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O jornal A Federação surge na província de São Pedro (RS), em primeiro

de janeiro de 1884, com a missão de divulgar os ideários republicanos e a defesa


do regime Castilhista, logo, suas publicações eram carregadas de ideologias
antimonárquica, buscava defender a criação de uma república Federativa no
Brasil e o término da escravidão, ”[...] deixava claro não só sua posição enquanto
folha, mas sua posição enquanto face visível de uma organização política. ”
(JUNIOR, 2019, p.23.) Circulou por 53 anos, até novembro de 19371.
A Federação seguia uma linha política positivista, mas esse positivismo
tinha um caráter próprio, identificado com o principal líder do Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR) e fundador do periódico: o Castilhismo, organizado pelo
próprio Júlio de Castilhos. (JUNIOR, 2019.).
A direção do jornal foi entregue ao paulista Venâncio Ayres, embora, Júlio
de Castilhos veio a assumir a redação, em 16 de maio de 1884, após o
afastamento do companheiro por motivo de saúde. Segundo Leite (2016), A
Federação não visava o lucro, mas sim mostrar ao público a necessidade de
mudanças em relação às estruturas vigentes.
Júlio de Castilhos reproduzia muito dos seus ideais por meio do jornal,
chegando a ser considerado, na opinião dos seus principais biógrafos, o
“príncipe do jornalismo político”. Sua experiência jornalística vinha desde muito
jovem, mais precisamente aos 19 anos, momento em que foi redator do jornal
estudantil. (LEITE, 2016).
Em 1880, Castilhos já em Porto Alegre encontrou companheiros de
Faculdade de Direito e conhecidos do movimento republicano, esse encontro
gerou um novo fôlego ao republicanismo, chegando a influenciar o rumo do
movimento republicano gaúcho. A fundação do PRR em 1882 já colocava esses
jovens recém-retornados ao Estado na posição de lideranças, entre eles estava
Castilhos como parte da comissão executiva do partido. Nesse contexto A
Federação era uma potente ferramenta propagadora do programa do PRR, o
eixo político que defendia Castilhos.
A Federação se concretizou devido a um empréstimo de 9:000$000, que
foi pago por alguns dos membros envolvidos na criação do jornal, entre eles está

1
Com a instalação da Ditadura do Estado Novo (1937 – 1945), sob o comando de Getúlio Vargas, o
jornal A Federação foi obrigado a fechar, ainda em dezembro de 37 também, por meio de decreto,
foram extinto os partidos políticos.
Júlio de Castilhos que chegou a se afastar da direção do jornal para cuidar da
recomposição de seu patrimônio.
CAP II- O intrínseco no tríptico de Weingärtner*

2.1 – A carta para Joaquim Nabuco

As cartas, como qualquer outro documento contém informações valiosas,


especificamente sobre quem as recebeu, e quem as escreveu. Os ‘novos
documentos’ ajudam o historiador a entender aspectos sociais ou até mesmo
políticos que estariam envoltos na época em que seu correspondente ou
destinatário estava inserido.

Cartas como fonte de informação, só ocorre a partir do século XIX, de


acordo com Horta, Dias e Cordeiro. Foi neste instante que ‘’historiadores,
antropólogos, sociólogos tratam a correspondência como documento.’’ (HORTA,
DIAS, CORDEIRO, 2018, p. 3). Na visão de Baumann (2011) são documentos
estritamente valiosos,

‘’Os arquivos pessoais e de família representam uma fonte de pesquisa


única capaz de interagir com estruturas comunicacionais de um
indivíduo e sua relação com o mundo. Os avanços de estudos teóricos
e metodológicos da arquivologia sobre os arquivos pessoais
transformaram esses conjuntos documentais em preciosos repositórios
informacionais para pesquisadores, que a cada dia se debruçam sobre
o estudo de documentos de personalidades do mundo da cultura, da
filosofia e das artes.’’ (BAUMANN, 2011, p.24 Apud HORTA, DIAS,
CORDEIRO, 2018, p. 3).

A necessidade da preservação do documento bem como a necessidade


de entender a sua importância é crucial para a função do historiador. Com o
avanço das pesquisas e principalmente, no entendimento que o conceito de
documento pode e deve ser ampliado, a análise de cartas privadas ou públicas
deixa de ser terreno íngreme.

Em dezembro de 1908, Pedro Weingärtner teria escrito uma carta para o


embaixador Joaquim Nabuco (PAULITCSH, 2009, p. 39), explicando que havia
pintado um quadro grande, e complementa dando detalhes da pintura, revela
que um fato ocorrido em 1906 teria sido sua inspiração, uma mulher teria
queimado 150 crianças. A intenção da carta seria conseguir ajuda para vender
o quadro no Brasil. Conforme analisou Paulitsch, o quadro foi pensado para o
mercado em que Weingärtner estava inserido, a Europa, enquanto que no Brasil
prevalecia o interesse por pinturas mais acadêmicas. O avanço do mercado
europeu em conceber pinturas com críticas socais mais pesadas naquela época,
estava muito à frente do que os pintores costumavam encontrar no Brasil. ‘’A
verdadeira intenção da correspondência era conseguir ajuda para vender o
quadro ao Museu Ipiranga.’’(PAULITSCH, 2009, p. 40)

Assim, Weingäertner iniciou a carta:

“Fiz um quadro grande; um tríptico (chez la faiseuse d’anges) o qual


mede 4.20 X 2.20 m, reproduzindo uma cena que se deu há dois annos
em Paris. Trata-se de uma mulher que queimou 150 creaturas. O
assunto é pouco simpático mas devo manchar com progresso.”
(WEINGÄRTNER Apud PAULITSCH, 2009, p. 39)

Figura 8-Carta de Pedro Weingärtner para Joaquim Nabuco (1908)

Fonte: Acervo da Fundação Nabuco. In: PAULITSCH, 2009, p. 41.

Entretanto, o pedido de ajuda não foi recíproco pela parte de Nabuco,


munido do argumento de que não poderia indicar tal obra pois não a tinha visto,
e que Weingärtner, um pintor já reconhecido não precisaria de qualquer
indicação.

Haja visto o teor da carta, Nabuco com sua influência não quis interceptar
a venda de um quadro descrito como sendo ‘’não patriótico’’ pelo próprio pintor,
ou seja, ele reconhecia que sua obra no Brasil poderia não ser tão bem aceita
como foram as outras que continham uma temática mais voltada para os
costumes, paisagens, inclusive várias contextualizando o Rio Grande do Sul,
como por exemplo “Rodeio (1908)” e “Chegou Tarde (1890)” citados
anteriormente, por isso buscou aporte com pessoas influentes que certamente o
poderiam ajudar caso encontrasse qualquer resistência na venda do quadro.

Figura 9 – Resposta de Nabuco a Weingärtner.

Fonte: Acervo Fundação Joaquim Nabuco. In: PAULITSCH, 2009, p.233

É interessante notarmos a amizade entre Weingärtner e o embaixador,


essa teve influência importante na criação do artista. De acordo com Paulitsch,
em 1909, o pintor viajara por regiões portuguesas em sugestão de Nabuco 2, que
argumentava que temas de paisagens de Portugal alcançaria grande sucesso
no Brasil. (Paulitsch, 2009). O que nos leva a supor um receio do embaixador
em se vincular a um quadro com um tema polêmico que revela uma atitude crítica
perante a sociedade.

2.2. Opinião de Garcia Redondo ( A Federação, 1911)

A utilização do jornal como documento histórico, foi bastante


negligenciada até a década de 1970, eram poucos os trabalhos que utilizavam
os periódicos como fonte histórica de pesquisa, mesmo que já houvesse a
intenção de fazer a história da imprensa rechaçava-se o fato de fazê-la por meio
da própria imprensa. (LAPUENTE, 2015, p. 2).

Os periódicos, assim como as cartas, imagens ou quaisquer outros


documentos necessitam de cuidados ao serem analisados na pesquisa, são
meios que inovam as fronteiras do fazer história, portanto merecem moderação
e cuidados assim como as demais fontes disponíveis ao historiador. Entretanto
as pesquisas que utilizam os periódicos como base vem ganhando novo folego
‘’um número crescente de teses e dissertações vem utilizando a imprensa como
meio fundamental ou complementar para seus objetos de pesquisa.’’
(LAPUENTE, 2015, p. 4).

Lapuente ainda adverte para o que há por trás de um periódico,

‘’O pesquisador deve ter ciência de que um periódico, independente de


seu perfil, está envolvido em um jogo de interesses, ora convergentes,
ora conflitantes. O que está escrito nele nem sempre é um relato
fidedigno, por ter por trás de sua reportagem, muitas vezes, a defesa
de um posicionamento político, de um poder econômico, de uma causa
social, de um alcance a um público alvo...’’ (LAPUENTE, 2015, p. 6).

2
Após a desistência da compra do quadro pelo Estado, Weingärtner foi para Portugal como sugerido por
Joaquim Nabuco. (GUIDO, 1956, p.114)
É interessante notarmos a influência que os jornais executam na
formação de opinião pública, aliado a televisão, e ao rádio compõem a tríplice
aliança por assim dizer da comunicação dos tempos atuais. O tempo e espaço
que a comunicação estabelece com seu público é o divisor de águas no repasse
de informações que chegam cada vez mais rápidas ao consumidor.

Em 09/01/1911 um artigo escrito por Garcia Redondo ganhou destaque


em duas páginas, do jornal A Federação, tratava-se da exposição que
Weingärtner havia feito em São Paulo no ano anterior, onde estava exposto o
famoso tríptico – A fazedora de anjos ou ‘’tecedeira de anjos’’ adquirida pelo
governo de São Paulo, conforme consta no jornal. O artigo de Garcia Redondo
atenta para o fato de todas as telas terem sido vendidas, com ênfase no tríptico.
No decorrer da nota, são dados maiores detalhes da pintura, que segundo
Redondo era assunto de fácil compreensão. Mais adiante, comemora a compra
do quadro pela pinacoteca sugerindo que foi um grande serviço à arte nacional
e educação artística.

Redondo discorre sobre o que ele chama de indústria das ‘’faiseurs’’:

‘’é hoje florescente na Europa, onde é exercida na capital e nas


principais cidades dos departamentos com o maior descaro e com a
maior tranquilidade, mau grado os esforços do poder público para dar
cabo dela.’’ (A FEDERAÇÃO, 09.01.1911, p.2)

Nitidamente avesso ao tema representado na pintura, aponta dados de


que mais da metade das parteiras de Paris e outras cidades francesas, seriam
‘’fazedoras de anjos’’:

‘’mas além das parteiras há as <nursery>, que também se encarregam


de <fazer anjos>, mandando milhões de crianças para... o paraíso’’ (A
FEDERAÇÃO, 09.01.1911, p.2)

De acordo com Molina, no tríptico a arte revela uma realidade obscura,


Weingärtner deixa expressa sua posição a respeito da prostituição e do
infanticídio. Desta maneira, Garcia Redondo parte em concordância com o
pintor, ao afirmar veementemente que a França compactuava com a morte de
crianças, que segundo Redondo:
‘’Para <fazer anjos> há dois processos: o primeiro consiste em
provocar o aborto; o segundo, mais cruel, consiste em fazer definhar e
desaparecer a criança, que veio ao mundo naturalmente, viável e
forte.’’ (A FEDERAÇÃO, 1922, p.2)

O aborto/infanticídio era praticado em lugares insalubres, e tanto


mulheres solteiras ou casadas faziam o uso dessa prática, conforme Paulitsch
constata,

‘’Por ser um ato clandestino, o infanticídio era praticado principalmente


em lugares com condições deploráveis, por pessoas incompetentes ou
pela própria mãe, para escapar à rejeição da sociedade ante a
condição de mãe solteira, ou para livrar-se de um filho gerado em
relações de adultério.’’ (PAULITSCH, 2009, p. 135)

Ainda na nota Garcia Redondo, aponta para o fato de farmacêuticos


serem associados com as parteiras para que o aborto fosse realizado. Sobre o
assunto que Weingärtner retratou, o escritor chama de ‘’chaga social’’. Finaliza
a nota da seguinte forma:

‘’Eis aí como Weingärtner tratou este tremendo assunto. É o seu maior


e o seu melhor quadro. O público que o veja e que o julgue. E aqueles
que o forem ver, que ergam as mãos para o céu, porque essa medonha
indústria ainda não medrou entre nós.’’ (A FEDERAÇÃO, 1911, p. 2)

A opinião de Garcia Redondo deixa subentendido que no Brasil não havia


a ‘indústria das fazedoras de anjos’, ou tampouco não circulavam nos jornais
notícias de infanticídio. O fato é que o quadro fez sucesso na crítica, certamente
a boa recepção de sua exposição, com o seu grande quadro devem ter
surpreendido o artista. A obra permanece no Brasil, pois como dito anteriormente
foi comprada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. (NÃO GOSTEI)
(ARRUMAR)

2.3 Por uma arte para a problematização* ou crítica social* não sabemos
ainda
O tríptico- A fazedora de Anjos traz em seu intrínseco questões que
merecem atenção, juntamente com o conteúdo da carta e do artigo, que suscitam
o levantamento da problematização que a arte de Pedro Weingärtner produzida
em 1908, deixou. O pintor sabia que seu quadro poderia não ser tão bem aceito
no Brasil, por isso recorreu a ajuda de pessoas influentes, caso houvesse
qualquer adversidade na venda. Quando escreveu para Joaquim Nabuco, fez
questão de frisar que não era quadro patriótico:

‘’Não é quadro ‘patriótico’, por isso, talvez encontrarei qualquer


obstáculo, mas as galerias de arte da Europa não se importarão e não
fazem questão que seja patriótico. Basta que seja um trabalho
d’arte’’(MOLINA Apud TARANSANTCHI, 2009, p. 174) ARRUMAR

O artista tinha ciência de que no Brasil, diferente da Europa, a crítica social


talvez não contemplasse sua obra da mesma maneira que as galerias europeias,
como ele mesmo relata, bastava que fosse um ‘’quadro d’arte’’. Neiva Bohns
(2005), faz importante alusão sobre a época em que Weingärtner estava
inserido,

‘’Pedro Weingärtner pertence a uma geração em que os


acontecimentos se precipitaram de maneira mais vertiginosa e, embora
os relatos sobre sua personalidade deem conta de um sujeito pacifico
e pouco inclinado a aderir as revoluções no plano político ou artístico,
um rápido olhar sobre sua biografia nos faz ver que a facilidade com
que se deslocava entre diferentes países, estando ora no Brasil, ora na
Itália, ora na Alemanha, já era coisa dos tempos modernos.’’ (BOHNS,
2005, p.32)

Ou seja, Weingärtner tinha noção de quais caminhos percorrer para


vender sua arte, dentro ou fora do Brasil. Entretanto, em Rodeio (1908), por
exemplo, a crítica foi ferrenha ao apontar que a representação do gaúcho não
estava tal qual a visão do ideário popular, o que causou profundo
desapontamento no artista. De acordo com Valéria Salgueiro (2009) vários
fatores contribuem para que a crítica de arte encontrada nos meios públicos,

‘’no âmbito do espaço público, um conjunto de manifestações humanas


na forma de expressão de ideias, informes, cartas abertas e troca de
cartas, debates e manifestos conformam aquilo que chamamos de
opinião pública, constituindo a crítica de arte publicada nos jornais uma
parte desse conjunto de ações formadoras de opinião.’’ (SALGUEIRO,
2009, s/p)
O caminho do tríptico antes mesmo de ser exposto no Brasil, estava sendo
trilhado através da influência que Weingärtner possuía em âmbitos políticos. A
carta para Nabuco é de suma importância, pois mostra a preocupação que o
pintor tinha com relação a chegada do quadro ao país tropical. Devido ao
conteúdo polêmico e a questões que a crítica brasileira não estava tão
acostumada a encontrar em exposições de arte, caracteriza-se a demora do
Brasil para incorporar novas correntes artísticas que naquele momento eclodiam
na Europa. As mudanças nos estilos das pinturas só acontece no final da
primeira metade do século XX, no Brasil. A carta também indica o não
envolvimento dessas pessoas influentes que faziam parte dos ciclos de amizade
do pintor, a ressalva de não indicar o quadro por não ter visto, realça o indicio de
Nabuco não querer seu nome envolvido com questões polêmicas, caso a crítica
ao quadro fosse negativa.

Para Paulitsch, ‘’embora, a narrativa que o inspirou tenha sido de


assassinatos de crianças recém-nascidas por combustão, não praticados pela
mãe’’ (PAULITSCH, 2009, p.131), isto é, as fazedoras de anjos, ou parteiras, a
elas são atribuídas o título do quadro, portanto trata-se da crítica ao infanticídio,
não propriamente ao aborto. Ainda de acordo com a autora, o título de uma obra
nem sempre faz referência ao que está sendo representado, para ela o quadro
foi intitulado equivocadamente. (PAULITSCH, 2009, p. 156).

O conteúdo do artigo publicado no jornal, salienta a crítica de Garcia


Redondo com a temida ‘medonha indústria’, da qual as parteiras faziam parte, e
que segundo ele, ainda não havia ainda ganhado força no Brasil, por isso era
importante a opinião do público diante da exposição. A compra do quadro
caracteriza o bom recebimento por parte da crítica social, uma vez que, o
assunto retratado, apesar de carregar uma narrativa extremamente forte não
causou desconforto ou descontentamento, como aconteceu com os outros
quadros de Pedro Weingärtner. È interessante notarmos, por exemplo, como
quadros com uma temática mais nacional, mais próximo ao público, levantaram
mais críticas do que um quadro representando assassinatos de crianças, visto
pelos jornais como um problema europeu.
Lucas Molina (2014) reforça que ‘’Weingärtner segue aqui com sua
característica de documentarista da vida cotidiana, mas faz um recorte sinistro
que chama atenção de seu público para aquilo que ele vê como um
problema.’’(MOLINA, 2014, p. 72). CONTINUAR HAHA

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