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NATAL/2018
CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO MATERIAL DA APOSTILA
FUNDADA SUSPEITA
A primeira coisa que vem à mente de um policial sobre a justificativa para se
realizar uma abordagem é a chamada fundada suspeita. Ao se empregar os
significados de um dicionário, a fundada suspeita seria o juízo de valor formulado
sobre o comportamento de uma pessoa, ou sobre algo, com base (fundado) em
elementos prévia e solidamente identificados, que levam a concluir sobre a
existência de um ato irregular, ilícito e/ou criminoso. De imediato o fundamento legal
citado é o do Código de Processo Penal:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a
autorizarem para:
[...]
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
[...]
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu
poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo
possa ser útil à elucidação do fato;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de
que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas
letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
O DEVER-PODER DE POLÍCIA
Antes de discorrermos acerca do poder de polícia, é necessário entendermos
um pouco do conceito e desdobramentos do “ato administrativo”, o qual é uma
manifestação de vontade (comportamento) proferida pelo Estado e externado por
agente público, ou por quem lhe faça às vezes, a fim de criar, modificar ou extinguir
direitos, perseguindo o interesse público.
Vale dizer, essa manifestação de vontade (comportamento) está sujeita ao
regime jurídico público, não tendo a mesma força da lei, sendo inferior e
complementar à previsão legal. Para aferir sua legitimidade, pode se sujeitar ao
controle do poder judiciário, no que diz respeito à legalidade, o qual determina a
anulação, nos casos em que descumprido o interesse público.
Essa manifestação de vontade muitas vezes cumpre uma determinação legal,
sendo, portanto, vinculada. Em outras palavras, abre-se um leque de opções para se
realizar a manifestação de vontade, abarcando a discricionariedade. E dentro desse
contexto, surge o exercício do dever-poder de polícia.
Existem elementos ou requisitos que são intrínsecos e necessários para a
execução do ato administrativo, quais sejam:
Competência (Sujeito): trata-se da capacidade do agente público de praticar
o ato, conforme definido em legislação. Não havendo lei conferindo essa
capacidade, o ato praticado é passível de nulidade. Nesse sentido, destaca-se a
tarefa para realizar busca pessoal durante as ações de segurança pública. Em
outras palavras, a lei confere aos agentes policiais essa atividade, não sendo
admissível outro agente do Estado exercê-la.
Forma: cuida-se da exteriorização da manifestação de vontade ou do
comportamento. Em regra, é por escrito, salvo quando a lei autorizar de outra forma
(ex.: gestos do agente de trânsito, gestos do policial durante uma intervenção).
Motivo: para que o ato seja aperfeiçoado exige-se a exposição/demonstração
dos fundamentos de fato (acontecimentos do dia-a-dia) e de direito (conforme
previsto na ordem jurídica). Dentro da ideia de controle, o cidadão precisa saber das
razões em que se basearam o comportamento do agente público, a fim de aferir o
grau de cumprimento do interesse comum, como ocorre nas razões da realização de
uma intervenção policial, seja para abordar ou para prender. Pode ser vinculado
(conforme determina a lei) ou discricionário.
Objeto: trata-se do conteúdo do ato, ou seja, aquilo sobre o que o
comportamento dispõe (ex.: fiscalização, proteção de pessoas e bens).
Finalidade: é o bem jurídico objetivado pelo comportamento do agente
público (ex.: proteção de um bem da vida).
Agora, passemos a falar do dever-poder de polícia, o qual dentro das
cláusulas do contrato social, o dever-poder de polícia corresponde à
permissão social dada à administração pública para restringir o exercício de
direitos individuais em benefício de toda a sociedade. Empregado com
responsabilidade, trata-se de verdadeiro instrumento posto à disposição do poder
público para disciplinar o exercício desses direitos e liberdades ou ainda de contê-
los, diante de eventuais excessos ou da necessidade de se disciplinar determinadas
relações (ex.: interdição de via pública para promoção das ações de segurança).
Lembre-se que normalmente esse dever-poder estabelece condições, ou impõe
restrições e limitações.
Dentro desse contexto, é muito comum os profissionais de segurança,
durante a realização de suas atribuições exercer o dever-poder de polícia para
realizar detenções, seja porque ocorreu um flagrante delito, seja porque a justiça
expediu um mandado de prisão decorrente de uma condenação criminal.
Vale ressaltar que você está estudando aqui o conceito desse instrumento de
maneira ampla. Assim, para conferir clareza, precisão e ordem lógica, a matéria
deve ser tratada de acordo com a atribuição de cada órgão policial. Com efeito,
normalmente esse dever-poder vem descrito no ordenamento jurídico, como nos
Códigos (de Trânsito, Penal, Processo Penal), legislação ambiental, de direito
administrativo, ou ainda nas leis que dispõem sobre a organização de cada
instituição.
A título de exemplo, no exercício da atividade de policiamento ostensivo, essa
previsão genérica do dever-poder de polícia é estabelecida no Decreto-Lei nº 667,
de 02 de julho de 1969:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança
interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às
Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: (Redação
dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das
Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela
autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
(Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou
áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
(Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem,
precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (Redação dada
pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em
caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da
ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre
para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como
participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; (Redação dada
pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) [...]
Importante!
É através do dever-poder de polícia que a lei confere a você, profissional de
segurança pública, mecanismos para disciplinar a conduta das pessoas em
sociedade. É dentro desse contexto que se fundamenta a atuação policial,
instrumento que lhe permite alcançar um grau de ordem pública, de paz social, que
se exige no cumprimento de seu mister (ocupação profissional, trabalho ou ofício).
ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA
Como profissional, você sabe que a atividade policial integra as ações de
segurança pública constitui-se como um aspecto da ordem pública, ao lado da
tranquilidade e da salubridade pública. Tudo isso é concebido dentro de uma
estrutura estatal para garantir uma convivência harmoniosa entre as pessoas.
Segurança pública ou ordem pública?: Uma explicação usual diz que, em
linhas gerais, a segurança pública é causa da ordem pública, que se traduz em um
estado antidelitual, livre, portanto, da violação dos bens e valores mais importantes
para a coletividade (vida, integridade física, liberdade, patrimônio, etc.) e, por isso,
tutelados pelas leis, que regulam o comportamento de todos.
Nesse sentido, existe ordem pública, e, consequentemente, segurança
pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão tem a liberdade para ocupar
espaços públicos, transitar nas ruas a qualquer hora, sem sofrer qualquer tipo de
prejuízo, violação ou dano (ex.: furto, roubo, sequestro, lesão corporal, homicídio
etc.).
A segurança pública é resultado de um conjunto de ações dos órgãos
especializados do Estado, precedido por escolhas feitas pela sociedade e reguladas
por normas jurídicas (leis), tudo com a finalidade de garantir a ordem pública, sendo
esta objeto daquela. É neste ponto em que nós, profissionais de segurança pública,
devemos amparar nossas ações.
Dentro dessa concepção, a preservação da ordem pública é feita pelos
agentes públicos de segurança, por meio da manutenção e quando quebrada, do
reestabelecimento da ordem pública.
Vejamos o que se consolida com a leitura do Capítulo (III), “Da segurança
pública”, no Título V, da CF/88, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas”. Em especial, o artigo 144 estabelece que o poder público, dentro de
suas atribuições, tem a incumbência de promover a preservação da ordem pública e
garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares
Para facilitar a compreensão do momento em que cada um dos órgãos
policiais, citados anteriormente, deve agir, para preservar a ordem pública, proteger
pessoas e bens, faça o exercício a seguir:
Imagine o momento em que ocorre um evento da natureza (emergências,
desastres, catástrofes, etc.) ou uma conduta humana – ação/omissão (crime/delito,
contravenção penal, etc.).
Diante de situações assim, o que se busca é assegurar um ambiente social
livre de riscos e perigos, através de ações de prevenção ou de repressão (imediata
e mediata) realizadas pelos os órgãos policiais, seja em razão dos acontecimentos
da natureza, seja em função do comportamento do ser humano.
As ações desenvolvidas pelos órgãos policiais buscam promover o controle
social no sentido de evitar (prevenir) a perturbação da ordem pública, a mácula da
paz social, a violação dos bens jurídicos tutelados (vida, integridade física,
patrimônio, etc.).
Quando essa prevenção não funciona, surgem os procedimentos de resgate
da ordem pública e da paz social, mediante ações de repressão imediata,
socorrendo a vítima, isolando o local do evento, prendendo o autor da conduta,
instaurando procedimentos (ex.: inquérito policial) para esclarecer os fatos e colher
elementos preliminares (autoria, materialidade e circunstâncias) para instruir
eventual responsabilização (administrativa, civil ou penal).
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