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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FACULDADE DE MEDICINA
INTERNATO EM SAÚDE MENTAL

Tendo como base alguma(s) situação(ões) vivenciada(s) junto a usuário/a(s) durante o estágio no
CAPS-AD, escreva uma reflexão crítica, contendo de três a quatro páginas. Utilize e cite,
obrigatoriamente, pelo menos o material disponibilizado: filme Crack, repensar e textos “Redução
de Danos e Saúde Pública”, “São Paulo de Braços Abertos: entrevista de Mires Cavalcante”.

Nome do/a estudante: FELIPE DIAS DOS SANTOS.


Turma e período de estágio: GRUPO 2; 9º PERÍODO.

O estágio no CAPS-AD, integrado ao estágio em Psiquiatria, presente na matriz curricular


do internato foi muito relevante no sentido pessoal e de formação acadêmica. Conseguiu
evidenciar fatos até então pouco compreensíveis para mim e desmitificar conceitos e
pensamentos sobre a realidade dos usuários atendidos na rede.
Para entender o presente, faz-se necessário consultar o passado. O que se via, antes da
instalação dos CAPS-AD, era a internações em leitos hospitalares clínicos nos casos extremos do
uso de substâncias ou em hospitais psiquiátricos, sabendo que nem todos reservavam leitos para
os usuários. A mudança começou com a ideia de combate às drogas na saúde pública, com a
Secretaria Nacional Antidrogas, que sofreu influência de novas correntes de pensamento e
atualizou-se para Secretária Nacional de Política sobre Drogas, correntes estas pautadas na
discussão construtiva sobre o uso de drogas. Daí, pode-se entender o CAPS como porta de
entrada para o debate entre o usuário que busca assistência, os próprios assistentes e a
sociedade em geral.
A função do serviço foi se mostrando à medida que diariamente estive imerso nas
atividades dos grupos por cerca de 1 semana. A visão é desenvolver novas inserções sociais
para os usuários uma vez que estão estagnados como “bêbados”, “cachaceiros”, “viciados”,
“drogados”, “perdidos”, “almas sebosas”, termos pejorativos para dependentes químicos, perante
a família, amigos e conhecidos. Os métodos para alcançar o sucesso terapêutico são diversos e
dependem de esforços conjuntos dos envolvidos na assistência para superação das dificuldades
do processo.
A arteterapia, que por meio das artes cênicas, música, dança, escrita, entre outras, visa
resgatar e aprimorar habilidades adormecidas nos usuários ou abandonadas em decorrência da
dependência e de suas consequências. O resultado esperado é o redimensionamento da
dignidade humana, elevação da autoestima ao despertar a admiração dos colegas e melhora da
autoconfiança nas capacidades individuais. Uma atividade presenciada que se aproximou da
literatura foi aquela que consistiu em redigir uma autobiografia ou história de vida, elencando os
pontos críticos que contribuíram para o estado de dependência química, ao passo que instigou a
reflexão dos usuários acerca de sua trajetória até o uso do CAPS-AD. Aqueles que não sabiam
ler ou escrever puderam fazer uma narrativa aos estudantes, que registravam no papel.
O lazer, a exemplo de passeio na praia e banho de mar ou passeio em parques propicia
descontração, descanso da rotina e desvio da atenção aos pensamentos negativos e
depreciativos dos usuários sobre sua condição de saúde. A prática de esportes, geralmente
associada aos dias de lazer, permite trabalhar a ideia de pertencimento à um grupo ou
comunidade e ajuda a desenvolver a capacidade tática e de planejamento. O relato de um dos
usuários evidenciou um déficit nesse setor, quando afirmou que por meio de um transporte
emprestado o grupo foi levado à praia fazia muitos meses. Desse modo, percebe-se que foi um
ganho inesperado e que pode não se repetir, estando na dependência da mobilização de novos
recursos.
Esses e outros múltiplos recursos muitas vezes são negados aos usuários desde a mais
tenra idade, como foi muito bem falado no documentário, “Crack, repensar”. Como consequência
criam-se adultos sem perspectivas e suscetíveis ao uso e abuso de substâncias, cuja situação é
resumida na fala contundente de um dos entrevistados, “O crack é uma droga viciável? É. A
Cocaína é uma droga viciável? É. O álcool é uma droga viciável? É. Todo mundo é viciável?
Não.”
Em conversação com os usuários e através de atividade de elaboração de texto do gênero
biografia, foi possível perceber o quanto as histórias de vida são repletas de experiências
frustrantes e negativas, com impacto sobre a autoestima e a própria dignidade do sujeito. Vida
familiar conflituosa, quebra de expectativas na vida profissional, insatisfação nos relacionamentos
amorosos, problemas com a polícia e justiça, situação financeira desfavorável, entre outros.
Verificou-se ainda a baixa escolaridade como um fator frequente e, consequentemente, acesso
deficitário a cultura e lazer. Desse modo, o álcool e outras drogas podem funcionar como
instrumento de alívio de tensões inicialmente, até que se ative o gatilho para a problemática da
dependência.
É possível o resgate do funcionamento desses cidadãos? Sim, existem múltiplos exemplos
de superação assim como há caminhos divergentes para trilhar durante o processo. O primeiro é
a guerra antidrogas, que faz uso, principalmente, de truculência e beligerância policial tendo como
alvo estrito as classes sociais menos favorecidas. Adotando uma visão mais ampla do método,
Passos e Souza (2011) afirmam
A lógica de guerra às drogas busca combater a produção da substância, dividindo
os países entre produtores, exportadores e consumidores, reprimindo a oferta dos
países produtores, a procura dos países consumidores e a exportação nas
fronteiras, portos e aeroportos. Tal estratégia se baseia numa lógica geográfica e
desloca para os países periféricos a fonte causadora dos problemas gerados pelo
tráfico de drogas [...]. Entretanto, ao focalizar esforços em combater a produção
das drogas, as estratégias policiais e militares assumem a função de controle social
das camadas pobres, pois passam a localizar geograficamente um processo de
produção transnacional: responsabilizar as favelas e os países periféricos por um
mercado que é movimentado por uma lógica de consumo que é acionada pelos
países do primeiro mundo.

A segunda via é através da Política de Redução de Danos (RD) que atua nos
determinantes de saúde dos dependentes químicos ao minimizar os efeitos danosos das
substâncias através da busca de melhoria do bem-estar biopsicossocial e do auxílio para que
atuem socialmente. Os assistentes adotam postura compreensiva e inclusiva, evitando hostilidade
e condutas de confronto, considerando o usuário como ser racional numa relação de cooperação.
Segundo Passos e Souza (2011), a RD oferta possibilidades de uso de drogas sem estereotipar
os adictos como criminosos e doentes.
Diante do exposto, propõe-se a atuação conjunta do CAPS-AD, do Serviço de Redução de
Danos e da Unidade Básica de Saúde, com vistas a formar uma rede de saúde mental capaz de
consolidar a desinstitucionalização proposta pela Reforma Psiquiátrica. No entanto, a
operacionalização interdisciplinar dos serviços envolvidos exige revisão sistematizada de suas
rotinas, planejamento participativo, elaboração e coordenação das tarefas, intervenções eficazes
e reavaliação contínua. O sucesso esperado dessa reorientação do modelo assistencial advém
de um constante e efetivo trabalho com a realidade concreta das limitações e possibilidades da
atuação conjunta dos serviços.

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