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DUNKER. Introdução+à+Psicanálise+Lacaniana+-+Unesp
DUNKER. Introdução+à+Psicanálise+Lacaniana+-+Unesp
classe. São noções que sugerem que alguém tem algo de muito próprio que torna esse
alguém ... alguém. Mais precisamente isso significa que podemos reconhecer este
alguém, mas o curioso é que não sabemos, completamente como e por quê o fazemos.
Quando reconhecemos um estilo há uma impressão de que existe uma essência
perceptível naquela pessoa, uma essência que a faz diferente, única e idêntica a si
mesma. Há uma outra propriedade importante da noção de estilo. O estilo é algo de se
deseja possuir ou que se deseja encontrar no outro. Alguém sem estilo é alguém
comum, no sentido de vulgar ou indiferenciado. É aquele que está submetido a signos,
modos de ser, falar, vestir e consumir. É aquela pessoa cujo estilo de vida nos parece
inautênticos ou postiços.
Ora, esta maneira de entender o que é um estilo é completamente oposta a de
Lacan. Se seguirmos a referência completa encontramos que a frase usada por Lacan, na
contracapa de seus Escritos, vem de Buffon e não diz apenas que “o estilo é o homem”
mas que “o estilo é homem a quem nos dirigimos”. Por esta afirmação se depreende
que meu estilo não é uma coisa que está em mim, que eu possuo e que corresponderia à
essência mais íntima de meu ser. Por exemplo, agora, enquanto eu falo com vocês, meu
estilo (se eu tivesse um) estaria em vocês, não em mim. Afinal são vocês a quem eu
estou me dirigindo. São vocês a quem eu estou me endereçando. Mas aqui vale a pena
examinar melhor este a quem nos dirigimos. O que significa me dirigir a vocês ? Todos
aqui já tiveram a desagradável sensação de que aquele com quem falamos não está
falando realmente conosco. Ás vezes temos uma intuição de que a pessoa está falando
com seus próprios preconceitos, suas próprias ilusões e comete toda sorte de
antecipações que pode fazer acerca do outro a quem se dirige. Na desavença cotidiana
entre casais isso se revela em expressões do tipo: “parece que eu estou falando com a
parede” ou por uma interminável sucessão de correções do tipo “o que você entendeu,
não foi isso que eu quis dizer”.
Uma vez eu fui fazer uma conferência numa fábrica. Uma fábrica de cimento na
periferia de São Paulo onde operários preocupados queriam ouvir algo sobre o perigo
que as drogas podem representar para seus filhos. Do alto de minha empáfia arrogante
de jovem professor universitário fiz uma exposição absolutamente complexa sobre a
sociopsicologia da dependência química. Acho que foi uma das coisas mais ridículas
que fiz na vida. No meio da conferência me dei conta de que podia estar falando com
meus professores, meus supervisores, meu analista, mas estava desconhecendo, aqueles
que estavam efetivamente diante de mim, aqueles a quem eu realmente devia me dirigir.
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DUNKER, C.I.L. – Introdução à Psicanálise Lacaniana. Semana de Psicanálise da Faculdade
de Psicologia da Bauru, Unesp, 2009.
análise ele fala de si mas não fala com o analista, em seguida ele fala com o analista
mas não fala de si, quando o analisante fala de si com o analista a análise se conclui.
As duas funções complementares do imaginário nos informam sobre o estatuto
de desconhecimento de si, próprio do ego, e ao estatuto de conhecimento do outro,
como objeto, reduzido a uma projeção duplicada do próprio eu. Chamo a atenção de
vocês para esta dupla de termos: conhecimento do outro como objeto e
desconhecimento de si como sujeito. Lacan formula o conceito de imaginário à partir de
três referências principais:
(1) Estudando a paranóia Lacan percebe que esta pode ser entendida como uma espécie
de hipertrofia da função do conhecimento. O paranóico sente-se perseguido como se
fosse um objeto de conhecimento. Ele interessa ao outro, mas não sabe o que ele possui
para ser objeto deste interesse. O paranóico assim como aquele que acredita possui
atributos essenciais que lhe conferem um estilo, leva-se à sério demais, acredita que ele
é imagem da função que ele exerce. Ele é capaz de punir-se para satisfazer à este
insondável desejo do Outro. Esta idéia de que a paranóia tem uma vocação ao
conhecimento já aparecia em Salvador Dali. Lacan extrapola e inverte esta tese. Não só
a paranóia é um fenômeno da esfera do conhecimento como o conhecimento, ele
mesmo, tem estrutura paranóica. Com esta inversão a paranóia deixa de ser
especificamente uma variante das psicoses e passa a constituir um aspecto da estrutura
mesma do ego.
(2) Estudando os trabalhos de Wallon sobre as relações da criança com sua imagem no
espelho, os estudos etológicos sobre o comportamento animal e certas descobertas da
Psicologia da Forma, Lacan postula que o imaginário constrói-se para um sujeito à
partir de uma captura inata na imagem do semelhante. O fascínio narcísico do
reencontro da própria imagem unificada à partir, principalmente, do olhar do outro,
comporiam as premissas que tornam o imaginário o domínio da identificação. Disto
Lacan destaca dois efeitos fundamentais: a agressividade (fruto da ruptura da imagem) e
a paixão (fruto da unificação da imagem).
corresponde à separação entre o sujeito e a posição de onde este enuncia seu desejo.
Quando então desconhecemos a posição de onde nos dirigimos ao outro, assim como
quando conhecemos demais aquele a quem nos dirigimos, estamos ás voltas com uma
alienação. A alienação traz para a teoria do imaginário um elemento novo em relação ao
puro domínio da imagem, a saber o ideal. Um ideal resume a função da imagem
prescindindo dela. Não devemos pois confundir o ideal com a imagem, o ideal é a
posição à partir da qual a imagem se forma ou se mantém. Com isso Lacan pode
postular uma dialética entre o ideal e a imagem, entre eu ideal (que é uma imagem) e
Ideal de eu (que é uma função). O funcionamento desta dialética explicaria o progresso
da alienação. Quando me alieno em uma imagem é porque não reconheço o ideal que
ela veicula e quando me alieno em um Ideal é porque desconheço a imagem que ele
forma.
3. A Crítica do Imaginário
disso é a tese da disparidade entre o eu e seu desejo. Ali onde o sujeito sabe o que quer
ele não sabe quem é, e ali onde ele sabe quem é ele não sabe mais o que quer.
É o que ilustra a trajetória de Goethe no romance de formação, O Mestre
Wilhelm. Trata-se da história de um jovem bem sucedido, que tendo um brilhante futuro
à sua frente sente-se inesperadamente vazio, apático e desorientado. Após uma
educação sólida que lhe faz se apropriar de seu lugar social ele não consegue mais se
empenhar com relação ao desejo. Ele sabe demais quem é, daí não sabe mais o que
quer. Neste ponto ele decide-se fantasiar de pobre monge e passa a morar em um
vilarejo afastado. Nesta condição, onde seu identidade supostamente real, não pode ser
mais reconhecida, ele é arrebatado pela paixão por uma bela jovem. A paixão é tão
violenta e decidida que ele está prestes a abandonar tudo por ela. Mas o romance se
torna difícil por que ela não o reconhece como potencial amante. Neste ponto ele
mesmo começa a duvidar de si. Se ele era o bem sucedido estudante ou o monge no
qual se disfarça. Sabe bem o que quer, mas o preço é a incerteza sobre quem ele é.
Temos então a primeira mediação, que é o trabalho e a segunda mediação, que
é o desejo. A terceira mediação, que representará um verdadeiro salto e expansão na
noção de simbólico, é a mediação da linguagem. Aqui reencontramos a negatividade,
mas em uma acepção mais fina. É a negatividade contida na noção de significante. Sob
forte influência do estruturalismo de Lévy-Strauss, Jakobson e Saussure, (nesta ordem)
que faz Lacan elevar a noção de simbólico de sua dialética com o imaginário ao estatuto
de uma ordem. Uma ordem que supera e sobredetermina os efeitos imaginários.
Voltando ao nosso tema do estilo. O estilo é o homem a quem nos dirigimos.
Retirada a projeção imaginária, pela qual o outro a quem nos dirigimos se reduz a um
objeto de nossa consciência e restrigido o processo de identificação com o desejo do
outro para quem me faço de objeto seria possível, ainda sim, conceber que nos
dirigimos ao outro ? O Outro mesmo, o outro real, como situá-lo ?
Lembro-me aqui de um fragmento de minha própria análise. Estava eu
discorrendo sobre o sexo dos anjos em uma fala que me parecia de fato muito vazia.
Mas eu a mantinha mesmo assim pois achava que isso estava de acordo com o que meu
analista esperava. É bem isso que se passa no imaginário: eu falo o que suponho que
meu destinatário quer ouvir e recebo minha própria mensagem invertida, mas sem saber
que ela é o retorno de minha própria mensagem. Ocorre que dentro deste espaço em que
eu acreditava obedecer fielmente a regra que o definia, ou seja, a associação livre,
escuto de repente um estranho ruído. Como se fosse um “tzzz”, “tzzz”, que em
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(2) Ora, se o programa clínico, que disto recorre, nos leva simplesmente à uma
submissão à ordem simbólica, e se a ética que lhe corresponde é uma ética da
resignação à falta, tudo o que havíamos ganho com a crítica do imaginário parace
agora perdido em prol de uma nova forma de assujeitamento, com perigosas
matizes, agora não mais naturalistas, mas ontológicas. Uma coisa é criticar as
práticas clínicas de alienação que exploram um falso conceito de liberdade, uma
liberdade individualista, liberal e intencionalista; outra coisa é exluir toda e qualquer
forma de possibilidade de transformação, o que, convenhamos, para um clínico não
deixa de ser paradoxal.
(3) Este raciocínio foi percebido pelo próprio Lacan que começa então a deslocar
sua noção de ordem simbólica de tal forma a que ela representa não mais um
sistema perfeito, um código completo, mas uma espécie de auto-contradição lógica.
Ou seja, a ordem simbólica não deve ser entendida como o conjunto completo e
articulado de todos os sistemas simbólicos, o sistema de parentesco, mais o sistema
de reprodução social, mais o sistema cultural (arte, ciência, religião), mais o sistema
das instituições, e assim por diante. A ordem simbólica não é a síntese de todas as
formas de alteridade, mas a contradição que impede que esta síntese de fato
aconteça. Este movimento corresponde à tese de que ao Outro falta um significante,
que o Outro é não-todo, que o Outro contém um vazio ou um furo. Do lado do
sujeito isso implica que seu desejo será também não-todo articulado na linguagem.
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(1) O primeiro tema foi o estatuto da ética em psicanálise. Uma teoria que afirmava
a heteronomia do simbólico, e sua controversa deriva para um heteronomia do
sujeito, propunha automaticamente um problema: o que fazer com a ética ? Neste
ponto começaram a se dividir as leituras de Lacan no Brasil, entre aqueles que
defendiam o caráter irredutível da reflexão ética em Lacan e aqueles que
enfatizavam o veio lógico-estruturalista. A psicanálise é uma ética, na qual o método
deve se submeter, ou ela é um método, no qual a ética tem um valor propedêutico e
condicional ?
(2) o Segundo tema, que parece decorrer das conseqüências políticas e institucionais
acerca de como se resolve a primeira questão, diz respeito à organização social do
movimento lacaniano e sua internacionalização. A psicanálise lacaniana foi trazida
ao Brasil na década de 70 por três ex-seminaristas que tiveram contato com o
pensamento de Lacan, notadamente no centro universitário católico de Louvain, na
Bélgica. Depois disso veio um período marcado por uma migração de analistas que
vinham à França estudar e fazer análise com lacanianos. Em São Paulo, de onde eu
venho, ao contrário de outras cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e
Recife, (onde há importantes associações lacanianas), estabeleceu-se um lacanismo
fortemente organizado em torno da corrente milleriana. Sem entrar em detalhes, tal
corrente, notadamente em São Paulo marcou-se pelo forte legitimismo, centralismo
e autoritarismo. Isso não quer dizer que esta fosse a única e nem sequer a mais
importante corrente dentro do lacanismo em São Paulo, mas apenas que ela era a
mais organizada. Quase a metade de outros lacanianos tinha uma atitude teórico-
política contrária à transmissão da psicanálise em instituições, ou então ligavam-se,
individualmente, a instituições internacionais não millerianas. A querela do passe,
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Fonte Conselho Federal de Psicologia - http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/Pesquisa_WHO.pdf
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6. O Estilo no Real
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Neste cenário confuso e marcado por controvérsias foi se formando uma espécie
de estratégia baseada na fuga para a frente. Já na virada do século começa a ganhar
impulso uma outra categoria teórica, que será imediatamente traduzida em termos
clínicos, políticos e institucionais. Como vocês sabem a obra de Lacan posterior ao
período 1966-1968, data da publicação dos Escritos e do Seminário XI, havia sido muito
pouco traduzida. Havia o seminário XX, mas a maior parte dos textos circulavam de
forma “pirata”, sem grande apoio de comentadores e o menor consenso interpretativo.
Isso pode ser atribuído à crescente dificuldade estilística e conceitual que parace
dominar os textos de Lacan da década de 70. Sabia-se sim que neste período Lacan
havia reformulado sua teoria radicalizando e formalizando a categoria de Real. O real,
passava então a ser uma espécie de aposta da qual encontraríamos as respostas para as
insuficiências teóricas deixadas pelo imaginário e o simbólico.
Particularmente devo dizer que discordo frontalmente deste modo de apresentar
as coisas. A noção de real em Lacan é primitiva, deriva de sua leitura de Hegel, está
presente muito antes dos anos 70, e mesmo sua mistura com a categoria de realidade
foi, em geral, pouco analisada pelos que se engajaram nesta empreitada. De toda forma
foi através da noção de real que alguns gostariam de reencontrar o criticismo perdido.
Outros viam no real a confirmação de suas teses sobre a soberania do logicismo e do
idealismo transcendental como verdadeira essência do pensamento de Lacan.
O estilo é o homem a quem nos dirigimos. Voltemos a esta frase. Até agora
vimos os problemas relativos à pensar o homem como sujeito consistente, unificado e
dotado de uma essência, da qual o estilo seria um atributo. Vimos em seguida que a
noção de “dirigir-se a” nos causa um problema. Não sabemos a quem nos dirigimos e
que somos ao mesmo tempo agente deste endereçamento, mas também efeito de uma
ordem discursiva que pré-estabelece os lugares aos quais podemos nos endereçar e a
forma de fazê-lo. O inconsciente é o discurso do Outro e o Outro é simbólico. Nos falta
agora examinar o terceiro termo da frase: o estilo.
Estilo, vem do latim stylus, que quer dizer corte, como na pena utilizada para
escrever, que era também chamada de stilette. Disso se sugere que o estilo é no fundo o
modo como cada um lida e articula o corte que o separa do Outro no momento mesmo
em que a ele se dirige. O estilo define o modo como nos separamos uns dos outros,
como criamos diferenças no interior do laço social que nos une aos outros. É daí que
vem o uso da noção de estilo, na moda, para designar um tipo de vestimenta, ou seja, o
corte aplicado ao tecido.
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angustiado por não poder mais se reconhecer em suas próprias pegadas, quando voltasse
à ilha novamente.
Finalmente se Robinson Cruzoé respondesse de forma neurótica ele o faria se
perguntando sobre afinal quem é este que deixa esta pegada aqui e se isso é realmente
uma pegada. Ele poderia fantasiar o encontro com o proprietário da pegada, fugir dela,
toma-la como um sinal ou que não lhe diz respeito ou então que lhe diz respeito mas
que ele não sabe como, mais ou menos como o sujeito neurótico reage diante de uma
formação do inconsciente como o sintoma.
Ocorre, e isso é bem interessante, que Robinson Cruzoé não responde de forma
nem neurótica, nem psicótica nem perversa ou então faz algo que se poderia esperar em
qualquer uma destas estruturas: Cruzoé apaga a marca. Ao proceder desta maneira ele
transforma o estatuto da marca da pegada, de marca ela vira um traço. É por poder ser
apagável ou rasurável, se quisermos, que um traço é um traço. Ao ser apagada e manter-
se, mesmo assim, como uma inscrição para Cruzoé, que ela pode ser indefinidamente
repetida.
Estou usando este exemplo de Robinson Cruzoé porque ele contém as
características que Lacan atribui ao Real.
(1) O Real não são os objetos, mas o tempo que demora até que o objeto apareça. É
exatamente isso que está em jogo em nossa passagem. O tempo entre a pegada e Sexta
Feira, é neste tempo que o Real se mostra como negação. Notes-se que o real não
corresponde à realidade da pegada, o real aparece justamente ali onde nos perguntamos
se é possível que aquilo que se passa seja realmente real. Mas, importante, o real sempre
se depreende de coordenadas simbólicas, no interior do qual ele pode ser parcialmente
reconhecido, logo simbolizado. O Real não é uma categoria primitiva, pré
representacional, pré-linguística ou pré-reflexiva, o Real é sempre deduzido do
simbólico e do imaginário. A teoria do traço unário mostra-se assim uma forma de
conjugar a projeção narcísica, a introjeção simbólica, com uma espécie de identificação
real (uma identificação sem sujeito), que é a identificação em jogo no traço unário.
(2) Real é o que retorna sempre ao mesmo lugar. De fato após ser apagada a pegada vira
traço e como traço pode ser indefinidamente repetida, assim como os traços que compõe
as letras de nosso alfabeto e as letras que são reuniões estáveis de traços, podem ser
reutilizados sem que a eles se fixe nenhum sentido específico. O traço ao contrário do
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significante é estranho ao campo do sentido. Ele retorna ao longo do tempo, mas seu
retorno não é diferenciante, como no caso do significante, é um retorno de algo que
volta como um e novamente como um, e assim por diante. Ele não unifica os sentido
nem o seu usuário, mas apenas garante que ambos se mantenham contínuos e
reconhecíveis no tempo. Quando Cruzoé encontra a pegada que ele ainda não sabe ser
de Sexta feira, quando ele apaga esta pegada é porque ele sabe que ao fazê-lo ele
permite a hipótese de sua repetição, ele espera e conjectura se a pegada virá novamente
e quando.
(3) O Real, para Lacan, é também da ordem do encontro. É o encontro, por exemplo, de
Robinson Cruzoé com a pegada na areia. O encontro do real, que caracteriza tanto o
trauma, quanto a felicidade e ainda o destino de cada um, é o encontro contingente entre
séries causais simbólicas não contingentes. Como diz Tomás de Aquino, vou até a feira
porque há uma causalidade que me leva até ela. A feira acontece e está lá porque há
uma outra rede de causalidades, (unindo ato e potência). Mas quando vou até a feira e
percebo que estou sem dinheiro e nesta mesma hora encontro meu amigo que me deve
algum. Esta é a noção de feliz encontro. Há também a versão do mau encontro, aquela
que apresenta ao sujeito algo que lhe é insuportável, a sexualidade para Freud
encontrava sempre o sujeito nesta situação. Antes da hora, depois da hora, excessiva,
inconveniente.
(4) Finalmente o conceito de Real se mostra em nosso apólogo muito afim à idéia de
ato. Afinal é por meio do ato de apagamento que a marca se torna traço e como traço
pode sustentar o significante. Encontramos aqui senão uma solução um
encaminhamento para o problema da hiperdeterminação simbólica. O ato é uma espécie
de retorno da noção de liberdade recalcada no interior do sistema teórico de Lacan. A
raidicalização desta tese levará Lacan a pensar o ato sexual e verificar que ele é sempre
uma impossibilidade lógica. Não o ato sexual no sentido do coito, mas a plena harmonia
e completamento entre os sexos. Daí vem as conhecidas, e repetidas ad nausean,
afirmações como a de que a relação sexual não existe, de que a mulher não existe.
Vemos em todas estas acepções de real como ele depende da noção de corte ou
separação, separação temporal entre o objeto e seu reencontro, separação entre as voltas
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Agradeço mais uma vez a acolhida de vocês e espero que agora nosso próximo
encontro possa se dar no Brasil
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