, mas sim, no carnaval, “ conforme suas leis enquanto estas vigoram,
ou seja, vive-se uma vida carnavalesca. (2015, p. 140). Essa vida, diferentemente da vida cotidiana/habitual,
apresenta-se como uma vida às avessas, já que nesse período carnavalesco todo o sistema hierárquico vigente
é de sobremaneira revogado para que uma outra maneira de viver sobressaia. Dessa forma, “o carnaval é a
segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É sua vida festiva. A festa é a propriedade fundamental
de todas as formas de ritos e espetáculos cômicos da Idade Média” (2012, p.07) que diferentemente das festas
oficiais vem a ser “o triunfo de uma espécie de liberação temporária da verdade dominante e do regime vigente,
da abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus” (2012, p.08), opondo-se “a
toda perpetuação, a todo aperfeiçoamento e regulamentação, apontava para um futuro ainda incompleto”
(2012, p.09).
“[...] Bakhtin afirma a importância do riso na Idade Média e Renascimento colocando-o como principal
elemento que distinguia os festejos de carnaval e ritos cômicos das cerimônias oficiais sérias da Igreja e do
Estado Feudal. [...] Absolutamente extra-oficial, embora legalizado, o riso medieval possui ligação indissolúvel
e ativa com a liberdade – ainda que relativa e de caráter efêmero por manter vínculos diretos com a Igreja e
o Estado. O riso, além de ser uma resposta à censura exterior – à cultura oficial e séria – liberta o indivíduo
―do censor interior, do medo do sagrado, da interdição autoritária, do passado, do poder, medo ancorado
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no espírito humano há milhares de anos. Portanto, o riso da festa popular tem como componente essencial
a vitória a qual submete o terror metafísico (do além, das coisas sagradas e da morte) e também os temores
históricos – todas as formas de poder infringido pelos soberanos e aristocratas terrestres. O riso liberta de tudo
que oprime, principalmente, o medo limitador.” (2011, p. 324)
A natureza complexa do riso carnavalesco é explicada por Bakhtin a partir de três premissas: o riso é um
patrimônio do povo, universal e ambivalente. Ou seja, o riso é inerentemente carnavalesco, de caráter popular;
“atinge todas as coisas e pessoas” e ao mesmo tempo em que é “alegre e cheio de alvoroço” é também “burlador
e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita” (2015, p.10). O autor faz questão de diferenciar o riso festivo
popular do riso puramente satírico da época moderna porque, segundo ele, este não possui as mesmas
características daquele, uma vez que “uma qualidade importante do riso na festa popular é que escarnece dos
próprios burladores. Assim, [...] o riso popular ambivalente expressa uma opinião sobre um mundo em plena
evolução no qual estão incluídos os que riem (2015, p.10-11).
4. CARNAVALIZAÇÃO EM MACUNAÍMA
(A carnavalização em Macunaíma: um olhar Bakhtiniano)
• O gênero rapsódia como uma marca de carnavalização, uma vez que “[...] no aproveitamento da
cultura popular, que constrói o cenário da aventura do herói, o autor apresenta em um só espaço as
diversas manifestações culturais do Brasil, seja do interior, do litoral ou das grandes cidades.
• Macunaíma traz a festa popular para a literatura
• Macunaíma e a paródia: paródia da estrutura do romance tradicional; paródia do romance indianista
do século XIX e consequentemente dos romances de cavalaria na Idade Média (releitura da questão
do índio e do herói nos romances); paródia da Carta do Descobrimento de Pero Vaz de Caminha (Carta
pras Icamiabas)
• O grotesco, imagens do corpo, comida e bebida: recorrência do grotesco na narrativa, ligado,
sobretudo, a imagem do corpo e do vocabulário baixo.
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• Sexo: percepção do corpo e do ato sexual como elementos que dão noção de continuidade da
existência; retomada destronante do ato de cortejar a dama pelo cavaleiro medieval; forte sátira ao
amor cortês.
• Polifonia: Apesar da polifonia ser uma característica da imagem carnavalesca, esta não é uma forte
marca em Macunaíma, haja vista que é perceptível o confronto de vozes ideológicas através das
personagens na narrativa.
• Riso: O riso destrona o controle hierárquico que torna a situação igualitária, colonizador e colonizado.
Ler Macunaíma pelo viés Bakhtiniano de carnavalização é buscar a essência da narrativa que tenta compreender
a complexidade brasileira através de um vencido-vencedor, representado pelo herói.
Macunaíma morre, porém não e com a morte do herói que a narrativa termina, mas com sua ressurreição. A
morte representa sua “subida ao céu”. O herói vencido segue a direção do baixo, com a morte, para o alto, na
posição da Ursa Maior.
A memória é mantida através da tradição oral, na qual um homem se nomeia narrador da história, porque ele
ouve tudo de um papagaio e conta depois. Assim, não se trata apenas do corpo biológico que se perpetua
através das gerações, mas da própria humanidade que está sempre em progresso, da qual o homem faz parte
como personagem e como criador.
5. REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 6ª
ed. São Paulo. Hucitec. 2008.
______. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2015
BATISTA, Tatiana. A carnavalização em Macunaíma: um olhar Bakhtiniano. Palimpsesto-Revista do Programa
de Pós-Graduação da UERJ. V. 04, ano 04 .2005. Disponível em <http://www2.uerj.br/pgletras/palimpsesto/
num4/estudos/carnavalização.htm >. Acesso em: outubro 2017
DISCINI, Norma. Carnavalização in: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin outros conceitos-chave. 2ª ed. São Paulo.
Contexto. 2012.
SANTANA, Affonso Romano. Paródia, Paráfrase e Cia. 7ª ed. São Paulo. Ática. 2003
SOERENSEN, Claudiana. A carnavalização e o riso segundo Mikhail Bakhtin. Revista Travessia. Publicação do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Unioeste. V. 05, n. 01. 2011. Disponível em <http://e-revista.unioeste.
br/index.php/travessias/article/view/4370/3889>. Acesso em: maio 2017.
SCHIFFLER, Michele Freire. Sobre Bakhtin, quilombos e a cultura popular. Bakhtiniana: Revista de Estudo do
Discurso. V. 12, ano IX, n. 03. 2017. Disponível em < https://revistas.pucsp.br/bakhtiniana> . Acesso em outubro
2017.