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As autoras assinalam que a biografia, através dos atos e capacidades humanas, é o que
revela e expressa a personalidade do homem; concluem que a constituição e o desenvolvimento
da personalidade só podem ser compreendidos em sua intervinculação com a atividade e a
consciência do homem, porquanto este fato é o que confere à personalidade um caráter dinâmico
e processual, de estrutura psíquica que se desenvolve em constante movimento, em um perene
processo de transformação.
De acordo com as autoras, numa compreensão dialética de homem, não há como separar a
medicalização das condições de produção e reprodução materiais da existência humana e a forma
como o saber é produzido cientificamente sob determinada estrutura social. Nesta perspectiva é
que discutem o fenômeno de medicalização na escola, porquanto consideram que abordar a
medicalização na educação implica em estabelecer uma relação com o contexto social mais
amplo: em que tipo de sociedade vivemos e que ideal de homem se deseja alcançar.
Considerações iniciais
Trata-se de um estudo a sobre a personalidade à luz dos pressupostos da Psicologia
Histórico Cultural, sistema teórico elaborado pelos soviéticos Lev Semenovich Vigotski (1896-
1934), Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alekxei Nicolaievich Leontiev (1903-1979),
nas primeiras décadas do século XX que, desde seu surgimento esteve vinculado ao contexto
sócio-político e econômico da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Isto se deu
em pleno clima revolucionário na Rússia, e o cerne do projeto desta teoria era formular e
consolidar uma Psicologia Geral que compreendesse o homem na sua complexidade e
dinamicidade, em sua forma de ser e agir no mundo decorrente das relações estabelecidas com
seu entorno social.
É esta a tradição que tem embasado a maioria dos estudos sobre a personalidade, numa
perspectiva que se afasta da natureza social e histórica do psiquismo humano, imprimindo aos
fatos e fenômenos psicológicos do homem um caráter biologizante, considerando-os como
conjunto de quesitos dados à priori, que apenas vão se atualizando no decurso de sua vida.
Consequentemente, a compreensão acerca da personalidade, pautada nessa perspectiva idealista
do desenvolvimento humano, está circunscrita muito mais num campo de descrição isolada do
que propriamente de análise das formações psicológicas humanas (Leontiev, 1978a).
Por esta razão é que Leontiev (1978a) afirma que “o homem não nasce dotado das
aquisições históricas da humanidade” (p.282), que homem algum nasce propriamente humano.
Como tais aquisições resultam do desenvolvimento das gerações anteriores e são incorporadas ao
mundo concreto, na cultura humana, somente quando se apropria de tais aquisições é que o
homem adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas, num processo que o
coloca, “por assim dizer, aos ombros das gerações anteriores e eleva-o muito acima do mundo
animal” (p.283).
De acordo com Leontiev (1978a, b), o motivo é o gerador da atividade, é aquilo que
impulsiona a realização de uma dada atividade. O autor afirma que a atividade humana é
polimotivada, porquanto responde, sempre e ao mesmo tempo, a mais de um ou mesmo a vários
motivos. Entende-se que a atividade abarca tudo o que realizamos e que responde sempre a uma
necessidade que lhe é própria; faz parte da vida cotidiana, naquilo que fazemos, nos modos como
aprendemos a ser seres humanos.
A atividade é a primeira e mais importante das categorias de humanização do homem e,
nesta perspectiva constitui-se como objeto de estudo de destaque na psicologia, não como uma
parte ou elemento, mas como função formadora da própria consciência humana. A atividade
constitui a substância da consciência e da personalidade do homem e, nessa medida, é condição e
expressão do reflexo psíquico.
[...] quando os homens, já munidos de instrumentos primitivos, travavam uma luta coletiva contra
a natureza; quando efetuavam o trabalho em comum e a propriedade dos meios de produção e dos
seus frutos era comum; quando, por conseqüência, a divisão do trabalho, as relações de
propriedade privada e a exploração do homem pelo homem não existiam (p.100).
Conforme bem argumenta Duarte (2013), é pelo trabalho que o homem se objetiva nos
produtos/instrumentos que constrói e transfere para os objetos, materiais ou imateriais, a sua
atividade física e mental, imprimindo-lhes a marca da sua natureza. Embora os animais se
utilizem da natureza, estes produzem modificações meramente por sua presença nela, ao passo
que o homem a domina, submete-a aos seus interesses e necessidades, produzindo seus meios de
vida, através do trabalho.
Marx e Engels (1982) consideram que este é o ponto essencial que distingue a
inteligência animal do psiquismo humano, a atividade instrumental animal da atividade humana,
diferença esta que é determinada pelo trabalho:
Vygotski (2000, 2012a) segue esta linha de raciocínio, pois, para o autor, a atividade vital
humana é o ponto de maior relevância para a constituição e compreensão do psiquismo e da
personalidade do homem, porquanto ao atuar sobre a natureza modifica-a e, ao fazê-lo, modifica
a sua própria natureza. Neste movimento, o trabalho ocupa lugar de destaque na transformação
tanto da natureza natural quanto na natureza do homem, pois que “(...) desperta as forças nelas
adormecidas e subordina a dinâmica destas forças a seu próprio poder” (2012a, p.85).
Para Leontiev (1978b), o lugar de destaque da atividade na vida do homem está
vinculado à formação de sua consciência, atividade esta que é provocada pelas necessidades
humanas e sempre dirigida para sua satisfação. O autor acredita que são as necessidades,
conscientes ou não, naturais ou culturais, materiais ou imateriais, pessoais ou sociais, que
impulsionam as mais variadas formas de atividade do homem e somente deste modo, no contexto
interno da atividade, poderão garantir a sua formação, existência e desenvolvimento como
organismo, como homem, indivíduo e personalidade.
Pela historicidade do próprio psiquismo, e por ser a atividade um processo orientado por
motivos e a unidade essencial a partir da qual se estrutura a personalidade, tem-se que toda
atividade se manifesta sob a forma concreta de ações dos sujeitos envolvidos. Ao longo de seu
desenvolvimento, a complexificação pela qual passou historicamente o processo de atividade dos
homens permitiu que ela se decompusesse numa infinidade de ações e estas, por seu turno, em
um universo igualmente largo de operações.
Ações são componentes da atividade, cujos resultados imediatos não coincidem com os
motivos da atividade; dito de outro modo, falamos de ação quando o motivo que a determina não
é dado nela mesma, mas na atividade da qual faz parte. Já as operações, são processos variados
que viabilizam as ações, referem-se ao como realizar as ações na atividade, representam os
modos objetivos de realização das ações em condições específicas (Martins, 2001).
Petrovsky (1981, 1985) e Smirnov (1961, 1969) relatam que a personalidade, enquanto se
constitui através da atividade humana, guarda três grandes qualidades ou propriedades, que se
formam de modo intervinculado: o temperamento, as capacidades e o caráter. Dentre as
qualidades da personalidade que fazem de cada indivíduo um ser diferente dos demais, o
temperamento tem um papel fundamental.
Petrovski (1981) compara a vida psíquica do homem a um rio impetuoso, pois que
constantemente se modificam seus desejos, ideias, sentimentos, suas impressões da realidade,
suas lembranças do passado e seus sonhos para o futuro. O curso desta torrente caudalosa é
diferente em cada pessoa; umas, rápida e facilmente, de modo impetuoso, respondem aos fatos
da vida; outras, mais moderadas, respondem ao meio de modo mais lento, são mais sensatas, às
vezes até apáticas: trata-se do temperamento do homem.
Petrovski (1981, 1985) e Smirnov (1961, 1969) referem quatro tipos de temperamento: o
tipo sanguíneo, o tipo colérico, o tipo fleumático e o tipo melancólico, os quais apresentam
características psicológicas peculiares. Leites (1969) assim resume as características dos tipos de
temperamento:
A capacidade está em ligação com a exercitação psíquica que se refere ao como realizar
concretamente uma atividade qualquer, em função de sua significação social e do lugar que
ocupa a tal atividade no universo dos sentidos pessoais do próprio indivíduo.
Nas palavras de Petrovski (1985), “[...] as capacidades revelam-se apenas no curso de
uma atividade” (p. 406) e, nesta perspectiva, estão em íntima conexão com os conhecimentos,
hábitos e habilidades do indivíduo e, em última instância, pode-se dizer que a capacidade é fruto
direto da história pessoal do indivíduo.
Nas palavras do autor, “[...] quanto mais ampla e variada se faz a atividade das pessoas,
mais ampla e variadamente se desenvolvem suas capacidades” (p.434). Por esta razão, as
capacidades são compreendidas como produtos da história social, pois suas origens estão nos
processos mais remotos de apropriação e objetivação de nossos antepassados, transmitidas pela
linguagem e por toda a cultura acumulada pela humanidade.
Martins (2001) pontua que os traços de caráter são condicionados pelas atitudes do
indivíduo e que suas atitudes são, por seu turno, condicionadas pelas relações sociais. No
decurso da atividade, o indivíduo desenvolve padrões de resposta compatíveis a distintas
situações. A autora assinala que “[...] os traços de caráter manifestam-se principalmente, diante
de situações conflitivas ou que demandam rápida tomada de decisão, sem análise prévia ou
vacilação, do que resultam os altos esforços no sentido de sua mudança” (p.94).
Ao realizar sua atividade, o indivíduo trava uma luta constante com as situações adversas.
É justo nessas ocasiões que o seu caráter é posto à prova. No enfrentamento ou na esquiva de
circunstâncias desfavoráveis ou conflituosas, os traços intelectuais, emocionais e volitivos do
caráter se conjugam ativa e dinamicamente e é essa conjugação que define o maior ou menor
grau de racionalidade, de força de vontade e emotividade frente às adversidades, e o próprio
modo como o indivíduo soluciona ou encaminha a situação difícil ou desfavorável.
Biografia e personalidade
[...] aquilo que nos é hoje em dia apresentado como uma investigação de índole biográfica não
passa, com demasiada freqüência, senão de repetições de antigas tentativas de que tanto o
contributo como os limites e os impasses se tornaram claramente patentes de há longo tempo a
esta parte (p. 529).
Para Sève (1979), as biografias se resumem, em sua imensa maioria, em “[...] séries e
séries de anotações biográficas justapostas da forma mais banalmente sensacionalista” (p. 529),
[...] “rematadas por interpretações apressadas” (p. 530) e superficiais. O autor afirma que, salvo
as exceções,
[...] não existe nenhuma que solucione, de uma forma convincente, o conjunto
extraordinariamente complexo dos problemas que se colocam ao biógrafo, na falta de este poder
se apoiar numa teoria coerente e completa sobre o devir da personalidade e numa correspondente
metodologia (p. 528).
À guisa de concluirmos
Por fim, quanto ao caráter, este se constitui como a propriedade que mais nitidamente
conserva sua natureza social, ainda que traga consigo um profundo enraizamento nas vivências
mais primitivas e peculiares do indivíduo, nos sentidos pessoais que elabora em suas relações.
No Brasil, somente a partir da década de 1980 é que os livros de Vigotski passaram a ser
publicados, impulsionando estudos sobre a temática do desenvolvimento humano. Apesar do
curto período da história da psicologia em nosso país, as contribuições da Teoria Histórico-
Cultural já se configuram como um arcabouço teórico de destaque, na direção de uma nova
compreensão do psiquismo humano e da personalidade do homem.
Cabe assinalar que, ainda que as proposições de Vigotski devam ser consideradas no
contexto de toda sua obra, do momento histórico de sua produção e do seu compromisso
específico com a construção da educação para a nova sociedade soviética, é certo que o legado
do autor pode nos ajudar a melhor compreender o desenvolvimento do psiquismo e da
personalidade do homem, e a empreender nossas investigações acerca da vida, das relações entre
os homens, numa perspectiva histórico-social. Em seus aspectos fundamentais, as proposições
vigotskianas se revestem de uma indiscutível contemporaneidade, o que nos permite refleti-las
face a qualquer que seja a realidade social em que esteja inserido o sujeito, na direção de uma
mais ampla compreensão do seu psiquismo.
INTRODUÇÃO
No caso dos professores, o significado do seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar,
isto é, pelo seu objetivo, e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas
conscientemente pelo professor, considerando as condições reais, objetivas na condução do processo
de apropriação do conhecimento do aluno (Basso, 1994, p.27).
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região norte do
Estado do Paraná (2016).
Nas respostas de professores que dizem utilizar medicamentos, observamos que 42% são
indicados para problemas de ordem psíquica, demonstrando que, mesmo que diversas pesquisas
discutam os adoecimentos dos professores enfocando em problemas orgânicos, os de ordem
psicológica têm grande influência nos tratamentos prescritos a esses profissionais. Mesmo
aqueles problemas que são considerados orgânicos, como hipertensão e enxaqueca, podem
também, em alguns casos, ser associados a problemas de ordem psíquica e considerados como
decorrentes de doenças como ansiedade, depressão e pânico.
Ao procurar para que eram indicados os remédios, na bula dos remédios especificados
pelos professores percebe-se que grande parte desses remédios são para tratamentos de depressão
(proximax, escitalopram, fluoxetina, BUP, Alenthus, Pondera, Paroxetina, Espran, Cloridrato de
sertralina, reconter) utilizados por 16 professores. Tratamentos para pânico (algadil e rivotril)
utilizado por dois professores, tratamentos para ansiedade (frisium) utilizado por 1 professor.
Tratamento para transtorno bipolar (dekapote, carbonato de litio) utilizado por 3 professores,
tratamento de esquizofrenia (respiridon) utilizado por 1 professor e calmantes (chá calmante e
valeriana) utilizado por 3. Essa lista soma ao todo 26 medicamentos utilizados por professores.
Todos esses remédios são indicados para problemas psicológicos e como visto, eles se
encontram em grande número dentro dos utilizados pelos professores.
Se levarmos em consideração os dados expostos acima, e os dados em que apresentamos
o diagnóstico prescrito pelo médico, se confirma que em sua maioria esses diagnósticos são para
ansiedade e depressão (25%), cansaço mental e estresse (5%), transtorno de pânico (1%),
distúrbio bipolar (3%) e insônia (2%). Portanto, os problemas que os professores vêm
enfrentando em geral são de ordem psíquica, e tem relação com o trabalho (51%) ou relação
parcial (7%). Isso nos apresenta um dado de muita relevância, e nos faz questionarmos as
condições do trabalho nesse modo de produção, condições estas que na atualidade se refletem na
perca de direitos já conquistados, perca das mínimas garantias da previdência e das mínimas
condições de trabalho. Essa situação é reflexo do modo de produção capitalista que como já
discutimos, reflete-se em alienação tanto objetiva quanto subjetiva. Na ordem subjetiva,
podemos considerar, no caso especifico da Educação, problemas de ordem física, recursos
financeiros, formação do professor, formação continuada, perca de garantias a muito
conquistadas e no plano objetivo, a massificação e a pauperização da Educação como um todo
que refletem e repercutem no processo de adoecimento dos docentes, aqui dispostos nos dados,
que nos dizem que esses profissionais vêm adoecendo, vêm utilizando medicamentos em geral
associados a problemas de ordem psicológica e que estes têm relação com o trabalho. A pergunta
que nos cabe fazer e refletir: Até que ponto estes docentes vêm utilizando medicamentos como
forma de enfrentamento das condições desumanizadoras perpetuados pelo modo de produção
capitalistas?
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região norte do
Estado do Paraná (2016).
Desta forma, nas relações da atividade com o adoecimento, percebe-se que as condições
do trabalho e os problemas físicos decorrentes do processo de trabalho são os principais fatores
que acarretam adoecimento, e denotam não só falta de recursos financeiros e físicos das escolas,
falta de formação deste professor, tanto a acadêmica quanto a continuada, e que geram
adoecimentos de ordem física e psicológicas. A falta de valorização profissional, o excesso de
trabalho, o estresse do dia-a-dia, são fatores que fazem com que o docente perca o sentido do
processo de trabalho, e que este profissional seja alienado frente a estas condições. A alienação
nos demonstra que ao mesmo tempo em que a produção global se diversifica e se enriquece, a
produção/desenvolvimento pessoal se empobrece cada vez mais, fazendo com que na prática
pedagógica especificamente, venha havendo uma cisão entre o sentido/significado do trabalho
docente, e esta é resultado não só das condições do trabalho, da desestrutura familiar, da
indisciplina dos alunos, dos problemas físicos destes docentes e sim são resultado do modo de
produção capitalista no qual estamos inseridos e das consequências que este gera (Leontiev,
1978).
Como podemos constatar, as condições de trabalho foram elencadas como aquelas que
mais provocam o adoecimento do professor. Hoje, o acirramento nas condições de trabalho tem
como consequência a produção de problemas de saúde no trabalhador.
Antunes e Praun (2015), ao discutirem sobre a relação entre trabalho e adoecimento,
afirmam que a flexibilização, que influencia no adoecimento da classe trabalhadora, se
fundamenta na forma de organização do capitalismo atual. Ela teve impacto nas relações de
trabalho, [...] na diminuição drástica das fronteiras entre atividade laboral e espaço da vida
privada, no desmonte da legislação trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de
trabalho e em sua expressão negada, o desemprego estrutural. (Antunes; Praun, 2015, p.
423,424).
No que tange ao trabalho do professor, este não se percebe mais inserido no processo de
ensino, exatamente porque a mercantilização da educação leva a escola a atuar como uma
empresa, reproduzindo os modelos privatizantes da sociedade capitalista e não como o local do
conhecimento, em que o professor tem um papel relevante, isto é, de fazer a mediação entre o
conhecimento e o aluno. Respaldados pela Teoria Histórico-Cultural e pela Pedagogia Histórico-
Crítica, defendemos que esta é a principal função do professor. De acordo com Vigotski (2000),
compete a este atuar na zona de desenvolvimento próximo, ou seja, naquilo que está em vias de
se efetivar, naquilo em que os alunos precisam de mais mediações e, desta forma, possibilitar o
desenvolvimento psicológico das funções superiores e humanizar o indivíduo.
No modo de produção capitalista, principalmente com a divisão do trabalho, com a
fragmentação do processo de trabalho, ocorre o estranhamento deste trabalho e o docente não se
vê mais como partícipe do processo de humanização do aluno. Ele mesmo, nestas condições em
que desenvolve sua atividade pedagógica, tem poucas condições para se humanizar – no sentido
de se apropriar das elaborações mais desenvolvidas criadas pelos homens. Atuar em uma
instituição que tem por finalidade a socialização dos conhecimentos, mas na qual o trabalhador
não consegue, devido a condições objetivas e subjetivas, cumprir com sua função de ensinar, traz
muitos desgastes. O adoecimento, muitas vezes, pode se tornar uma forma de resistência ao
processo de sucumbir às péssimas condições de trabalho, pode ser uma forma de não compactuar
com uma sociedade que desvaloriza o trabalhador e o conhecimento. No entanto, quase sempre é
entendido como um problema individual, do sujeito que não consegue lidar com as dificuldades
que o processo histórico produz.
Assim, não é difícil verificar que o entorno em que se situa a Escola, em todas as suas
dimensões e níveis, oferece desafios de monta àqueles que tomaram a tarefa educativa em suas
mãos. Não somente no sentido do ensino propriamente dito, mas dos embates inerentes à
conquista de melhores condições de trabalho e à compreensão da rede de pensamentos que
embasam política e filosoficamente a Educação, produzindo professores e estudantes
desavisados da manipulação ideológica em função da manutenção do sistema capitalista,
usurpando o sentido libertador que o processo educativo poderia engendrar, precarizando e
deturpando o trabalho educacional. Porém, como analisa Saviani (2012), não vale apenas
constatar fatos a respeito da situação da educação brasileira, mas, principalmente, dar o passo
adiante. Ao observarmos essa situação dentro de uma concepção de totalidade, compreendemos
que este próximo passo necessita necessariamente passar pela emancipação da classe
trabalhadora como um todo. Não parece ser essa uma tarefa exclusiva da educação, uma vez que
tal tarefa se insere em um contexto muito mais amplo e reflete as articulações sociais e o
pensamento de um grupo que se concretiza dentro e para além dos processos educativos formais.
Porém, é claro que a Educação pode se tornar também um espaço de enfrentamento, pois se
articulada a um projeto coletivo embasado no entendimento da estruturação do sistema
capitalista, como forma de enfrentamento e de práticas que se encontrem à luz da história e da
realidade colocadas pela sociabilidade capitalista.
À título de conclusão
Pretende-se que esta reflexão chegue até os professores que estão sendo medicalizados,
considerando que se tem explicado o adoecimento que decorre das condições sociais, da forma
como o trabalho está organizado, como situações no âmbito individual ou partindo de um
diagnóstico prescrito pelo médico, desconsiderando os fatores sociais que influenciam esses
fenômenos.
Nos mais diversos espaços produtivos, notamos que a saúde do trabalhador padece de
todos os castigos impostos à força de trabalho – reduzida não só à condição de mercadoria, mas
de principal mercadoria do modo de produção capitalista –, pois é da extração da mais-valia, que
as condições são propícias para acumulação de capital. Hoje, apesar dos avanços significativos
no campo conceitual que apontam um novo enfoque e novas práticas para lidar com a relação
trabalho e saúde, consubstanciados sob a denominação de “saúde do trabalhador”, depara-se, no
cotidiano das lutas sociais do trabalho, com as hegemonias da Medicina do Trabalho e da Saúde
Ocupacional. Tal fato coloca em questão a já identificada distância entre os interesses
antagônicos da sociedade capitalista, sobretudo num campo potencialmente ameaçador, em que a
busca de soluções quase sempre se confronta com interesses econômicos arraigados e
imediatistas, que não contemplam os investimentos indispensáveis à garantia de uma política em
defesa do trabalho. A partir dessa constatação, cabe aproximar o debate sobre as alterações nas
condições e relações de trabalho que intensificaram as doenças do trabalho, na
contemporaneidade (Lara, 2011).
De uma forma geral, as principais doenças do trabalho são: lesão por esforço repetitivo
(LER), os distúrbios mentais provocados pelo estresse, as lombalgias, as perdas auditivas, os
problemas oculares. As “novas” gestões da força de trabalho, a desregulamentação e a
precarização das relações sob a reestruturação produtiva e o neoliberalismo, estão limitando os
trabalhadores pelo medo do desemprego. A competitividade é acirrada por um posto de trabalho,
o que interfere na constituição da “consciência de classe” e no reconhecimento que constrói as
subjetividades que se nutrem pela lógica do trabalho. Diante desse quadro, a intensificação do
trabalho, a polivalência e a submissão impõem-se de forma ululante, o que origina uma situação
propícia a mudanças do perfil patológico dos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que é
anunciado o “fim do trabalho”, observa-se o surgimento de patologias decorrentes da cada vez
maior sobrecarga: Burnout, as LER, as alterações cognitivas, as tentativas de suicídio nos locais
de trabalho, os indicadores de estresse no trabalho (Lara, 2011). Os dados expostos neste artigo,
nos apresentam essa realidade, quando nos mostra que as condições do trabalho e os problemas
físicos deste, são os principais causadores dos adoecimentos dentro do espaço de trabalho do
docente.
Entretanto, como nos faz refletir a autora Zeigarnik (1979, 1981) deve-se levar em
consideração os aspectos saudáveis do indivíduo, ao visualizarmos aspectos adoecidos do
sujeito, devemos partir daquilo que se encontra intacto, que se encontra saudável. Ao reabilitar
ou tratar indivíduos com certas enfermidades, deve-se levar em conta não somente os aspectos
comprometidos de determinadas funções, mas sobretudo, considerar o que há de intacto, as
esferas que se mantém saudáveis. Nesse caso, ao estudar-se o adoecimento dos professores,
temos que ter em conta não apenas os sintomas e suas queixas que se apresentam nas variadas
patologias psicológicas que os atingem, mas também considerar, de igual forma, os aspectos
sadios presentes nesses sujeitos. A necessidade que se impõe é de criar estratégias coletivas de
enfrentamento da situação posta e de lutar para que o trabalho, enquanto essência do homem,
caminhe para a emancipação e não para a alienação.
Referências
Antunes, R.; Praun, L. (2015). A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social e
Sociedade. N. 123, p. 407-427. São Paulo.
Facci, M., Ribeiro, M. & Silva, S. (2012) Medicalização na escola e fracasso escolar: novamente
a culpa é do aluno. In: A exclusão dos incluídos: uma crítica da Psicologia da Educação à
patologização e medicalização dos processos educativos. Maringá: Eduem.
Pereira, J. (2015). Trabalho docente e sofrimento mental: um estudo em uma escola pública do
estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado: Universidade Estadual Paulista, São Paulo – SP.
Zorzanelli, R., Ortega, F. & Bezerra, Jr. (2014). Um panorama sobre as variações em torno do
conceito de medicalização entre 1950-2010. Ciência e Saúde Coletiva (Impresso), v.19, p. 1859-
1868.
ADOECIMENTO/SOFRIMENTO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: UMA
PESQUISA NA SCIELO
Marina Beatriz Shima Barroco Esper * – Departamento de Psicologia, UEM, Maringá – PR, Brasil.
Marilda Gonçalves Dias Facci* - Departamento de Psicologia, UEM, Maringá – PR, Brasil.
contato: marina.shima@gmail.com/mgdfacci@uem.br
Introdução
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), feita pelo Ministério do
Trabalho, a profissão “Professor Universitário” é identificada e descrita como:
Ensinam, articulando o processo de ensino-aprendizagem na formação de
profissionais da educação; planejam atividades relativas a cursos e pesquisas;
realizam pesquisas científicas sobre o campo educacional; supervisionam
formação pedagógica em estágios; orientam alunos; avaliam o trabalho
acadêmico científico; coordenam atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Produzem material de trabalho; prestam atendimento às demandas da
comunidade na área da educação escolar e não-escolar (educação formal e
informal); participam de atividades administrativas, atualizam-se na área e
comunicam-se oralmente e por escrito. (BRASIL, 2017).
Diante desta descrição, verificamos que são vastas as atividades a serem realizadas e
alcançadas pelo professor do ensino superior. Nos indagamos: como esses profissionais estão
desempenhando essa função? Que relação tem a atividade docente com o adoecimento que tem
se evidenciado nas universidades? Eles estão cientes das contradições postas à sua profissão? O
contexto vivenciado é de uma realidade de mercantilização do saber, de produtivismo (onde a
moeda de troca e de ascensão são produções acadêmicas desenfreadas), onde o ensinar, que seria
o foco principal do professor, muitas vezes é feito a duras penas diante do descaso com as
condições objetivas e subjetivas que este processo exige.
Levando em conta esses pontos, o presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns
dados acerca de uma pesquisa realizada na Scientific Electronic Library Online - Scielo a
respeito do adoecimento/sofrimento psíquico, mais precisamente do professor da educação
superior, tendo como base teórica a Psicologia Histórico-Cultural. Acreditamos que esta teoria
nos fornece ricas contribuições para compreensão da temática visto que ela se baseia em uma
concepção de homem historicizada, ou seja, determinada pelas condições materiais que o sujeito
se encontra, não o descontextualizando portanto, do lugar e tempo que ele ocupa.
Para tal estudo, primeiramente iremos discorrer sobre o desenvolvimento humano para
Vigotski, depois, apresentaremos os conceitos de sentido, significado e motivos nos apoiando
nos escritos de Leontiev, para ao final discorrer sobre a concepção de adoecimento para Vigotski
e Zeiganik. Posteriormente, iremos apresentar alguns dados coletados sobre o que vem sendo
dito a respeito do sofrimento/adoecimento do professor universitário nos periódicos da biblioteca
eletrônica Scielo, e assim, iremos fazer uma análise dos dados obtidos a partir de autores que
tomam como base de pensamento a Psicologia Histórico-Cultural.
Zeigarnik (1979), autora que se dedicou aos estudos das psicopatologias a partir do viés
vigotskiano, concebe o adoecimento psíquico como algo que pode se desenvolver a partir de um
determinado modo de formação da personalidade, dependendo de todo o processo em que as
capacidades psíquicas foram construídas na vida do indivíduo. Na defesa da Psicologia com base
no materialismo histórico e dialético, a autora compreende que a formação dos processos
psíquicos não se dá de forma natural, não está intrínseco ao homem, mas é construído a partir da
apropriação do mundo dos objetos e fenômenos criados pela humanidade
A autora discorre que ao adoecer, o homem acaba sofrendo mudanças em sua atividade e
como consequência disso, muda seu componente de personalidade. A mudança da personalidade
em uma relação dialética, muda também suas atitudes, suas necessidades e seus interesses.
Zeigarnik (1979) afirma que uma modificação patológica de personalidade pode ser identificada
quando diante da influência da enfermidade, a pessoa diminui os seus interesses e necessidades;
quando é indiferente diante de coisas que antes lhe inquietavam; quando os seus atos não têm
objetivos, suas ações são mediatas; quando tem dificuldades de valorar e controlar
adequadamente seu comportamento; e, também, quando modifica sua atitude consigo mesmo e
com o mundo que o circunda. Estas atitudes, segundo a autora apontam para uma modificação de
personalidade.
Ao tratar sobre a mudança da personalidade, Zeigarnik (1979) também salienta que a
modificação das emoções dos afetos intensos, pode levar o indivíduo a adquirir significados
distorcidos de seus objetivos e propriedades. Não é concebível a existência de pensamento (que
compõe a personalidade do sujeito) isolado das necessidades, motivos, aspirações, orientação e
sentimentos da pessoa em sua totalidade. Resgatando os estudos de L. Vigotski, Zeigarnik
(1979) compreende que o pensamento não é formado a partir de associações de ideias, mas sim,
da esfera motivadora de nossa consciência, no qual nesta está inserido nossos desejos e
necessidades, interesses e motivações e nossos afetos e emoções. E estes por sua vez são
construídos na relação dialética entre indivíduo e sociedade.
Verificando a importância que os motivos exercem sobre a personalidade do homem,
Zeigarnik (1979) compreende que é imprescindível estudar a modificação da cadeia de motivos e
necessidades. A autora adota esta análise como sua metodologia para alcançar o estudo da
atividade e por conseguinte, da personalidade do sujeito adoecido. Ela entende que uma vez que
ocorrem modificações nas esferas motivadoras, muda-se os pontos de vista, interesses, valores e
personalidade da pessoa, ou seja, há uma mudança na estrutura hierárquica dos motivos.
Zeigarnik (1979), esclarece que o motivo possui duas funções: incitadora e significadora.
A união deles é o que proporciona à atividade humana o caráter de atos conscientemente
regulados. A debilitação e alteração destas funções conduz a modificação da atividade e em
consequência, da personalidade. A autora ainda afirma que a degradação da personalidade
consiste na alteração da estrutura da própria necessidade condicionada socialmente. Ela se
converte em menos mediata, menos assimilada, perde a estrutura hierárquica dos motivos,
modifica sua função significadora, desaparecem os motivos a largo prazo.
Com esta defesa de que a alteração dos motivos leva a alteração da atividade do homem,
Zeigarnik (1979) rompe com uma visão biologicista e afirma que a vida profissional de muitas
pessoas adoecidas se dá pelo fato de seus motivos pessoais estarem modificados e não porque
não possuem capacidades intelectuais.
Fica claro que as motivações dos professores interferem na sua prática pedagógica. Não
compreendendo esta motivação pessoal de maneira individualizada, mas sim construída
socialmente no indivíduo, podemos verificar que a afetividade do professor deve ser considerada
para o estudo do seu sofrimento/adoecimento. A partir dos pressupostos da Teoria Histórico-
Cultural, consideramos que o processo ensino-aprendizagem é permeado pela afetividade. O
afeto não é visto como nocivo à aprendizagem, mas sim como um agente que forma uma unidade
com a função cognitiva.
E esta visão de unidade entre afetivo-cognitivo nos leva a refletir sobre a importância da
afetividade para o processo educativo (GOMES & MELLO, 2010). Deste modo, torna-se
imprescindível o estudo sobre o sofrimento/adoecimento do professor universitário causado pela
execução de suas atividades, uma vez que compreendemos que esta problemática alcança além
da vida psíquica dos professores, também a sua prática e consequentemente o processo de
ensino-aprendizagem.
O que estamos tentando resgatar ao apresentar as ideias dos autores citados é que o
professor está passando por um processo de adoecimento devido a ruptura entre sentido e
significado da sua prática docente. E isto se dá pela forma em que está sendo organizada a
prática pedagógica e as próprias relações de trabalho imposta pelo sistema capitalista.
Considerações finais
Fischer (2009) ao tecer algumas discussões sobre a docência no ensino superior traz
questionamentos semelhantes aos que encontramos nos artigos que encontramos nas pesquisas.
Ela pergunta se não seria a universidade o lugar mais adequado de se tecer discussões coletivas,
problematizações e buscas de soluções para os problemas da sociedade. De maneira geral, vemos
a autora afirmando que a universidade tem perdido seu papel social, uma vez que o contexto em
que ela está inserida tem a levado a lugares no qual o ensino de qualidade, não é mais visto como
o objetivo final dela.
Ao tratar da universidade na sociedade Chauí (2001) deixa claro que a universidade é
uma instituição social e portanto, ela reflete e reproduz o modo de sociedade na qual ela está
inserida. A autora discorre que diante de uma sociedade pautada no modo de produção
capitalista, vemos que resta ao professor se enquadrar em modelos de trabalho que se assemelha
ao da indústria. As consequências se encontram no produtivismo e no esvaziamento da prática
docente. Ao se debruçarem nas pesquisas, a autora ressalta que, como a universidade se tornou
uma grande empresa capitalista, os professores têm buscado financiamentos grandiosos, de
pesquisas que são a favor de uma classe dominante. O saber para a emancipação, para o bem
coletivo é perdido de vista, uma vez que os professores são forçados a entrarem na lógica do
capital.
Vemos que este movimento que se formam nas universidades trazem grandes
consequências para o docente, uma vez que sua prática tem se distanciado, e muito, do que é
previsto socialmente à um professor, como podemos ver na C.B.O. Como exemplo, não vemos
nesta descrição, que o professor deve ter habilidades gerenciais para que suas pesquisas sejam
aceitas e financiadas. Como Lemos (2011) afirma, as contradições da prática docente estão no
fato de o professor ter de se ocupar de tarefas “administrativas” sem ter sido formado para isso,
luta contra os mecanismos de controle, mas se vê forçado a participar deles. Diante da
desvalorização de sua profissão, os docentes se veem forçados a buscar recursos externos para
que sua remuneração corresponda com o grau de seu conhecimento.
Para Facci (2000) é imperativo na nossa sociedade a desvalorização da escola e
consequentemente do trabalho do professor, ou mesmo um esvaziamento no seu trabalho. E
podemos transpor para as universidades. A sociedade capitalista não tem interesse em
possibilitar a socialização do saber que desvende suas contradições, não tem interesse que os
homens tenham consciência de sua condição de exclusão dessa sociedade e dos bens culturais.
Barroco (2007) defende que a superação da alienação envolve a busca de elementos que
vão para além da aparência e que se aproximam cada vez mais da realidade, e neste ponto a
ciência tem a sua grande relevância. A ciência permite que nos deparemos com o fenômeno para
além de suas aparências, para além da sua simples manifestação. Ao estudamos sobre o
adoecimento/sofrimento do professor, considerando este movimento de sucessivas aproximações
com a realidade, podemos constatar que compreender o sofrimento/adoecimento do professor de
forma individual e culpabilizante não é, definitivamente, o caminho fecundo para a superação
desta situação.
A partir da análise dos artigos encontrados na pesquisa na biblioteca eletrônica Scielo,
verificou-se que, apesar de se embasarem e diferentes perspectivas teóricas, todos os artigos
fazem uma análise do sofrimento/adoecimento do professor levando em consideração o contexto
na qual a universidade, e consequentemente, os professores estão inseridos. Não tomam portanto,
posturas de culpabilização, mas sim de busca de uma compreensão mais global e historicizada do
fenômeno. Verificou-se que a temática da mercantilização do saber é um dos elementos de
análise mais frequentes para a reflexão sobre o adoecimento/sofrimento do professor.
Leontiev (1978) nos esclarece que quando ocorre uma cisão entre sentido e significado,
há a formação de uma personalidade particular, diferenciada. Relacionando ao contexto desta
pesquisa, há uma alienação, uma cisão do significado da prática docente com o sentido pessoal
deste professor. Esta cisão pode ser percebida, ao lermos os trabalhos encontrados que relatam
que os professores perderam a motivação de dar aula para provocar o aprendizado no aluno,
passam a dar aula tão somente para garantir sua “sobrevivência” na academia.
Zeigarnik (1979) compreende o adoecimento como uma relação dialética da mudança da
personalidade com a mudança da atividade do homem. Para se entender estas mudanças, deve-se
debruçar sobre os motivos que tem movimentado as ações e as atividades do sujeito. Quando a
atividade perde seu caráter motivador e torna-se em impulso, perde-se a sua complexa
organização e converte-se em apenas impulsos irracionais.
Diante de uma sociedade que se apresenta constantemente contraditória, o professor que
perde o sentido pessoal de sua prática pedagógica alinhada com o significado do ensinar, corre o
risco do adoecimento. Sua prática torna-se alienada e carente de sentido, o que o leva a ter
motivações empobrecidas: a de somente sobreviver. A sua insatisfação e incapacidade de
conciliar o sentido pessoal com a significação de sua prática, devido ao sistema vigente, confere
mudanças significativas à sua personalidade, podendo levar ao sofrimento e/ou adoecimento.
Dar voz ao sofrimento do professor não implica somente auxilia-lo a partir de uma visão
individual. Levando em conta que a afetividade e cognição são inseparáveis, e que a afetividade
deve ser considerada como essencial no processo ensino-aprendizagem, uma vez que o professor
tem a sua área afetiva comprometida, torna-se claro que todo o processo de ensino-aprendizado é
comprometido.
Consideramos que a Psicologia e a Educação precisam contribuir para o entendimento
dessa problemática, por isso a proposição desse estudo. Estabelecer uma relação com o trabalho,
a formação da personalidade e o sentido da prática pedagógica levando em conta o contexto
histórico-cultural que produz sofrimento se faz urgente em tempos em que a universidade tem
perdido gradativamente seu papel social e consequentemente levado os professores a novas
formas de atividades que não correspondem diretamente com o ato de ensinar. Os dados obtidos
com a pesquisa auxiliarão na compreensão e proposição de ações que contribuam para que o
sentido da prática docente esteja vinculado ao significado real da universidade, relacionado à
apropriação dos conhecimentos pelos alunos.
REFERÊNCIAS
TULESKI, Silvana Calvo. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. 1. ed. Maringá:
Eduem, 2003.
Introdução
No presente texto, temos como objetivo apresentar os resultados de nossa pesquisa
sobre o estado da arte da psicoterapia fundamentada na Psicologia Histórico-Cultural no Brasil,
bem como nossas considerações sobre os artigos e demais materiais selecionados. Esta pesquisa
faz parte de nosso estudo de doutorado (em andamento), que tem como objetivo contribuir para a
construção de um arcabouço teórico que embase a prática psicoterapêutica clínica a partir da
Psicologia Histórico-Cultural.
Nossa proposta de estudo de doutorado, que está em fase de andamento, visa delinear o
trabalho clínico do psicólogo, suas possibilidades e objetivos. Entendemos que nossa atual
prática clínica, que é baseada na Psicologia Histórico-Cultural, pode retroalimentar
dialeticamente a teoria, impulsionando-a para a elaboração de um estudo sobre a psicoterapia
dentro desta perspectiva teórica. Compreendemos que é preciso construirmos uma prática clínica
baseada nos pressupostos filosóficos e epistemológicos que embasam esta perspectiva teórica,
visto que a atuação clínica do psicólogo também precisa estar de acordo com a visão de homem,
de mundo e de sociedade que esta teoria nos apresenta, e com os objetivos de transformação
social que a mesma propõe.
As elaborações teóricas de Vigotski, e as reflexões da Psicologia Histórico-Cultural, de
forma geral, têm sido estudadas principalmente na esfera da Psicologia Escolar. Ainda são
poucos os estudos desta perspectiva teórica em outros campos de atuação do psicólogo, como a
psicologia clínica, por exemplo. Tendo em vista este panorama, nossa proposta de pesquisa se
relaciona com estudos de outros pesquisadores que tem buscado ampliar a inserção da Psicologia
Histórico-Cultural e pensar esta teoria nos distintos campos de atuação do psicólogo.
Pesquisas sobre o desenvolvimento da personalidade, sobre a psicopatologia, sobre as
emoções e sobre o inconsciente são exemplos de análises que buscam compreender o homem em
sua complexidade e pensar a Psicologia Histórico-Cultural em diversos campos do conhecimento
da Psicologia. Tais reflexões são fundamentais para que possamos elaborar construtos teórico-
práticos a respeito da psicoterapia com crianças, adolescentes e adultos, a partir dessa
perspectiva teórica.
Como primeira fase de nossa investigação, nos propusemos a analisar o estado da arte
da psicoterapia fundamentada na Psicologia Histórico-Cultural. Para tanto, realizamos uma
pesquisa bibliográfica (que será melhor detalhada a seguir), visando elencar e analisar o que já
existe de produção teórica sobre o assunto no Brasil. É esta etapa da pesquisa que será
contemplada neste texto.
1 Metodologia
Para mapear o estado da arte das produções que discutem a psicoterapia a partir da
perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural no Brasil, realizamos uma pesquisa por palavras-
chave no Portal de Periódicos da Capes, que oferece acesso a textos completos disponíveis em
mais de 38 mil publicações periódicas, nacionais e internacionais. A busca foi realizada a partir
da palavra-chave psicoterapia somada a uma das seguintes palavras-chave: Vigotski (buscou-se
pelas diversas variações da grafia do nome deste autor); Luria, Leontiev, Psicologia Histórico-
Cultural, Teoria Histórico-Cultural e Psicologia Sócio-Histórica. Selecionais os artigos cujos
textos completos estavam disponíveis de forma gratuita. Após leitura cuidadosa dos resumos,
fizemos a exclusão de textos duplicados e de artigos que não tratavam da temática.
A mesma busca por palavras-chave também foi realizada no Google Acadêmico, a fim
de selecionarmos materiais diversos que não tenham sido publicados em revistas científicas,
como livros, resumos apresentados em congresso, dentre outros. Foram analisadas ainda
referências secundárias citadas pelos autores dos primeiros textos selecionados.
1Também foram selecionados artigos em inglês e espanhol que tratavam da temática, a partir da mesma pesquisa por palavras-chave. A análise
dos mesmos ainda está em andamento.
2.2 Reflexões sobre a possibilidade de uma clínica vigotskiana
Delari Junior (2006) apresenta um ensaio a respeito da clínica vigotskiana como forma de
um convite ao diálogo sobre a temática. Destaca que o processo terapêutico tem três etapas
básicas: (1) acolhida; (2) diagnóstico; (3) intervenção. Numa proposta vigotskiana, é importante
pensarmos na realização de uma boa acolhida, pautada na materialização do valor ético
inalienável de respeito à condição humana. Já com relação ao diagnóstico, seria importante que o
psicoterapeuta não rotule ou enquadre a situação vivida pela pessoa em uma matriz descritiva e
quase matemática dos sintomas, em síndromes e quadros psicopatológicos. Por fim, para o autor,
a intervenção deve ser conduzida por meio de um processo dialógico, semioticamente mediado,
no qual todos os envolvidos são ativos.
Delari Junior (2006) seleciona quatro conceitos meta-teóricos próprios da teoria
vigotskiana importantes para se pensar a atuação clínica: objeto de estudo; princípio explicativo;
unidade de análise; e modo de proceder a análise. Segundo o autor, a teoria vigotskiana nos
indica que o objeto de estudo é a consciência; o principio explicativo são as relações sociais; a
unidade de análise é a palavra significativa (unidade entre pensamento e fala, entre a consciência
e as relações sociais); e o modo de proceder é o método genético (visto que o significado da
palavra se desenvolve, possui sua gênese, o principio metodológico posto é o de é preciso
compreender sua história de desenvolvimento).
Segundo o autor, a psicoterapia baseada na teoria vigotskiana terá necessariamente que
perpassar quatro questões teóricas importantes: o problema do diagnóstico; a psicopatologia, ou
patopsicologia; o problema das emoções e o problema do inconsciente.
Entendemos que os estudos de Delari Junior (2006) são de grande importância para
pensarmos a psicoterapia a partir da psicologia vigotskiana. As reflexões do autor contribuem
para pensarmos os princípios e conceitos basilares desta teoria que devem ser necessariamente
estar presentes em uma proposta de psicoterapia que se almeje histórico-cultural.
A terapia social é uma terapia performática pouco conhecida no Brasil. Tem como foco a
constante construção da grupalidade e a emancipação. Segundo a autora, é uma possibilidade de
trabalho grupal potente na construção da mudança social.
Os textos citados acima demonstram que muitos dos autores que discutem a
psicoterapia a partir da Psicologia Histórico-Cultural, trabalham a temática a partir de uma
junção desta teoria com outras abordagens teóricas. Nestes casos, a Psicologia Histórico-Cultural
não é a teoria que guia o planejamento do processo psicoterapêutico, ela vem contribuir para que
os autores refletiam sobre alguns aspectos do mesmo. Nos textos estudados, o conceito mais
utilizado da psicologia vigotskiana para se pensar a psicoterapia é o de zona de desenvolvimento
proximal.
4 Maria Rita Mendes Leal é psicóloga, doutora pela Universidade de Londres, no Departamento de Psicologia do Desenvolvimento Infantil.
Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Membro da Sociedade
Portuguesa de Grupanálise.
5O grupo de pesquisa tem seus principias expoentes trabalhando em Portugal, mas publicam em conjunto com pesquisadores do Brasil, em
períodos brasileiros.
como a linguagem, memória, atenção, pensamento, e a compreende-las a partir das relações
sociais que o indivíduo estabelece com o mundo.
Segundo Dias (2005), na conceituação psicoterapêutica do grupo de pesquisa de
Quintino-Aires, a teorização sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal de Vigotski é utilizada
como um conceito e um método para a busca de soluções de conflitos vivenciados pelo cliente
na psicoterapia. O psicoterapeuta atua como mediador dinâmico, que guia, regula, seleciona,
compara e analisa o desenvolvimento do cliente, o ajudando a produzir novas maneiras de
pensar, o que propicia processos de modificação de esquemas de conhecimento, e se constroem
novos saberes e práticas (Dias, 2005).
Marangoni e Quintino-Aires (2006) afirmam que a psicoterapia é um processo de
construção de sentido e transformação. O indivíduo entra em contato com um outro, o
psicoterapeuta, que é capaz de construir sentido e resignificar o seu modo de pensar, sentir, agir e
estar no mundo. O psicoterapeuta atua como um mediador da relação eu-outro-realidade, a partir
da utilização das técnicas psicológicas, no intercâmbio do diálogo recíproco e alternante,
denominado pelos autores de AGORA TU - AGORA EU.
Quintino-Aires (2006) utiliza o conceito de zona de desenvolvimento proximal de
Vigotski, e afirmar que é nesta área que a psicoterapia deve atuar. Também se baseia no conceito
de internalização, entendendo que, na psicoterapia, as formas interpsicológicas (sociais /
relacionais) são transferidas para as formas intrapsicológicas (pessoais) de significados.
Marangoni (2012) apresenta um estudo de caso de ludoterapia realizada com uma criança
a partir dos pressupostos vigotskianos e do grupo de pesquisa de Rita Leal e Quintino-Aires.
Segundo a autora, a ludoterapia propicia o desenvolvimento das funções nervosas superiores,
visto que possibilita que a criança se aproprie dos significados e ou crie novos significados dos
objetos do meio externo, dos eventos e das relações sociais humanas.
O processo de ludoterapia tem como objetivo propiciar o desenvolvimento psicológico
da criança e proporcionar um espaço para a construção de novos significados das experiências
vivenciadas por ela. Segundo Marangoni (2012), a ludoterapia vigotskiana é um processo de
intervenção psicológica direcionada para a transformação do sujeito.
A proposta psicoterapêutica do grupo de pesquisa de Quintino-Aires busca ter como
teoria guia de suas reflexões a Psicologia Histórico-Cultural. Mas ainda assim os autores buscam
uma outra concepção teórica, o Modelo Dialógico-Relacional de Rita Leal, para pensar o sujeito
e a atuação psicoterapêutica. Também neste caso temos uma proposta de psicoterapia que
articula a teoria vigotskiana com uma outra concepção teórica.
Considerações Finais
A pesquisa bibliográfica a respeito do estado da arte da psicoterapia histórico-cultural
nos permite concluir que ainda são poucos os autores que se dedicam a temática, o que aponta
para a necessidade de ampliarmos o debate sobre o assunto. Nossa pesquisa de doutorado, que
está em fase de andamento, visa justamente delinear o trabalho psicoterapêutico clínico do
psicólogo, suas possibilidades e objetivos.
A partir de nossos estudos anteriores (Aita, 2014), entendemos que a psicoterapia pode
colaborar para que o indivíduo analise e compreenda os motivos de suas ações, ampliando sua
consciência sobre o mundo e sobre si mesmo. A partir do conhecimento de seus motivos, o
sujeito amplia suas condições de agir com mais liberdade e autodomínio (Vigotski, 1931/1996;
1931/2000).
A psicoterapia com fundamento na Psicologia Histórico-Cultural pode contribuir para
que o sujeito tome consciência de seus motivos e ações, o que, por sua vez, colabora para que o
mesmo se desenvolva em direção à uma individualidade livre e universal. Ao tomar consciência
de sua história pessoal e social, o sujeito pode decidir com mais liberdade o que almeja para si
mesmo, sua comunidade e para a sociedade como um todo. E pode, por meio de ações coletivas
com os demais, modificar a realidade.
Para Vigotski (1931/1996), a subordinação das ações do sujeito ao seu próprio controle
voluntário exige, como premissa, a tomada de consciência destas ações. Vigotski compreende
que é necessário que tomemos consciência de nossos motivos e ações, de nossa história pessoal e
social, para que possamos determinar de forma mais autônoma o movimento que queremos
produzir em nossas vidas e na sociedade como um todo (Aita, 2014).
O comportamento de um sujeito em específico, seus desejos e interesses, estão sempre
em concordância com as condições particulares da sua existência histórica, a partir da referência
primeira que é a forma universal de o homem agir no mundo, o gênero humano. Dito de outra
forma, as motivações para o comportamento humano são, ao mesmo tempo, singulares,
particulares e universais (Oliveira, 2001).
Entendemos que a psicoterapia com fundamentos na Psicologia Histórico-Cultural pode
colaborar para o desenvolvimento da consciência e da autoconsciência do sujeito. O indivíduo,
ao se apropriar dos conhecimentos científicos elaborados pela Psicologia, por mediação do
terapeuta, vai expandindo seu sistema de significações e conceitos sobre sua realidade individual
e social, ampliando sua consciência sobre a realidade circundante e suas próprias vivências, o
que lhe possibilita ter um maior controle voluntário sobre seu comportamento e desenvolver-se
de forma cada vez mais livre e universal.
Referências
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