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Adriana Ortega Clímaco

Raquel da Silva Ortega


Isis Milreu
(Orgs.)

Campina Grande - PB
2018
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Adriana Ortega Clímaco (IFSP/Jacareí)


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Literatura é arte:
dimensão estética ocultada no ensino

Adriana Ortega Clímaco (IFSP - Campus Jacareí)


Raquel da Silva Ortega (UESC)

O ensino de literatura no Brasil –


breve apontamento histórico

Com os jesuítas, final do século XVI, o ensino de lite-


ratura é introduzido no Brasil, embora o conceito de literatura
ainda não estivesse estabelecido à época. A leitura dos clássicos
– poesia, cartas e discursos gregos e latinos – utilizados para o
ensino de retórica e poética servia também para o conhecimen-
to das boas regras de conduta e aquisição de erudição. Vigorava
o ensino de modelos a imitar.
Esse modo de ensinar persistiu até o século XIX quando
o ensino de retórica e poética foi substituído pelo de história
da literatura. No Brasil, a literatura inicia como disciplina no
Colégio Pedro II, fundado em 1837, no Rio de Janeiro, no pe-
ríodo imperial, através de duas disciplinas: retórica e poética.
Em 1860, introduziu-se, nesse colégio, o ensino da disciplina
Literatura Nacional, que compreendia produções portuguesas
e brasileiras.

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O conceito de estudo da literatura passou a incluir a Letras na universidade não são mais leitores
oratória, a história, a biografia e os gêneros didáticos, além dos apaixonados; não sabem – como se ninguém
os estivesse informado disso – que o estudo
gêneros hoje considerados como literários. O primeiro com-
das letras passa pela prática assídua da leitura.
pêndio de literatura nacional surgiu em 1862, escrito pelo cô-
(PERRONE-MOISÉS, 2006, p. 17).
nego Fernandes Pinheiro, que enfatizava os períodos literários.
Após a consolidação do romance no Brasil, este é in-
troduzido no ensino de literatura, mas um longo caminho é Para a autora, a origem do problema está na educação
percorrido até que isso ocorra. No século XIX, o romance foi básica, período no qual os alunos deveriam adquirir as com-
alvo de críticas e debates até que pudesse ser considerado um petências mínimas exigidas para a leitura e para a escrita. No
gênero literário elevado e digno de figurar entre as obras a serem entanto, essa formação tem sido deficiente e, ainda de acordo
lidas nas escolas. com a autora, os professores universitários se limitam a lamen-
tar pela situação ao invés de implementar estratégias que pode-
De modo bastante tradicional, o ensino de literatura
riam corrigir o problema.
era vinculado ao de língua portuguesa e isso perpassou todo o
século XX, adentrando o século XXI. Essa distorção não é corri- No início do século XXI, a disciplina Literatura foi cor-
gida nos documentos norteadores do ensino em nosso país, que tada do currículo de escolas do ensino médio de diferentes esta-
recebem críticas de alguns estudiosos pelo modo como tratam dos brasileiros. A autora comenta que isso não ocorreu apenas
o ensino de literatura. no Brasil, mas em vários países, como França e Portugal, o que
a leva a concluir que a questão do ensino da literatura é um
Segundo Leyla Perrone-Moisés (2006), a literatura,
tema agudo e atual.
como disciplina escolar e universitária, pode vir a desaparecer.
Para exemplificar, a autora cita Compagnon: Com base nesse quadro, Perrone-Moisés afirma que os
documentos norteadores são sintomas da ameaça que paira so-
bre a disciplina Literatura na educação básica no Brasil, porque
Tendo escolhido ensinar a literatura francesa alimentam o mercado editorial do livro didático (em referência
na universidade nos anos 70, embarcamos ao Programa Nacional do Livro Didático, no qual obras são
num navio furado, fazendo água, afundando
selecionadas, avaliadas e, caso aprovadas, adquiridas pelo Mi-
lentamente; ele não afundará, sem dúvida,
antes que atinjamos a idade da aposentadoria,
nistério da Educação para distribuição nas escolas públicas de
mas nós o transmitimos num estado desespe- todo o país); diminuem o valor da linguagem verbal, superva-
rador. A presença da literatura no mundo não lorizando a linguagem tecnológica; e até mesmo mencionam
cessa de se reduzir, como uma pele de ona- pouco a palavra “literatura”.
gro; os estudantes que chegam aos cursos de

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A autora enfatiza que a palavra “literatura” quase não Para Todorov (2012), a literatura corre o perigo de não
aparece nos documentos oficiais. Tratam-na de maneira depre- participar mais da formação cultural do indivíduo. Esse peri-
ciativa e apresentam declarações questionáveis sobre as obras go não advém da falta de escritores ou de criatividade, mas do
que pertencem ao cânone literário. Sendo assim, contribuem modo como ela é ensinada nas escolas, ao se priorizar a teoria
para uma redução da disciplina Literatura. No entanto, ensinar crítica e não a fruição, o prazer do texto. De acordo com o
literatura canônica não é elitista, ao contrário, é democratizan- autor, o perigo que a literatura corre atualmente é o de não ter
te, já que possibilita o contato com textos de alta qualidade. Da nenhum tipo de poder, isto é, de não participar de maneira
mesma forma, o ensino de literaturas estrangeiras não significa mais efetiva da formação cultural do indivíduo como cidadão.
um afastamento da cultura brasileira, e sim a ampliação da vi- Muitas vezes, o único contato que o aluno tem com o texto
são de mundo do indivíduo. literário na escola é através de atividades que focalizam o ensino
Em nossa opinião, tais críticas são pertinentes. A litera- dos períodos e dos gêneros literários e não priorizam o ensino
tura, nos documentos oficiais, está reduzida à área da leitura, de do texto literário em si. Esse ensino que privilegia os períodos
fato, como um gênero discursivo, não sendo tratada como arte e os gêneros literários, ao invés do texto, ainda de acordo com
em suas propriedades estéticas, como representação da realida- Todorov, faz com que a literatura perca seu poder de referência
de, muito menos como capaz de oferecer conhecimentos sobre com a realidade, ou seja, a capacidade que o texto literário tem
o ser humano. Mais enriquecedor, mais produtivo, no processo de dialogar com o mundo real.
de educação e formação do cidadão crítico – ideia defendida e Caio Meira, no prólogo de A literatura em perigo (TO-
preconizada nos documentos – seria considerar a literatura de DOROV, 2012), afirma que o problema está justamente nesta
modo global, verificando o modo como apresenta outras reali- inversão de enfoque, que prioriza o ensino da crítica, da teoria
dades, outros mundos e histórias. Isso permitiria desenvolver a ou da história literária, mas não coloca o estudante em contato
visão de mundo do leitor, seu senso crítico (outra ideia cara aos com o texto literário. Para ele, o ensino da literatura tem sido
documentos) e ampliar sua capacidade imaginativa o que, no dessa maneira porque as disciplinas escolares são concebidas
dizer de Perrone-Moisés, impulsiona as transformações. como ciência, e esta deve ser ensinada com instrumentos obje-
A autora destaca que, em sua dimensão textual, o texto tivos: tabelas, gráficos, sistemas. Ensinar a literatura a partir da
literário pode conter todos os tipos de textos que o aluno precisa perspectiva subjetiva da leitura do texto literário não se enqua-
conhecer, visto que sua significação não se reduz ao significado, draria nessa visão. Sendo assim, Todorov reivindica que o texto
mas possibilita interpretações infinitas. Vista dessa forma, a li- literário volte a ocupar o centro e não a periferia do processo
teratura não é apenas um gênero entre os demais, pois apresenta educativo (considerando que tal processo se dedica a formar
em sua estrutura composicional hibridismo e complexidade. cidadãos).

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O perigo do desaparecimento ao qual está exposta a lite- das, leitura pura e simplesmente, de fruição, sem perguntas de
ratura como disciplina escolar e universitária, segundo Todorov verificação. Isso seria produtivo, visto que consideraria o texto
e Perrone-Moisés, é real se pensamos em como, nos documen- em sua função poética, permitindo dele fruir e perceber seu po-
tos norteadores do ensino no Brasil, esta é mencionada como der de encantamento e componente emotivo. O professor pode
um gênero discursivo; e se percebemos como, no âmbito práti- também partilhar sua felicidade de ler, como afirma Pennac
co, a literatura já não figura mais como disciplina nos currículos (1993). Importa, portanto, fruir do poder de encantamento e
do ensino médio em grande parte dos estados brasileiros, além emoção da literatura.
das incertezas no momento presente acerca da Base Nacional Essa capacidade do texto literário de encantar e emocio-
Curricular Comum em discussão no Ministério da Educação. nar refere-se à propriedade que a literatura possui de permitir
Observa-se que o pouco contato que o aluno tem, no entender o ser humano em sua expressão, seu sentir, sua presen-
ensino médio, com a literatura é, na verdade, história da lite- ça no mundo, visto que se relaciona à vida real, às experiências
ratura com ênfase na periodização e nas características estilísti- pessoais, na medida em que ajuda a compreendê-las, possibili-
cas mais marcantes de cada época. Todorov afirma que ensinar tando interação entre seres humanos. Todorov (2012, p. 23) dá
dessa forma, enfatizando períodos e gêneros em vez do texto testemunho do poder da literatura: “Hoje, se me pergunto por
literário e sua fruição, faz com que a literatura perca seu poder que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente
de referenciar a realidade, ou seja, a capacidade de falar sobre e à cabeça é: porque ela me ajuda a viver.”
para o mundo real, perdendo, assim, o aproveitamento de sua Outro equívoco metodológico presente no ensino de li-
dimensão estética. Consequentemente, a disciplina Literatura teratura é o uso do texto literário, expressão artística, como um
estaria concebida como uma ciência, o que leva ao desprezo do pretexto para o ensino de regras gramaticais. O texto é usado
seu componente artístico. para exemplificar, exercitar e fixar estruturas linguístico-grama-
Para o autor, o texto literário deve ocupar o centro e não ticais, esvaziado de sentido. Ora, como afirma Todorov (2012,
a periferia do processo educativo. Para fazê-lo voltar a ocupar p. 93), a outro propósito destina-se a literatura:
o lugar central, o procedimento é fazer primeiro a leitura do
texto literário, depois o estudo da teoria. Esse modo de ensinar,
Sendo o objeto da literatura a própria condi-
embora pareça óbvio, não é empregado na maioria das escolas,
ção humana, aquele que a lê e a compreende
onde a ênfase, como já foi dito, recai sobre a teoria antes do não se tornará um especialista em análise li-
texto ou em lugar do texto, impedindo a fruição. Devem-se terária, mas um conhecedor do ser humano.
valorizar atividades que permitam inferir questões a partir da Que melhor introdução à compreensão das
leitura e compreensão leitora, como leitura em voz alta, conta- paixões e dos comportamentos humanos do
ção de histórias, leitura pelo professor das suas histórias preferi- que uma imersão na obra dos grandes escrito-

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res que se dedicam a essa tarefa há milênios? Ele é, desde o começo, o bom leitor que con-
E, de imediato: que melhor preparação pode tinuará a ser se os adultos que o circundam
haver para todas as profissões baseadas nas alimentarem seu entusiasmo em lugar de por
relações humanas? Se entendermos assim a à prova sua competência, estimularem seu de-
literatura e orientarmos dessa maneira o seu sejo de aprender, antes de lhe impor o dever
ensino, que ajuda mais preciosa poderia en- de recitar, acompanharem seus esforços, sem
contrar o futuro estudante de direito ou de se contentar de esperar na virada, consentirem
ciências políticas, o futuro assistente social ou em perder noites, em lugar de procurar ganhar
psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo? tempo, fizerem vibrar o presente, sem brandir
Ter como professores Shakespeare e Sófocles, a ameaça do futuro, se recusarem a transformar
Dostoievski e Proust não é tirar proveito de em obrigação aquilo que era prazer, entretendo
um ensino excepcional? E não se vê que mes- esse prazer até que ele se faça um dever, fun-
mo um futuro médico, para exercer o seu ofí- dindo esse dever na gratuidade de toda apren-
cio, teria mais a aprender com esses mesmos dizagem cultural, e fazendo com que encon-
professores do que com os manuais preparató- trem eles mesmos o prazer nessa gratuidade.
rios para concurso que hoje determinam o seu
destino? Assim, os estudos literários encontra-
riam o seu lugar no coração das humanidades, Os documentos oficiais e o ensino de
ao lado da história dos eventos e das ideias, língua estrangeira
todas essas disciplinas fazendo progredir o
pensamento e se alimentando tanto de obras
quanto de doutrinas, tanto de ações políticas Com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, a
quanto de mutações sociais, tanto da vida dos disciplina língua estrangeira passou a ser obrigatória no ensi-
povos quanto da de seus indivíduos. no fundamental a partir do sexto ano. A escola deve oferecer,
pelo menos, uma língua estrangeira moderna, escolhida pela
comunidade escolar (que envolve profissionais da educação,
Seu poder, ainda segundo o autor, está em melhorar o pais e alunos), dentro das possibilidades da escola. Segundo
estado anímico, ajudar a compreender os demais e o mundo esse documento, os currículos do ensino fundamental e médio
que nos cerca, amenizar a solidão, permitir a contemplação da devem ter uma base nacional comum que será complementada
beleza, ensinar sobre a condição humana. Por isso, sua leitura por parte diversificada (de acordo com as características regio-
não deve ser imposta como um dever, como por vezes se verifica nais, culturais, da economia e da clientela). A língua estrangeira
na escola, mas apresentada como um prazer. Pennac (1993, p. se inclui nessa parte diversificada. No ensino médio, deve-se
55) fala sobre a formação do leitor em casa e na escola: incluir uma língua estrangeira moderna, de caráter optativo,

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escolhida pela comunidade escolar, e uma língua estrangeira social que, por sua vez, relaciona-se ao letramento. Este, por
adicional, segundo as possibilidades da escola. sua vez, busca desenvolver o leitor como alguém que possui
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC/SEF, consciência e atitude críticas frente ao que lê. Desse modo, o
1998) de língua estrangeira foram elaborados por educadores ensino de língua estrangeira requer que se compreenda a im-
brasileiros, das áreas de inglês, francês e espanhol, baseados em portância dessa consciência crítica e também pressupostos a
suas experiências e investigações, com o objetivo de atuar como respeito de como as pessoas utilizam a leitura, a qual contribui
suporte para o trabalho do professor, para as discussões e o de- para a distribuição de conhecimento e poder de uma sociedade.
senvolvimento do projeto educativo das escolas. O documento O letramento não compreende a leitura como simplesmente o
esclarece que é um instrumento para mediar a reflexão na área exercício da competência leitora, mas a compreensão da ideolo-
de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, sendo necessá- gia que se faz presente nos discursos e a habilidade de se colocar
rio que o professor se envolva num processo de reflexão crítica em relação às ditas ideologias utilizando as quatro habilidades
sobre seu trabalho em aula, para que haja um desenvolvimento (ler, falar, escrever e ouvir).
contínuo nessa área. Os temas centrais dos parâmetros são a
cidadania, a consciência crítica com respeito à linguagem e os O ensino de literatura estrangeira segundo os
aspectos sociopolíticos do aprendizado de uma língua estran- documentos oficiais
geira. Seu objetivo, além de servir de base para as discussões
e o desenvolvimento do projeto educativo da escola e para a
O ensino da leitura e a promoção do letramento nas au-
reflexão sobre a prática pedagógica, é dar suporte para o plane-
las de língua estrangeira poderiam estar diretamente relaciona-
jamento das aulas, a análise de seleção de materiais didáticos e
dos com o ensino da literatura. De fato, nos últimos anos, hou-
recursos tecnológicos, e, em especial, contribuir para a forma-
ve um aumento considerável do interesse sobre o tema, com o
ção e a atualização profissional.
surgimento de inúmeros estudos que abarcam essa problemáti-
Atualmente, a língua estrangeira é oferecida de modo ca. Tais estudos preocupam-se, principalmente, em sistematizar
obrigatório a partir do sexto ano do ensino fundamental (se- o ensino de literatura, posto que, de modo concreto, é comum
gundo ciclo) e em todos os anos do ensino médio. Os parâme- na aula que se incorra no erro metodológico de usar o texto
tros que norteiam tais períodos diferenciam-se no enfoque da literário apenas como desculpa para o ensino da gramática.
competência linguística: para o segundo ciclo do fundamental,
No segundo ciclo do ensino fundamental, a literatu-
enfatizam a competência leitora; e para o ensino médio, a com-
ra de língua materna não é oferecida como disciplina. Desse
petência comunicativa.
modo, o aluno só tem contato com o texto literário nas aulas
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio de língua, nas quais tal texto é utilizado como desculpa para a
(OCEM) relacionam o ensino da língua estrangeira à inclusão

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leitura ou para o ensino de gramática (o que já vimos, configura Como podemos ver na citação, o ensino da literatura
um erro metodológico). estrangeira não significa um afastamento da literatura nacional,
No ensino médio, temos diretrizes distintas em cada ao contrário, justifica-se como um diálogo com esta, de acor-
documento. Observamos que, nos PCN, elimina-se a tríade do com as necessidades e os interesses da comunidade escolar.
língua / literatura / redação, que passa a ser considerada um co- Contribui para a formação cidadã, para o desenvolvimento da
nhecimento tradicional que deve ser reelaborado e incorporado aceitação da alteridade e o tratamento da cultura.
a uma perspectiva mais ampla, que é a linguagem. De modo Embora nas orientações se defenda o oferecimento da
contraditório, ou talvez numa tentativa de correção, as OCEM literatura como disciplina, isso não acontece na prática. Em vá-
sugerem a leitura como disciplina. No entanto, não especifica rios estados brasileiros, essa disciplina desapareceu do ensino
que esta seja literatura de língua materna, apresentando os tex- médio entre 2001 e 2002.
tos de literatura nacional do Brasil como uma sugestão e não Já em sua introdução, as OCEM esclarecem que o con-
como uma vinculação obrigatória: texto de seu surgimento e, por conseguinte, sua justificativa,
reside no fato de que os Parâmetros Curriculares Nacionais in-
Pensamos que se deve privilegiar como conteú- corporaram os conteúdos de literatura ao estudo da linguagem,
do de base no ensino médio a Literatura bra- afastando-se dos debates levantados sobre o ensino de tal dis-
sileira, porém, não só com obras da tradição ciplina e negando a ela a autonomia e a especificidade devidas.
da literatura, mas incluindo outras, contempo-
De modo bastante objetivo e claro, as OCEM abordam
râneas significativas. Nada impede, e é desejá-
vel, que obras de outras nacionalidades, se isso o problema sobre o qual refletimos: a redução da literatura –
responder às necessidades do currículo de sua arte – a um mero gênero discursivo e defendem a importância
escola, sejam também selecionadas. Também é de sua presença no currículo do ensino médio:
desejável adotar uma perspectiva multicultu-
ral, em que a Literatura obtenha a parceria de
outras áreas, sobretudo artes plásticas e cinema, Embora concordemos com o fato de que a li-
não de modo simplista, diluindo as fronteiras teratura seja um modo discursivo entre vários
entre elas e substituindo uma coisa por outra, (o jornalístico, o científico, o coloquial, etc.),
mas mantendo as especificidades e o modo o discurso literário decorre, diferentemente
de ser de cada uma delas, pois só assim, não dos outros, de um modo de construção que
pejorativamente escolarizados, serão capazes vai além das elaborações linguísticas usuais,
de oferecer fruição e conhecimento, binômio porque de todos os modos discursivos é o me-
inseparável da arte. (MEC/SEB, 2006, p. 73) nos pragmático, o que menos visa a aplicações
práticas. Uma de suas marcas é sua condição

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limítrofe, que outros denominam transgres- médio, portanto, é a “[...] humanização do homem coisificado
são, que garante ao participante do jogo da [...] ” (MEC/SEB, 2006, p. 53).
leitura literária o exercício da liberdade, e que
pode levar a limites extremos as possibilidades Como o ensino médio constitui etapa transitória na
da língua. (MEC/SEB, 2006, p. 49) vida escolar, para alguns, com a passagem ao ensino superior;
ou definitiva, para outros, com o fim dos estudos, a elaboração
de seu currículo é problemática, complexificada ainda por tra-
Indagar sobre essa presença não era algo cogitado pouco
zer em seu horizonte a questão do trabalho (MEC/SEB, 2006,
tempo atrás. Isso porque a disciplina sempre gozou de status
p. 53). As OCEM destacam como a LDB de 1996 tenta re-
privilegiado, tendo chegado a ser considerada um traço distin-
solver a questão em três incisos nos quais apresenta os objeti-
tivo de cultura e, portanto, de classe social, ampliando o fos-
vos do ensino médio quanto ao prosseguimento dos estudos
so da desigualdade. A modernidade trouxe transformações às
(consolidar e aprofundar conhecimentos adquiridos no ensino
quais não escapam o ensino da literatura, e surge a questão: se
fundamental), à preparação para o trabalho e para a cidadania,
seu estudo não incide diretamente sobre nenhum postulado do
e ao aprimoramento da autonomia intelectual e do pensamento
mundo moderno (mercado, capital, eficiência técnica, foco no
crítico na formação do educando.
indivíduo em detrimento do coletivo, dentre outros), a que se
deve sua permanência no ensino médio? (MEC/SEB, 2006, p. Ao último ponto, está relacionado o ensino da litera-
52). A resposta, provavelmente, poderia ser encontrada no pró- tura e outras artes: humanização. Para corroborar essa ideia, as
prio conceito de literatura: arte que se constrói com palavras. OCEM citam Antonio Cândido:
No entanto, como arte, serve para quê? É a pergunta do tempo
presente ao qual nos vinculamos.
Entendo aqui por humanização [...] o pro-
O mundo dominado pelo mercado carece de sensibili- cesso que confirma no homem aqueles traços
dade. A arte tem essa função de inventar, gerar, educar a sen- que reputamos essenciais, como o exercício da
sibilidade – um conhecimento igualmente importante se com- reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição
para com o próximo, o afinamento das emo-
parado ao científico. No entanto, esse conhecimento tem sido
ções, a capacidade de penetrar nos problemas
deixado de lado. É mister resgatá-lo. Em sua função crítica, a
da vida, o senso da beleza, a percepção da
arte literária também permite questionar o mundo e as relações complexidade do mundo e dos seres, o cultivo
sociais estabelecidas, não as tomando como naturais e, portan- do humor. A literatura desenvolve em nós a
to, imutáveis, mas como construídas historicamente. Dessa for- quota de humanidade na medida em que nos
ma, a literatura é vetor de transformação em sua propriedade torna mais compreensivos e abertos para a
transcendente, à qual se chega através da fruição estética. O natureza, a sociedade, o semelhante. (MEC/
SEB, 2006, p. 54)
objetivo de seu ensino, de sua presença no currículo do ensino

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O cumprimento desses objetivos não se encontra no As OCEM fazem críticas à postura dos PCN+ Ensino
acúmulo de informações sobre estilos de época, tampouco nas Médio (2002) quanto à ênfase radical no interlocutor, o que
características de escolas literárias, muito menos na periodiza- permite estabelecer as opiniões pessoais dos alunos como cri-
ção histórica literária, mas na leitura das obras. E é justamente tério de juízo da obra literária, ou seja, o leitor decidiria a li-
a atividade de leitura de literatura que se perdeu no âmbito terariedade do texto. Além disso, criticam o foco exclusivo na
escolar. As OCEM recorrem a Regina Zilberman para apontar história da literatura e sua proposta como competência a ser
que talvez isso tenha ocorrido porque a literatura foi diluída em desenvolvida. Direcionam críticas também à definição equivo-
vários tipos de discursos ou textos, ou por haver sido substituí- cada de fruição estética presente em tal documento norteador,
da por resumos, compilações, etc. Para solucionar o problema, que a apresenta como divertimento apenas. Sobre isso alertam:
as OCEM propõem o letramento literário: “[...] empreender “[...] não podemos confundir prazer estético com palatabilida-
esforços no sentido de dotar o educando da capacidade de de” (MEC/SEB, 2006, p. 59).
se apropriar da literatura, tendo dela a experiência literária” Defendemos que esse diálogo na escola deve se dar de
(MEC/SEB, 2006, p. 55). Entende-se a experiência literária modo interdisciplinar, ou seja, como um trabalho de planeja-
como sendo o efetivo contato com o texto: mento conjunto das disciplinas de literatura e língua estran-
geira que, por sua vez, será a língua escolhida pela comunida-
Só assim será possível experimentar a sensação de segundo seus interesses. No entanto, o que observamos na
de estranhamento que a elaboração peculiar prática docente é que ainda que a escola tenha feito opção pela
do texto literário, pelo uso incomum de lin- oferta de língua espanhola, o máximo que os alunos chegam a
guagem, consegue produzir no leitor, o qual, ter de literatura estrangeira é a de língua inglesa, apresentada
por sua vez, estimulado, contribui com sua de modo canônico (isto é, como exemplo de escolas literárias)
própria visão de mundo para a fruição esté-
e desassociada das questões propostas nos documentos oficiais
tica. A experiência construída a partir dessa
troca de significados possibilita, pois, a am-
sobre como poderia ser o ensino de literatura estrangeira.
pliação de horizontes, o questionamento do já Ressaltamos também que os documentos preconizam
dado, o encontro da sensibilidade, a reflexão, que se ensine a língua estrangeira a partir da heterogeneidade
enfim, um tipo de conhecimento diferente do
genérica. Devido ao que nos parece uma má interpretação do
científico, já que objetivamente não pode ser
texto dos documentos, na prática docente o que se vê é a redu-
medido. O prazer estético é, então, compreen-
dido aqui como conhecimento, participação, ção da literatura a um gênero discursivo, diluído entre outros e,
fruição. (MEC/SEB, 2006, p. 55) para fazê-lo, esvaziam-na de seu significado estético, dado que
literatura é arte, antes de tudo. Afirmamos que proceder assim
é mais um equívoco metodológico, visto que, como pudemos

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perceber na análise dos documentos, estes não recomendam de Educação Básica, 2006. Disponível em: <http://www.por-
que se aborde a literatura de maneira simplista, e sim mantendo tal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.
pdf>. Acesso em: 20 set. 2016.
todos os seus significados artísticos e estéticos.
O ensino de literatura estrangeira não se realiza no en- _____. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Bra-
sília: MEC, Secretaria de Educação Básica, 2000. Disponível
sino de língua, mas no de literatura propriamente dita. Por isso em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf>.
é tão importante a presença dessa disciplina, para garantir seu Acesso em: 15 set. 2016.
arcabouço estético e não apenas genérico discursivo. A discipli-
______. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+). Ensino
na, portanto, não deve ser literatura brasileira, mas literatura. Médio. Orientações curriculares complementares aos Parâ-
metros Curriculares Nacionais: língua estrangeira moderna.
Diante de todo o exposto, concluímos que é necessária Brasília, 2002. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/
uma reflexão atenta sobre a questão do ensino da literatura es- arquivos/pdf/linguagens02.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016.
trangeira, com vistas à conscientização de que caminhos seguir
MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quar-
para a realização de um trabalho docente que cumpra com as to ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília:
orientações dos documentos que regem a educação no Brasil MEC, Secretaria de Ensino Fundamental, 1998. Disponível
e, por sua vez, dê à literatura estrangeira seu lugar como arte e em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estran-
geira.pdf>. Acesso em: 18 set. 2016.
mantenha sua dimensão estética.
PENNAC, D. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco,
1993.
Referências
PERRONE-MOISÉS, L. Literatura para todos. In: Literatura e
Sociedade. São Paulo: Faculdade de Filosofia/Universidade de
São Paulo, 2006.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional: Lei nº 9.394/96. Brasília, 1996. TODOROV, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel,
2012.
CLÍMACO, A. O.; ORTEGA, R. S. O ensino da literatura
estrangeira segundo os documentos oficiais brasileiros. In: Lec-
tura y escritura del discurso literario 8 / Diana Moro... [et al.];
editado por Cecilia Muse; prólogo de Liliana Tozzi. - 1. ed
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