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Jornal UFG MEIO AMBIENTE Goiânia, maio de 2013 5

Estudos preveem um cenário assustador


para o Cerrado e a Mata Atlântica
O Brasil deve planejar a
criação de unidades de
conservação mediante as
mudanças climáticas globais
para evitar a extinção de
espécies animais e vegetais

Layane Palhares

O
Brasil tem o compromisso
de expandir sua área sob
proteção legal por ser sig-
natário da Convenção de Diversi-
dade Biológica. No último acordo,
sobre a Meta Global da Conferên-
cia das Partes da Convenção sobre
Diversidade Biológica das Nações
Unidas (COP  10/CDB) de Aichi,
em Nagoya, firmado em 2011, o
Brasil comprometeu-se a proteger
pelo menos 17% dos ecossistemas
terrestres e 10% dos ecossistemas
marinhos até 2020.
Dois estudos conduzidos ao
longo dos últimos três anos pelo
professor Rafael Loyola, do Labo-
ratório de Biogeografia da Conser-
vação da Universidade Federal de
Goiás, apontam para a necessidade e estabelecidos os principais ob- nenhum lugar dos biomas oferece- sendo climaticamente adequadas
do Brasil se dedicar ao avanço das jetivos de conservação. Segundo o ria condições para a vida. no futuro e com estes resultados
Unidades de Conservação (UCs) professor Rafael Loyola, “a perda O Cerrado deve perder muito podemos calcular se as espécies
para fazer frente aos efeitos das de boa parte dos anfíbios e mamí- de sua cobertura original até 2080. conseguiriam chegar até esses lo-
mudanças climáticas. Os estudos feros de um bioma pode ter conse- Diante das mudanças climáticas e cais”, diz Rafael.
levantaram os impactos das mu- quências sérias sobre os chama- do desmatamento, apenas 20%, em Para o Cerrado, o grupo
danças climáticas para diferentes dos serviços ecossistêmicos. Por média, da área de ocorrência das foi ainda mais longe fazendo uma
espécies de anfíbios e mamíferos exemplo, os anfíbios são impor- espécies conseguiria ser protegida, previsão, ano a ano, de perda de
do Cerrado e da Mata Atlântica e tantes por controlarem populações caso o Brasil se comprometesse a habitat na região. “Prever a perda
foram realizados em conjunto com naturais de insetos e por limitar o proteger 17% do bioma. Para pro- de habitat é outro passo essencial,
o professor Ricardo  Machado, da crescimento de algas em riachos. por novos locais para a criação de pois ainda que o clima de um local
Universidade de Brasília (UnB), o Já os mamíferos, muitos deles são UCs, foram realizadas várias pes- mantenha-se adequado no futuro,
doutorando do programa de  Pós- predadores, mantendo um balan- quisas que consideram não só as se aquele lugar for convertido em
-Graduação  em  Ecologia e Evolu- ço ‘saudável’ entre as espécies de condições climáticas presentes nos pastagem ou monoculturas, o que
ção  (PPGEE-UnB), Frederico Falei- um ecossistema, outros são herbí- locais onde as espécies vivem, mas acontece muito no Cerrado, ne-
ro, e com a doutoranda Priscila Le- voros e controlam as espécies de também as distâncias que tais es- nhuma ação concreta de conser-
mes, do mesmo programa. Os estu- plantas de um determinado lugar, pécies poderiam percorrer em bus- vação será possível. As espécies de
dos foram publicados nas revistas vários são polinizadores (morcegos, ca de locais adequados. Além disso, grande porte são sempre as mais
científicas Biological Conservation e principalmente) ou dispersores de foram incluídas informações sobre ameaçadas, pois ficariam isoladas.
PLoS ONE. sementes (porcos selvagens, lobo- onde estão os habitats remanescen- Encaixam-se nesse perfil a onça-
De acordo com as pesqui- -guará, anta, etc), sendo essenciais tes de Mata Atlântica e de Cerrado, -pintada, a onça-parda, o lobo-gua-
sas realizadas, a melhor maneira para garantir a sobrevivência das de maneira que os novos locais são rá, a anta e o tamanduá-bandeira”,
de proteger a biodiversidade é por plantas e produção de frutos”, ex- passíveis de conservação. observou Rafael Loyola.
meio da criação de Unidades de plicou. O professor Rafael Loyola ex- O professor conclui que as
Conservação. Entretanto, consi- plicou que para a escolha desses pesquisas apontam para a neces-
derando as mudanças climáticas Impactos – As consequências des- locais de maior importância para sidade de estudos mais densos e
globais, mesmo as UCs poderiam sas alterações do ambiente sobre conservar a sobrevivência das es- completos sobre a biodiversidade
deixar de proteger a biodiversidade os animais, em ambos os biomas, pécies do Cerrado e da Mata Atlân- e sobre as ações que os governos,
nelas existente pois, uma UC cli- são os mesmos: um decréscimo tica, foi usado o modelo global de ONGs, setor privado e sociedade ci-
maticamente adequada hoje, pode acentuado de locais com clima ade- circulação oceânico atmosférico vil podem tomar: “O Brasil tem uma
deixar de ser daqui a 30 ou 50 quado para as espécies, o que leva- (MCGA). Esse recurso, que é usa- postura de liderança em negocia-
anos. Em situações como essa, vá- ria a uma redução da distribuição do operacionalmente para previsão ções internacionais sobre a ques-
rias espécies são forçadas a migrar geográfica das mesmas. Em alguns de tempo e, com as devidas modifi- tão ambiental. É hora de pensar
para outros locais climaticamente casos, como o dos anfíbios da Mata cações, baseado no mesmo modelo no futuro e fazer um grande plano
adequados ou enfrentar, no local Atlântica, até 12% das espécies po- que já vem sendo usado na Austrá- nacional de adaptação do Sistema
onde vivem condições adversas, deriam perder todos os locais ade- lia, Inglaterra e Canadá, também Brasileiro de Unidades de Conser-
que podem levar à sua extinção. quados para sua sobrevivência. Os pode ser usado para a previsão de vação (SNUC  –  lei no 9.985, de 18
Em geral, ao se definir uma habitats em si não desapareceriam, clima. “Com esse modelo consegui- de julho de 2000) de acordo com as
área a ser protegida, são observa- mas se tornariam quentes ou secos mos saber se as áreas propostas mudanças climáticas globais”, de-
das suas características naturais demais, e para algumas espécies, para a criação de UCs continuarão fendeu o professor.

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