Você está na página 1de 13

02/05/2019 Novos padrões de investigação policial no Brasil

Sociedade e Estado Services on Demand


Print version ISSN 0102-6992
Journal
Soc. estado. vol.31 no.1 Brasília Jan./Apr. 2016
SciELO Analytics
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922016000100008
Google Scholar H5M5 (2018)
ARTIGOS
Article

Novos padrões de investigação policial no Brasil text new page (beta)

Portuguese (pdf)
Arthur Trindade Maranhão Costa*
Article in xml format
Almir de Oliveira Júnior**
How to cite this article

* SciELO Analytics
Arthur Trindade Maranhão Costa é professor do Departamento de
Sociologia da Universidade de Brasília e pesquisador do CNPq. Curriculum ScienTI
<arthur@unb.br>
** Automatic translation
**Almir de Oliveira Júnior, doutor em sociologia e política (UFMG),
integrante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Indicators
<almir.junior@ipea.gov.br>
Related links

Share

More
RESUMO
More
Neste artigo, descrevemos algumas das principais características dos casos de
investigação policial que foram denunciados pelo Ministério Público Estadual. O
Permalink
padrão que emerge dos dados da pesquisa realizada em nove estados
brasileiros, a partir de uma amostra dos processos criminais arquivados em
2011, difere das representações tradicionais da investigação baseada na busca
de testemunhas e produção de depoimentos e confissões. As prisões em flagrante ocupam lugar de destaque na
instrução criminal e tem efeitos significativos nas sentenças. Ao final, sugerimos que este novo padrão de
investigação policial pode ser resultado das mudanças de atitudes dos profissionais do Sistema de Justiça Criminal.

Palavras-Chave: polícia; investigação criminal; prisão em flagrante; fluxo de justiça; instrução criminal

ABSTRACT

In this article, we describe some key features of the cases of police investigation that were denounced by the Public
Prosecutor in Brazil. The pattern that emerges from a survey conducted in nine states, with a sample of criminal
cases filed in 2011, differs from traditional representations of criminal investigation based on the search of witnesses,
statements and confessions. The arrests take prominent place in the criminal investigation and has significant effects
in the sentences. Finally, we suggest that this new pattern of police investigation may be the result of changes in the
attitudes of Criminal Justice System professionals.

Key words: police; criminal investigation; arrest; case flow of criminal justice; criminal procedure

INTRODUÇÃO
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 1/13
Aquilo que chamamos de investigação criminal,Novos
02/05/2019 seuspadrões
objetivos, métodos
de investigação e rotinas
policial no Brasil tem mudado profundamente ao
longo da história. Portanto, para entender o que vem a ser investigação criminal, e suas mudanças ao longo do
tempo, é necessário compreender o contexto político, social e cultural no qual ela se insere.

Podemos encontrar exemplos de práticas associadas à investigação criminal ao longo da história de várias
sociedades. Entretanto, aquilo que chamamos de investigação criminal, ou seja, a aplicação de rotinas e técnicas
por parte de um corpo policial, para identificação de suspeitos e produção de provas jurídicas, data do final do
século XIX (Morris, 2007). Antes disso, a produção de provas e a identificação de suspeitos era uma questão
privada, às vezes empreendida por agentes privados pagos por recompensa.

Foi somente com a criação das polícias modernas que a investigação criminal passou a ser entendida como
obrigação do Estado. Embora as polícias tenham inicialmente orientado suas tarefas para a manutenção da
ordem e a vigilância das ruas, a função de investigar crimes foi, aos poucos, sendo incorporada às suas
atribuições. De forma que, no início do século XX, boa parte das polícias ocidentais já contava com grupos ou
unidades dedicadas à investigação criminal (Morris, 2007). Desde então, a investigação criminal tornou-se uma
das principais funções desempenhadas pelas polícias, que passaram a se incumbir das seguintes tarefas: (a)
identificar e interrogar suspeitos, (b) produzir provas jurídicas; e (c) instruir o processo criminal.

Apesar da enorme visibilidade e glamour que a investigação criminal recebe por parte da mídia e da população
em geral, a pesquisa empírica sobre o tema ainda é incipiente. As razões para isto decorrem das dificuldades que
os pesquisadores têm encontrado para acessar as unidades de investigação. Policiais têm sido relutantes em
proporcionar assistência adequada aos pesquisadores em função das preocupações com segurança e sigilo de
suas fontes e de seus procedimentos. Além disso, os dados sobre investigação criminal, quando existentes, são
precários, pouco confiáveis e raramente são sistematizados, dificultando as pesquisas quantitativas e qualitativas
(Innes 2001).

No Brasil, a literatura sobre o tema é escassa. A maior parte trata da "investigação ideal", como sugere Mingardi
(2007). Alguns destes trabalhos descrevem - ou sugerem - métodos e procedimentos de investigação (Ribeiro 2006,

2012; Ferro, 2006). Há também trabalhos que discutem a relação entre a investigação criminal e o processo penal
(Ferreira & Ferreira, 2013). Entretanto, ainda são raras as pesquisas sobre a "investigação real", que acontece no
cotidiano das polícias (Mingardi, 1992, 2006, 2007; Mingardi & Figueiredo, 2009). Além dessas poucas pesquisas,
recentemente têm surgido trabalhos sobre as atividades de inteligência policial, que, embora não se confundam
com a investigação, guardam estreita relação com esta (Brandão & Cepik, 2013)1.

Apesar do já mencionado glamour que envolve as atividades de investigação criminal, as unidades encarregadas
de investigar crimes sempre conviveram com denúncias de arbitrariedades, práticas ilegais e ineficiência. Mais do
que casos isolados de desvio de conduta e fiscalização deficiente, tais críticas refletem uma crise de legitimidade
de um modelo de investigação criminal construído ao longo do século XX, baseado na entrevista de suspeitos e
testemunhas para produção de evidências jurídicas que pudessem resultar em denúncias criminais. Este modelo
de investigação criminal segue uma lógica inquisitorial, uma vez que a forma de produção de provas confere
pouca ou nenhuma possibilidade de contestação e defesa. As práticas de interrogar suspeitos e testemunhas,
visando à obtenção de confissões, tem sido o foco principal destas críticas.

A partir dos anos 1970, essas críticas tornaram-se mais árduas em países como os Estados Unidos, o Canadá e a
Inglaterra, resultando em profundas alterações nas práticas de investigação criminal. Decisões judiciais
ampliaram as restrições ao uso de depoimentos e confissões nos processos criminais. Assim, foi necessário um
incremento nos investimentos dos órgãos de perícia, num esforço de priorizar as provas técnicas em detrimento
das provas testemunhais (Skolnick & Fyfe, 1993). No que se refere especificamente às polícias, foram criados
manuais de investigação, bem como introduzidos novos procedimentos operacionais para otimizar o desempenho
dos investigadores (Maguire, 2003).

Neste artigo, descreveremos algumas das principais características dos casos de investigação policial que foram
denunciados pelo Ministério Público Estadual no Brasil. O padrão que emerge dos dados apresentados difere das
representações tradicionais da investigação baseada na busca de testemunhas e produção de depoimentos e
confissões. Como veremos nas seções seguintes, as prisões em flagrante ocupam lugar de destaque na instrução
criminal e têm efeitos significativos nas sentenças. Ao final, sugerimos que este novo padrão de investigação
policial pode ser resultado das mudanças de atitudes dos profissionais do Sistema de Justiça Criminal.

A pesquisa

Os dados utilizados neste artigo foram obtidos na pesquisa "Política criminal alternativa à prisão", realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a pedido do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). A
pesquisa também contou com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e teve a participação dos autores
em todas as suas etapas2.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 2/13
Os 02/05/2019
dados foram levantados a partir das informações dos processos
Novos padrões transitados
de investigação em julgado e arquivados (autos
policial no Brasil
findos) de varas criminais localizadas em nove unidades da federação: Distrito Federal, Espírito Santo, Minas
Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo central era levantar
informações relevantes sobre os registros de processamento dos feitos criminais nos autos processuais, os quais
reúnem dados relativos às fases policial e judicial, refletindo, em certa medida, todo o ciclo do Sistema de Justiça
Criminal. Para construir as amostras de processos sobre as quais seriam coletadas as informações, foram
utilizadas as listas de autos findos arquivados no ano de 2011 (ano de referência) em cada uma das Unidades da
Federação (UF) que fazem parte do estudo. As listas foram obtidas diretamente junto aos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, contando com apoio do CNJ3.

Dadas as populações originais (número total de processos criminais com baixa em 2011), foram calculados os
tamanhos das amostras para cada UF. De posse do número de processos que deveria compor as amostras
estaduais, realizou-se sorteio aleatório entre os processos constantes das listas fornecidas pelos Tribunais de
Justiça, considerando-se exclusivamente aqueles baixados em varas criminais e juizados especiais criminais de
comarcas com população superior a 100 mil habitantes. No total, foram selecionados 2.344 processos distribuídos
conforme a Tabela 1.

Tabela 1 - Comarcas e processos pesquisados por UF

UF Comarcas Processos % % Acumulado


PR 2 42 1,8 1,8
PE 12 121 5,2 7,0
SP 68 223 9,5 16,5
MG 40 235 10,0 26,5
RJ 25 305 13,0 39,5
PA 13 316 13,5 53,0
RS 20 353 15,1 68,1
DF 1 369 15,7 83,8
ES 6 380 16,2 100,0
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

A coleta de informações foi realizada por equipes distribuídas por estados. Para isso, os(as) pesquisadores(as) se
valeram de um espelho de dados contendo questões sobre: (a) o fato criminoso; (b) o inquérito policial; (c) as
características sociodemográficas do(s) investigado(s); (d) os antecedentes criminais dos investigado(s); (e) a
instrução do processo; (f) o julgamento; e (g) o cumprimento da pena. Apesar de não ser estatisticamente
representativa das 27 unidades da Federação, a amostra é abrangente o suficiente para que possamos descrever
o quadro da investigação criminal no Brasil5.

O mito da investigação criminal

A investigação criminal, desde sua criação, tem sido objeto de enorme interesse do público em geral, e
permanece cingida de vários mitos. Esse interesse pode ser explicado não apenas pelo glamour da ideia de
prender criminosos, mas também pela importância que a investigação assumiu ao dar forma à promessa do
Estado moderno de prover segurança para todos os cidadãos (Garland, 1996; 2001).

De fato, a investigação criminal tem desempenhado duas funções críticas relacionadas à promessa estatal de
segurança. Em primeiro lugar, ela é a principal "porta de entrada" do Sistema de Justiça Criminal. Embora
existam outras situações que prescindam da polícia, a maioria dos processos criminais tem origem no inquérito
policial. Ademais, a investigação desempenha papel central na função de dissuadir a prática de crimes; ela
certamente é a iniciativa mais visível dos esforços policiais para dar uma resposta convincente à sociedade.

Dada sua dimensão simbólica, a investigação tem sido retratada como a forma mais efetiva de elucidar crimes e
punir criminosos. Para isso, criou-se uma imagem estereotipada da atividade de investigação descrita por Mike
Maguire (2003) como o "mito de Sherlock Holmes". Tal mito envolve uma sequência de ações: (a) alguém relata
um crime à polícia, (b) os investigadores examinam a cena do crime e interrogam pessoas e (c) o suspeito é
identificado e confrontado com provas irrefutáveis sobre sua culpa, resultando numa confissão e posterior
denúncia criminal. Entretanto, as pesquisas mostram que as práticas de investigação constituem um quadro
radicalmente diferente.

Nem sempre os crimes são relatados à polícia pelas vítimas. Frequentemente os policiais tomam conhecimentos
dos crimes através da mídia e de terceiros. Além disso, em grande parte dos casos, o simples relato de crimes
não implica no início de uma investigação criminal. Alguns casos serão arquivados e outros serão processados na
forma de estatísticas criminais. Noutras palavras, a investigação criminal é uma atividade altamente seletiva.
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 3/13
No 02/05/2019
Brasil, apesar de a legislação indicar a necessidade de de
Novos padrões instauração de inquérito
investigação policial no Brasil policial sobre todas as

notícias-crime, na prática não é bem assim que acontece numa delegacia de polícia (cf. Misse, 2010a). Nem todas
as notícias de crime se convertem em boletins de ocorrência; nem todas as ocorrências são transformadas em
inquéritos policiais. Fatores ligados à repercussão do crime e ao status social das vítimas contribuem
significativamente para a instauração dos inquéritos. Entretanto, de forma geral, a lógica de seleção dos casos
refere-se muito mais à necessidade que os delegados e agentes de polícia têm de administrar o volume de
trabalho (Costa, 2011).

O exame da cena do crime não é a regra da investigação criminal. São raros os casos de os investigadores se
dirigem à cena do crime, entrevistarem pessoas e realizarem diligências para identificar os suspeitos.
Frequentemente, os autores são denunciados diretamente pela população. Nesses casos, o trabalho da polícia se
limita a preparar um inquérito para instruir o processo criminal. Ou seja, o processo criminal pode ser instruído
sem que necessariamente tenha ocorrido previamente uma investigação criminal.

A instauração de um inquérito policial implica a realização de muito trabalho, tanto no que diz respeito à
investigação policial, quanto aos procedimentos burocráticos. Uma vez que número de ocorrências numa
delegacia de polícia normalmente é muito grande, apenas nos casos de flagrante ou de homicídios dolosos os
inquéritos são obrigatoriamente instaurados. Nos demais casos, os policiais priorizam os boletins de ocorrência
que já trazem elementos de prova necessários para a conclusão de um inquérito (informações sobre a autoria do
crime, com filmagens, depoimentos, testemunhas, registros diversos). Nessas situações, não se realiza de fato
uma investigação criminal para identificar suspeitos e produzir evidências, pois essas informações já foram
fornecidas pela vítima. O trabalho da polícia, nesses casos específicos, é reproduzir essas informações no
inquérito que irá instruir o processo criminal.

Portanto, é a necessidade de administrar o trabalho que rege a seleção dos casos a serem investigados. Existindo
informações suficientes no boletim de ocorrência, instaura-se o inquérito sem a realização de investigação, caso
contrário, arquiva-se a ocorrência. Portanto, a investigação criminal não é uma regra, mas uma exceção.

A polícia não procede de forma neutra na busca da verdade. Tampouco os fatos relatados e as provas coletadas
durante a investigação são irrefutáveis. Frequentemente, os suspeitos são identificados (ou eleitos) previamente.
Nessas situações, o trabalho da polícia é produzir provas que sustentem aquela incriminação previamente
realizada.

A despeito de a legislação e a doutrina jurídica brasileiras enfatizarem que não compete às polícias a tarefa de
incriminar suspeitos, na prática sabemos que a investigação criminal parte de uma lógica inversa. As evidências
que serviram para instruir o processo, portanto, para incriminar os suspeitos, são produzidas pela polícia depois
de sua identificação. Desta forma, como apontam Kant de Lima (1995) e Misse (2010), a investigação criminal
exerce papel central na formação da culpa.

Analisando o trabalho da polícia

Ao verificar o conjunto dos processos examinados nesta pesquisa, constatamos que 57,6% deles foram instruídos
por um inquérito instaurado através da prisão em flagrante dos suspeitos e 33,9% por inquéritos iniciados por
portaria (Tabela 2). Além disso, em outros 147 (6,8%), os acusados já se encontravam presos por motivos
alheios ao processo (Tabela 3). Ou seja, em 64,4% dos casos válidos para análise, os acusados já se
encontravam presos no momento da instauração dos inquéritos policiais.

Tabela 2 - Forma de instauração do inquérito

Frequência % Válida % Acumulada


Flagrante 1.258 57,6 57,6
Portaria 740 33,9 91,5
Outro 127 5,8 97,3
N/I 58 2,7 100,0
N/A 161
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

Tabela 3 - Réu preso por motivos alheios ao caso

Frequência % Válida % Acumulada


Não 2.011 93,2 93,2
Sim 147 6,8 100,0
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 4/13
N/A
02/05/2019 186 Novos padrões de investigação policial no Brasil
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

Também é interessante notar que em 89,0% dos processos analisados, apenas uma pessoa foi indiciada pelo
crime (Tabela 4). O percentual inclui os casos de tráfico de drogas e crime organizado, cujo trabalho da polícia
supostamente deveria indicar a ação criminosa de duas ou mais pessoas.

Tabela 4 - Número de Indiciados

Frequência % Válida % Acumulada


1 2.086 89,0 89,0
2 51 2,2 91,2
3 15 0,6 91,8
4 6 0,3 92,1
>4 186 7,9 100,0
Total 2.344 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Ao considerar ainda o trabalho da polícia, podemos verificar que, em 86,06% dos processos selecionados, não
houve dificuldade em localizar autores, vítimas ou testemunhas (Tabela 5). Dentre os poucos casos que os
processos indicam problemas com a localização de pessoas (13,94%), a maior dificuldade registrada foi quanto à
localização do autor (88,49%), seguida à de testemunhas (11,51%). Em nenhum dos processos selecionados
houve dificuldade para localizar a(s) vítima(s) (Tabela 6).

Tabela 5 -Houve dificuldade em localizar pessoas na fase policial?

Frequência % Válida % Acumulada


Não 1.877 86,1 86,1
Sim 304 13,9 100,0
N/A 163
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

Tabela 6 - Houve dificuldade de localizar autor, vítima ou testemunha?

Frequência % Válida % Acumulada


Autor 269 88,5 88,5
Testemunha 35 11,5 100,0
Vítima 0 0,0 100,0
N/A 2.040
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

Essas estatísticas, contudo, precisam ser interpretadas com cuidado. A pesquisa não analisou todos os crimes
registrados pela polícia civil, apenas aqueles que foram denunciados pelo Ministério Público (MP). Assim,
podemos dizer que os inquéritos que resultaram em denúncia criminal foram aqueles em que os policiais tiveram
menos dificuldade em localizar as pessoas.

Outro aspecto importante que deve ser destacado refere-se ao reduzido número de inquéritos que foram
devolvidos pelo MP para mais diligências. Em 74,5% dos processos analisados, o MP aceitou o relatório final
elaborado pelo delegado (Tabela 7). Em 87,6% das ocorrências, o inquérito foi devolvido à polícia no máximo
duas vezes. Portanto, podemos dizer que os inquéritos que mais frequentemente dão origem a processos
criminais são aqueles que não necessitam de novas investigações. Talvez isso aconteça devido ao elevado
número de prisões em flagrante.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 5/13
02/05/2019 Novos padrões de investigação policial no Brasil
Tabela 7 - Número de vezes que o inquérito policial retornou

Frequência % Válida % Acumulada


0 1.610 74,5 74,5
1 281 13,0 87,6
2 105 4,9 92,4
3 49 2,3 94,7
4 32 1,5 96,2
5 20 0,9 97,2
>5 62 2,8 99,9
N/I 1 0,1 100,0
N/A 184 100,0
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.

A organização da investigação criminal

Podemos identificar pelo menos duas estruturas organizacionais para investigar crimes. Existem, inicialmente, as
unidades generalistas de investigação, encarregadas de elucidar vários tipos de crimes. Essas unidades
empregam, em regra, um pequeno número de investigadores e têm sua jurisdição delimitada territorialmente.

O trabalho dessas unidades é voltado para responder às ocorrências que são relatadas pela população. É,
portanto, um trabalho eminentemente reativo. A rotina das unidades generalistas consiste na recepção do diário
de ocorrências criminais e na seleção de casos a serem investigados por pequenas equipes de policiais. Não há
divisão clara de trabalho entre os investigadores, que são responsáveis pela execução de todas as tarefas afetas
à investigação, tais como interrogar suspeitos, entrevistar pessoas, examinar a cena do crime, produzir
relatórios, solicitar exames periciais e encaminhar requerimentos. Os policiais que trabalham nessas unidades
não seguem necessariamente uma ordem de casos a serem investigados. Frequentemente, os investigadores
desenvolvem atividades relacionadas a vários casos simultaneamente, o que certamente compromete o resultado
das diligências (Maguire, 1994; Innes, 2007).

Talvez seja por isso que boa parte do trabalho dessas unidades esteja voltada para a busca dos suspeitos já
conhecidos dos policiais. Trata-se de uma forma de "policiamento por suspeição" (Misse, 2010a). Assim, as
atividades de investigação concentram-se na coleta e sistematização de informações sobre as pessoas com
registros criminais, na expectativa de estabelecimento de uma relação entre as atividades dessas pessoas com as
ocorrências criminais em análise.

Já as unidades especializadas de investigação concentram-se na elucidação de crimes específicos. O principal


argumento para criação dessas unidades é que certos tipos de crimes seguem lógicas próprias e requerem,
portanto, rotinas e procedimentos específicos. Em alguns casos, como nos crimes ambientais e tributários, não é
frequente o recebimento de denúncias da população. Nessas ocorrências, é necessária uma postura proativa da
polícia. Já nos casos dos crimes de roubo de veículos e fraudes, a polícia age de forma reativa. Em ambas as
situações, as atividades de investigação envolvem grandes esforços na produção de inteligência, ou seja, de
informações que não são necessariamente voltadas para o esclarecimento de ocorrências ou para a instrução do
processo criminal (Maguire, 2000).

As atividades de investigação das unidades especializadas concentram-se na busca de informações sobre as


rotinas, os contatos e os negócios dos grupos suspeitos de atividades criminosas. Esse tipo de tarefa impõe aos
policiais a necessidade de contatos próximos com pessoas ou grupos criminosos. Sem um sistema de controle e
fiscalização adequado, tais tarefas acabam possibilitando a ocorrência de casos de corrupção.

Esta pesquisa mostra que, de forma geral, os inquéritos foram instaurados e concluídos por delegacias
generalistas (77,4%) e não por delegacias especializadas (22,6%), conforme mostra a Tabela 8. Ou seja, foram
realizados no âmbito de delegacias cuja competência abrange um número muito grande de responsabilidades,
onde são geralmente escassos os efetivos e os meios disponíveis para a realização de investigações criminais.

Tabela 8 - Inquérito policial concluído por delegacia especializada?

Frequência % Válida % Acumulada


Não 1.687 77,4 77,4
Sim 494 22,6 100,0
N/A 163
Total 2.344

Fonte: Diest/Ipea.
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 6/13
02/05/2019 Novos padrões de investigação policial no Brasil

Em resumo: a maior parte dos processos analisados foi instruída por inquéritos polícias instaurados a partir de
prisões em flagrante (57,6%). Esses inquéritos, em sua grande maioria, indiciaram apenas uma pessoa (89%)
que a polícia não teve dificuldade em localizar. Além disso, os inquéritos que serviram para instruir os processos
criminais foram aqueles concluídos por delegacias não especializadas (77,4%) e que a polícia não realizou
diligências complementares (74,5%).

O perfil dos autores

Com relação ao sexo dos autores, as informações contidas nos processos mostram que 87,6% dos acusados
eram do sexo masculino e 9,4% feminino (Tabela 9). Já as informações existentes nos processos analisados não
são muito precisas em relação à raça/cor dos acusados, uma vez que não foi possível determinar a raça/cor dos
autores em 30,9% dos processos. Nos processos que apresentavam informações acerca da raça/cor, pode-se
observar que 30,0% dos acusados eram pardos, 28,9% brancos e 9,8% negros (Tabela 10).

Tabela 9 - Perfil dos autores, por sexo

Frequência % % Acumulada
Masculino 2.736 87,6 87,6
Feminino 294 9,4 97,0
N/I 93 3,0 100,0
Total 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Tabela 10 - Perfil dos autores, por raça/cor

Frequência % % Acumulada
Parda 938 30,0 30,0
Branca 904 28,9 58,9
Negra 305 9,8 68,7
Amarela 7 0,2 68,9
Indígena 3 0,1 69,0
N/I 966 30,9 100,0
Total 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Se, por um lado, os processos não têm informações precisas sobre a raça/cor dos autores, por outro, as
informações sobre seu estado civil estão bem registradas. A Tabela 11 mostra que a maior parte dos autores era
de solteiros (61,3%). Poucos autores eram casados ou tinham algum tipo de união estável (25,9%).

Tabela 11 - Perfil dos autores, por estado civil

Frequência % % Acumulado
Solteiro(a) 1.913 61,3 61,3
Casado(a) 448 14,3 75,6
União Estável 362 11,6 87,2
Separado(a) 98 3,1 90,3
Viúvo(a) 20 0,6 90,9
N/I 282 9,1 100,0
Total 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

No que diz respeito à escolaridade, as informações dos processos analisados também não são precisas. Em
30,1% dos processos, não foi possível verificar o nível de escolaridade dos autores. Naqueles processos que esta
informação estava disponível, verificamos que 52,5% dos acusados possuíam, no máximo, o ensino fundamental
completo. Sendo que em 29,9% dos casos, os autores possuíam ensino fundamental incompleto, conforme
mostra a Tabela 12.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 7/13
02/05/2019
Tabela 12 - Perfil dos autores, por grau de instrução Novos padrões de investigação policial no Brasil

Escolaridade Frequência % % Acumulado


Analfabeto 65 2,1 2,1
Sabe ler e escrever 212 6,8 8,9
Ensino fundamental incompleto 934 29,9 38,8
Ensino fundamental completo 427 13,7 52,5
Ensino médio incompleto 1N/I 6,4 58,8
Ensino médio completo 243 7,8 66,6
Ensino superior Incompleto 37 1,2 67,8
Ensino superior completo ou pós-graduação 50 1,6 69,4
N/I 956 30,6 100,0
Total 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Com relação aos antecedentes criminais, notamos um grande número de autores com algum tipo de passagem
pelo Sistema de Justiça Criminal. Verificamos que 33,7% dos autores já haviam sido presos antes do fato, 37,8%
já haviam sido processados e 20,7% já haviam sido condenados (Tabela 13). Ou seja, chama a atenção o fato de
que a maioria dos acusados já tinha passado pelo Sistema de Justiça Criminal e 62,8% dos autores já havia
recebido algum tipo de benefício penal, conforme mostra a Tabela 14.

Tabela 13 -Passagem pelo Sistema de Justiça Criminal

Já foi preso? Já foi processado? Já foi condenado?


Frequência % Frequência % Frequência %
Não 1.232 39,4 1.178 37,7 1.647 52,7
Sim 1054 33,7 1.181 37,8 648 20,7
N/A 684 21,9 692 22,2 693 22,2
N/I 153 4,9 72 2,3 135 4,3
Total 3.123 100,0 3.123 100,0 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Tabela 14 -Já recebeu algum benefício antes do fato?

Frequência % % Acumulado
Não 1.161 37,2 37,2
Sim 1962 62,8 100,0
Total 3.123 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Portanto, nos casos analisados na pesquisa, a maioria dos autores era do sexo masculino (87,6%), solteiros
(61,3%), que cursaram, no máximo, o ensino fundamental 52,5%). Muitos deles já tiveram algum tipo de
passagem pelo Sistema de Justiça Criminal (prisão, denúncia ou condenação) e a maioria já havia recebido algum
tipo de benefício penal (62,8%).

O Ministério Público e a denúncia criminal

Como sabemos, a promotoria é a "titular da ação penal", portanto, tem autonomia para julgar se os fatos
relatados no inquérito policial devem ou não ser denunciados. Isto implica dizer que promotor e delegado podem
divergir sobre os aspectos jurídicos dos casos apresentados. O mesmo acontece com o juiz criminal, que pode
divergir sobre a interpretação do delegado e do promotor e decidir não aceitar a denúncia. De acordo com a
pesquisa, o(a) juiz(a) aceitou a denúncia em 79,8% dos processos. Noutros 9,2% dos casos, o(a) juiz(a) não
aceitou a denúncia apresentada pelo MP (Tabela 15).

Tabela 15 - Houve recebimento da denúncia pelo juiz?

Frequência % % Acumulada
Não 217 9,2 9,2
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147
Sim 1.870 79,8 89,0 8/13
02/05/2019
N/A 257 Novos padrões
11,0 de investigação100,0
policial no Brasil
Total 2.344 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

É importante notar que 43,2% dos processos analisados corriam com o réu preso no momento da denúncia. Ou
seja, em 54,1% dos 1.870 processos com denúncias aceitas, o réu já estava preso (Tabela 16). Verificamos que
houve prisão em flagrante em 86,9% dos processos que correram com o réu preso. Ou seja, são raros os casos
em que houve prisão na fase judicial. Por outro lado, também verificamos que 73,3% dos presos em flagrante
tiveram a prisão provisória mantida na fase policial (Tabela 17). Também são poucos os casos de relaxamento da
prisão provisória.

Tabela 16 -O processo corre contra o réu preso no momento?

Frequência % % Acumulada
Não 842 35,9 35,9
Sim 1.012 43,2 79,1
N/A 470 20,1 99,1
N/I 20 0,9 100,0
Total 2.344 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Tabela 17 - O processo corre contra réu preso, por tipo de instauração de inquérito policial

Réu em liberdade Réu preso Total


Frequência % Frequência % Frequência %
Flagrante 318 39,1 874 86,9 1.192 65,5
Portaria 431 52,9 124 12,3 555 30,5
Outro 65 8,0 8 0,8 73 4,0
Total 814 100,0 1.006 100,0 1.820 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Assim, podemos dizer que a prisão provisória é a regra e não a exceção no Sistema de Justiça Brasileiro. Mais da
metade dos processos com denúncia aceita concerne presos provisórios (54,1%), sendo que a grande maioria
dessas prisões ocorreu na fase policial (86,9%). Ademais, na maior parte dos casos de prisão em flagrante
(73,3%), os acusados são mantidos presos ao longo do processo.

As sentenças

Quanto às sentenças, verificamos que 46,8% dos réus denunciados foram condenados a penas privativas de
liberdade e 19,7% foram absolvidos (Tabela 18). Também constatamos que 12,2% dos réus foram condenados a
penas alternativas e outros 6,0% tiveram de cumprir algum tipo de medida alternativa e 0,2% cumpriram
medidas de segurança. Ou seja, 85% dos réus receberam algum tipo de sentença definitiva. Outros 15% dos
réus não tiveram sentença de mérito, receberam apenas sentenças terminativas (arquivamento, desistência e
prescrição).

Tabela 18 -Tipo de sentença

Frequência % % Acumulada
Condenação a pena privativa de liberdade 1.106 46,8 46,8
Absolvição 467 19,7 66,5
Condenação a pena alternativa 288 12,2 78,7
Medida alternativa 143 6,0 84,8
Medida de segurança 5 0,2 85,0
Arquivamento 163 6,9 91,9
Desistência da vítima 6 0,3 92,1
Prescrição 187 7,9 100,0
Total 2.365 100,0

Fonte: Diest/Ipea.
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 9/13
02/05/2019 Novos padrões de investigação policial no Brasil

Podemos observar que 62,8% dos réus que cumpriam prisão provisória foram condenados a penas privativas de
liberdade e 17,3% foram absolvidos (Tabela 19). Poucos presos provisórios foram condenados a penas
alternativas (9,4%) ou tiveram que cumprir medidas alternativas (3,0%). Ou seja, a grande maioria foi
sentenciada a pena de prisão. Apenas 7,2% dos réus não tiveram algum tipo de sentença de mérito. Eles tiveram
os processos arquivados por prescrição ou outro motivo.

Tabela 19 - Tipo de sentença e prisão provisória

Prisão provisória
Não Sim
Tipo de sentença Frequência % Frequência %
Condenação a pena privativa de liberdade 254 25,2 852 62,8
Absolvição 232 23,0 235 17,3
Condenação a pena alternativa 160 15,9 128 9,4
Medida alternativa 102 10,1 41 3,0
Medida de segurança 2 0,2 3 0,2
Arquivamento 114 11,3 49 3,6
Prescrição 138 13,7 49 3,6
Desistência da vítima 6 0,6 0 0,0
Total 1.008 100,0 1.357 100,0

Fonte: Diest/Ipea.

Já os réus que responderam os processos em liberdade tiveram uma maior distribuição dos tipos de sentença:
25,2% foram condenados à prisão, 23% foram absolvidos e 26,0% foram condenados a penas ou medidas
alternativas. Também é importante notar que 25,6% desses réus tiveram seus processos arquivados ou
prescritos.

Constata-se, portanto, que a pena privativa de liberdade é a sentença mais frequente (46,8%). Além disso,
verificamos que 92,8% dos réus que cumpriram prisão provisória receberam uma sentença definitiva, ao passo
que entre os réus que responderam o processo em liberdade, apenas 74,4% chegaram a uma sentença definitiva.
Dentre o total de processos que tinham sido arquivados, 72,5% correram com o réu em liberdade. Ao que
parece, a manutenção da prisão provisória na fase judicial tem forte influência na produção da sentença judicial.

Os tempos do processo criminal

Quanto à duração dos trabalhos policiais, verificamos que o tempo médio entre a instauração do inquérito policial
e a denúncia do MP é de 135 dias (4,5 meses). Nos casos de flagrante, no entanto, o MP apresentou sua
denúncia 26 dias após a instauração do inquérito policial. Já nos casos de portaria, esse tempo foi de 310 dias
(Tabela 20). Ou seja, os réus ficam bastante tempo presos sem uma denúncia formal contra eles.

Tabela 20 - Tempo entre a instauração do inquérito policial e a sentença (em dias)

Tempo
Flagrante 26,3
Portaria 310,3
Total 135,1

Fonte: Diest/Ipea.

O tempo médio entre o oferecimento da denúncia pelo MP e a emissão de uma sentença de extinção do processo
é de 22 meses, quase dois anos (Tabela 21). Como a legislação prioriza a tramitação dos processos que correm
com réu preso, o tempo médio dos processos com réu preso é substantivamente menor do que nos processos
com réu em liberdade: 16,7 meses para os primeiros e 40,6 meses para os últimos.

Tabela 21 - Tempo entre Denúncia e Sentença (em meses)

Tempo
Réu preso 16,7
Réu solto 40,6
Média geral 22,0
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 10/13
Fonte: Diest/Ipea.
02/05/2019 Novos padrões de investigação policial no Brasil

O tempo médio entre a instauração do inquérito e a sentença de extinção do processo é de 33,5 meses (Tabela
22). Nos casos de inquéritos instaurados através de portaria, o tempo médio foi de 56 meses. Já nos casos de
flagrantes, com réu preso por prisão provisória, o tempo médio entre a instauração do inquérito policial e a
sentença é de 21,4 meses. Portanto, o tempo médio da prisão provisória é de quase dois anos.

Tabela 22 - Tempo entre Instauração do inquérito policial e a sentença(em meses)

Tempo
Flagrante 21,4
Portaria 56,0
Total 33,5

Fonte: Diest/Ipea.

CONCLUSÃO

Podemos dizer que no Brasil são raros os processos criminais que resultaram de trabalhos de investigação
criminal. Na maior parte dos casos denunciados, não houve efetivamente trabalho de investigação criminal, pois
os acusados foram presos em flagrante (53,7%) ou já estavam presos por outros crimes (6,3%). Exatamente por
isso, não houve dificuldade em encontrar as pessoas denunciadas pelo MP (80,1%). Grande parte desses
inquéritos foi concluída por delegacias não especializadas (72%).

A maioria dos inquéritos que resultou em denúncias foi aceita de imediato pelo MP, sendo que em 89% deles
havia apenas uma pessoa indiciada. Os réus, em regra, tinham algum tipo de passagem pela polícia, sendo que
62,8% já haviam recebido algum benefício penal.

Esse padrão de atuação da polícia teve efeitos significativos sobre a tramitação dos processos criminais, pois
foram raros os casos de relaxamento das prisões provisórias. A maior parte das pessoas presas em flagrante teve
sua prisão provisória mantida durante o processo (73,3%), cujo tempo médio para os casos de réus presos foi de
21,4 meses. Também verificamos que a manutenção da prisão provisória na fase judicial teve forte influência na
produção da sentença judicial, pois apenas 17,3% dos réus presos foram absolvidos ao final do processo.

O quadro da investigação criminal que realizamos não parece mais se encaixar no padrão descrito por juristas,
pesquisadores e jornalistas. De forma geral, a investigação policial no Brasil tem sido representada pela ênfase
na tomada de depoimentos e na busca de confissões (Kant de Lima, 1995; Misse, 2010).

De fato, ao longo do século XX, a investigação criminal baseou-se fundamentalmente na entrevista de suspeitos e
testemunhas para produção de evidências jurídicas que pudessem resultar em denúncias criminais. Entretanto,
esse modelo de investigação passou a ser fortemente criticado nas últimas décadas. As denúncias frequentes de
ilegalidades e brutalidade nas práticas de investigação e a pouca eficiência na condenação de suspeitos acabaram
por gerar uma crise de legitimidade da investigação criminal (Maguire, 2003).

Em alguns países (notadamente nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra) essas críticas tornaram-se mais fortes
a partir dos anos 1970, resultando numa maior restrição ao uso de depoimentos e confissões nos processos
criminais. Assim, passou-se a investir grandes recursos nos órgãos de perícia, num esforço de priorizar as provas
técnicas, em detrimento das provas testemunhais. No que se refere especificamente às polícias, foram criados
manuais de investigação, bem como introduziram-se novos procedimentos operacionais para a otimização do
desempenho dos investigadores. Alguns países criaram sistemas de indicadores da investigação criminal a partir
da sistematização dos dados dos diversos órgãos que compõem o Sistema de Justiça Criminal.

No Brasil, também verificamos, a partir da década de 1990, um novo padrão na investigação criminal. Mas,
contrariando as expectativas, a investigação criminal não se tornou mais técnica, baseada em provas periciais e
procedimentos operacionais: a prisão em flagrante passou a desempenhar papel central na instrução criminal,
substituindo a antiga ênfase na busca de testemunhas, produção de depoimentos e confissões.

Os motivos para esta mudança de padrão ainda precisam ser explicados. Mas, certamente, passam pela
resistência das polícias civis em abandonar seu padrão cartorial de atuação, com pouca ênfase nas atividades de
investigação e inteligência. Contribui para isso a supervalorização dos saberes jurídicos em detrimento dos
saberes policiais que se observa nessas polícias (Misse, 2010a).

Além das resistências dos policiais, notamos também uma mudança de postura dos profissionais do Sistema de
Justiça Criminal com relação à investigação criminal. Juízes e promotores têm sido cada vez mais relutantes11/13
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147
em
aceitar e denunciar casos cuja instrução criminal
02/05/2019 baseou-se
Novos padrões de exclusivamente
investigação policial nona tomada de depoimentos (Costa,
Brasil
2010). Essa mudança de postura, de certa forma, afetou as atividades de investigação.

REFERÊNCIAS
BRANDAO, P.; CEPIK, M. (Orgs.). Inteligência de segurança pública: teoria e prática no controle da criminalidade.
Niterói: Impetus, 2013. [ Links ]

COSTA, A.T.M. É possível uma política criminal? A discricionariedade no Sistema de Justiça Criminal do DF.
Sociedade e Estado, v. 26, p. 97-114, 2011. [ Links ]

---- . A discricionariedade do Sistema de Justiça Criminal: uma análise do inquérito policial no Distrito Federa".
In: Misse, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil. Rio de Janeiro: Booklink, 2010. [ Links ]

FERREIRA, N. J. C.; FERREIRA, L.H.C. A prova na esfera criminal. In: FERREIRA, N. J. C.; FERREIRA, L.H.C.
Investigação criminal: um estudo metodológico. 2. ed. São Paulo: Sicurezza, 2013. [ Links ]

FERRO, A.L. Inteligência de segurança pública e análise criminal. Revista Brasileira de Inteligência, v. 2, n. 2, p.
77-92, 2006. [ Links ]

GARLAND, D. The culture of control. Oxford: Oxford University Press, 2001. [ Links ]

---- . The limits of sovereign State: strategies of crime control in contemporary society. British Journal of
Criminology, v. 36, n. 4, p.445-471, 1996. [ Links ]

INNES, M. Investigation order and major crimes inquire. In: Newburn, Tim (Ed.). Handbook of policing.
Cullompton: Willan Publishing, 2003. [ Links ]

---- . Investigating Murder: Detective Work and the Police Response to Criminal Homicide. New York: Oxford
University Press, 2003a. [ Links ]

---- . The process structures of police homicide investigations. British Journal of Sociology, v. 58, p. 669-688,
2002. [ Links ]

---- . Organizational communication and the symbolic construction of police murder investigation. British Journal
of Sociology, v. 42, p. 67-87, 2001. [ Links ]

KANT DE LIMA, R. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Forense,
1995. [ Links ]

MAGUIRE, M. Criminal investigation and crime control". In: Newburn, Tim (Ed.). Handbook of Policing.
Cullompton: Willan Publishing, 2003. [ Links ]

---- . Policing by risk and targets: some dimensions and implications of intelligence-led crime control. Policing and
Society, v. 9, p. 315-336, 2000. [ Links ]

---- . Assessing investigative performance: the clear up rate and beyond. Focus, v. 1, n. 4, p. 1-22, 1994.
[ Links ]

MINGARDI, G. O trabalho da inteligência no controle do crime organizado. Estudos Avançados , v. 21, p. 51-69,
2007. [ Links ]

---- . Inteligência policial e crime organizado. In: Lima, Renato Sérgio de; Paula, Liana de (Orgs.). Segurança
pública e violência, p. 41-51. São Paulo: Contexto, 2006. [ Links ]

---- . Tiras, gansos e trutas. São Paulo: Scritta, 1992. [ Links ]

MINGARDI, G.; FIGUEIREDO, I.S. A investigação de homicídios: construção de um modelo. "Coleção Segurança
com Cidadania", v. 3, p. 173-204, 2009. [ Links ]

MISSE, M. Crime, sujeito e sujeição criminal. Aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria bandido.
Lua Nova, v. 79, p. 15-38, 2010. [ Links ]

---- . O inquérito policial: uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: Boolink, 2010a. [ Links ]

MORRIS. B. History of criminal investigation. In: Newburn, Tim (Ed.). Handbook of Policing. Cullompton: Willan
Publishing, 2007. [ Links ]

RIBEIRO, L.J. Não há corpo, mas foi crime. Brasília: Fábrica dos Livros Editora, 2012. [ Links ]
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 12/13
----02/05/2019
. Investigação criminal - homicídios. Brasília: Fábrica
Novos padrões dos Livros Editora,
de investigação policial no 2006.
Brasil [ Links ]

SKOLNICK, J.; FYFE, J. Above the law: police and excessive use of force. New York: The Free Press, 1993.
[ Links ]

1. As atividades de inteligência policial não são orientadas, necessariamente, para instrução do processo criminal,
mas sim para estabelecer se determinadas pessoas ou grupos estão ou não engajados em atividades criminosas
e tentar dissuadi-las antes que essas ocorram (Maguire, 2000). Também se refere ao tratamento sistemático de
informações e produção de conhecimento a partir do estabelecimento de correlações entre fatos delituosos, ou
situações de imediata ou potencial influência sobre eles, produzindo parâmetros de padrões e tendências da
criminalidade em determinado contexto de alguma localidade ou região, o que pode fornecer subsídios que
facilitam os trabalhos de investigação criminal (Ferro, 2006).

2. Também participaram da pesquisa Alexandre dos Santos Cunha, Bernardo Medeiros, Emília Ferreira, Fábio Sá e
Silva, Helder Ferreira, Luseni Aquino, Pedro Vicente da Silva Neto, Talita Rampin, Tatiana Daré Araújo, Vitor Silva
Alencar, Renato Sérgio de Lima e Rebecca Lemos Igreja, além da equipe para coleta de dados em campo.

3. O CNJ solicitou ainda o desarquivamento dos autos para que ficassem à disposição dos pesquisadores. Isso só
foi possível com a introdução da numeração única dos processos judiciais a partir de 2009. Desde então, todos as
ações judiciais (federais ou estaduais) recebem uma numeração fornecida pelo CNJ na qual é possível identificar
o tipo de ação (civil ou criminal), a comarca, a vara e o número do processo.

4.A limitação da amostra em função do critério populacional se justifica em virtude de o número e a variedade de
processos criminais serem mais expressivos nos municípios maiores, o que facilitou a organização logística da
pesquisa.

5. O levantamento das informações foi realizado pela seguinte equipe de campo: Alessandra de Almeida Braga,
Amílcar Cardoso Vilaça de Freitas, Andréa Caon Reolão Stobbe, Carolina Cutrupi Ferreira, Dineia Largo Anziliero,
Erica Santoro Lins Ferraz, Fabio Henrique Araujo Martins, Klarissa Almeida Silva, Marcelo Ottoni Durante, Tatiana
Santos Perrone, Walison Vasconcelos Pascoal, Wilson Santos de Vasconcelos, Yuri Frederico Dutra.

Recebido: 20 de Janeiro de 2014; Aceito: 09 de Dezembro de 2014

This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License

Instituto de Ciências Sociais - Campus Universitário Darcy Ribeiro


CEP 70910-900 - Brasília - DF - Brasil
Tel. (55 61) 3107 1537

revistasol@unb.br

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922016000100147 13/13

Você também pode gostar