Você está na página 1de 1

Ano I | dezembro 2019 | nº 2 Cenários jurídicos e legislativos do Agro

Recuperação Judicial do Produtor Rural: sinais e perspectivas da decisão da Quarta Turma do STJ

Helder Rebouças (*)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 05 de Anote-se, outrossim, que a discussão sobre a exclusão de
novembro passado, deu provimento ao Recurso Especial (Resp.) determinadas dívidas do recuperando, somente pelo critério da
1800032/MT, para permitir que dívidas contraídas por produtores anterioridade ao registro de empresa, carece de fundamentos
rurais pessoas físicas, anteriores ao registro como empresário na financeiros. Deferida a recuperação, a crise do devedor pode ser
Junta Comercial, possam ser incluídas na recuperação judicial. superada com a segregação de tais dívidas anteriores? Eis aí a
questão básica a ser enfrentada.
Sob a ótica consequencialista, que prestigia os impactos
econômicos nas decisões judiciais, alega-se que esse Para fins de cenários, importante também ressaltar que o STJ
entendimento do STJ pode deteriorar o ambiente de negócios e ainda não “afetou” o tema, ou seja, não considerou haver
provocar retração no crédito do Agronegócio.1 Na vertente mais precedentes suficientes para leva-la ao rito dos recursos
jurídica, o debate focaliza a natureza declaratória ou constitutiva repetitivos e estabilizar a jurisprudência sobre a matéria (Resp.
do registro do produtor rural na Junta Comercial, vistos o Código 1.684.994).5 Apesar disso, seria prudente não desconsiderar, a
Civil (artigos 966 e 971) e a Lei nº 11.101, de 2005, a chamada médio prazo, alterações nesse entendimento.
Lei de Recuperação de Empresas (LRE).
Em tal ambiente, estima-se algum tipo de alteração na percepção
Pois bem. Na linha do que preconizava Dworkin2, o sistema de risco por parte dos agentes econômicos que ofertam crédito
jurídico, se quiser ser levado a sério, deve ser compreendido nas cadeias do agronegócio. De qualquer forma, para medir os
como um “romance”, em que cada capítulo, ou seja, cada decisão reais efeitos do julgamento do STJ sobre a expansão dos pedidos
judicial, há que guardar coerência com o que já foi escrito por de recuperação, caberia sopesar os custos do processo para o
outros juízes, doutrinadores, etc. Não pode, assim, favorecer produtor rural, bem como os riscos inerentes a eventual falência,
“cavalos de pau” na jurisprudência. Além disso, para o mesmo na hipótese de não aprovação do seu plano de recuperação.
autor, a decisão jurídica não pode se balizar pelas respectivas
consequências econômicas, políticas ou sociais, sob pena de Como política judicial, nestes momentos de ajuste de
desprestigiar as regras do Direito (“regras do jogo”). expectativas, os tribunais estaduais podem aperfeiçoar a análise
dos pedidos de recuperação judicial, com a utilização de perícias
No caso, embora não haja ainda uma narrativa consolidada no especializadas, como enuncia o Tribunal de Justiça de São Paulo
STJ sobre a recuperação judicial do produtor rural pessoa física, (TJSP).6 A nosso ver, o artigo 51 da LRE não reduz o juiz a mero
tem-se claramente um enredo em construção. Para tanto, conferente da apresentação formal de documentos financeiros e
examinem-se as decisões daquela Corte nos Resp. contábeis.
1.193.115/MT3 e Resp. 1.478.001/ES4. Desses julgados, extrai-
se, em síntese: o produtor rural, pessoa física, poderá requerer Registramos, por fim, que os debates sobre a recuperação de
recuperação judicial desde que apresente registro de empresa e empresas têm avançado no Parlamento, com a tramitação de
comprove exercício da atividade por mais de dois anos. projetos nas duas Casas do Congresso. Nesse contexto, há
espaço legislativo para o desenho de um regime jurídico de
Logo, não é “surpreendente” a recentíssima decisão da Quarta recuperação mais adequado às peculiaridades e riscos da
Turma do STJ, de 05 de novembro passado. Segmentos menos produção rural, que traga, inclusive, incentivos à não
expostos à assimetria informacional e com maior capacidade judicialização.
preditiva podem, inclusive, ter precificado previamente os efeitos
da aludida decisão.
(*) Advogado e Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

1
A Nota Técnica “Recuperações Judiciais no Agronegócio”, de outubro de ente=ATC&sequencial=30748916&num_registro=201000837244&data=
2019, elaborada pela MB Associados, traz análise econométrica sobre o 20131007&tipo=5&formato=PDF
tema.
2 Ver: Dworkin, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 5

São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017 https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?compon


3 ente=ITA&sequencial=1661788&num_registro=201701761378&data=20
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?compon 171205&formato=PDF
ente=ATC&sequencial=30748916&num_registro=201000837244&data=
20131007&tipo=5&formato=PDF 6 Nesse sentido, destacamos o Enunciado VII do Grupo de Câmaras Reservadas

de Direito Empresarial do TJSP:


4 http://www.tjsp.jus.br/Download/Rodape/GrupoCamarasEmpresariaisE
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?compon nunciados.pdf

Você também pode gostar