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A ESTÉTICA DA INTERPRETAÇÃO

A ação do psicanalista pode ser apreendida a partir de três di­


mensões: a política, a estratégica e a tática (Lacan, 1958). No nívd
tático encontramos o maior grau de liberdade do modo interpre­
tativo, uma va que este leva em conta diretamente o estilo singu­
lar de cada analista. A política é o campo de discussão dos prind­
pios a que se estará sujeito se se tratar de uma análise. A estratégia
rege os caminhos possíveis na direção da cura, como por exemplo
o manejo da transferência. A tática pode ser definida como o cam­
po de discussão da forma das intervenções.
Pensamos que é no nível tático que se pode falar de uma esté­
tica da interpretação. Em outras perspeaivas interpretativas, como
a hermenêutica bíblica, a interpretação da cultura ou a crítica da
arte, o estilo da própria interpretação não é decisivo. No caso da
psicanálise. a forma como se coloca uma &la pode fazer toda a
diferença entre constituí-la como uma incerprecação ou oomo um
comentário vazio. A perspectiva estética não está portanto descartada,
mas oomo &lar dela sem incorrer numa tomada de posição sobre o
estilo, a rigor problemática e improdutiva?
Nossa hipótese é que o fundamento estétiro da interpretação

7
Ctmm111 INGO l!Nz DuNKER

em psicanálise p ertence ao campo da retórica. No


o
cas cujo programa é a compreensão de fatos artísti c;s das Cstéti.
co à l
- ' ' I .Uzdeullla
teoria da percepçao, do JU fzo ou s.1mp esmente a
Partir
cerca noçã o a cerca do Be1 o, a eficác1a da.interpreta • _ e Ullla
d
Çao nao
.
tui O critério fundamental. No caso da psicanálise se COnsti.
. - ' CledufSSe
e_, a e d
a eficácia da rai o siJ·
enc1 0 nao teríamos ne m mos
rn es
. o r ' . llloco
recon eh cer uma m cerp reta ça - o
. a, a retó nca éJuscarn lllo
. �reo
de investigação em que a linguagem e a fala são consideracJ catnPo
co
veículos de cransformação do ,sujeito. Em função disso e as nio
. . , 1 aco
stu.
ma ser entendida como uma area pen gosa, principalrne
_ . ntequ
an.
do desligada de uma reflexao éttca.
A extração retórica de cenos procedimentos intetpretat
. tvosve
Ili
constituindo um campo de pesqmsa ac.erca das relaçõ es entre
. . . . psi-
canálise e outras d1sc1plmas como a literatura, a poe.çia ot cil
lanoso.
fia da linguagem (Forrester) e até mesmo a gramática (Mahon
. . . . al quando se y),
Este e' o ve10 de aprox1maçao - mais uad'1c1on
· pensa
'd'
em estética - isto,e, no quadro do diálogo
a mcerpretaçao, interdis-
ciplinar. Não o escolhemos tanto pela amplitude desta e mpreitada
quanto por partilhannos da tese de que o fundamento mesmo da
po esia e da literatura é a retórica.

RETÓRICA E FILOSOFIA

Consideremos a retórica como um modo de lidar com a pala­


vra originado na Magna Grécia do século VI a.e. De acordo com
2.enão, ela se define como "a ciência do bem dizer". Historica­
mente a retórica possui uma dupla vinculação, de um lado à me­
dicina, onde se manifesta como um método de cura pela palavra,

8
UCAN E A alNJCA DA INTERPIIJAÇÃO

especialmente desenvolvido na Escola de Epidauro. Tal método,


chamado psicagogia, se refere à condução ou direção da alma se­
gundo o desejo de quem fala e se encontra na raiz da idéia de
psicoterapia.
Por outro lado, a retórica se vinaila à políúca e à ética, por sua
presença no disaJrso soflstico. � o caso das escolas retóricas de
Górgias e Isócrates.
A retórica compunha assim o cenário em que nascia a filosofia
platôniro-ariscocélíca. Tal filosofia se caracteriza pela tentativa de
superação da doxtt, da opinião, não sujeita à demonsuação, que
compunha assim um tipo menor de conhecimento, variávd, rela­
tivo, não universal. A retórica se vê, assim, questionada, uma vez
que visa apenas constituir opiniões e não propriamente conheci­
mento. As primeiras reflexões sobre o que é uma demonstração
emergem no quadro simultâneo de crítica sistemática à retórica e
de solução para a crise das matemáticas pitagóricas. Prorurando
sistematizar os procedimentos envolvidos nas demonstrações, e
tendo em vista a tradição aristotélica, podemos falar em três àpos
de argumentos: o retórico, cujo fim é a persuasão, o dialéúco, que
tem por objetivo a prova indireta, e o apodítico, que funciona a
partir de um sistema referencial discursivo que vai dos axiomas
aos teoremas.
Os três níveis da clínica antes tratados traduz.em, a nosso ver, os
três tipos de argumentos fundamentais: a tdtica, domínio da for­
ma, da interpretação, de seu estilo, que associamos à retórica; a
estratégia, domínio do diagnóstico e da transferência, cujo modus
operandi é a dialética como motor; finalmente a política, que tra­
duzo tema dos prindpios envolvidos no tratamento, sua axiomática.
Neste trabalho examinaremos apenas a aproximação entre retórica
(Hl&IIAl11sol!IZ l)JIIEI
t ca
cendida na sua dimensão tá i .
o,
:n cerpretJçi en .. roumentos dialétioos e apodíticos e,
e... . ..o dos ... o- - pol'tan-
A vaJora.a� da pclícica. se dá em funçao de sua capacidad
ae e
to ' daesctatégi ( in ão) e estabelecer wn conh,-ri-
�-� a d oxa op i --.ucnto
de ulu.sr-:- é uficiencemente formal pa ra ser transmitid
.-,,,d4, asco , s , . o ou
_..1 · 6]os6fica da reronca passa pel a cr{ti
. d A <;110 ca d a
�,,� -

ensina �- ..
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isOJISO a que da es tá su 1 e 1ta. O b o m rct óri
• •

o do
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singu1ara.aça c..• seu destinatá rio. No limite isso 1--· co
· car sua w a a �•cu.ia à
deve aJ us
isauso que seria apro priado para um u' n .
d e um d ico
prod uÇàO ..
qu e se o põe às pretensões u niv ersalizantes d
. o o e
incerlocut r, 61oso6 emgeral.MesmoemPlatão aam iouj.L1
d a a b
Mstócdes e "b UilUe
'"

_. crata a palavra (phmmakon), expr� o peri qu


comqu e._,... ea
6 a. Apalavra é ph'IZT'm4kon
go
,. -nca r-- mra a filoso porque
reronca rep,...,..
aléóca é fu nção d a, rura e do co nheàm en
como mei. o da di to , mas
c:a en vene na e mata.
comovacw _, __ ,0 da recóri
recó ri c:a são dara.mente ar.estados pela tradição
Os pen·gos da .. .
filosófica que proaua a I"denaºda d e das �aas e sua tradução
.
espelhe. Apalavra smgular e a verdade parcial
num discurso que as
respon�em, no entanto, exatamente às pre­
que ela craz consigo
censões da psicamflise. Mais recentemente autores com o !ric
Laurent, Alain Badiou, inspirados em Lacan, mas também nietts­
cheanos e heideggerianos vêm pondo à prova os limir.esdo discur­
so universalii.ante. abrindo espaço dessa maneira para o ressurgi­
menro da antiga questão retórica. O oo mpromisso da retórica não
é mm a verdade, mas rom a verossimilhança, não é oom o univer­
sal e necessário, mas rom o partiadar e o oontingence. Isco levará
um mmentador romo Zittk (1993) a afirmar que "a retórica re­
presenta. na filosofia, o que não pode ser pensado de outra manei­
ra senão na linguagem." Se a dialética filosófica é oooperaciva e

10
IACAN E A alNICA DA INIHPREllflO

c0nduz à ascese rumo à verdade, a retórica é narrativa e ag nlst:í .


o ca
Ouuo problema que a retórica constit uía para a filosofia é que
. � � .
sua transnussao nao pod ena ser integral. Há um elemento idios-
sincrático e m sua assimilação. &se demento foi historicam ente
diminado, transformando-se a retórica num simples conjunto de
cn
té icas para ornamentar a fala e a esaira, estas sim de fácil trans­
missão. A história da filosofia pode ser considerada. nesra perspeo.
tiva, como a história da ecdusão da retórica pela dialética e pela
axiomática.
O que não pode ser perfeitamente ensinado amsiste na arte de
inventar idéias e de dispô-las de modo o provocar cercos efeitos, a
inventw, segundo a designação de Hortêncio e Cícero. A invmtio
deve levar em conta a solidificação das fó nn ulas retóricas e seu
desgaste no tempo e por isso convida à criação e ttansfo nnação do
estilo. A retórica é o lugar de origem da questão do estilo, da
estillstica.

l.ACAN E A RETÓRICA

As referências diretas de Lacan à retórica não podem ser


desconsideradas. Tomemos para tanto o texto "A metáfora do Su­
jeito" (1961) que representa a síntese de um debate entre Lacan e
um dos responsáveis pelo renascimento dos estudos retórioos na
década de 1950, Perelman. A obra de Perelman é marcada tanto
pela preocupação em formalizar e classificar as figu ras ret6rias,
quanto por prorurar um debate aberro com a filosofia, visando
mostrar o aspecto retórioo de algu mas de suas questões auciais.
O impacto causado pela filosofia da linguagem anglo-sax6nica

11
Cll11S11AN l11Go lEIIZ Du11m

já se fiz.era sentir nesta época. De fa


to' se a c
levada a cabo por esta linhagem filosó ríti
r. a
fica ,01 acolhcaidd lllet.c ""ls1�
.
te frances, um de seus efeitos con sti tui a a n o ªlllb
t ransrro
A •

'•en
des problemas filosóficos" em questõ es d í d nn ac;ao -
e n ole re dos �gr •
. como dina
sia, . Cam ap, Neste tórica (e
. contexto, l1m lll pa.n..
resgate Oe-
fa.ria possível pela cien tificização das r i
p át cas de d filosofia se
ª
fenômenos subjetivos da linguagem. persuas
ão e do
s
Nesta mesma época, mas no context d "il
o a u osofi
encontramos em um autor como Heide er a
' · ' · gg a afi a �eflllànic:a,
retonca esta muito me lhor a1u · stada à con u:m çao de que a
cePçao - de
procurada por seu pensamento, especialmen te n al l.in guagelll
a an Inca
tencia, do que a propn
A •
, . a "fiil oso 6a da lingua m" da exis-
ge (Ku
No cenário alemão o resgate da filosofia se dá ela val , 8
- h'1stónca· '· p os� � 9).
tll.aça o das
d.1mensoes e poeuca que as práticas retór'1
cas contem
A posição de Lacan, no debate em questão ' é
parei·a1mente
convergente co� a de �ere�man e segu e, grosso modo a lu
_ _ , so ção
francesa. Os efe itos de s1gmficaçao obudos pela anicu laça- 0 s1•
gn1-
ficante são anexados por Lacan ao n ível dos processos retóricos.
Desta forma, a condensação e o deslocamento são compreendi-
dos, por exemplo, a partir de sua estrutura respectiv a de metáfora
e metonímia. Se a concordância com Perelman se dá ao nfvel do
fundamento retórico da significação, as diferenças surgirão em
tomo do próprio estatuto da metáfora.
Lacan argumenta, tomando partido de um modelo algébrico,
que a metáfora é irredutível à analogia. A perspectiva psicossocio­
lógica de Perelman postula, ao contrário,-que existe uma espécie
de "contato de mentes" que asseguraria a meta da persuasão e ao
mesmo t empo explicaria como a comparação, ou transporte de
significação, em jogo na metáfora, extrai seus efeitos. Esse contato

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UCAN E A a!NlCA DA llllERPREllÇÃO

m ntes se ajusta à idéia de - pane de um signi-


. que a metáfora
entre e · d
d o c ompanilhado e penmte sua apreensao a pamr e quatro
fica . . "fica.d , .
(doi·s significantes e d01s s1gni os, como uma analog1a
lugares
sig ni. ficados.
entre dois . - _,e.
rico da concepçao de meiaiora ao qual se al"Inh a
0 sub sídio teó
o francês decorre de uma leitura parcial de Kant (Pic­
o r tóric
� 992), notadamente da distinção entre convicção ( ÜbersetzunD
be,
unD· A convicção, para Kant, é o resultado
e persuasão ( überreá-
argu men taç.ao " •
o bJetm, - e, fruto de
enquanto a persuasao
de uma
nto subjetivo. O exemplo desta última modalida­
um convencime
onde muitas veres a persuasão pode se
de é O disrorso de tribunal
otadamente quando está em
impor aos argumentos objetivos, n
· jú Es ta oposição é recollúda por Perelman que se vê então
ogo O ri.
�orçado a localiur a retórica do lado da persuasão subjetiva, inclu­
indo-a desta maneira num compartimento da psicossociologia.
No entanto, há em Kant um terceiro termo além da oonvicção e
da persuasão, que é a Überlistung (logro, engano). Podemos enten­
der esse logro, ou sugestionabilidade, como a sugestão, no sentido
da té cnica da sugestão hipnótica. A desqualificação que Kant pro­
move da persuasão se justifica por sua ligação ocasional com a
sugestão. Em resumo: toda sugestão implica em oonvicção subje­
tiva, mas nem toda convicção decorre da sugestão. Portanto, a
idéia de que a persuasão permite uma argumentação subjetiva
investida de racionalidade mantém-se de pé se conseguimos separá­
la da sugestã o. Este será o caminho tomado por Lacan em
sua
crítica a Perelman.
O formalismo algébrico de Lacan é a rigor uma recusa
dos
pressupostos semànticos envolvidos nos process
os retóricos. Desta
forma não seria necessária uma teoria do
significado, literal ou

13
CHalS1WI IN60 \BII DuNIEI

.
esmto para a meclfora. O significado do signo a� substi-
pensar
" ,, .
(d o é considerado a partir da notação x , isto é, uma variável de
ru .. ,,
eh a comparar este x ao aptiron
valor indecenninado. Lacan ega
so ático este termo parece corres.
de Anaximandro. Para O pr6- cr
er déi de um originário ilimitado e ao mesmo tempo
pond à i a
a que de acordo com a tradição
indefinido. Pecers (1974) afinn
d Aristóteles o que definitivamente:
interpretativa inaugura a por
" ... está incluído na idéia d e apeiron é a duração no tempo , um
fomeámenro infinito de substânàas básicas para que a geração e
destruição não falt em" (p.32).
Para demonstrar esta tese anti-analógica Lacan recorre ao cas o
do Homem dos Ratos e, mais espeàficamente, a uma cena de
inBncia em que este dirige impropérios ao pai (" Seu guardanapo!
Sua lâmpada!"). Lacan argumenta que o que menos importa nesta
metaforii.ação do pai é o significado dos signos envolvidos ("guar­
danapo", "lâmpada"). O essencial é a presença da relação de subs-­
tituição envolvida na metáfora. q ue permite nomear o pai pelo
que ele não é.
Contudo, esta in determinação do significado não pode ser con­
fundida mm a abolição do plano do significado. EJa implica numa
flutuação e numa indeterminação do significado em relação ao
significante. A interpretação, pelo menos de acordo com a con­
cepção em vigoràalmra do texto "Função e campo da palavra e da
linguagem" (1953), visa: "jogar com o poder do símbolo evocan­
do-o de uma maneira c:alrula da nas ressonâncias semânúcas de sua
expremo".
Ora, isso nos faria prorurar em Lacan uma concepção mínima
do significado que tome compatfvd a tese da primaz
ia do signifi­
cante com a idéia d e "ressonâncias semânticas"
da interpretação.

14
IJCAN E A alNICA DA IHIEIPRE!lÇÃO

Esta co nce� ção deveria se anco rar em algu ma referênci a ao te mpo


ou à duraçao, se nos at emos ao te rmo a11ei r ron, an•"�
....... examm
, ado.
s.5 a hi pótese é q is r on àn ci as (os equívoco s sign ifican tes)
No � �
ue

respo ndem a uma rac1onal1dade su bjetiva inconfundível com a


sugest ão. Tal é a racionalidade retórica.

INTERPRETAÇÃO E RETÓRICA

Uma pergu nta frequ ente entre os que iniciam a prática da psi­
can ál ise é a seguint e: porque o estilo das interpretações de Freud
não parece pro d uzir efeito algum na clínica contemporânea? Se
apreendemos a interpretação como revelação d e uma verdade fim­
dada em propo sições mecapsicológicas e se estas proposições são
de caráter universal e atemporal, caso contrário não seriam metap­
sicológicas, não há como explicar seu desgaste pela passagem do
tempo ou pelas variações histórico-sociológicas que esta passagem
produz.
Nossa hipótese é que o desgaste da retórica freud iana é direta­
mente proporcional à absorção desta retórica à rulrura. Neste ponto
devemos explicitar nossa concepção de retóri ca como tri b utária de
uma estética, própria de um tipo de sociedade. Desta forma, o
estudo d a retórica deve levar em conta tanto o plano ideológico
quanto o lingu ístico (Delas e Fillolet, 1975). Oponho-me aqui
àqueles que pensam a retórica como um inventário descritivo dos
possíveis da linguagem ou como a chave transcendental de seu
funci onamento .
O estilo das interpretações freud ianas se mostra hoje ineficaz
uni camente porque a retór ica que as impregna se degradou no

15
1.INZ 0UNKER
(HRJS11AII IHGD
. m n sáo re tóri ca dos discu rsos. A an tiga tese
o d a d i
o mo c
e
tem Po• c en e a ar
. d eve en co n uar o estil o absolutam t. p rticu l
có n co
de q ue o re ele se acom ode às vanações tern.
. rlo cu to r su bsu me q ue . { .
de seu in ce s
· ficam este in terlocu to r, d o m ci o d o écu lo aos
m o d i
pa rais q u. e • . Isto não
r de um percu rso an aJ Caco
di as e m es m o no interio
n ossos b do nar o estl·1 o fircud 1ano
. em fu nção da
. . fica q ue devam os a an fc
ni
sig . I ad e d as nova� o rmas retóri cas
atu al"d
p rogcesso e da '
apologia do se
ne rácio , reto mar aos fu ndament os de sua retóri ca
mas, pe1 o co .
os rein ve n tar o esulo. .
. rm
q uise
ma com entado ra espe c1'ai mente i nteressad a n o
Colec te Sole r, u
etação , parti
ndo de "I..! Écourdi t" ( 1 973), po stul a a
tema da interpr como ponto unifi cador da
lvo ro de l inguagem
presen ça do equ • º A •
d 1fce�n�es mc1 d e�c1 as, quer O to me-
º
o. .Eq u lvo ro d e
interpretaçã . eg
, h om o fomco ou log 1co. Lacan , ch a a
mos no nlvd gram áciro
XXIII, que a única coisa de que dispom os
afirmar, no Seminário
a é o equívoco. O ra, um equívoco só se
ara enfrentar o si n tom
tu ra entre uma certa racional idade inten­
�n scirui a partir da rup
e a ela segundo uma lógica alheia ao
cional e algo que se impõ
desce sujeito da intenção a partir
sujeito da intenção. Freud &lava
nunca deixo u de supô-lo com o
da idéia de desejo pré-consciente e
parte integran te e neces.wia na co nstitu ição das fonnações do in­
consciente romo o sintoma, o chiste, o lapso e o sonho. No entan­
to, o desejo (inconsciente) não se reduz a uma intencion ali dade
Jacente, u ma espécie de vontade não admitida. Esta só aparece
como uma das par tes do compromisso. Não é exage rado diz.er
que este s ujeito é a expressão d a racionalidade, uma vez que se
caraaeriza pelo procesw seamdário e pelo esrabelecimenco da iden­
tidade de paJavra.
No entanto, mesmo este sujeito, criticado por Freud quanto a

16
UCJN E A alNICA DA INTERPREll'10

su a soberania, vem so frendo abalo s sérios no quad ro da ftl osofia


co n ce mporânea. A crítica li terária, por exemplo, cada ve:z. leva menos
em co n ta as inten ções do autor na análise das dete rminações de
sua ob ra. O estru tu ral ismo e o pós estrutu ralismo francês real iza­
ram uma espécie de cruzada contra a co nsistência e as pretensões
deste sujei to. M esmo o pragmatism o e a filosofia analítica anglo­
saxôn ica não cessam, ao seu modo, de celebrar o fu neral do sujei­
to, N o in terior deste movimento a próp ria noção de interpre­
tação, fu ndamento metodológico geral das ciências human as
vê-se revirada. I nterpretar torna-se sinônimo de u sar, como lem­
b ra Eco ( 1 99 3 ) .
É n esse con texto que uma afirmação de Lacan , salientada pelo
co men tário de Soler (1 994) torna-se problemática. Referimo- nos
ao en unciado de "[Étourdit" que diz: "a interpretação visa o
apa fàntico". Ora, apolàntico é um termo do vocabulário aristotélico
q ue s ign ifica um enunciado do qual se pode decidir seu valor de
verdade Fainos (radical rontido em 'apo làntiro) é um termo m­
mente comprometido com a noção de olhar, que domina a ron­
cepçáo grega de conhecimento. Apofàntico é o que fuz aparecer, o
que faz mostrar ao olhar da alma as essências ou o nous.
Levando em conta esta afirmação e juntand o-a rom a equivo­
cidade da interpretação chegamos à idéia de que a interpretação
mostra o verdadeiro contido no equívo co. O problema, diante
desta derrocada da interpretação clássi ca, é saber se é necessário e
possível reunir o tema da interpretação ao da verdade. O que fazer
com a idéia de verdade num universo co mandado pelo valor aferi­
do pelo uso (caso pragmatista) ou num mundo regido pela sobre­
detenninação estrutural? A associação entre interpretação e o pla­
no apofântico, pleiteada por Lacan é incompatível com estes dois

17
0UNKER
/NGO /JNZ
(Jl1,sJIAII
·de ..-.r a in cerpre ração; ass i m , q u aJ seria su a pr;
de co n s• ,... occ.
mo dos
dência? a· a em geral, e Austin em particu Jar.
. ª sc • , o
A erad•9',0 •pragfJl làntia> não faz sentido q u ando a fuJa dem s-
d apo
ue o isaJISD . · . , que
cearam q, , rdfruacionaJ mas des,dera.ova, isto e, qu an do a fàJa &z
e
se crara nao rep as descreve ou rep�n ta. Por exemplo,
não apen num
e efecua. e . •. "p� ao divã" não há senti do em per
{or,nacJVO a, mo guntar
per d em cerm o s de u m a representação ou descri _
o q ue da _J rev a . Çao
d · d u m esrado d e cor sas d o mu nd o. i;: int
fálsa o u veru a erra e . . eces-
ca rspectiva se coJrga com a tradi ção retóri�
�re co� es peIV a.e. já nsidera
.bu) , co . va que o discu rso é u
Jsóaaces, no ........ o . . m
. de aça,o e não apen as um mero para referir-se a obj etos (Prares
CIPº,, . -
197 3 ) . A apreensão da mterprecaçao como apo&n tica só é
e Suva , . .
_ re tó nca
doxal n u ma perspeaiva axrom�, m . � e nao como pro-
para
.
A mrecaça'0 com o ap o lànc1ca so po de se p reservar. am
pus. mce.r . , . . ' eu
....,car de uma apo Bntr ca retorr ca, que VJse a verossimi-
ver, se se .... . , .
lhan ça e não a verdade (no sen a d o classrco), ao preço de fuer
ções.
ressuscicar O sujeito das in ten
A inreq,recação se mede por seus efeitos, pela modificação qu e
introd uz n a posição do sujeito, do seu discurso ou de seu sin toma.
Ela deve ser swpresiva, concisa e cair n o tempo eicato. Tais carac­
rerlsticas constituem efeitos procu rados desd e sempre pela recóri­
a. No encanco, o convencimento agonlsáco, anápoda da coope­
ração dialética, coloca problemas quando temos em vista o cenário
analitico. Como destiruir o analisra da temerária sugestão, de s ua
inrencionaliclade e do potencial de convencimento agonlscico com
que a suposição de saber cransferencial o investe?
É interessante que o cerna da sugestão, originariam ente vinru­
lado à fala do analisca (veja-se a crltica de Freud ao método e.ar.ártico),

18
UCAN u alNICA DA IHIERPRmµo

renha se deslocado para a fala do analisante. Assim, é no nível da


própria associação livre (que exdui ria o analista) que a retórica e a
persu asão vêm sendo tratadas, especialmente na psicanálise de ex­
tração anglo-saxô nica.
Maho ny ( 1 987), por exemplo, examinando a associação livre,
propõe que ela seja considerada a parár das oscilações entre quatro
diferentes tipos de discurso: o discurso retórico (ênfase no recep­
to r), o discurso dialéáco (ênfase no referente), o discurso expressi­
vo (ênfase no emissor) e o discurso estético (ênfase nos próprios
signos) . Segundo Mahony, ettes difuenres disrursos se subsánúriam
ao longo do desenvolvimento da análise, na seqüência acima apre­
sentada. Assim, o iníci o da análise seria marcado pelo predomínio
do discu rso retórico, por meio do qual o paciente tenta convencer
0 analista e termina num momento em que predomina o disrurso
estéti co. Esre movimento corresponderia a um atravessamento da
transferência uma vez que esta "implica, em alto grau, um pacien­
te tentando persuadir uma audiência que ele mesmo criou" (p. 80).
Nora-se uma aproximação entre o discurso retórico e a transferên­
cia na sua vertente de resistência. Quando esta audiência se desfaz
restaria uma valorização do meio pelo qual se efetuava esta pseudo­
comunicação - as palavras -, dai o predonúnio do discu rso estéti­
co. Ul trapassar as resistências significa, nesses termos, suspender a
inflexão retórica do discurso.
A argumentação de Mahony, apesar de descritivamente inte­
ressante, incorre na ingenuidade que fixa a interpretação como
um evento comunicacional. Dai o emparelliamento do discurso
retórico à resistência. Em função deste modelo comunicacional a
retórica será reduzida à uma intenção persuasiva do discurso. A
fragilidade da pel3peCáva as.rumida por Mahony deoorre do fàto de

19
DtJNKEI
O 1IP"
,111
(HIIS11AI ING
cransfonna num ato de comuni
. . . cação e Ilão
retiÇ:ͺ se
neJaainteIP º u n1r:1. a eqmvoa dade desta oom u nj _
que o [UÍÍdº• ,- . . �
um apo n car par.1 falar da perspeaIVa geral da i n terp reta _
n . (1 99 1) ao . . º . Ção
M ann o n t . de Sancho Pança d mg1do a D . Quixote: "O
co )he
·aao d1 ,,
S enho r . 0 grau i.er o d a in te rpreta -
.
com par.t que d
iz
vossa Me nx:• 0 � esce dito: "Esru ta bem o que d i sse" Ção
' en sao d • Se 1e.
pertence à d � cti va a e de M ah o , ve m
. esta perspe � �y os que
o
mos a parttf . . on al se vê reverndo a uma situação e m u
d co m u n1 caa . q e o
mo d O • · eceptor e isco p da p n m azia dad a ao ""
. o r co1nade co m O r pru-
1
em ss . e à amb"1g m" d ade de sua esai ta. Ass ·
. movimento dos signos . un ,
p no · , expr�ivo e es cé uco se vêem reunidos l
rec ó n pe ae
05 djscUrSOS .
co

• in rp ção. Re s ta da class 1ficaçao _ p ro


, a te ret a po st a por
na p ro pn srinr5o ntre o
, .
retona> e o d"a
I l é .
uco, te út am
e es · o
M� ey - di r re
d referente e na verdade. Mas que fere nte? - o t rauma
�� º �
&ncasia, a realidade, a sexualidade? Veremos nos próximos en sai-
siderar a noção de referente na psi canális
� a dificuld ade em con e.
e bcem o s quan do oonfronramos um autor oo m o Mahony,
0qu o
, m O. Man noni , ligado à tradi­
l i do à trad ição anglo-saxô nica oo
: francesa. nos parece el u cidativo. M ahon y dil ui saber em verda­

dt ao pensar a incerprecaçáo oomo u ma comunicação. Mannoni,


pelo contrário , ressal ta qu e a interpretação resi de no não saber.
Num caso a legitimidade da interpretaçío pende para o analista:, no
outro para o analisante. Num caso toma-se premente uma teoria da
verdade, no outro uma teoria do sujeito. Numa cerreira perspeaiva, ou
seja. do ponto de vista da retórica. o tema da verdade se resolve pela
�ça e o tema do sujeito pela persuasão.
O ruidado rom os perigos da retórica fica patente, por exem­
plo. no caso do Homem dos Ratos, em que
Freud ccige que o
paciente reconheça que ch ou à li ção entre
eg o sin to ma e.a sexu-
ga

20
UCAN E A alNICA DA IHIERPRETAÇÃO

al id ade infa ntil po r si mesmo, não tendo sido, por assim dii.er,
su gestionado por Freud . Em Dora o reconhecimento da ligação
c.o m O Sr. K segue uma estratégia semelhante. Nos dois casos há
u m in ev itável efeito imaginário da interpretação que se encon tra
do lado da persuasão, ou da sugestão. É nesse sen tido que Lacan
postula qu e a resi stência é resistência do anal isca. A análise cami­
nha no senti do de uma dupla dissolução da perspeaiva do con­
ve ncimen to: do lado do analista, pela elaboração do desejo de ana­
lista, um desejo sem sujeito, logo sem persuasão possível; do lado
do analisan te, pela dissolução da alienação que o coma apto e mesmo
de mandante de ser persuadido.
A interpre tação é uma fala que escuta o dito, que fu dito sem
dissol vê-lo com pletamente num saber. É uma fala guiada não in­
tegral m ente pela intenção. A interpretação confia assim numa cer­
ca racio nalidade do discurso ou do 'texto', supõe que ele possa dar
suas pró prias razões. Ainda sem tocar no problema da diferença
enue o escrito e o falado d iríamos que a interpretação em psicaná­
lise concorda com a teoria proposta por Eco (1993) acerca do
texto, isto é, de que além da intenção do autor e da intenção do
leitor existe algo como uma intenção da obra, que se move na
independência d o autor e do leitor. Por isso, numa análise, o dito
é soberano: uma vez realizado, deve impor-se à situação clínica a
partir de s ua lógica interna.
Lacan, no prefácio à edição alemã dosÉcrits, fala da interpreta­
ção a partir da Midrash. A Midrash é um método judaico de in­
terpretação daTorá que se pauta exatamente por esta suposição de
soberania do texto. Detalhe sugest ivo é que em raras ocasiões o
rabino está autorii.ado a fazer interpolações no texto, uma delas,
de acordo com Ischmael, é denominada de método de Ceres ou

21
� '"º 1JJZ r,u11ai al rocedimen to se auto raa qu.....
Çl,º· T p .. h. d
cca
,nécodo d ª eas
da.d d e
exto épatente (porco n tradi ção entre d ol.l a
o
. __ ,:u e o llasp
irtaªºna
u ando há u m a concrad"iça_o fo rte en tre a lei CScri as.
sagens) ou q .., cerra época. Uma caraaerlstica com ta e a
era d ,.ça,o oral de u,. .a
imen co da M i dra sh rar·
entre os 1seus e da .61 oso� en• ·
uni
oa en t
tce o suig •ensão ' historicamente atestada, en tre ..... .J ....1:

-,,q()$ é u
m a "' <lll
os 1,·""D- • , crica. Os recóriros estão do lad o da tradi - iÇão
rndi ÇàO es çao ora,
0raJ e .ca.
fos da esa,
os E]6so
,, en tre fala e escrita é. o que coma posslve] a sUspe1,ta
A censa.o . bre O sentido do escn to. Ele se altera histo ri""' ...
que JeCll so - hi . - --••ente
a rede de signi.licaçao é seónca e n ao transeenden
porq ue
do de Ceres visava • con cili"ar esta tensão tal.
. como o méco º " · - n
As,sun
h enn e n êutica JU d arca , em so1 o cnsrao JS· to está n n o
cerreno da • . . o u.
h en ê utica pa trlsaca. A es cratég,a cns tá p ara co n
deo da erm " " roi
ter as
'af'tll'.Ç de sen ti do a q ue u m rex co esrá SUJCJto r. basicunenre
van r--
de dividi -lo em camad as d e
·
sena"do e d e li mitar o ace&o a estas ª
camadas segun do uma hierarquia religiosa. Assim, pode-se dividir
os diferenres sentidos de um ccao, segundo a hermenêutica aistã,
encontrada em Oclgenes, em:
a) Jiceral: o rexto é soberano, logo não contradi tório e imu ne
ao rempo e à aansfo nnação da tradição na qual se in clui o leitor;
b) psfquiro ou moral: o rexro é triburário de algo que llie é
exterior mas igualmen re não contraditório, dada a unidade moral
ou ps{qwca desta exterioridade. Ele resiste ao tempo porque o
"Bem" resiste ao tempo;
e) mfstiro ou espiritual: o texto extrai seu sentido a partir de
uma exterioridade, a "mente divina" que é impenetrávd aos não
iniciados ou não parc{cipes de uma comunhão direta com a mente
e o desejo divinos. Veja-se a teoria da iluminação em Sanro Agos-

22
UCAN f l alm DA INTHl'IIETAÇÃO

tin ho e de modo geral a idéia de participa ção enue os medievais.


Lacan ao situar a interpretação ao lado da Midrash nos leva a
crer que seu caráter deve ser eminentemente literal. O discu rso do
pacien te e suas associações possuem soberania na determinação do
sentido. Ca beria ao analista reenviar os diversos fr entos a si
agm

próprios para que a interpretação se efetive. Contudo isto repre­


sen tari a a aplicação de princfpios de análise de textos à análise de
di scu rsos. A primeira versão de Lacan acerca do simbólico romo
u m a es tru tura formal de oposições e de redes significantes se ajus­
ta a o método reologal que supõe o fechamento do sentido no texto.
Esta seria uma maneira de entender o uso interpretativo das
"resson ân cias da palavrà' proposto em " Função e campo da pal a­
vra ( 1 953) . As ressonâncias seriam absorvidas por outros po ntos
do discurso ab rindo novas séries associativas.
Ou era man eira de entender as "ressonâncias da palavra" é a que
encontramos num comentador como Miller (1 994) . Seu ponto
de partida não é a teoria da interpretação dada na Midrash ou na
pacrfstica, mas a retóri ca indiana. Para tanto, Miller se apóia nos
escritos de um dissidente do surrealismo, R Duma!, que em 1 938
publica u m texto sobre a poética indiana onde se acentua o papel
das ressonâncias da palavra. Dumal divide os sentidos possfveis da
poética indiana em três:
a) o sentido literal (que se obtém, por exemplo, num dicio-
nário) ;
b) o sentido figu rado ou metafórico (a conotação);
e) o sentido sugerido.
As duas primeiras categorias mantém uma relativa proximida­
de com a hermenêutica de Orlgenes. No caso do sentido sugerido,
explica Miller, ceata-se de algo irredutfvel ao c6digo, "... é algo que

23
DUNKtK
N GO l.ltlZ
o,aiSll� I
., das . oco rre n u m lu g ar e m orne
d as d r cu n sl.iln nto
Cs& .
nen d e · d suge r i d o, o corre o q u e Durnat ehani�_
det'- d o sen ti o . .
fico"· No �S " mais de sen ad o " , que os in dianos eh ªde ·
O

u a
;m ais de sentid o" , se ele se distin g ue d :lltiil.tit
PÚIS dttlflstntitÍD•
.
'· Ess e a il.S tat
de dvh · res é pa rque não es tá p rese nte e m nenhurn d 1" .o ego.
o - CJ M.,
rias anteCI . À luz de no ssas reflex oes acerca da te nSão ·""'lo
· do....klu 1a. e
ou ena }"' o d ir ramos q u e o avnani po ssu t u m a tem ntrt o
JL
'
. •

o fala d Po ralid
escrito e o es cn
. .
to a.
n te d a d .
de di . fere era m el d e mterp retação llli M.-L " ""\lllco.
os co o. o nív d .
A d ln 1ca m ·c uj t c
.
irru la r co m
.
rJlll e ao
s ei o m:us desenvol
escrucu ral pe cáf d e cidad
tu
o m e ora c or respo n à e (p o r su a histó � llo
ss a ria,
que em n ' mp lica' etc. ) ; n o entan to , este nível é i nsufl . as
e e I a a • ciente
ru1· açõeSqu
m v · sca a presença d e u m res íd u o não co mple
1
se re mo s e • tarn enrc
d i nt erp retaça o.
ass ávimil pd a
• m do geral e o rema do go zo em Lacan "'"'
A pu1sao de o urna
�::;n

il s aç ã o do q u e se ria este res íd o nã o c o m pl e tarn en


boa u tr
u

á à in co nexões d a h 1s " to' n. a d o SUJ. et. to. E en c ram te


ass imil � I s ter on t -
desta fo nna, e m co mo da idéia d e i nterpretação co mo "ressonân.
cia da palavra" u ma vertente teo logal, m id ráschi ca e estruturalisca,
calcada na autoridade do texto , e por o u tro lado in dicações de
sua insuficiência: o método da Castração , o dvhan i e o peso da
tradição oral.
No encanto, o pressuposto su bentend ido ao método teologal ,
ronfonne a des ignação de Eco (199 1 ) é q u e o sujeito do texto é
u m sujeito sem falta e mais, u m sujeito que ap lica sua intenção na
aiação do escrito. O pomo de co lisão co m a psicanálise é justa­
mente a tese de que o sujeito em questão se dá na falta. Teoriw o
estatuto do sujeito num a vertente estric:un ente midráschica-estru­
ruralisca toma-se imp ossível . Conceber o sujeito , em psican.ilise, e

24
l.AaN E A alNIC.l DA INTERl'RfllÇÃO

ao mesmo tempo uma primazia do código, implica em dii.er que


o código está em algum momento exposto a um colapso, a uma
contradição que destrói seu próprio estatuto de código. Neste sen­
tido o Outro não pode ser reduzido a uma forma de código geral
de onde emergem as mensagens do inconscien te. �im salienta­
mos o método de Ceres, uma vez que sua existência mostra histo­
ricamente que de alguma forma as remissões são insuficientes e
que a identificação entre o simbólico e o puramente semiótico não
nos fornece todos os subsídios necessários para pensar a interpre­
tação. Como afirma Eco ( 1 994):

"No n ível l<Órico, no lacanismo, o simbólico se identifica ao semi61ia:,, e ate ao

Jingu lstico; parece q ue a prática do lacanismo reintroduz modalidades in1eip irta1ivas

q ue se estaria mais pro pe nso a definir em lermos de modo simb61ico" (p.203)

De fato, a dificuldade em pensar a clínica da interpretação a


partir da redução do simbólico ao semiótico decorre da dificulda­
de de apreensão que o semiótico traz com relação ao problema do
sujeito. Eco parece desconhecer a alteração da noção de Outro
que se opera na obra lacaniana no período posterior a 1 966. De
fato, o que esta filiação estrutural ista, que procede uma diluição
do simbólico ao semiôtico (ao modo, por exemplo, de Lévi-Strau$),
ignora é a auctcritas da interpretação. No caso do mito parece
pertinente ignorar a questão da autoria, mas e no caso da psicaná­
lise? Quanto mais estrutural é uma interpretação menos autoria
ela possui. É justa.mente a hipervaloriza.çáo da auctvriwno âmbito da
psicanáli,;e anglo-saxônica o que Lacan parece condenar no modelo
intetpretativo calcado na sugestão e no imaginário tra.nsferencial.
A oposição entre letra e espírito, que contempla os termos da

25
DUNKER
INGD lfNZ
(HIJSIIAII can o, se traduzi u ao final da ,.._
o s ra d 1
q ue escarn . ' tre a auto n. a e a au ton. d ad \lilde 1.
. •vié,.
oposi�º n co rrêncta e n e da lflter,,.
co m a o scilação do fund amen to em ·l'te.
d•· a numa
... nco e m u e su qucll\ ,
ta�º· pa, ..... �digo (o qu e i nterp reta) a aut m
ono ia ltt.
rer.a ou no .0
tcl'l' , 0 pa de ser co locado, ao final deste Pro.
d incerprecaça Percti
bleJtlª ª es cermos: fSo
os segu int
hisc6riCO , n

1. ""!" r�.fi'O,, estritarnm� literal. midrdschica e estrutu


05 cenoa se an
cora no panto de vis ca epistemolóPi ra/is
sua co 1s _. J ue esta vertente acentua como cond'
de
o- co llll}

. . rifiow o q _
suJett0 pu _ ro b le ma maio é cons ide r o IÇào da
u ra dese • d
·111�erprecaçao. Se p 1 0 0 ana.
r

que suas prenussas co mam es ta reflexão estri r, ...e
lista. uma ve:z. _,,, n.
te impossevd;

,.,.;,anpsiquista e espiritualista, que se ria a alternativa ,


2• ., ª, ...,... vel d o ponto de vis · m
· ta episte une.
diaca. é a n·go r insUstentá • • ol6t)"co
i,; e
sa d o panro de vista ético. O m terpretador apela a
perigo lllna
com tência ética que o deixa livre para ex:e rcer a persuasão e
pe seu
derivado al ienan te;

3. uma cerreira so lução. que leva em conta a retórica, mo stra-se


nea:s.wia: da nos faz levar em conta as vicwitudes do ser falante
(para O qual as leis da língua não são in teiramente transportáveis),
isto é, o rernpo, sua particularidade hlstó rica e desejante e ao mes.
mo tempo reconhecer a pertinência do nlvd da letra.

Ora, esta ronexáo poderia ser reafu.ada justamente no plano


rctóriro, desde que este se desli se do interesse peooasivo ou
gas
que esta intenção se sub sti tuísse por outra fo r
ma de desejo.

26
l.lCAN E A alNJCA DA INIEll'IETAç.10

Esta outra forma de desejo torna-se então o centro do proble­


ma. Afirmá-lo como desejo de anaJisca parece ter sido a solução
encontrada por Lacan.
O tema é bastante vasto e remete a muicas ouuas artirulações
(com a ética, por exemplo). No que coca o àmbico desce artigo
pensamos que é possível falar desce desejo a partir do estilo retórico
de cada analista, isco é, da forma como incide a tentação persuasi­
va e de como ele se 'auccoriza'. É neste estilo e na tática que ele
implica que podemos faJar da liberdade e da ínventio na clíni­
ca. O anaJisca está mais livre em sua tática, isco é, em seu estilo,
do que em sua estratégia e em sua política. Reencontramos
aqui a tese de Lacan.

SINTOMA E INTERPRETAÇÃO

Exanúnemos o estatuto do sintomae suas relações com a inter­


pretação. O que se pode chamar de sintoma analftiro, o úniro
propriamente interpretável, não aparece imediatamente na análi­
se. Há um sintoma, enquanto forma de sofrimento subjetivo, que
existe antes e fora do dispositivo analítico. Chamemo-lo sintoma­
letra, que demanda um sistema referenciaJ discursivo que o inclua
e pede de &to uma explicação que o paciente não poupa esforços
para obter. O discurso de mestre e o discurso universitário são
respostas a este tipo de sintoma. Entendemos aqui o sintoma-letra
como sendo pré-analítico e não como sint(h)omme.
No texto "Variantes da cura tipo" ( 1955), no contexto de críti­
ca à análise orientada pelo ego do analista, Lacan valoriza um au­
tor cujas idéias aparentemente estão bastante discantes da psicaná-

27
lJ U N K t•
N G O lEMZ
(HIISllAN I
,,,r.ilh sta s urpreen den te ....
· � w • el m Reich . E
li«: .lac:tJl q u1.••• r d ,..,��
.-. de Re. ich . ace ca a análise do �
tal
�.e �
ó
ap ia n as p es .. te r. t . ..."'
· c.' ra O p nmeiro a 1 evar e m co n ta a i dé '
ue Rei
d1 ll • ia &e '-te,. ' ....,
afirnlª q pa s SUI
· u ma estru tura
.
e qmva1ente à d o . Ud l.:lh_
Sinto ��
o . .
de que O eg d do caráte r se d 1ferenaam cl mic:un en �a. <:)1
. ao n f\l . te
sllltomas . en te d itos (i' dé"ias obsess was, co nversões dos ªli\. .
ropnam . •
tontas P . m n a fonn a de u ma querxa. São sin t etc,) Por
uzire orn
na• o se trad. ilen ciosos . Eles acu sam, em term os &e as.' deste
d vist a , s . ud•an
neo e .
pa êncla da defesa sobre o d�J º (Lapl anche, 1 9 86) . e}:.ª
preval e te p
ca se e m r lação a m r retação esse sin �
n r to rna.
entáo pergu a cifia"dade. Lacan a6rma, no r....... L.
q e r ai g um espe "'
-ua
não re ...... _
an
.cadº• q ue O eu é "o q ue se barra para dar l ugar a terior.
u LU

mente o "
. o da interpretação" (p. 32 8) . &se pon to-sujeito" d Ponto..
0
.
suieic . • _ e., . a lll. tcr.
• ndereçaria a estru ura t met aro nca do sinto rna. 1 ,
precaçao se e •vias
• s ·
m to ma-l tra estr utu ra do ro mo um a m e táfora) o••�
sena o · N ._ hi·.
e
.
ó cese é q ue seria mais apro� nado faJ�, no caso do s�n to rna-let
p . . ia,
q
de um tipa espeaal de metáfo ra: a u ilo que os reco ncos chaJnain
de alego ria.
A chamada "envoltura fo rmal" do sin toma, is to é, quando a
queixa se formalii.a no campo do O u tro (Mi ller, 1989), é O era.to
conuário do "sintoma-letra", u ma vez que este é a própria fo nna.
J.i7.ação do campo do Ouuo, como um campo sem falta. É por não
estar formalii.ado no cam po do O u tro , por n ão possuir uma
"envoltura formal" que o "sintoma-letra" é de diflcil acesso à inter­
pretação. Um sincoma-mecáfora é o úniro propri amente reativo à
interpretação, uma va que porta um a demand a de equivocidade
e é também uma formação desejante. Propusem os que o sintoma­
letra funcione rom a estrutura do q ue os retó ricos chamam de
alegoria.

28
IJCAI E A alNICA DA IITEIIIETlfÃO

A alegoria está no cenuo de um método de interpretação de­


senvolvido por Filo de Alexandria. Essencialmente este método
visava extirpar, a partir de um saber exterior ao texto, seus elemen­
to percebidos como irracionais. Duas grandes aplicações históricas
deste método são conhecidas: aos textos épicos de Homero e
Heslodo, injetando-lhes filosofia platônico-aristotélica, e à cristo­
logia, que fixou o sentido do texto bíblico, forçando a Antigo
Testamento de forma a fazê-lo confessar um tom profétiro que
este não possuía.
Uma alegoria é uma metáfora indutora, uma medfora 'enlou­
quecidá, capaz de gerar uma série metaforiwlte interminável. A
alegoria é o que se obtém, ao nosso entender, quando se considera
a metáfora como analogia, como quer Perelman. A alegoria parte
de um signo em que seu significado não é indeterminado, mas
determinado e unido à uma sign ificação atemporal.
A teoria nasal-cósm ica de Fliess é um exemplo de i nterpre­
tação alegórica. Fliess, que para alguns fora o analista de Freud,
parte em sua teorização de dois significados matriciais: as "subs­
e
tâncias" masculina e feminina, a partir das quais o universo s vê
alcgori7.ado. O lugar originário dessas duas substâncias pode ser
captado numa parte do rorpo: o nariz. Desta forma os sangramentos
nasais representam a menstruação, a congestão nasal a gravidez as
duas narinas referem-se a cada um dos sexos e assim por diante.
Essa associação entre a menstruação e o nariz (associação alegóri­
ca) será a base para a hi perincerpretaçáo, cuja característica maior
é não poder ser desmentida (daí o tom delirante). Como afirma
André (1 987):

"De tudo o que � menstrual � periódico ele chega a 'tudo o que � periódico � mens-

29
DUNKER
( NGO I.DIZ
(ltRJS11AII
,.A gra ndiosa de um umveno regulado
ncr r,-o pcIa
e- SC cnião a co . llle
• A ti nr, ula d o par estes perfodos, o dia da mo ne ••- . ri.l11t,
1 ruJ r . do paitº ,! � • L
.... JJue
d ia ni d..
( ) se o nvolvimcnto dos tecidos e das fun� ( ' ""'vt
. . nio do dcse •nct u. ·
. . rn "'- �
•��loº , t,c
º
etc,• (p .3
!O(,!stias
�nda dc n
5) ��
(11 ,) , 1�

é u m s intoma que não vacila, que s in


le e
O sin to rn a- �ue ne n hu m a questão dele emerge. Pe� de
o
131 (orrna a� eg
cese de Lacan de que o ego possu i Uhl�os
e : •• n
...,.... se aju sta à •e aran . disn..
qu . óica. Lemos es ta d'1sposi.-;n fY.1 ... _-r-v-
. [11Jl seca men , p . .,...., l'" - ca16
siçiO lll pe interpretação próp n a da aleo '
u
ern s a hi r -oori 'ta
não apenas tê a que dele emana a que sim plesm nte as
a, m
na resis nci e ai
ta111bém m u niverso paranó ico é esse ncialmen ss • g0
'o. U te i o.
rca senod u . um
n d e c do pa ssu1 sen a'do.
pe ·
u111 . [SO o
u u in oma-letra se estrutu ra como u ma ai
oa.ernos q e m s t .
ve

il - . . ego-
· pa .is fu nao na pela assun açao d. as "_ rrraao nalidades" p ró .
,
. Pflas
lhes explicaçoes e consistência sub
na.
. n. saenre fomerendo- bé .ietiva,
ao mco .
crítica d e Lacan à ps1canál',se d o eg� e cam m à escola in
A gle,.
-o , e m renn os de histó ria da interpretação, ao ad
sa co 1 oca l o da
'd.rash e contra O alegorismo. Quando um sintoma pode
M ser
�cado apenas como um a metáfora, de se dissolve. No entan to ,
nder por mecafo rizaçáo, em intervenções do tipo "é <Xllllo
� , nada mais faz do que a limentar a alegoria e o ex� de
sentido que lhe é pró prio. A interpretação pela nomeação retóri
ca
do equívoco introduz ao mesmo tempo um ganho e um a perda de
sentido, daí a expressão "inter-perda-ção" sugerida por Lacan. Do
lado da perda enamtra-se a castração como perda de gow, do lado
do ganho enoontra-se o goro fálico possível a partir da parcialização
do sentido. A an:ilise procederia, portanto, do
sintoma-letra ao
sintoma metáfora.

30
UWI I A alllCA DA llllllffl!AíÃO

A rigor o ganho ou perda de sentido derivam de duas fonnas


diferentes de compreender a interpretação. Isolamos esw fonnas
em termos te6ricos a partir da ret6rica patrística e da ret6rica
indiana. Talvez estas duas venentes aproximem-se da separa­
ção que Freud (1907) fazia entre interpretação histórica e in­
terpretação simbólica.
A interpretação histórica é aquela que recupera o sentido de
uma formação do inconsciente a partir de elemenros ou conexões
entre estes na esfera da biografia discursiva do sujeito. Mas que
interpretação não teria isso po r horizonte? Poderíamos pensar na
interpretação simbólica mmo apoiada em a1go uans-histórico. uma
espécie de código cranscendental que seria o responsávd por cenas
equivalências. Assim, Freud dá exemplos. na lntnprnaçiD dos so­
nhos (1900), desse tipo de interpretação ao sugerir uma ligação
quase "natural" entte "pênis" e "guarda chuva" ou entre "escadas" e
"relação sexual". No entanto, esta espécie de significação universal
de determinados signos ficaria mmpletamente ex:dulda no qua­
dro da teoria de Lacan. O que fuer então mm a idéia freudiana de
interpretação simbólica ? Parece-nos que um bom caminho para
pensá-la, depois de Lacan. é considerá-la à luz da aítica da idéia de
simbolismo universal. Se não há simbolismo universal trata-se de
dar lugar a algo, que mesmo após a interpretação, pennanece par­
cialmente destituído de sentido. A idéia freudiana de "umbigo do
sonho". o limite do interpretável, seria mntemplada se aderísse­
mos a este raciocínio. Voltamos então à tese da perda de sentido
como efeito da interpretação. Isto é. não só perda e substituição de
um sentido po r ouuo mas abertura ao que permanece po r dizer.
Exemplifiquemos isto num fragmento clínico analisado por Freud
(1 927). O GlanzaufdieNast, brilho do nariz que regia as escolhas

31
NK ER
O [.EIIZ pu
(H ll>t11JM ING I
te d e Freud reso lve-se pe a nomear-:<
11

n l"'
do pa ci e al mã o ) - G 'lance (oIhar em in lês)O do eq�,.
a111 or 515 (brilh o em rea e g
ção o u dem o n s tração com . N�
o eic · .'�.q
�k/nZ ,
yaco ma eXP ,
·arnence u . . l , 11 l igação entre os e1 e mentas do 1&iti
ro rt m as B1fll'ttn,!, ' e qu
p · spc6 reles,
se r n o mead o, separa o goro do o lhar da . .
. s 1
ºeo.
tv a
o o , ao de "b n' Jh o,, i n tegra-se &n· 16rea.
O equfv c o b fl'Iho. A sign ificação
}JI . à hIStó
cr.1.da a m erna e ra o mg 1 ·
e s . N t .. -
ça� o ut, -
a língu a
at o e n ...... • to n �
o cUJ· e -
do s ujeit
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' qu o um
ed , da em e ev ca . l' men to puls1.o ao Se e
n n
fedu
z a esta• e, e nquanto tal , res is te a ple na i nscr,.Ção (o
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or tia do ) q u
olha! er pe n sa rn os qu e a "exegese" d o sen ti d o de lla
G
J inguage
111 ·
rn a espe'cie de etim ol ogi a retórica. o lirn . itz11�
de a u . rte d tt.
corresPo n. 1 ern e n co pul s1onaJ e seu co rrelato sub 'etivo e.�"'
oe J .
. º1og1a é ca o da interpretaçao
eCiJll
- h 'st .
1 ónca: qual pod .
o s erra se
To rnemos retó rica? Aten tem os para a d.unensã r
� co rn ª o s i ifi
sU1 lig r- . o deva cap ear C3nte
o gn
ao fato de que. a in te. rpretaçã
a

desta hi srón a e . . 0
Ponto
n w e a d ia cr o nia e a sm cr o ma, m o é , c r u, .. ...
.......
e
de enco n tro ' de resson a• nc1. a e da sucessao -
0
uento
e1 d a d a de signifi _
da sirnc.u1 can nsar es tes processo s em term os retóricos .
caÇões,

Uma 1orma de pe . _
d um la d o na eum.
olo gi a (como s ucessao d e s i.gn jfi,..,seriaJ
pensar. e "'4\IOS
. ncamen te variáveis) e de outro em al go q ue refl etisse O �·
hisco • . . pcua-
doxo de um sujeito causado pela co n co rren c1a de s1gnificaçães
simultâneas e con trad i tó rias.
Freud (191 2) partilhava da cese de q ue o s ignificado primi tivo
das palavras seria antitét ico em relação ao se u s ignificado contem­
porâneo, isto é, haveria uma espécie de inve...Jo históri ca operan­
do ao n!vel do sentido. A tese freudiana (retirada de Abel), à luz da
filologia moderna, mostra-se incorreta. No encanto, se assumirmos
sua dimensão retórict, ela se mostrará verossúnil e capaz de arolher a
oontr.idição de significações que a interpretação deve procu rat

32
Interpretações que trabalham o equivoco a partir de uma refe­
rência ao que Freud chamava de "infantil" mcrec.eriam ser ron.si­
deradas como se examina um processo etlmológico. Para contem­
plar tal etimologia, sem nos projetarmos na fixação dos significa­
dos primordiais (uma simbólica, por exemplo romo fazJung) será
ne�io recorrer à idéia de uma etimologia que do ponto de
vista filol6gico seria no mínimo duvidosa.
Lacan, assim como Heidegger, uáfü:a em vários momentos à
eficácia de uma eúmologia que podemos denominar de ret6ria..
Por exemplo, ao derivarpervmion de pere--vmion (versão do pai)
Lacan faz equivaler o radical latino "per" ao francês pere, o que
lingu isácarnente é injustificável, mas que se ap6ia numa "resso­
nância" cujo efeito é de verossimilhança. A interpretaç:ío como
pontuação pode funcionar como um ronvite à fu.bricaçáo de uma
etimologia não semântica mas homofônica. Deste modo, a :woá­
ação livre que lhe segue traduz a história das conjugações que dão
ao significante sua feição singu lar.
A idéia de etimologias rec6ricas foi localizada por Plebe (1 992)
em cenos procedimentos heideggerianos. Trata-se de traduzir,
nocadamence do grego, cercos termos, impregnando-os de uma
significação que originalmente estes não poderiam ter. É o caso do
dito de Anaximandro onde Heidegger introduz termos romo "cura
existencial" ou "escada na terra" que são estranhos ao mundo gre­
go e ao seu universo de discurso.
Tu.ta-se de manipulação, justificada pelo conreito de Untmchiebung
(troca). Em outras palavras, atribuição ilegíâma de uma idéia ou pro­
p6sico. Mais imponance que a fidelidade ao texto é a "tendência
efetiva da problemática" (Die sachliche Tendenz der Probkmatik).
A questão orienta e legiáma a troca ou "forçagem" do sentido. Os

33
\!III OuMKtl
(HalSllAN IH60 • •
aocadilhos e demais distorções . que nulll .
10go5
• de p�avra, a.aram
c;araceer
e até po pulanzarain O I
. ªCll\is
Prit)ie-
1,
m o h
ro mo ent 0 0dem ao que. a retónca e ama. de diSSoc.1a. !)}o _ {}

u....i ca corresP , ,. ter5chitbung é uma varian te \'.ão ,.
."I:,
v "" d ual a un ·
111â.nôca, a q ma da in terprecaçã pode ser resumido o
Se o prob . n ificativo do discurso, como afir- a eol)}o e�,
le

ermo s1g .. ,1,a o t


concrar o t d a palavrà' (Lac:an, 1987: 2 4 2 ) ou �to d�
• 0 e campo O
Pont
"fu ça . chega ao limite do que o momen to
n . o 'lll
s · eit o pertll1te
que o uJ alavra ' co mo se d á no texto "l nstân . a �
e fetuar a p eia da
disalfS demos supo r que a lo ca1·ização da questão 1etr��
0
o
(·1dem·3· 5 8) , P ·m l gia r conca , . e que d
e eo o o e esta s6 se autor· o su·Jei,.
eced a .
co pr al 'm d a ho mofoma pem. nence. Se a piu..•12.a se 1�ar
nta ai go e 1aé
em co . ento da diferença en tre o so m e O sentid o .<:ani.
V'-,)

• e, encrecanto a qualquer momento que se tra °d Filo!


de escreitam (
Po
1975) nao . et,
• . . . ta e IIltro.
dUZI!. a d'1SSo0'ar:i ro .
semanuca .que cause. tal estreitamento.
a determrnad a pacie nte encontra-s
Por exemplo' um. , . que é nom d e às Vol
cexto smto mauco
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ea o pelo sio,,:I.! tas
� �

1, __ 1d ,, Por outro lado t raz também uma questão rei


��

"cmu.u a· • , • ªllVa ao
d . d sua fiddi dade. A rnterven çao do analista faz es '
exef OO e candu
"di sc ra.í da
,,
em
" '
diz-tratd
I
a
"

d e mo do a .
ligar sinto
o termo .
O rna ao
dese'Jo em questão em t.omo da fidelidade. O que este analista
reafuou em tennos recó ncos correspon de a\ d lSSOCJ ' . açã se
o mântica
d"e distraída" , no e n tan to ela nã o poderia ser realizada antes q
ue 0
discurso do sujeito o pennitisse. Antes do ponto em que O princ{.
pio de Sancho Pança pudesse ser aplicado.
Proredimento semelhante enconuamos em Freud ( 1900) quan­
do este se detém sobre o sonho de Alexandre o Grande. O general
macedônio sitiava a cidade de Tiro e hesitava entre atacá-la ou
não. Neste momento sonha com um sátiro dançando sobre um

34
UCAII E A alNICA DA INlERPRflAÇÃO

escudo. A interpretação dada pelos adivinhos realiza-se pela


dissociação semântica de "Sátiro" em "Sá -Tiro" (a cidade deTuo
é sua). O significado de Sátiro, ser mitológico, metade homem
metade bode vê-se trocado, substiru ído não apenas por outro sig­
nificado, mas por um desejo expresso na substiruição. No entanto,o
"novo" significado não está imune à dissociação. Isso nos penniti­
ria uma definição provisória do significado como a fixação tempo­
ral de um significante. A história das conjugações do significante
possui autonomia e primazia em relação à história das conjuga­
ções do significado, como mostrou l..acan; entretanto, quanto à
tática da interpretação trata-se de encontrar o momento em que as
duas temporalidades se cruzam.
O que a interpretação alegórica visa contornar é justamente
esta temporalidade: suas pretensões são sempre as de fixar um có­
digo semântico atemporal. No caso da interpretação psicanalítica,
a atenção ao tempo da interpretação e o momento de sua entrada
são cruciais justamente porque o que a comanda não é a atempo­
ralidade. Quando o instante de uma intervenção é perdido, é pos­
sível confiar, pela equivalência entre diswrso e estrutu ra, na repe­
tição da questão. Porém, nesta repetição será proposto novamente
um instante temporal para a interpretação.
Em "Função e campo da palavra. .. " , Lacan fala da interpreta­
ção como uma forma de reviravolta formal do disrurso; ele se
refere a tomar:
a) uma história cotidiana por um apólogo;
b) uma larga prosopopéia por uma interjeição direta;
c) um simples lapso por uma declaração completa;
d) o suspiro de um silêncio por um desenvolvim ento lCrico
(Lacan, 1987:342).

35
NKII
GD l.ENZ Du
(HKllffJN fN
reviravolta trad uz a ru ptura da te
s o s caso s a lllp
EJ11 co d o t dos os casos ou se trata de d· o�i.
, jfi çi o . Em o 11.cr
s 1g co m mais ala Ili
dade d a u de daer menos P \'tas. 'h-aig.
ca

alavras o
n

os p . . fi -
cof11 Jllen r d as s ig m caçoes co ns i · ....la.
l. Cl tempo al t tuIU d
.e de din iJn Par a
,
os retó ncos gregos t rata: . ,... .1
""IC
espéci . da t re órica,
sempre o obJ:�':.i o instante em que a palavra extraia :va-Sc de
o
crat O �J' v'i, ll\4icilllo
encon /urjrÓS pertence a uma tempo ralidade que nã
,

to . O o
de efei eid ade, mas a d o aco nt-:� lle111
cessão, nem a da s imultan . -nent
a d a su o de lmguagem é o que º·
d esse aconteciment flnei
Ab usca
. rp çã Ne sta, estao - envo 1 v1 d o s ppe

a re a a
clt·ca d e 1n te reta o. . . anc0
i • _
o sem ân cica , a etimol ogia retónca e o temp o. Es ª
djssooaça . _ hi . . _ sas três
. _ respo ndem pela cn açao, s to naz.aça.o e tem por.il:-__
dilJlensé>fS . - . . -�
. ni6 - e são dimensoes mterp retat1Vas pouco con 'de
da sig caça0 _ • . s1 ra-
adro d a i n cerprecaçao m1d ráscluco-escrucu ta1 ista.
Jas no qu
q
Falta ainda um quarto d emento ue nos permita fu.er
QllJI
rox m ção entre a interpretação psicanalítica e a tetón'
que a ap i a • . ca
nda pela evocação subJetJVa que d eve-se esperar de urna in-
. - se "re-escutar"
responção analítica. Isto é, se o paaence nao
cerve lllais
além do qu e "queria dizer" , simpl esmente não podemos fular ehl
interpretação. Para atender a esta exigência devemos supo r que a
estrutura da interpretação seja isomorfa à estrutura do sujeito. O ra,
Lacan fala desta estrutura a partir de dois modelos: a metáfora
parema e a banda de Moebius. No primeiro caso o sujeito se defi­
ne como um resíduo da metáfora. �im como ele será o resíduo
do sintoma ap6s a interpretação, isco é, uma questão e não apenas
saber sobre o sintoma. No segundo caso o sujeito se localÍ1.a no
ponto de torção ou corte da Banda de Moebius, o que permite
defini-la oomo uma superfície sem a esso e direito
v ou onde o aves­
so e o direito se intercomunicam. Tanto
com relação ao sujeito

36
iÃWI t l a.lNICl Dl 1111UPIEllÇÃO

como reslduo da metáfora quanto como lugar de torção o estatuto


do sujeito é equivalente ao do paradoxo. Isto é, o efeito-sujeito se
associa à ruptura da significação aparentemente totalizável. Por
outro lado, o efeito-sujeito remete ao "a mais de senúdo" da retó­
rica indiana.
O problema representado pelo conceito de sujeito pode ser
brevemente resumido da seguinte forma: se pensamos o sujeito
como um lugar interno à estrutura, no sentido de um sujeito in­
consciente, ele responderia ao quesito freudiano da sobredeterrni­
nação; isso, porém, comprometeria o projeto clinico da psicanMi­
se, uma va que não faria senúdo, nesses termos, falar em alteração
da posição do sujeito em relação ao sintoma ou em relação ao
Outro. Pensá-lo assim é teoricamente sustentável, mas operaáo­
nalmente problemático. Instalado em seu lugar estrutural, o sujeito
se fixa, imunaa a qualquer alteração.
Por outro lado, afirmar o sujeito como uma exterioridade em
relação à estrutura (um sujeito desde o inconsáente), é retomar ao
velho problema do fantasma na máquina, uma va que não se
poderia precisar sua ligação com a estrutura. Se de é um efeito da
estrutura, onde se poderia conceber tal efeito? Em algo fora da
estrutura? Fora da linguagem? Se optamos pela primeira leitura,
localizamos o sujeito no simbólico, se optamos pela segunda ele
está no real. Estamos mais propensos a admitir uma solução que se
aproxime da segunda alternativa. Já que este não é o tema imedia­
to deste artigo retenhamos apenas que nas duas alternativas o su­
jeito se manifesta como um paradoxo.Sua ligação com a estrutura
é por um lado lingu ística (um efeito de linguagem) e por outro
localizada no tempo (que não possui uma estrutura, pelo menos
no sentido linguístico). Do ponto de vista estrutural o tempo é o

37
EI
1 MG0 lDIZ OUNK ,1.
(JIR1SffA11
s, p
aradoxos estes que represe

i n duc o r de p ara d oxo

o -
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lll o ªPat:
do suJ· eit , • ca �
en co :1 d a in cerpretaçao este Paradoxo
rn No nível a e º d
da veros.çim ilhan ça e não corn oP<>de Ser 'h
m o ru pru ra ruph . . ...
ccndido co É a diferença en tre o parad oxo ló ·
yerda d e . g •co ·1.1ra� ....,
relaçẠà . Es te últim o per ten c.e por excelên . e o Ih.
âJl CI CO• . CJa à ' "q.
doJCO sem neo
-� ueno apó l ogo d as ongen s des..... . tet6tj"'
s era um r "' d1
corn o rn° . . s ul da Itália para ter aulas de re
Sci l i h
P�� ..,
ao
s as i
Nele Tí i v � � al m tempo este, considerand
J
t6
0epa is
e gu o O ens�<:a �Ili
(.árpaX· .....Je
P"" a Tísias u m pag amen to, ao que e Ut:1""•1cri......
n d u íd o, . es r
to co t es Po lld
mei um retó n co, sou capaz de co n
Se de & co rne co - vençê. c:
" -1 a2 r. se entanto nao co nseguir pers 1O .
n ão deVO p"t,-• no . uadi·l de
q _ s ou um bo m retó nco e portan to não d o• 'SSo .
u e
e nao
mostra qu ....,i ático pro r a so1 u _ o eva ll:i ..,
d o ..,..om ru a ça para um prob .-õól.
10• • O• n e tenta
.
feito e l
. Iellla,
se co n co m o e d mguagem e sua pro :r o
rero n co - . J u el'ação
logo em quescáo oo a n d usao do ensm m
a en to e
N ap6 _ simul taneamente negados e afirmad os. Se Tísi l>aga.
0 O

mento sao . as
o en si.namento recebi' do d e negan a te-I o concl uído "'Pagas.
se pel · ''l O
A

, · nn de oon d ui- l o é p rovar que ele não d en


r.anto, a uruc:a fo a • CVe ser
. •
Trata-se de um paradoxo semãn t100 porque s u a cha é
pago. Ye a
. nifi...
s1g
�n que fu; do retórioo "aqude apaz de peisuadü-
0 ou-• ..u •
. .
-r-
A figu ra retórica que resume a idéia de paradoxo semân ti é
co 0
oxímoro. Chama-se oxlmo ro uma opos ição entre um termo
e1
qualificação que lhe é dad a, ou en tre duas quali dades a tribuídas
1
um mesmo tenno, ou entre a simul tânea negação e asser
ção de
um mesmo fàto ou oonceito {Plebe, 1 9 92). O tó oxlmor,,,,
do
grego refere-se literalmence ao "agudamente louco". O oxúno
ro é
a �eia da oonttadição semântica rujas variantes são o paradoxo
(no sentido de 6gura retó rica) e a antítese. Ele
é a realização se-

38
màntica da coincidência enue os opostos, que a dialética reala.a n o
nível conceituai, a simultànea negação e afirmação.
Um aspeao do caso do Homem dos Ratos se presta à demons­
uação de como o efeito da interpretação é tributário da figura do
oxímoro. Trata-se de uma fó rmula protetora à qual o pacienre
recorria para livrar-se de certos pensamentos libidinosos que lhe
ooorriam em rdação a determinada dama. Para impedir-se de pens;{­
los ele proferia para si mesmo a palavra gkjisamm, neologismo
que construíra da seguinte forma:

- "gl" - glücklich (feliz)


- "e"
- "j" -jetzt uná immer (agora e para sempre)
- "is"
- "amen" - amm (que assim seja)

A fórmula protetora remetia também ao próprio nome da dama


(Gisela). A significação do cxmjunto seria então: "Gisela, feliz ago­
ra e para sempre, amén". É neste ponto que a interpretação pro­
poSta por Freud subverte o sentido da frase ao esrutar emgkjisamm
a terminação samm, literalmente "sêmen". A fórmula protetora
reunia justamente o que visava evitar. a união de Gisela e sêmen
pelo ato masturbatório. Se examinamos agora o estatuto retórico
da fórmula protetora podemos afirmar que ele passa de uma antí­
tese a um oxímoro. A interpretação muda o estatuto retórico do
termo: a Untmchiebung da significação obedece e é extraída da
problemática sexual, a partir da qual emergira.
O que aconteceria se o Homem dos Ratos recusasse esse trans­
porte da significação? Isso não seria surpreendente, uma vez que

39
l rllT IJU"JCft
(IIRJSflAN INGD IP"'

e,ccensas reflexões para expl icar este


fe
ud d� va lve
e bo a p arte d a uajetóri a clínico t .t • llõlb....
Fre • ourant 1
resisrênoa, . tência ocu pou um ugar d e destaqu \IC��'
""Uftca ,1_�.
A

cerna da res� rn mai ores d ificu ldades técn�· Yen� d


o • . se na u a das . 1� t ili
resiscenct:IS ida que este pon to ganha em unportân de
ed ,
análise. A mceicco freudiano os lugares de proveniência dciao lllulti,,,.
c:ain-se º.o . ál '
id, superego. A an •se se t ransforrn �çlltc �
:llh. �t'II.

[CSistênaa: ego!, NO das res istências, o q ue perman-.. então h.


da o
ª
problema s Ur cial espeaalmen
.
re no ce n ári o p
-..;; coni · 111
6s-fre · º ro.
ud P

ico cru
ble111ª dín . o de resistência se d ilu i e toma-se perigo •ano.
O conceit 'd 8alnente
• 0 do tem a
da co nversão (no sent i o de persuasão ou do Pt6.
. Ele -A e nos colocar, em termos da recepção da . utri-..hq..
o
111enc ) P"" . llltt-....
,aJll

·o, numa Sicuar NO d o · upo : cara eu ganho , coroa você -t'tc.


r.aça • ·a a validade da mt . erpretaçao - s n. a um .. . llerde. O
e a
e !egiCUDarl
q " ca cidade do analista de perceber a realidad tallllqu,...:
u
e q;'°"
návd e - � ..... ,12 das ilusões e devaneios neurótiCX>s. da(
funpa expw&-
sar a val'd 1 ade da m · terpretaçao se di pela \rPrtl.J
Ora, pen que - -"411C
e el a expressa sobre a realid ade, mesmo que sobre a reali
q í uica. é cuar roblema ab lutamente fo ra àm to dade
u
q si O p � do bi retó
ps _ riQ)
da verossimilhança. é co n fu nd ir, despreverudamente, retóri
ca e
filosofia. Por outro lado, é fuer pender excessivamente a legitüni.
dade da interpretação para o lado do analista. Ao CX>nduzir O p�
blema desca fonna, pretende-se exuair da psicanfüse uma teoria
do cxmheámento. Gellner (1985) apontou que esta teoria nada
mais é do que uma fonna de realismo ingênuo e inCX>ndicional.
Simanke (1994) uabalhando sobre um ouuo pon to de vista (o
rema d:is psicoses), mosuou que tal realismo, mesmo que assimi­
lado à posição epistemol ógica de Freud, merece um refinamento
de que a teoria da resistênáa não nos provê, ao reun ir a realidade

40
IJCAN E A a!Nlll DA lllltRPREllÇÃO

pslquica à totalidade do mundo subjetivo. O caminho tomado


po r Lacan é outro e pode ser resumido em dois pontos:
a) a resistência é efeito da intromiMão imaginária que tende a
incluir o analista como um objeto (i(a)), redproco e siméuico ao
an alisante. Analisar a resistência seria ponanto esa.itar a emergên­
cia do simbólico que atravessa essa posição alienante;
b) a resistência é fundamentalmente resistência do analista quan­
do este se entrega à reciprocidade proposta pelo analisante. Se o
paciente não ac.ede à palavra é porque o lugar ocupado pelo analis­
ta veda, obtura a possibilidade do dito.
Pensamos que uma parte das resistências do analista se rerere ao
modo romo este fuz incrodU7.ir a venente ret6rica de suas inrervmções.
As próprias metáforas que c.ercam o termo como: 'venc.er a resis­
têncià, 'a luta contra a resistênciá etc. expressam o tom agonfstico,
próprio à retórica. Se assumimos esta perspectiva, devemos estar
aptos a responder não apenas porque o âmbito da resistência im­
plica na retórica ou estilística do analista, mas também como a
conc.epção não retórica extrai sua eficácia.
De fato, a perspectiva que pretende passar da ilusão à realidade
a partir da translucidez do analista não deixa ela própria de ser
uma estratégia retórica. A nosso ver esta estratégia é sofrível pois se
apóia num único tipo de argumento: o argumento de autoridade.
� argumento não pode ser absolutamente de.carcado e há situações
extremas onde ele parec.e ser o único recurso possível. Fundar,
contudo, toda a questão a partir daí é descartar de vez a racionali­
dade e nos entregarmos à Überlistung (sugestão), confundindo
psicanálise com psicoterapia.
Outro problema grave que daí surge é a preservação da idéia
que assimila o dispositivo analltico a uma situação em que se trata

41
UUNl tK
CHRIS11AII IN60 UHZ

e algo. A retó rica na psi can álise enco n


de convencer alguém d • . tra.
do da con vicçã o e d a em e rgenc1a d a cer teza qu e catacterii.t.
a o la
o ao l ad o d a cre�ça. n u ma cena exp �
mo mento de conclu�r e nã Uc:a
ent ta
e e suas co n s equenc1as . Des fo rrn
sa
ção so reb O in con
· ora com tal , no efiei" to qu e cara a. se ·
m
u a in te rpreca ção não VIg � a cterj.
mte rp çã o.
za, é porque de fato d a não é uma
reta

Conclu in do , o reconhecimen d e cenas dificuldades deriva.


to
r ção evaram-nos
das do modo escrucu ral de concebe r a inte pre ta l
i l scu�
pleitear u m uso alternativo da retóri ca. A poss bi idade d e di
taçã à
temas clínicos como o sintoma, a resistência e a interpre o luz
desta proposta não nos privou de estabelecer u m diálogo com a
mecapsicologia. Entendemos que se craca de uma aproximação
preliminar e que depende de um esclarecimen to de suas implica­
ções éticas, bem como da elucidação da questão da verda de em
psicanálise para que em seu conjun to a prop osta se sus ten te.

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42
UCAN E A alNICA DA INIHPREllÇÃO

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43
A ÉTICA DA INTERPRETAÇÃO

ÉTICA E LINGUAGEM

Considerar o tema da interpretação a partir da sua dimensão


ética não significa apenas ter em vista o valor judicativo que pode
permear cenas intervenções mas nos exige uma explicitação da
própria ética que compõe o cenário discursivo onde esta interpre­
tação é possível. Uma posição bastante consolidada no espaço psi­
canalítico contemporâneo é a de que a psicanálise possui uma éti­
ca específica e irredutível à da medicina, da ciência ou da religião.
Esta tese da especificidade ética vem sendo utilizada até mesmo
para situar a diversidade das correntes psicológicas (Figueiredo,
1995) ou para a crítica social da psicanálise (Gellner, 1985).
Nosso objetivo será o de examinar os pressupostos básicos des­
ta ética no caso da psicanálise e em seguida mostrar como estes
p ressupostos interferem na atividade interpretativa. O autor que
se dedicou mais sistematicamente à configuração de uma ética da
psicanálise foi Lacan. Circunstâncias institucionais precisas que
envolviam a questão da formação de analistas na década de 50,

45
(HtJSJJAN INGO UKZ DuNIEI
ar a ação do analis ta ,
ces ª
"d
si de re6. n ca de pre cis
bem co mo a ne ma da ética.
ª em e rgê n cia do re
ent e co n co crera m para . .
certam . ica exigem m drretam en-
ats
. pect s fu nd am en ta.1s da clin
Dois as ime nto pslquico. A
.ca: a eransferência e O sofr
o

uma re8 �
exa o én
te . ndame nra.l para entender co m o
. d a é o veco r fu
is
uansferênaa, po O so fi.nm en to psí-
. no.mrerio r do tratamen to.
uma fala é. acoIh Jda .
álise náo se resumJ C a uma terapeu aca
A

. , pois apesar da Psican


qwco . cu1 ar d o so &·rmento


. hea·mento do estatuto para
é a para r do recon suas pre-
, · que se pode avaliar boa parte de
neuroa co ou psi"cótico
tensões clinicas
.
da ética, da uansferência e da an-
Na obra de Lacan os tem as
ões que se con °:n � entre 1 95 9
gústia formam um feixe de reflex _
J 964. Este perlo do contém ainda um tema subs 1d 1ário recorren­
e
cupação teórica 'que se desenvolve
te: 0 desejo do analista. A preo
álise p ara além de
em tomo des ces remas visa consti tuir a psican
uma terapêutica, e simultaneamente responder à diHcil situação
do quadro institucional relativa ao problema da formação de ana­
procu ram sempre destacar a psica­
. As indicações de Lacan
listas
nálise de uma visáo de mundo (como aliás já o fiz.era Freud), mas
igualmente se nota um cerro desconfono em acomodá-la co mo

uma variante das ciências aplicadas, como a medicina. A solução


que se insinua é postular que a psicanálise não apenas possua uma
ética, mas seja uma ética, uma ética cujo campo é a linguagem.
Uma ética do bem d.iz.er, como se alinna no Seminário VII .
É próprio de nosso sérulo uaduzir as questõ
es clássicas da filo­
so6a em termos da incora metafisica que
nos domina' qual seia' a
Jinguagem. Assim os antigos problemas éticos, que giravam Iem
·
como da forma com o reallZíllllos
. nossas escolhas e as orienta mos a
partir da dis t.tn cia entre O q •
ue é e O que devena ser ou entre o que

46
UCAN E A alNICA DA INIERl'llETAÇÃO

oco rre e o que gostaríamos que ocorresse se transfonnam, à luz da


co nsideração de que o ato humano por excelência é o ato na lin­
gu agem ou com a linguagem.
Um linguista como Mainguenau (1990) observou que os con­
rextos discursivos são figuras notadamente éticas. Reruperando o
uso do tenno ethos (comportamento, hábito), este autor mostrou
como na Retórica de Aristótdes ethos se refere à inspirado funda­
meneai de um discurso. Aristóteles fala em três ethos: o dasoftosine
(sabedoria) , o da aretê (vircude) e o da enóia (sedução) . Cada ethos
discursivo traria consigo uma fonna de encarar as rdações com o
ourro, um estilo e uma teoria de como devemos agir e considerar
nossas ações. Participar de um ethos discursivo é partilhar uma
forma de vida e as suposições e obrigações que ela implica. Proces­
sos fundamentais da cultura contemporânea como a propaganda,
a assimilação de tecnologia, a religiosidade e mesmo a forma de
considerar o sofrimento psíquico se traduzem em geral pda con­
corrência de diversos ethos discursivos. Estabdecer os termos em
que uma questão será discutida é, em geral, vencer a discussão.
Estabelecer o ethos da questão é incluí-la na forma de linguagem
em que a questão será tratada. Se todo problema encerra sua pró­
pria solução, o que toma possível a emergência de uma rede de
problemas não é outra coisa que não o seu ethos discursivo.
Lacan panicipa deste movimento propondo a tradução de uma
questão clássica - Como agir? Como julgar nossas ações? - em
termos equivalentes a: Como agir na linguagem dada a hipótese
do inconsciente? Ou: Como julgar nossos atos linguísticos na situ­
ação de análise? Comparemos portanto as principais posições con­
temporâneas quanto à forma de tradução da ética em termos de
linguagem com o objetivo de mostrar o nível distintivo em que se

47
CltllmAII /NGO IINZ DuNKEI

edida o tthos discursivo da psica.


enco ncra a ps1cana.1 1se e em qu e m
• 11•
. .
. a>na lCre ou se al '
1 a a ou tros. Nosso i nteresse panorinu co é
n�ase .
ma!S. um con vite ... -o das categori as propostas e dos term os
. a� aval=�ça
ass nto, o q ue tr� ns ce nde-
ndas indu (dos do que a exa ustão do �
. os 1.1m1t· es deste trab alho Neste sen tid o podemos isol ar ci n-
raa
co concep,....mes fu ndam entais sobre a é ti ca no pensam ento co n-
temporâneo:

J Uma ltka ligada a umaprdxis ,ugativa: como se pode extra.ir


do pensam ento da Esoola de Frankfun e de seus contin u adores,
mas que rambém cransparece no ruf tivo sarcreano das aporias éti­
cas e no pensamento de Cioran e Rosset Conciliar l"a7.ão s ubjetiva
e ruão objetiva ou se transfo rma no aerdcio ético fundamen tal
ou cond uz à adnússão de um insolúvel. Para esta perspecti va tra­
ta-se de criticar qualquer ideal de totalaação o u universal ização
harmoniunte pdo exame dos seus núdeos de equivalênci a: o ca­
pital, a lógica formal e o inconsciente. O sofrimento individ u al é
oonsiderado à Juz da ligação intrinceca enue cul tura e barbárie.
Por em ato, teoricamente (a práxis negativa por aem plo), o u ex­
perimentar em contradição (a náu sea por aempl o) são os hori­
zontes posslveis. A atividade interpretativa preserva o núdeo duro
do objeto romo perspectiva. Interpretar se assim ila à noção
de
crítia, oomo tal seu objetivo é a contínua deso bstru
ção das ca­
tegorias rei.fica ntes. No entanto, o sent ido dest
a ativ idad e tem
seu fim em si mes mo, ela é o espaço que
resta à liberdade num
mu ndo com and ado pela técni ca e
pela esco lha fo rçad a.

2 Uma ltita /iuaáa II umapru.11.1J



6' .,:..:.pos1.tz.m: rom o se apresenta no
discurso lllalXl•ano de interl
ocução psicológica que vai de Reich e

48
UCAN E A alNICA DA INIEIPIETAÇÃO

Policzer a Marcuse. Ew. perspeaiva assume o compromisso direto


com o a idéia de "transformação social" coneaando O sofrimento
in divid ual às contradições orgânicas da sociedade. Sua proposta,
de índole modernista, aposta no ideal de tocafo:ação como solução
efetiva para a contradição entre o público (Estado) e o privado
(so ciedade civil). O horiwn ce possível passa pela crítica da ideol o­
gia, encarada como desmascaramento, e o acesso à consciência
exemplar, motor da transformação desejada. Nela a interpretação
se organ iza a partir de categorias consideradas como determinantes
do momento de contradição de um processo. Interpretar é condu­
zir os signos desta contradição à sua explicitação e resolução. Está
em jogo uma perspectiva objetivante onde a interpretação pode
ser avaliada como verdadeira ou falsa a partir de seu caráter crítico
ou ideológico. A interpretação visa não apenas desobstruir as cate­
gorias reificantes e alienantes, mas atingir o próprio núcleo da
realidade histórica.

3 Uma ética transcendental-universalista: calvez a mais clássica


das que aqui apresentamos, pois remonta a Platão (pelo aspeao
transcendental) e Aristóteles (pela valorização do caráter universal
da razão humana). Seu postulado fundamental é de que o acesso a
um determinado saber se liga inequivocamente a uma ação "virtu­
osa". É a ética moderna por excelência. O sujeito em questão é
uma entidade episcêmico-cranscendencal, a essência da consciên­
cia autônoma. O sofrimento coma-se então a falta desce saber ou
falta das condições de p ossibilidade para sua aparição. A solução
passa pela injeção desce saber p rodutor da conduta ética. De Piagec
a Skinner, do discurso psicoped agógico ao psicanalismo (eventu­
almente combinados), essa vertente é uma espécie de herdeira oti-

49
ClwrnAI 11,0 lDIZ Du11a

. . ,, , , m-K«> e desenvolvim ento do m i-


mista do a deáno uu m1rusca. Prob·--
. · e>2ra ir a au conoma a da rauo. I nter-
.

nam a perspecova q ue VJsa b- - nt


_

é red uzido a cxphcar, isto é, remeter u m


Prew;' para esta vertente.
. •

a interp retação busca não ape-


fenô meno à sua causalidade. Aqui
smtido• isto é, a adequaçao ou correspo n-
nas um sena'do, mas O
• , represenradonal entre o in telecto e a co aS3. . A ve rd ade d a
denaa
, . fi _
mcerpreraça- o craz consigo o ideal de u m caçao en ue o aspeao
.
. . • n aa
lógico, relativo à conexidade e comade do p enS3.ffi ento ou do
ju ízo cons igo mes mo, e o _asp ect o o n t ológ i co , r e lativo à
fenomenalização do mundo tal como ele é, n a he cero nomia que
lhe é p rópria. A interp retação busca se sustentar portan to em cate­
gorias rranshist6ricas e positivas de t ipo biológico, me tafisico ou
mesmo teológ ico.

4 Uma ltica desconstn1ti11ist11: que se poderia asso ciar aos pós


nieczscheanos e pós heideggerianos de Foucault a Derrida e uma
parte do discurso da "pós modernidade", Ddeuze e Guatarri. Te m
como projeto a crítica das metafisicas objetivistas, su bjetivis tas,
humanistas etc., a partir de sua implantação nas formas de uso
e
apreensão da linguagem. Herdeira do romantismo , nela se
nota
uma estetizaçáo da ética como forma de superar as
dicoto mias
d�icas: sujeito/objeto, capi ca1/trabalho, si
gn ifican te/sign ificad o
etc. Sua gestação se dá no
in terior da chamada perspectiva pós­
modema. O sofrimento ganha aqui
o aspecto do aprisionamento
e da angústia gerada pela sedim
entação de certas prát
icas disrursivas
(o fàlocentrismo, por exe
mplo). O horiz.o nce poss íve pass
l a pela
valoriza
� do fundo am bie nte da linguagem, pel
a invenção de
novos "Jogos de e.,
1a1a" • I n terpretar é dar
prosseguimento ao disrur-
so, remerê-lo à sua cei
a de in cer cexcualidad
es. Não há um o
bjeto

50
UCAN E A alNICA DA IIIIHPlmtAo

in �cn �ional compartil �do capaz de exteriormente legitimar os


critérios de verdade da interpretação. Interpretar é deixar-se falar
por um ceno ambiente de linguagem e eventualmente produzir
eventos, efeitos, agenciamentos semióticos cuja medida é estética.

5 Uma ética pragmdtica: que se poderia associar ao projeto


teór ico de Rorty, mas também aos h erdeiros do segundo Witt­
genstein, como Davidson. Seu postulado geral é a primazia do
co ntrato imanente à situação de comunicação. A linguagem é
questão de convenção, de paao portanto. O sujeito em jogo é o
sujeito dos interesses, orientado pela economia do prazer e da uti­
lidade. A sociedade do bem-estar é seu corol ário fundamental. Sua
apreensão da linguagem, em geral, combina a fenomenologia com
a tradição analítica (especial mente Searle e a tearia dos atos de
fala). O relativismo constitui-se portanto como uma espécie de
condição da ética pragmática. O sofrimento é entendido aqui ou
como exclusão (do ambiente disausivo, o Lebenswelt). ou como
efeito da falta de entendimento e compreensão intersubjetivos.
I nterpretar aqui é fundamenralmente fu.er, construir uma nova for­
ma de vida, um novo jogo de linguagem. Este fu.er inr.erpretativo
desqualifica a posgbilidade de critérios transcendentais de verdade.Tais
critérios são substinúdos pela convenção e pela força e "felicidade" do
ato de &la (para usar um termo de Austin) ou pelo amtexto em que
uma re-desaição se realii.a. Desta forma se aiam comunidades de
&lantes no interior das quais cabe legitimar os jogos de &la ��­
co­
Há portanto uma autoregulação da interpretação no interior d�
idas por
munidade, regras para a condur.a hermenêutica que são defin
sevê preser­
uma concorrência de desaisxxiA premim comunicativa
vada e como tal o ideal de entendimento intersubjetivo.

51
ÕIRISIIAN ING O Laa Duma
. epis tem o lógico a d iscu ssão com as posições
po n to d e vis ta . . p
D o
a pró pri a h1 sc6 n
a. recend em os eca.
. a represen tad as Po ssui su . .
aom . s1. cuaça- o d o p o n t o d e vi sta d a é u ca, e d e su as
m in ar aqm a
a in cerpretaçao.
co n seq uências para es -
men co. � hi_p óc�e q ue pe rp:15 sa ca !n
Façamos um esdareci
u sufi ca sua p ráuca a paru r e
uod uçao - é que, quando a psicanálise 1 . . . ti-
. cen, o r de um a certa co ncepção de linguage m, esta JUS hfica
no m a ve rsão sobre 0
va nao- 1·mp1 1·ca apenas na esoolh a da mais ad equad .
A esrolha não é m eramente e�1scem ol ógica.
que seja "a linguagem".
procu ra en rend er a linguagem, su a
Quando O linguista ou filósofo
al cançar um model o geral ou
posição diante d o problema visa
nco dest a. O prob l e ma é eq ui valen­
particular para o funáoname
rbitas dos plane tas são elípti cas
te, por exemplo, a determinar se as ó
ssão sobre a linguagem
ou cirruJares. No caso da psicanálise a discu
a clinica, seu
está impregnada pda dimensão ética. Isco porque
­
interrogante fundamencal, é um espaço o nd e não ap nas cabe sa
e

ber como os aconceámen c os (no caso acontecimentos de fala) se


dão, mas como des deveriam se dar ou o que nos é possível esperar
a partir da concepção de linguagem ucifüada.
Em que medida a psicanálise, e mais precisame nte o pe nsa­
mento de Lacan, responde e aigum enta com as pos i ções apresen­
tadas tendo em vista a referência cornada em relação à lingu agem?
Em que termos se pode fàlar de uma ética própria à experiência
analítica? Esta perspectiva teria como horizonte a inclusão do in­
consáence e do desejo como seus prindpios fundamentais. A su­
blimação por um lado, e a inve nção de uma "nova" relação com
a fàla por ouuo, são duas verte ntes localaáveis. Seu modo de con­
siderar o sujeito pensa-o como duplam ente dividido: entre o falar
e O dizer, e entre O prazer e o
gozo. O sofrim ento decorre direta-

52
LACAN E l alNICl DA INTERPIEIAÇÃO

me nte desta divisão, �ão sendo portanto integralmente


. el iminável.
Sua estratég ia é reduzir o a-mais de sofrim
ento produz,"do, espea-
. .
almente nos modos neurótt co e pstcótico de felaça-0 com o incons-
cie nte. Enco ntramos Pº r trás desta ética, que se pretende trágica, a
promessa de um novo. tipo de laço soci al, de uma nova "eróti "
ca e
u ma nova forma de relação com a lei . A crítica que a da se pode
endereçar diz respeito ao seu caráter relat ivista-particularizador,
que torna incomen suráveis por exemplo ética (privada) e política
(pública) . .Afé o momento suas pretensões se referem às de uma
ética regional. Interpretar, nesta perspectiva, se j ustifica a partir de
uma categoria problemática: o inco nsciente. Certamente as cinco
d imensões precedentes poderiam absorver este conceito à sua ma­
neira, tran sformando-o respectivamente:

( 1 ) numa determinação e num determinante da rultura


(2) numa categoria histórico-antropológica
(3) num ente metafísico-ontológico
(4) n uma categoria estética
(5) numa condi ção de possibilidade do consenso social

A especificidade da interpretação psicanalítica decorre portan­


to da forma de ab sorção do conceito de inconsciente. Apesar das
versões examinadas constituírem ao seu modo uma ética ligada à
forma de co nceber o estar na linguagem, nenhuma delas pensa o
estatuto do inconsciente como ele mesmo de ordem ética. É o
caso da psicanálise. Isto significa dizer que estamos às voltas com a
responsabilidade possível que um determinado sujeito poderia
manter com relação a algo que lhe aparece de forma paradoxal
como não seu, como estrangeiro a si mesmo. A hipótese do in-

S3
OmrnAH INGO I.Ellz DuNKER

. te pressu noe _ lveI ético ' um mod o d e nos relacio nar.


amsc1en · r- - ' no 11
m b ras , co '. n o que rejeitamos e con 6•
mos com nos.us próprias so - .
n tal mente deJeto na o md u ldo. I nterpre.
gu ramos como fu 11 d ame .
nti' d o, ee ra d' ca l iz.ar a relação éuca do ho mem com su a
car:' neste se 1
rsivo desra: o deseJO. Inc erp retar é
palavra e com um aspecco su bve
lo sem no enc anto rodo d ii.ê-l o
rero nJ 1ecer este deseJ· 0 , bem dii.ê-
por u m l ado o cam.
O termo " bem " , da expressão ancerior, supõe
po écico, por ou tro uma fo rma já suben tendida de dizê-l o mal . !
0 que oco rre, no tadamenre no so frimento ps lquico gerad o pel o

sin toma, pela inibição e pela angústia. Um autor como Badi o u


(1994), no quadro de reflexão que busca uma n ova teoria do su­
jeito, chega a postular que uma é cica do mal seria justamente u m a
ética do rodo dizer, uma écica que não admitisse e reco nh ecesse 0
estatuto próprio e irreduável do dejeto e do exd uido.
Enquanto um projeto atento às vicissitudes do fa1an te singu.
!amado a ética da psicanálise é anti-universalista e anti-no rmativa.
A verdade da interpretação se mostra como efeito da inadequ açã
o
entre o sujeito e o desejo. A verdade é menos uma represen taçã
o
verdadeira sobre um determinado estado de coisas subj etiv o (
no
mundo interior po r exemplo) e mais uma experiên cia, u m en
co n­
tro com o diz.er.
Prorurando as raíz.es da ética disru rsiva em Lacan
não po de­
mos deixar de assinalar as ligações que este c
au or man tém co m 0
surrealismo. Tan to do ponto de visra bio
gráfico (Ro udi nesco , 1 992,
�. 994) quanto do ponto de vista teórico (como se
nota no artigo
Das once ções paranó icas
� � do est ilo ", 1 93 3) a presen
surrealismo e atestada. A . ça do
. 1ºdeia
, de que o co nh ec1. menco
dlffiensáo paranó iet· , que se p ossm uma
preserva amda à altu ra do
( 1 953), provavelmen Sem inário I
te remonta a uma su
gestão de Sal va do r Dali.

54
UCAN E A alNICA DA IHltWTAÇ.io

N o e n tan to , mais do que intu ições p rom is


soras , o que o
su rrcaJis mo fo rnece é um desl ig am ento en cre éti ca e moral
ca-
paz de orga n izar a ação discu rsi va descolan do-a da anti ga ques­
tã o so bre os val ores e sua fu n damen tação.
O hiato entre o que se é e o que se deveria ser é preenchido
pelo reco nhecimento do abs urdo dos termos em que se roloca a
questão. O surrealismo, de acordo com a interpretação sugerida
p or Figueiredo ( 1 99 1 ), é uma estéti ca eticis ta, propõe além de
um a n ova co ncepção de arte uma espécie de estilo de vida. Segun­
do uma das numerosas definições fornecidas por Breton ( 1 98 5), 0
su rrealism o é: "um automatismo psíquico que procu ra demons­
trar o real pe nsamento a par de qualquer pressuposto moral. " Tra­
ca-se de uma forma de anádoto para os problemas da vida social e
moral. O surrealismo contém uma pesquisa sobre um ceno for­
mato do diálogo. Um diálogo que dispensaria os interlocutores da
polidez e escrupulosidade reflexiva. O bom diálogo é aquele onde
se fala o que se quer e esruta-se o que não se quer, ao rontrário dos
diál ogos tradicionais onde fala-se para dar e receber prazer ou in­
formação ou para firmar contratos. É como se estivéssemos às
voltas com uma disciplina da não disciplina verbal.
Breton logo percebeu as semelhanças de tal diálogo rom a asso­
ciação livre e co m a experiência analítica em geral. Prorura conta­
tos com Freud e Jung, mas os encontros não são fruáferos. Lacan,
que nesta época esboça sua aproximação com o hegelianismo de
Kojéve, está às voltas com algo muito parecido, uma forma de
diálogo e um tipo de fala capaz de produzir efeitos de transforma­
ção tan to ao nível da remoção dos sintomas quanto de reunir em
termos hegelianos a moralidade privada (Moralitiit) e a ética públi­
ca (Sittlichkeit) . A linguagem, por ser ao mesmo tempo universal

55
CHRITTIAII INGO I.ENZ 0UNKER

Ofngua) e particular (fala) oferece-se co mo o camp p vilegia o


o ri d
b d
para reali:zar cal empreendimento . O es o ço e uma lógi d o
ca
45
coletivo, caJ qual aparece no cexro sobre o tempo lóg co ( 1 9 ) e
i

no ensaio so b re O mico individ ual do neuró tico (1 53) não ei­


9 d
xam de cer com o horiwn ce a invenção d e um ethos discu rsivo.
No Seminário VII o projeto de uma ética da psi canálise m ud a
de contornos. Uma ética puram ente discursiva teria que in corpo­
rar uma parte da teo ria freudiana por natureza mais refratária à
esta absorção: a teoria das pulsões. Como introduzi r as vicissi tu des
da satisfação pulsional em relação a uma ética sem ao mes m o tem­
po perder o caráter su bvers ivo da sexualidade? Como posterior­
mente alertará Foucault (1 985), muitas veres falar sobre a sexu ali­
dade, libertá-la dos seus meandros privados, não é mais q ue
submetê-la a um novo jugo discursivo tão ou mais aprisio n an te.
De fato, o modelo ético suposto a partir da teo ria das pulsões n ão
se refere à dicotomia ocultamento/revelação.
Seria mais aprop riado falar numa espécie de ética parasita, um a
ética cuj o fundamento é mostrar as fraquez.as dos id eais das éticas
discursivas concorrentes em tennos da fonna co mo devemos lidar
com a sexualidade. Não há. discurso autorizado sobre a sexualida­
de singularizada. É nesse sentido que o Seminário sobre a éti ca
se abre com uma investida furiosa de Lacan contra os ideais
adapcacion i stas, uma explicitação do que não comporia os pi­
lares da ética da psicanálise, a saber:
I) a resignação diante da perda ou falta do objeto (nos termos
de uma ética estóica);
2) a perspectiva do amor concl uído (com o post
ulam as éticas
de extração rom ântica);
3) o ideal de n-ao dependênc1a · e autonomia (com o quer a ética

56
UCAN E A a!NICA DA IIIIERnm
ç.10
cranscendencal-universalista de inspiração li beral

4) o ideal do caráter ad uado (co m
o p reten de 'uma ética
.
eq
disci-
plinar).
Todos estes ideais seri am trib u tári os de um certa
ª
� . . cu1 cura da
culpa e sao extenores e anteriores à psican álise• .,..,1 0 dos e1es se sus-
tentam numa perspectiva aristotélico-kanti ana em que o funda-
m emo ético remonta a um Bem Suprem o e à conduta adequada e
con form e a este ou, acrescentemos, ao reco nhecimento do Mal
Su p remo (Hobbes) e à con duta adequada e co nfo nne para evitá­
lo. O problema maior p ara pensar a ética da psicanál ise nesses
termos é que as idéias de princípio do praz.er por um lado e prin­
cípio de realidade por outro são in co nciliáveis com o universalismo
im p lícito na noção de Bem Supremo. Tendo em vista textos como
"M al es tar na civilização", "Por que a Guerra ?" etc. transparece o
pessimismo freudiano ante a possibilidade de resolução desta opo­
sição. Ora, bem antes da psicanálise o utilitarismo de Bentham e
a teo ria pol ítica de Maquiavel já haviam percebido o tom artifi­
cial dos ideais agregado res e a ingenu idade que impl icam no
trato da coisa ética.
Lacan salientará, em resposta a dialética do prazer-realidade, o
papel da pulsão de morte, destacando-se assim da posição utilitarista.
sua eventual
Além dos objetos parciais da satisfação pulsional e da
pode ser avaliada
indisponi bilidade, o problema é que a ação não
ficias porque nem
em termos de um puro cálculo de custos e bene
o e os custos à reali� a�e. �A
sempre o prai.er se reduz ao beneHci
este desconhece a d1sançao
crítica de Lacan ao ucilitarism o é que
sem pre o que dá pr�r �az
entre prai.er, satisfação e gozo. Nem saus-
� e vt· ce versa, assim como nem sempre a dor traz m
. fuçao
satis
fação e desprai.er.

57
OuNKll
CHRISTIAN INGO lENZ

ue �ara é
al m da dialética entre princípio do
La can é q
A tese de que a to m a po ss{­
. {pio da realIdade h averia o fu n do
prazer e p nnc . el Co isa (Das Ding) . A Co isa se
este fu do é des 1gnado p a
v,el . m O Outro absoluto, como o fo ra
: n
. n u' dos. co o
defi ne e m vános se . -
(Wieder-
. .ificad o e co mo O n úcleo mes m o da repettçao .
do sign vel ada e pertencente ao regt-
e ma n ida de
zu.ftndnz). rr.1raca-se d u u
· n te a Coisa o qu
e trad uz o Bem Supremo
me do Real , É JUS tame • • • _
. ál'1se. A Coisa é a Mãe' o obJ eto perdido e n a co nd1ça.o
na ps1can
ual se tecerá uma rede significan�e de
de perdido, a partir do q .
ltam e to. A Coi sa figu ra assi m com o um a espécie de
o cu n
e prazer e a real idade v i rão a
negatividade fu n dam e n tal qu o
ose realiza é a ocupação
encobri r. O que o fan tasm a na neur
m
deste vazio co m u m objet o, o objeto a to ado
em sua ide n tifi­
cação n ardsica ao eu.
Esta separação e ntre o objeto e a Coisa de fato imu n iza Lacan
a:mcra o argumento utilitarista, contudo traz co n sigo um outro
decalcamento. Esta separação se aproxima do que Kant propunha
na Critica da mr,áQ prdtica em termos de uma separação e ntre o
wohl (bem, no sentido do que nos trai.em os objetos fen omênicos
de usofr uto) e o Gute (Bem, no se n tido de um imperativo
transc.endental de preservação da razão e do dever (so/Jen) que ele
implica) . O perigo da posição tomada por Lacan aqui é que ela
aproxima o Gute da Coisa e o wohl do objeto a. A diferença
residiria unicamente no fato de que n o caso de Kant estamos d ian­
te de uma positividade form al, enquanto n
o caso de Lacan se tra-
taria de urna negativid ade. A d1' ere . .
fc nça a ngor sena entre uma
teologia positiva e uma teol . . a. Portan to não se trata
. ogia negatw
stmplesmente de negativ · ar O Be
. m e mostrar a perversão co nstitutiva
d0 obJeto substi tutivo , as de
m .
pensar JUStame n te u ma ética da

58
UClN E A alNICl DA INTERPlErlÇÃO

relação entre objeto (pmer) e Coisa (gozo). Para fàzê..lo l..acan recorre
ao fragmento de otimismo da teoria freudiana: a sublimação.
A sublimação se refere em termos freud ianos à utilização da
pulsão sexual onde esta é derivada para um novo alvo não sexual e
que se liga a instâncias socialmente valorizadas como a atividade
arústica e a investigação intelectual . O alvo (Zíe/ ) da pulsão é
sempre a satisfação, quer no seu modo ativo, quer no passivo.
Portanto o que está em jogo na sublimação é uma satisfação de
tipo diferente em relação a outras montagens pulsionais como a
form ação reativa, a inibição quanto ao alvo, a idealização e o
recalcamento. Esta satisfação alternativa à neurose se encontra
pouco definida, em termos metapsicológicos, por Freud. Sabe-se
que um manuscrito relativo ao tema e que integraria o conjunto
de textos metapsicológicos de 19 1 5-19 17 foi perdido.
Como tornar compatível a teoria da libido e a possibilidade da
sublimação? Em relação à primeira tópicaa sublimação corresponde
a um desvio da libido em relação ao objeto tomado interditado.
Como distinguir tal desvio do reinvestimento sintomático? Sim­
plesmente pelo tipo de objeto, quanto à sua pertinência social?
Mas justamente o sintoma não se ajustaria perfeitamente a cenas
pertinências sociais, como na instrumentalização o�iva do tra­
balho no mundo contemporâneo?
No quadro da segunda tópica Freud fala da sublimação refe­
rindo-se ao fato de que nda se utilizaria uma "libido d�alizada",
penencente à esfera do Ego. Ora, as duas posições sobre o assunto
condU1.em a um franco paradoxo. Falar de uma satisfação pulsional
em relação a um alvo não sexual, no quadro da primeira teoria da
libido, é referir-se às pulsões de autoconservação (cuja energia é o
interesse e não a libido). Desta forma a sublimação seria uma espé-

59
Z 0U NKER
CHRISTIAN INGO I.EN
da pulsão
o n. a d O apoio ' is co é, ao invés
. da te .... l as conservação, ela
oe de co ntrafae.e y n p ul sóeS de au co
(An ft hn tm u emparellia-
sexuai se apü iar bli ma ça-0 retomari a ao se
e pe I a su
se separan·a desta . ma alte rnativa à ne u rose, uma vez que
Ist o se n au � a
mento original. e au tocon servaçao e
. que a gera se dá en tre a pul são d
o co nflito
pulsão sexu al , .
ese se alte ra a parti r de 1 9 1 4 com a mtro du-
No encanto esta t tal para
· · mo e O deslo camen
to do conflito fu ndamen . .
ção d o nar os 1s .
, e ntre libido do eu e
a esfera mte· no · r .1.. pró prias pulsões sexu ais
iL)

e a partir de 19 20 o con flito volta a ser


libido do objeto. Finalment a
a pulsão de vida (que reúne a an t ig
situado entre algo sexual,
rvaçáo) e algo de ordem extra-sexu­
pulsão sexual e a de autoco nse
a este momento que penenc.e
al, a pulsão de mo rte. É juscarnente
em dessexualização da libi­
a cese de que a su blimação implicaria
ente não é libido, ou
do. Contudo, libido não sexual simplesm
então estaríam os diante de uma contradição baseante séria em ter­
mos teóricos. Uma solução seria pleitear que a dessexual ização da
libido seria uma passagem desta ao domínio da pu lsão de morte,
isto é, à condição da energia própria à esta pu lsão: a separação ou
fragmentação. Isto se chocaria frontalmente com as indi cações
iniciais da sublimação como ligada aos objetos de interesse social e
ao próprio otimismo que cerca o conceito .
É e'.11 fac.e deste quadro de inceneza conceit u ai que Lacan in­
�?� uz1rá uma noção que responda às exigências teóricas de uma
ltb1do dessexualizada". ]rata-se da noção de gow.
O gow seria
uma parte da pulsão de morte que nao - ' . . , isto é
" b 1dmiza
. se l 1 ' que não
se conJuga à dialética do pr·mcíp.10 do
. pra:re r e prin cípio da realida-
de• O g07.0 é a energ1a psíquica conespondente a' pulsão
de morte,
a destrutividade desde que
ª
.
asso aada um t1po · paradoxal de sacis-

60
UCAN E l a!NICA DA INIEIPRETlÇÃO

fação (co mo no masoquismo). O gozo rep resenta portan to a po r­


ção do Real irreduúvel à cadeia significan te: " . .. 0 que do real
padec.e do significante" (Seminário VII).
Clinicamente o gozo co rresponde ao que Freud chamava de
ganho primário do sintoma, ganho que responde sempre a um
imperativo superegói co. Podemos distinguir três modalidades de
realização pulsional : o prazer, aquilo que se obtém ao nfvel da
wna erógen a; a satisfação, o que se obtém pela passagem do gow
à cadeia significante; e o gozo, aquilo que se obtém na posição de
objeto. Desta maneira toma-se conceitualmente viável falar em
lib id o dessexu alizada. Libido dessexualizada supõe a pmagem do
gozo à cadeia significante (leia-se ao nível próprio ao desejo) e daí
seu reenvio a um a dimensão que possua a "dign idade" da Coisa. É
essa a definição que Lacan dá de sublimação: "elevar o objeto à
dignidade da Coisa." Sublimar, neste sentido, é produzir, aiar,
reinventar mesmo a falta e a negatividade do objeto. Três exem­
plos são oferecidos desses processo: o amor, o processo de aiação e
a relação com a morte.
O primeiro exemplo é extraído por Lacan de uma formação
literária precisa: o amor conês. As cantigas do crovadorismo
português, especialmente as de amor e de amigo são formas aces­
síveis do que está em questão no exemplo. Nelas a dama é louvada
à oondição de sua ausência fenomênica. O epistolário amoroso
entre Abelardo e Heloísa pode ser situado como um precedente
medieval importante deste discurso cujo centro é a elevação da
dama à oondição de Dama.
No caso da criação o exemplo é tomado de Heidegger e da
forma como este autor a concebe. No artesanato grego arcaico,
por exemplo, a modelagem de uma ânfora supõe uma espécie de

61
(/IRIS11AN ING O I.INZ 0UNKER
. raI O fu nd amen to do vaso está justamente
concorn0 do vazio c.ent
_ óe m as no qu e ele c.erca, envolve. � a
naq uilo que nao o co mp ' - ,
esp aço d e u tilização cuj a co n d 1çao e o seu não pre.
criação de um ·
. to. Cnar . tom a -s e a ssim, e m termo 1 acam ano s, rodear A
endumen
Coisa de significan tes. .
apr . a sublimação e
0 caso da relação com a morte, que oxun
eu tr:1oé.
luto, cam bém é extra ído do c.enário grego. S modelo. é a ""t>
d.1a e em espea·a1 a de An dgona de Sófocles. De fato a interpreta.
-0 de Lacan é em po brec.edora se co rn ada em term os estéticos

rcerários e mesmo ftlosóficos. Contrarian do a tradição que locali.


za nesta tragédia O conflito entre o Estado (Creonce) e a socied ade
civil (Anágona), Lacan valoriza a posição heróica de Anágona e
seu desejo de celebrar os ritos fiínebres do irmão Pol inice. Ao en­
frentar as leis da pólis Anúgo na se coloca mais além do principio
do prazer-realidade e do serviço dos bens que por ele se implica.
Arendt (1983), comentando o ideal grego de imortalidade, no
qual se insere a gravidade do ato deAnágona se deixasse seu irmão
insepulto, mostra como esse ideal é imanente à presença d o espaço
público, lugar da liberdade e da diferença entre igu ais. Anágona
comete o ulcrapassamenco, o excesso (hybris) trági�, pois faz as
leis do espaço familiar (oikós) prevalecer sobre as do espaço
públi­
co (pó/is). Seria portanto uma ética do espaço privado,
do estilo de
vida, o que encontraríamos na psicanálise ? A
mor te, o amo r e a
criação se opõem aos contextos clássicos
da ética: a imortalidade, a
diferença-liberdade e o espaço públ
ico . Igu almente os contextos
mo�ernos em que se coloca
a questão ética, a saber, o prazer, o
serviço dos bens e o bem est
ar, não são os term os fin ais do proble­
ma para a ética da psican
álise.
Nesses termos o pr ·
OJeto de fun dar um pro
gram a de transfor-

62
UCAN E A alNICA DA IMlERPRETAÇlo

mação social a partir da psican álise e da expansão de sua éti ca seria


fran camente contraditório. A psicanálise possuiria uma ética regi­
on al. No en tanto � justamente por este aspecto de experimentação
.
lo cal de orde m ética que os psicanalistas se encon tram num lu
privil egiado para exercer a críti ca social de ou tras fo rm ações éti;:.
É claro que quando o faz.em não o fazem como analistas, mas no
máximo como analisantes.
O contexto local que torna possível e necessária a éti ca da psi­
canálise é a transferência. Esse contexto é organizado para além
do serviço dos bens e da regra tácita que ele impõe em termos da
form a de u tilização da linguagem, isto é: falar é dar e receber pra­
rer ou informação e seus equivalentes a partir da maximii.ação da
comunicação. No entanto, se o rontexto fixa o campo da ética da
psicanálise é preciso especificar em que termos a interpretação a
ele se vincula se quisermos ultrapassar uma definição meramente
negativa da ética da psicanálise.

ACONTECIMENTO E CONTEXTO

O contexto transferencial é a oondição da interpretação. Tal


afirmação parece ser oonsenso na bibliografia analítica sobre o as­
sunto. Os problemas começam quando se quer precisar os concei­
tos de transferência e de interpretação. Com o intuito de simplifi­
car o tratamento do problema ético envolvido na interpretação,
gostaríamos de introd uzir duas noções cuja serventia é meramen­
te operatória e didática. Lacan, ao formalizar a estrutu ra da fala,

introduz a idéia de Outro oomo lugar sirnbólioo de onde a mens
ito é
gem ganha um senti do (invertido) para o sujeito. O conce

63
KER
CHRlmlll ING O l.IMZ OUN
. de acepça-o ao lo ngo da ob ra de Lacan: ora se
va n a .
compl exo e
' .
. a da 1" dé" de lei o ra da de teso u ro d
'ª os s1gn "ifican tes, or�
"
aproxun . o estatuto do inco nsciente. G o s taríamos de pro..
ró pn _
remete a o p
co m
.
o u m a d etermi nada
pos1. çao tempo..
tex t
po r a no ça• o de con
o
u
.mgul ar sob a qual O cam po do Outro se co n figu. ra para m
ral e s o pode ser e n tend ido com o 0
. .
suJetto. rcnsamos que um con text
n
. um a determ inada situação . Po rtanto a
con1 unto de pos.dveis de
em algo fo ra d ele mesmo , e m algo
essência de um contexto está
que ele man tém irrealizado.
nteci mento se refere a um even.
Por outro lado a noção de aco
efetivada pelo suje ito falante, que
to, a um a escolha significante
com o d ividido (em fadin� . O
neste momento mesm o aparece
po r Lacan, de pal avra ple­
acontecimento traduz a idéia, veiculada
ento perdido e equí-
na, uma palavra redescoberta co m o um fragm
mo
voco da história do sujeito. O instante de co n cluir, assim co O
ato analítico e a idéia de Tzchê compõe m o cen ário semântico do
as
que chamaremos acontecimento . A explicitaç:ão rigorosa dest
noções perverteriam o sentido deste trabalho , seu uso operacional
se limitará portanto à dimensão ética da interpretação, uma vez
que esta é sempre uma forma de lidar e provo car mesmo uma
relação entre contexto e acontecimento.
Se o contexto é o que ainda não aconteceu, mas que cerca e
torna possfvd um determinado acontecime nto, podemos dizer que
um contexto é sempre uma virtualidade. A versão m ais simples
para compreender a transferência é pe nsá-la como a reatualização
de um contexto, isto é, como repetição de protótip os infantis to­
man�o O anali ta como objeto de investimento dos desejos a eles

��aado�. Asstffi como O paciente so fre essencialmente pela repe­
uçao que mtroduz na significação dada a sua
história e seus acon-

64
UCAN E l alNICA DA nnunmÇlo

teci mentos cru ciais, a transferência poderia ser enten dida como
. ' -
u ma s 1gmfi1caçao repet'd i ora deste sofrer. O co rre que nestes term
os
a re pe ti ção não é prop riam ente a re petição de um aco ntecun' enco,
. _ .
m as a repeuçao de uma interpretação. É portanto em relação
a
u ma interp retação recorrente que se aniculam transferência e so­
fri mento psíquico. Sabe-se que é no momento em que esta inter­
p reta ção vacila que em geral se procura uma análise e se a inicia
pelo pedido de uma nova interpretação, é o que Lacan chama de
su posição de saber inerente e consátutiva do romeno transferenàal.
Uma primeira forma de considerar a transferência oomo oon­
cexto é atentar para seu poder antecipatório. Todo oonrexto en­
gendra uma antecipação e portanto uma sugestão. A forma narra­
tiva do suspense e do romance na literatura e no cinema são exem­
plos de como se pode manipular esta antecipação de forma a obter
cercos e feitos precisos como a surpresa ou a decepção. Um
comentador como Juranville (1987) chega a notar que o que ca­
racteriza o inconsciente é justamente um conjunto de fenômenos
e efeitos não antecipáveis. De fato, a venente de antecipação da
transferência é a venente imaginária. A gênese do conceito de
imaginário em Lacan mostra como este surge da leitura de pes­
quisas da etologia alemã e da psicologia de Wallon, que pennitem
destacar o valor de cenas imagens-traço na produção do oompor­
camento. A constituição do ego é postulada por Lacan oomo a
antecipação de uma unidade corporal a panir da imagem do se­
melhante. A mesma antecipação marcará a atividade da consciên­
cia como unificadora do signo, isto é, da relação entre o significante
e o significado. As éticas que procuram a consistência subjetiva
(como a transcendental-universalista e a de práxis positiva) seriam
portanto éticas da antecipação, pois entendem a linguagem oomo

65
l.1NZ l)uNKER
(HRISIIAN INGO te con cord an te, ,..
· de fio rm a colet ivam en ""
ei o de an ceapar, ni fi ca d o. No en tanto, a e6cá.ci
um m . n ·ficante e sag . a,
rel ações e n tre sag • . azl· a do co ntexto se vê contestada quan.
r . da pnm
acaova, ipávd .
indusive exJ' est1O é
o n ão an tec
em q da i nterpret ação
do O que está � e pod e es p erar
. m ei· ro t ri but o qu e s
ª é
.
tarn

.
O p ri ó ri o do con tex to, JUs e n
. a o po d er an t ecip at ' ' '
st é.
te ndo em va fi
or m e a atu aliza r as pos s 1 b 1l ida des p r
ao
- se co .
te que ela S rn .
n
� exe mplos trat ado s por Laca n no e i
n

r est e. O s cr es • �
fiax adas Po . l'-• en te de t rês Sltua çoes o n de a
· b re a éu ca ia.i am J· us t am
ná n o so
. o de u m sa ber a n teci pa t ório
ea
. ção, ist
pa o é ' a i ntroduçã .
an t
. mensa- o s i n to máti ca: a m or te, o a m or e a cria ção .
ma di
ganh a u m atravessam en to do
real izar u m a travess ia ou u
Tra ta-se d e se a como d a r a el e e a o s
,1· at , e nã o ape nas de
co n rexco trans1e.eren
. a a cada momento. .
po ssfveis qu e de ger .
mp lo , pen se mos naqu de paciente altamente ps1<X>-
Po r exe "
e que i ni cia su a fala rem erendo-se ao seu ':° mplexo de
logil.ado
ca" etc. Esta �a anteapa um co �.
Édipo", à su a "depressão orgâni
compartil hado com o an�
cexto imaginário, que se propõe a ser
o deria apontar para
ca. Nesses termos o manejo da transferência p
a inoompreensão dos termos utilii.ados, para o quão problemático
é esta suposição de saber.
A segunda furma de entender a transferência como co ntexto é
notar que um contexto, a rigo r, não é interpretável. Isto se dá uma
vtt que, quando interpretamos um con texto, ele se toma um aoon­
tecimenco indui do num novo contexto. Não se pode interpretar um
contexto simplesmente porque estamos induidos nde quando o fàze..
mos. É o que os fenomenól chamam
de drrulo hermenêutioo.
ogos
Por exemplo, quando interpretamos
a obra de Freud nom vetsão é
indulda no que chamam
os propriamente de a ob ra de Freud.

66
lwa E A 11111CA DA IIIHPIEIIÇÃO

Essa descoberta é plenamente reconheá da no esn2rn do


r-rv que
chamamos de ética desco nscru tivista, que mantém no seu fulao
u ma d esconfi ança radical com rel ação à idéia de um sentid o origi­
nal e imanente ao texto ou à fala. Ora. essa prevenção co ntra a
numa interpretação que O abarque co m­
cocal i:zação do contexto,
pletamente, tem co nsequênáas clínicas relevantes. Uma vasta tra­
dição psicanalítica se orien ta pela idéia de que a transferência é
algo a se r interpretado e que todas as falas do paáenre, por estarem
en dereçadas de alguma forma ao analista, possuem sua significa­
ção pré-fixada pelo tipo de transferênáa em andamento.
Ass im um in ádente cotidiano infeliz se transforma numa de­
claração de ódio ao analista pela aplicação do prindpio do hinc n
nunc (aqui e agora). I nterpreta-se, por exemplo, que na verdade
de gostari a de dizer isso, mas as vicissitudes do inconsciente e da
resistência não o permitiram. A crítica que La.cm desenvolve a
� concepção , especialmente presente nas mdições inglesa e ame­
ricana de psican:llise, tem como eixo u ma estrita separação enae
acontecimento e contexto no trato da questão transferencial e de
um de seus temas sub sidi.lrios mais discutidos, a resistência. O
contexto transferencial é o que autoriza a interpretação, mas esta
recai sempre sobre o acontecimento, daí a máxima enfui:zada por
comentadores como Miller ( 1985) de que se trata de interpreta­
ção na transferência e não da transferência. O segundo atributo da
interpretação portanto é sua atenção ao acontecimento significante,
isto é, su a dimensão propriamente simb ólica. Tal acontecimento é
justamente o ponto de subversão de um contexto e sua abertura a
um novo horizonte de sign ificações onde se modifica inclusive a
posição interpretante.
Por exemplo, Freud , no contexto da interpretação do sonho de

67
l.DIZ DUNI EI
(HRIS11AN INGO
. nha de 1.61a . s, a·n cervém da segu inte forma :
' • "
Dora com a calXl ba q u e "caix inh a d e jó ias é uma designa.
"- Qur'çávocê não sar' v o ei ai u d ' , na- o r.u
m
e. _ •
"'
mui to te··•·
o m esmo qu e . . ,,
'd a p ara
ção profen mao, .. os geni tai s femmm
os.
a bo ls in ha de
Po com Po ode· . ,,
Ao que Dora res . . ass
você drna o.
" - Sabia que
uuca:
A ue Freud re b .. Ag
.
ora o sentado do so nho se
ue v od sa ia.
" � �uer diz.er q
p. 63)
com a mais claro." ( 1 ado da tradu o
q a incerprecação está do çã
Podemos pensar ue . . . .
caa s femm . .
m o s No
r F re ud .
· caixinh a de Jó i as = gem .
p rop osta po .
Dora arusa que esta eqmvalenaa é comple.

enranco a resposta de
A

n cexco cransferencaal. Como tal seu efei


wnence ancea'pávd no co
interpretação capta o pon to de
to é núnimo. No entanto, a efetiva
ignorado até então
con tradição desce concexco. O aooncecimen to
sso ganha u� a nova posição.
de que Dora sabia que Freud diria �
Ela sabia parque havia pensado russo e se h avia pensado nisso
e gora a
antes de Freud dizê-lo o desejo suposto a Freud pert ncia a
própria Dora. É quando o contexto se razia n o mear: no d ito "Sa.
bia que você diria isso" que Freud consegue realocar esta fala como
um aooncecimento que dissolve o contexto.
A terceira forma de considerar a transferência como contexto
se refere à dimensão de realidade que da inuoduz. Podedamos
oonsiderar, a partir de uma posição oncológica despretensiosa, que
a realidade é fundamencalmente contexto compartilhado. Nisto
nos aproximam os da perspeaiva da ética pragmática onde a reali­
dade é antes de tudo uma significação que está suj eita a u ma con· 1
oorrência de descrições. Concorrência que não escapa às vicissitu· l
des do poder, oomo O m oscram os crítico s da ideolog j
ia.

68
U!'AN E A alNl!'A DA INIERPRETAÇ1
o

Ora, a realidade da transferência não é uma real"1dade mtegral


-
m ente verbal , apesar de ser pu ramente signifi can te. Se ass
im 0
fosse seria possível fazer uma análise com um computador ou pelo
celefo ne . Pelo menos no sentido em que uma análi se é terminável
deve-s e su por qu e ela é um con texto capaz de se dissolver ou
qu e e la, n o seu conjunto, possa ser tomada como um acon teci­
m en to. A realidade da trans ferência se resolve no s termos do
real qu e a funda.
No Semin ário XI Lacan a firm a que "a transferência é a realida­
de do inco nsciente posta em ato". Há inúm eras consequências
desta formulação. Uma das mais interessantes nos parece ser a
inclusão do analista na pr ópria idéia de inconsciente. O analista,
enquanto lugar e função, faz parte do inconsciente e é por isso que
0 agente do discurso a nalítico é o objeto a (Seminário XVII). Quer
como semblante deste objeto, que r como lugar onde se enreda a
su posi ção de saber, a tese de Lacan é que a realidade da transferên­
cia pode ser dissolvida ao final de uma análise. Tal dissolução te ria
como con dição a travessia do &ncasma, o encontro daquilo que
do real suporta a realidade da transferência.
O fantasma pode ser definido como o articulador fundamen­
tal entre gozo e desejo para um determinado sujeito, numa deter­
minada análise. A queda do a nalista desce ponto geratriz da trans­
ferência permite que não se precise mais da situação de análise
para prosseguir a dialética do acontecimento e contexto na cha­
mada anMise interminável. O objeto elevado à dignidade da Coisa
nos parece uma formulação apropriada para designar esta perspec­
tiva. Quando falamos dessa dimensão própria ao real, e não ape­
nas à realidade, nos afastamos da perspectiva pragmática e abri­
mos uma perigosa porta para a entrada, sob os auspícios do real,

69
l)uNKEI
(HllS1WI INGO l.DIZ
. d IZ , __, • cranscen de n cal qu
' IVCl
e justam en te car��
Ul -..
do velho 'U1ef.ivd ' . o à qual ca b e esp erar
. n uvas e e m rel çã da
.
a
. as ega
cenza as ceolog1 . enco . A es tratégia . de Lacan ao sis tern .
. m
psican se u .
m disca naam
ªti-
. ce cer sido uma alternativa relati\,a.
a parur da lógica pare .
i.ar O real é de po uca valia quando
C tudo est a estr atégia a
n
mente eficaz. o .
. mida é a d éu ca.
perspecuva assu
a
t à a rma ção de Lacan no Se-
deste pon to de vis a . fi .
Recomemos .
de do mconsc1en te posta
" ferê ncia é a reali da
minário XI: a c rans
po ndendo a uma per.
mo Seminário Lacan , res .
em aco,,. No mes ' � é on ó
en e nao
ca direta, poscula que O estatu to do mconsa t tol gic.o
gun
. n ..... n realidade de que se trata em ato na transfe•
mas éoco. r,0 ,..,.. . co a
Isco quer dizer, uma realidade que
rência é uma realidade ética.
consti tuir. Freud já se referi a a isto
leva em conta O desej o para se
acravés do conceito
d e reali dade psíquica. O desejo, assim corno a
n de no entanto com a
realidade psíquica freudiana, não se confu
que nesta pertence ao
co calidade da subjetivid ade, mas se refere ao
inconsciente. Mas além do desejo a ética em questão deve-se haver
ca a
com outro co mponente fu ndamental da reali dade psíqui ,
pulsão. Desejo e pulsão são os dois componentes do contexto
a
cransferencial. A realidade da transferência se traduz assim pel
consistência in terna desce contexto.
Se a análise é finita devemos supor que este contexto possa ser
esvaziado quanto a sua consistência. Este esvaziamento é justa­
mente dado no trabalho de interpretação. Chegamos assim ao ter­
ceiro atributo da interpretação , nas suas ligações com a transferên­
cia. Ela deve ser capaz de desconstr u ir o contexto que a tornou
possívd . Aqui aparecem as ligações entre a éti da psicanálise e as
ca
éácas que chamamos de desco nscruti
vistas.

70
IJCAN E A alNICA DA INlU
PRETAÇlo

As VICISSITUDES DO CONTEXTO

Vimos que a interpretação só se relaciona ind iretamente com 0


cerna da transferência. Seria mais apropriado falar en tão em m ane­
ia, como procedimento que visa tomar
jo da transferênc a inter­
precaçáo poss ível e eficaz. do que em interpretação da transferên­
cia. É interessan te como essa separação entre interp retação e trans­
ferência se enco ntra num dos mais antigos texto s de Lacan. Em
"Mais além do princípio da realidade" ( 1 936) ele afuma que 0
analista: "opera em dois registros, o da elucidação intdeccual , pda
in terpretação e o da manobra afetiva, pel a transferêncid' (p. 78) . A
oposição inteleccual-afetivo será abando nada em formulações pos­
teriores, mas o tratamento teórico diferencial da interpretação e da
transferência não.
O que orienta o manejo ou a manobra da transferência é a
estratégia de fazer acontecer análise, e não apenas de garantir a
manutenção e consistência do contexto analítico. Durante muito
tempo a bibliografia sobre a técnica da psicanálise enfatirou, a
nosso ver exageradamente, o setting ou enquadre como condição
prínceps da análise. Como se a manutenção do contrato, do nú­
mero de sessões por semana, pagamento, tempo etc. fosse garan­
tia da realização de uma análise. Pensamos que ao propor que o
termo "técnica da psicanálise" fosse substitu ído pelo de "ética
da psicanálise" Lacan acentua justamente que as questões de
manejo da transferência não poderiam prescindir de uma ética
que pusesse o desejo de analista co mo condutor fundamental
do tratamento.
&se tipo de manejo é estritamente ronrexrual pois corta, isola e
produz um determinado ronjunco de possíveis de fala sem propria-

71
�UI
(IWS1lAI INGO I.ENZ
• ,0 su bjetiva do pacien te. A única CXlisa u
qe
mente recificar ª �ça incerprecativo e nunca wn puro c:on �
ceam e nto
�lo é um acon . . ,0 de um contex to por ou tro, on �·
a ra s u bsu cu1ça de
. , P
Aliás u
' ndo ao mesm o, é uma estratégia n,.,, tio
se re d uz 1
fim des ac:abam ' a de s implesm e nte su bstituir o C:On ró.
�"
esc ra c ég 1
rica frequen c.e· A con texto infan til não fica trás d.i
t�o·
,"
p se u a
--- �• dO Paaente, s A.
o r
a[WI as vicissitudes do so rn � . men
çao p ara to pel a su bSQ...
"V.

proru ra da sol u .
ue se m ostra em d i s cursos d i
o t po : "f: .
i ,o de con texto é o q " "
tu ça .agem,, , "vou m udar de namo ra ou devo fazer gin :lrt. 1
da
u ma Vi . co mo d'fi ásti.
al ça, do ambiente físi 1 casse n t-..
c:l, co mo se a cera 0
.
o co """'lO.
o &co é que a tran spo si ça
' o de co nte x tos sem i nter p re tação é ..;.,,e.
ficaz. 0 trágiro é que depois de algum tem. po o conceno se reinstaJa
iniciando uma série de substituições CUJa marca é a repetição da
mesma posição subjetiva.
.A5 vicissitudes do contexto são bas i came n te d e duas fo rmas:
0
acting out e a passagem ao ato. Nelas o aconcecimenco discurs ivo
,
isto é, a interpretação, entra em d� co ��asso co m o context
. da transferenc1a 1mpl . o J
cransferencial. O maneJO 1ca po rtanto além
da manutenção da posição interpretativa a preservação da
sua '
estrutura dialética. Quando isco se rom pe trata-se ou de
uma ab­
sorção do sujeito ao campo do Outro ou de uma
absorção do
sujeito ao significante de fo rma a acent uar sua
divisão. Rom pe-se
rom isso a dialética entre desejo e gozo
que vimos con stit uir o eixo
cen tral da ética da psicanálise
.
O acting out se define pela
. encen ação do acontecimento ao
mvé s de su a re cord 1
açã o . El e é u m a resp
hiperfechamenco do osta dada ao
con cexco, isco é, pelo
aspectos da transfefeA · . acirrame nto dos três
naa: o seu poder ancea·
dade de interpreca . m patón· o a unposs· 1'bili
ça-0 e o av1V a ento da realidade . .
, ele inscmu.
que

72
llCAN E l CllKICl Dl llllERPIEllÇÃO

É O caso do paciente de Glover, comentado po r Lacan n Se i


o min -
rio I e no rexto " �ireção da cura e o s pri ncípios de seu poder"
( 1 9 5 8). Após ser informado por seu anal ista de que não era um
pl agiário como pensava, uma vez que seu analista fora a uma
biblioteca conferir a originalidade do que o paciente havia esaito,
este sai da sessão e se dirige a um restauran te para comer miolos
frescos (comer as "idéias" dos outros). A intervenção de Gl over
faz contradizer o desejo do paciente, dito no seu sintoma, oom a
realid ade no sentido do senso comum. Gl over interpreta fora do
co ntexto d ado pela transferência. A resposta do paciente segue
estritamente o novo contexto oferecido: a realidade. Glover diz -
Nao há por que sofrer !, e ao dii.ê-lo ignora que no sofrimento do
paciente se expressa um desejo e uma modalidade de gom. O �­
ente acata esse ignorar do desejo (e � oome a "idcSa" de Glover) eao
mesmo tempo mantém a solução de goro que ele expressa.
No caso do acting out se trata de acolher o contexto oferecido
pelo Outro, acompanhando sua surdez quanto ao aoontecimento.
Em face da passagem ao ato a situação é inversa, trata-se de fazer
vigorar um novo contexto a partir de um acontecimento desenr:ü­
zante. É o caso da psicose, onde a partir deste aoonteamento,
desta injunção significante (Calligaris,19 89), o sujeito se põe a
construir um mundo delirante. Trata-se de um acontecimento tão
radical que nenhum contexto poderia servir de antemão para
significá-lo. No caso das irmãs Papin (1932) pode-se atestar tal
configu ração de forma resumida. Mãe e filha (as patroas) chegam
em casa e apontam - Isto está sujo! As duas empregadas (as irmãs
Papin) matam então as patroas, cortam seus membros, arrancam
seus olhos, dispõem os corpos sobre a cam a que é ruidadosamente
arrumada e poderiam concluir - Agora está tudo limpo! O aconte-

73
DuNIEI
(HIJS1LII INGO 11NZ
cusa� ,-o d as patro as, é escutad o corn o
.
a mento si'gn ifi C211 tC. a a U
. ra . de gow que desarvora o contexto até rtia
cwo
-e de i mpe
nk-i
csr- sca de1·irante.
q 11c
d 'd O pela rcs pa
este seJ· a reincro UZI ll(tint1
• •
()tltsáo os li mues da trans fer� .
at o e O � 1.:nci
A passagem ao a,
ál
n ise em q ue se coloca e m
A cad a mo men to d a a . .
jogo
uni
to d a cransferên cia co rre-se o n sco é uco d e i nco ........
acra vessam en ·•q
. .ss1t. ude ro n cexcual. A reco m en d aça- o fireu d 1' ana de u
V1a
nu ma . q eo
nto d a . terprecaçáo deve agu ardar o dese nvol vimen to d
10
mo me • • • a
fere
A
no•
a n -
a o se refere ape nas à e ficáa a m te rp re tat wa m as t....
.. ,_
erans 1 1-
bém às suas ronsequências éticas. Eventualm ente u �a análise pode
se estacion ar em fun ção d o arom odamento do analista à s ua posj.
ção cransferen ci al. O lim ite entre recusar es ta po si ção (o que
inviabiliu O cracamenco) e aromo dar-se a d a (o que o i nfini tii.a)
depende d o d esejo de analisar e é po r i sso q ue es te desejo é u ma
quesr.ão ética e não apenas técnica.
A interpretação no interior da transferência fica sujei ta ao modo
de apreensão dialétiro. É o que Lacan acentua no texto de 1951
("Intervenção sobre a transferência"). Pensar a transferência romo
uma dialética é supor que em algu m lugar deste contexto é possí­
vd isolar sua ooncradição escrucuran ce. O "engano" transferencial
deve ser descon struído internamente e não pelo apelo a uma
exterioridade. Essa perspeaiva aproxima a psicanálise de uma
ética desconstru tivisca. Um a desconstrução
da supo sição de sa­
ber que teria com o program a revelar
o fundamento de engano
da transferência. Ani qu ilaria-
se assi m a metafisica do sujeito
s� p sto em prol da ass u mp
� ção d o puro jog o de interremissões
signifi can tes. Não hi
mai s lugar para a interpre tação uma v�
qu e ela se faz em tod a
par te, em toda repeti ção (it
termo mais ap ropri a eraçã o seria o
do) .

74
UCAN E A alNUl DA llflHPIETAr,10

Po de-se argumen tar co ntra esta pe rspeaiva, na med


ida em que
ela assu me tacitam ente que a análise se dese nvol veria inteiramente
a p es ar do ana lista. C abe r ia a este simp l esmente el ab o rar teorica­
men te, isto é, fora da sessão, com o o disauso do paciente ao final
fal a sob re nada e apesar disso se ajus ta às suas complexas divaga­
ções, É o que se poderia cham ar de clínica do mut ismo, onde a
fi
sign i caçã o que o analis ta d á ao seu próprio silêncio é a ú nica
in tervenção possível diante das desesperadas tentativas do pacien­
te de fazer-se sujeito em sua própria fala.
A alternativa imediata à clínica do mutismo faz supor que além
das inte rremissões significantes faça parte do jogo analítico uma
hipótese sob re a possibilidade de transformar o sujeito suposto da
cransferência num sujeito exposto, isto é, num acontecimento de
desejo e de goro que represente quem fala e não apenas de onde
fala (o tipo de disrurso envolvido, por exemplo). Uma ve-z que este
acontecimento é simplesmente um evento, como tal, atado à sua
efemeridade , trata-se de ajustar o tempo da interpretação ao tem­
po de significação do sujeito. Este ponto é justamente o lugar
onde se torna possível a interpretação. No caso Dora, por exem­
plo, Freud se acomoda à posição paterna, que é de onde suas inter­
pretações, no sentido de fazer reconhecer em Dora o desejo em
relação ao Sr. K extraem seus efeitos. No entanto é por garantir
demais tal contexto e a temporalidade que traz consigo que ele
deixa de fazer entrar na análise o desejo de Dora em relação à Sra.
K Este desejo é o pomo de negação da posição que Freud ocupa e
fornece o acesso a outra versão da tran sferência. Neste ponto seria
necessário que o desejo de analisar se impu sesse ao desej o de Pai ,
que faz do lado de Freud resistência à análise. O acting 011t que
perpassa a interru pção do tratamento é uma forma cô mica de

7S
I.DIZ 0U NIEI
(HalSllAII INGO
e. cial o fereci d o por Freud . Do ra. d
t ra nsrere n
,nan cer o co nt
ex t o
......1e a U .... ta É i. m portante n es..
u • a gove rnan .
des ...,.. u
.._o co mo se
O
....J p e r ,od o onde as intervenções de F far
a , s um rcud
u"' t
• •
que isto se passa . Po ral men te anteo páve 1 s .
l"'

ase , nteg
ro rnam-se qu

UNG UAG EM
0 MAL-ESTAR NA
. a:e aco ntecimento e contexto é u m m odo de
A dialéaca en
. · b ien te no qual se d ese nvolve um a aná};-·••
considerar o mei o am .
. representação da an ál&Se on de da al'l,J
Ob avemos ass1·m uma r-........
"'-1:
a , · e de ·
J o go • de exerdcio de inve nção nã o apenas de
como um espea
formas expressivas mas de u ma relaça.o com a palavra onde
novas
0 sujeito se enroncra su� ivame
nte co m o excluído que o pro du.
ziu. Esta produção subjetiva a partir do que estava exclu ído carac..
reriu O sujeito psirológiro em ques tão como um ser marcado ra-
dicalmence pelo arontecimenco . Acon tecimento para o qual ele
parece sempre insuficientemente capaz de abso rvê- lo o u de
concexcualw.-lo rom o uso da linguagem. A angústia talvtt sej a a
melhor forma de &lar deste aco ntecimento em estado puro.
Isco que pede significantização ou que do Real padece do
sign ificante, expõe a psicanálise aos riscos da teologia n egativa e ao
modo simbólico (Eco, 199 1) que a esta pode se conjugar, isto é, a
proliferação indefinida de uma nova significação que estará
sem­
pre mais além da esperada. Eco define mo
d o simbólico como uma
fonna interpretativa onde: "os sím
bolos não podem ser completa­
mente interpre tad os nem
com o si gnos (se méia) n em como ale­
goria. São símb o los au
tênticos po rqu e são plurívocos, carrega­
do s de alu sõ es • i n u •
exa rfve is • ,, (p. 2 1 9) . Neste sentido o Reai

76
UCAN E l WNICA Dl INTEIPIEllÇÃO

ividade de sentido ou o imp oss ível d e se in cluir


enq ua nt o n egat
co mpleta mente no campo da s i gni fi cação não deve se confu n­
el. O centro da ética não está nessa negatividade
di r co m O ine fáv
ma s no qu e lhe dá contorno e nas formas de ab ordá-lo. I sto
qu e La can chamou de Real, onde se encontra o camp o da Coi­
sa , do tra u ma , do estranho
(Unheimlich), responde por uma
parte sig nificativa do que diz respeito à ética da psicanálise.
La can fala em três fo rmas de dar contorno a esta negatividade
p ro d uzida pelo puro acontecimento:
1) a arte: que fixa uma organização estética que envolve o
vazi o a parti r da beleza de suas imediações.
2) a relig i ão: que procura evitar e desmentir o próprio va­
zio , negan do-lhe existência
3) a ciência: que procura orupar este vazio com o saber.
A psi canálise seria uma quarta forma de lidar rom o aconteci­
mento e com a negatividade que ele implica. A única a reamhecer
nesta negatividade simultaneamente a causa do desejo e do gozo.
A interpretação por um lado e a transferência por outro são for­
mas éticas de abordar esta negatividade. O sofrimento psíquiro ao
qual elas se ajustam, seja o do sintoma (simbóliro), a inibição (ima­
ginário) ou a angústia (real), é encarado não apenas romo um
problema mas é co mo se, ao contrário, eles expressassem uma
solução. A negatividade do Real não é traduzida romo uma &lha
biológica, cognitiva, social ou existencial, mas romo uma pergun­
ta sobre o acontecimento. Um sintoma, por exemplo, realiza um
desejo, não apenas no sentido em que o satisfuz, mas também no
sentido em que ele se encena, se representa, se diz numa questão.
Mas que outra relação oom o inconsciente se poderia esperar além
desta? Se a ética da psican.ilise se dirige à produção de uma subje-

77
NIP
&O l.fNZ l)U
(H11S11AII IN
. CO nsciente, l ím p i da, adequada e tr "'
J.Jl
. rgada d o . an --pa..
ovidade exp a é t d a
u
re te nde um tca Práxis p o .
s i m es ma co m o p S t. tl\'
rente a icação do mal estar na Ji .. a,
. mente da errad
cratarla-se sunPtes . o nnais co m certeza, mas que nos...dgu�:
rn ana n
gem, o que nos .toda iv imanente a este mai estar. Csti.
r 1n ga t o
au.n. a do pa de
lh am os na ..r-o o pasta e pe .nsamos o a nai'asta como o
d ...:l'PN
Se
, nden tal-umve rsai'tzan te
saber t,.......nsce
0
- do qu al el
re de um e
agen . . d iríamos que se trata de t rad u çao do aco nt-.!sc
f.iz funoonário, _
o de u m contexto atua} .
'"""""
--' am os d ian te da traduça
. Esc au
mento
. ai ática v an .ada, fo rnea' do pel a assoa. ação ,""' lJl..
tenoon e de tem l i ··�
l uai e df'SCJ.aD te. Contudo 'l'l\o
para um ouuo COntexto• infanti , sex Q .....

uad ução de co ntexto a co n rexto perde de vista a dimen são do


aco n tecimento. Podemos argu mentar que contra a tese da tradu.
ção pesa O fato de que da apasta na idéia d e que a solução do
sofrimento psíquico é u ma questão de acesso ao saber, quando
j ustamen te é O excesso de saber o q ue o caracteriza, especialmente
no aso do sintoma e da inibição.
o saber infantil , desejante e sexual poderia assim realizar uma
espécie de contexto definitivo capaz de absorver a to talidade dos
acontecimentos. À ética pragmática podemos dirigir o mesmo ar­
gumento: produzir uma descrição eficaz, conse nsu almente
estabelecida e socialmente aprovada do acontecime nto não é mais
do que introduzir um contex to de saber capaz d e amparar o
suje�
to contra o acontecimento.
A dimensão ética da interpretação não se
dá pelo saber que ela
eventualmente produz, mas pelo
encontro q ue ela provoca. En­
co�cro que se pode localiw na
reviravolta introduzida pelo acon­
teamento em relação ao con
texto. Pela substituição da temporali­
dade infin ita do contex o
t pela efemeridade do acontecimento
.

78
UCAN E A nlRICA DA llllt
lfflllçlo

Pode-se dizer que a ética da psicanálise v isa redllZU' .


, · d o co nt to, . a vdoadade
a
an te patóna ex redUZJr a previsibilidade do
. ou tro. Se é
com o obJ eto que d e se to ma previ s ível e "07.ável é m "- '
o , co o "'°isa
que ele se faz causa da questão e d o d esejo que ela implica.
Um sin toma, neste sentido, pode ser entendido como a 6xaçã
de u m ceno possível desejante, de ou tro possívd pulsional e ;
u m poss ível ide ntificató rio. Isto se liga às fo rmas fundamentais
que e n contramos em Freud quanto a sua definição , isto é, como
u m romprom isso e ntre desejo e defesa, como a regressão a u m

po nto de fixação pulsional e como a realii.açã o de u ma identifica­


ção nardsica ao obj eto. Um sintoma é sempre a fixação de u m
ronrexto rujas arestas são ddimitáveis nestes termos. É por sua
aptidão co ntextual que o sintoma é sempre coletiviza.dor. Ele é 0
ethos disrursivo ao qual a vida de um sujeito se encontra l igada. Ao
con trário do fantasma, que se caracteriza sempre pelo solipsismo
silencioso, o sintoma coorde na a abordagem e relação com outros
ethos disrursivos .
É o que pudemos presenciar com relação a um caso q u e aten­
demos como estagiário de amo d e psicologia. Tratava-se de u ma
senhora que padecia a mais de trinta anos de uma dor de dente,
inexplicável do ponto de vista odontológico e neu rológico. O den­
te que doía havia sido extraído na ocasião de sua primeira mens­
uuação, qu ando a paciente tinh a treze anos. Na verdade a dor se
não
referia a uma parte do corpo, um dente, qu e simplesmente
u não estava
existia mais. Ele não podia doer simplesmen te porq e
u m psicólogo a
lá. Mas doía, e movida por isso vi nha diante de
conversão. No en­
exigir u ma sol ução. Tudo levava a crer num a
ais do qu e u ma
tanto, este sin toma rapidamente se m ostrou m
exerdcio de um saber.
fo rm a de padeciment o a ser erra dicada pelo

79
HZ DuNK ER
(H11S11AN IN G O I.E •
a ro
cal.
• d a d e d e su as rc1 aço- es gira
. r e lll
t
ente fazia a orri
Es ra paci n o m án. co. Ab o rd ava pessoas pam r deste fc o
co ca co st· c . . .. m fu n ção d ele, manti nha u rn th·,.
desse n hg 1 a o e . a�
. cuJava-sc a urn a .re.. éd i ca s , o donc o kSg1cas e finalrn e e.
vin . st1· cuiçóCS m n rc
o r i n .c.1 e saber so b re a ca usa deste s ofri rne Ps1.'
gri naçáo p
.cas, o n de a r.uta d n to
. 1 o d e so ciahzaça o. 1 ratava-se de u rn eta
• .. ...-:
col6gi
e ir· 0 es n al para fal ar e u rn a re hos
tt
u m verd a d to fu n d a ment
m p retex de
d iscurs i.vo, ..u ara u n tos dos mais variad os co mo a profi _de
.
ass
inrerprecaçõCS P
õeS a m o ro sas , a vi da e a mo rte. Um sintoma é tão rn �.
as rei aç �
át i CO d o pa n co de vi.sca de su a desconstr ução q uantO lll
pro bl e m
. d de con cext ual. Ele S(l s e coma desn ecessári o aj.
or a su a ca pa a a . quan.
1
u m a h os ai te rn ativo está d 1sp on fve e q.uand o se po de usuui:..u .
do ir
. mod o a s itu ar o aconcecune n to em oucra � ....
da lingu agem de . . r- lt,
o grande preJU. uu ,�,,. ético intro d uzido por d1Scursos q ue enr:i i'7., _11
·--..
, 0
e.:- ificante co mo : alco ol atra, d rogadt. to hom
so uu uento n u m sign . ,. , os.
o co nc� co s �1 tomat 1 co, mantend
sexual etc. é que eles reforçam o
erm m açoes contextuais· �
o aro ntea· mento a rado às suas det pda
incl usão de u m significante ao co ntexto sin tom ático que uma análise
começa (rom o O m ostra o materna da transferênci a). No encanto,
0 que caracteriza esta incl u são como uma análi se é j stamente 0
u
aspecto probl emático com q ue se realiza.
Supomos que a angústia revela a primazia d o acon tecimento e
que o sintoma aponta para a primazia do co ncexrn. Nossa hipó�
quanto à inibição é que ela faz opor, e não contrad izer, aco nteci­
mento e ron cexco. Uma inibição como a que faz deter a histérica
diante do olhar do outro ou da criança diante da escolariz.ação
pode ser entendi da como uma forma de garan tir um aconteci­
mento. A fobia, quadro clínico bastante ass ociado à inibiçã
o, se
caractema por um desej o prevenid o. Um desej
o constituído na

80
UCAII E A a!NJCA DA
IIIIHPRITArlo

estri ta separação en tre aco ncecimc nco e co ntexto É


· por i�o q ue o
. eto fó b .ico parec.c i. m une às van. açoes
_ ex
b
o J .
con t tu ais. Encre a pos,-.
. . a e o nt to se m
r'.ÍO subJeuv co ex tcrpõ c um e u red uz'i do a· ._
r b. . _ co n d 1ça o
o
d e o J eto . O co �o com obj eto e nao com o Coi sa é O que fal ta ao
O u t ro p ara cons u tu í- lo com o um contex to fech ad o· A int · erp reta
-
tr
ção en a n este ponto o
com uma separação en tre O aco ntecim
ento
co m o u ma redução ao corpo e o aconccci men co como um fàto
pu ramente sign ificante.
Um ajuste de co ntas ético entre a condi ção do so frimen to e 0
cscac uto da interpretação que lhe é endereçada su porá em todos os
casos - inib ição, sinto m a ou angústia - a invenção de um novo
con tex to e a valorização da irredu tibilid ade do acontecimento
a es te co n tex to. É só no intervalo desta sep aração qu e se p oderá
prosseg uir a d ialética de que se trata manter. Isto sign ifi ca reco­
nh ece r o mal estar na linguage m como a condição bás i ca da
é tica psicana lítica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Janeiro : Jorge Zahar.

81
ÚIRISDAN fNGO ÚNZ 0UNKER
º"a/ultult. Rio de J�ciro : Po
r
,.(6fl '"'naP
"'. Lu forrn,u paranórcas da ,.,._
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ri�n cia" (1 9JJ): "Aforivm ,fo <rim e
---- . (J 98R). E1rr11,,,. Mixko : �·�'::1<,·i
P·":·
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•Jnrcrv< "�º sob e a transfcr@n �
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"O rcmpo Mp'rn e u J<<er(.lo ,fJ «ria:' ª , ,.,lcr ( 1 9 ,, ; J ("0 nuio md1V1dual d o 11,
1 .
( l 9 'l J ); •A (Ii,rç:io ,f.1 c:um e ('U prin dp icu '1e «• ,� irc l : 1'rf.,n,u .._
A
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0 ,1r u
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mm,r,. S:Io Paulo : Companh ia d.u Lcir.1.<.
'CA DA INTER PRETAÇÃO
jl. LÓ G

AsPECTOS TEÓRICOS

Supo n ha mos que consid e rar a inte rpretação a pani r da lógi


ca
impl ique numa to mada de p o sição acerca d o que vem a ser um
rrarame n co anal ítico. Signifique pensá-lo com o envolven do
um a
espécie de d emo nstração . Assim ·é:tda: i���
retação reen viaria-se
de alguma forma ao que a teoria pr��e para a generalidade da
estru tura clinica. Num outro nlvel cadà interpretação se anirula­
ria à p remissa que a torna posslvel e o conjunto desras premissas se
articu la ria num axioma que a análise visaria construir na furma
singular junco a um sujeito específico. Admite-se ainda que tal
demonstração possua efeitos terapêuticos. Seguindo adiante
nesta suposição veríamos que cada in terpretação apareceria
justifi cada como um teorema q ue pode s er provad o à luz deste
axioma particu l ar. Em s uma: o co nju nto das interp retações de
aos passos de
uma anál ise é equivalente, em termos formais,
dad a teo ria da prova?
uma d emons traça�0 segund o uma
. . tar a pertinência em se cons1"d erar a
Nosso o b1eovo é consta

83
(tmslWI I NGO l.BIZ DuNlEl

. �º uz a teoria da p rova e de que forma -L


mrerpreca.,...... à l de um

Qél se
ªJ
_i:-�cia
OU se (mi.d.l do esquema hipotétiro proposto. Nos rnant,- lista
"-'Cll\Qs
º
i

campo da lógica aristotélica até mesmo �_verifi� a n�dadt


o da mtetpreta da
ucilizaçáo de lógicas não clássicas na ceorrzaça ção.
Algumas diferenças se colo cam quando o sistema referen .
Cial
disrursivo, no qual a dem onst raça- o se rea1·J.Za , e' o d"1scurs0 anal( .
se �-
co. Em primeiro lu gar as condições tradicionais e rn que co l\si.
.
dera uma teoria da prova não se ai ustam, i sto e, os critérios d
• '

verdade, a ontologia e a teo ria dos raciocínio s ou ju ízos envolvido:


não parecem co rresponder às exigidas pela psicanálise. Ern segun.
do lugar O agente desta demonstração não é o analista, que teria
neste caso a posição de mestre. Po r outro lado seria artificial atri­
buir este lugar ao analisante. Direm os com isso que o agente da
interpretação em psicanálise não é nem o sujeito universal e neces­
sário da ciência e da filosofia nem o sujeito psicológico. A apreen­
são em termos lógicos do papel que a intetpretação exerce no tra­
tamento implica em considerar qual o lugar que a o ntologi a, a
verdade e a teoria dos racioclnios orupam no espaço do discurso
analítico e na sua concepção de interpretação.
Essas categorias estruturam a mais antiga teoria da prova de
que se tem noúcia: a de Aristóteles. A confirmação da eficácia da
teoria da prova aristotélica foi mostrada pela sua capacidade de
explicar a consistência interna da geometria de Euclides .
Attavb.
dela realizou-se pela primeira Vf:L uma associação
entre lógica e
matemática, que se preservou n pensamen to m
� oderno e perdu-
ra, de certa forma, até nossos dias . A perfeir:; 0
..- e co ns1s· tenc1a de
A •

um modelo lógico responde diretamente à cap "


ac1dade que este
modelo possui de absorver impasses do camp d . .
. . o a antméuca
geometria. Uma c01sa no entanto e• formali
· e da
zar o\ .
gicamente ull)i
UCAH E A nlHICA DA IHlERPRETl{ÃO

d ,...itos de fo nn a a demonstrar sua coerência interna;


co n..-
rc d e e
f re é requerer da realidade (ou da referência) um
m di e nte
outra be erê .
ex ressada teoncamente. Ass"un pod emos com-
.
usce à co ncia p
aJ · do t ratamento anal {n· -
can , ao pensar a ló g1ca
reen e
d r Po rque La
p v b rigado a revisar as ca tegorias clássicas da teoria da prova
CO, se ê o . . .
o m esm o te mpo m tro d UZ1 u ma geometna que pudesse 1he
r
e a
te: a top ologia.
rvi r co mo supor
se Pode-se argumentar que a lógica moderna se desligou de qual-

uer co mprom isso ontológico, destacando-se do cenário fil osófi­


� que lhe deu origem para se constituir em discu rso puramente
formal (a lin guagem artifici al) , com suas próprias regras de consis­
tência e co erência que independem de qualquer relação com a
realidade ou com a intuição. Costumamos encontrar esta inde­
pendência da lógica como um ponto de honra: garantia de um
co nhecimento purificado dos impasses da "linguagem natural" e
autofundado enquanto tal.
Fala-se então em "seres de linguagem", "existência" e "mundos
possíveis" , sem que em nenhum caso tais figuras lógioo-matemáti­
cas contemplem uma relação com o Ser ou uma hipótese sobre
ele. Confunde-se ontologia com um vago empirismo ou uma ul­
trapassada relação entre palavras e coisas, ou ainda toma-se o
tem a da o ntologia confundindo-o com al gu m tipo de idealis­
mo que ainda não compreendeu o poder constitutivo da lin­
guagem e sua autoreferência fundamental. A pretexto de des­
carte d as considerações éticas ou estéticas o logicismo reconhe­
ce com dificuldade sua implantação numa ontologia que iden­
tifica Ser e linguagem. Nossa posição, em função disso , é de
buscar a explicitação de tal o nto logia, no caso da psicanálise, e
de suas implicações para a lógica.
CHm1w1 IN&O lsa DuNm

N ão pretendemos oom isso reto mar à o posição e ntre


ou no minalismo, mas apenas sal ien tar que a redu ção d�rno
gem à sua s inwe lógica, oo m o franco d esconheci me n ?ª·
to
mãntica' toma impossívd a apreensão de certas qu estões d . se..
. a ps1ea,.
n:llise a não ser pela analogia en t os as
re cen problem de u rn
. e outro
campo. Ora, analogias podem ser encontradas entre a psi
can álise
qualquer outro campo teórioo sem que com isso se logre qual u;
q
avanço para a solução dos problemas e m questã o. Resu m i nd ·
o
ou assumimos criticamente um compromisso ontol ó gico CmCS:
mo que seja com a linguagem como realidade) ou no s t o rna­
mos estudiosos da lógica sem podermos mais reto m ar à sua
eventual rdação com a psicanálise. Neste úl ti m o caso o papel
da lógica seria o de formalizar numa linguage m meno s amb(­
gua e mais purificada o que de alguma forma j:l sabe mos.
O que sempre caraaerizou a tradição ocidental quanto à lógi­
ca, e que explica boa parte do fascínio que exerce, é a possibilidade
que ela nos oferece de nos elevar à esfera do necess:lrio. O conhe­
cimento logicamente justificado responde às exigências que os gre­
gos faziam para o tipo de conhecimento visado nos primórdios da
filosofia: a tpistemJ, isto é, um conhecimento eterno, universal,
absoluto, não contraditório mas fundamental mente regido pela
n«midadt interna com que se impunha. Tal conheci mento se tor·
na possível no quadro de uma sociedade que se organii.a política e
juridicamente a partir de um principio, o que os gregos do século
IV AC chamavam de ÚJgon didonai, isto é, a suficiência e necess da·
i
de da razão para prestar contas dos atos humanos. O princíp
io
justificad o r surge, no entanto, absorvendo a tradição jurídi
ca que
Uie antcc.cdia. A idéia de necessidade é um exe mplo d is . U
so ma de
suas conotações mais impor tantes encontramos na palavra anankl.
UCAN t l alNICl DA IIIIHPIITlÇÃO

· ·10almen te a anankê penencia ao vocabulário


que o ng . . .
supõe-se feria à necessidade, no senado de obngação legal ,
;urídiCO;::a herança, de n ão rerusá-l a. Assim a necessidade se
de rece fo i , d eve ser e será, e que de cena fonna independe
li.:r.1. ª aigo que nh cimento, l ogi. cam en te JUSll . " fica.d
o, toma-se as-
i,- • •
ei co. 0 co e
do SU J
. uma forma de conto rnar o tempo.
s,m
formaliza .
. l og1cam - te mporal , o que resis. te
en te é o nao
0 ue se
i à ra formação e em função disso pode explicá-la. Neste
0 dev e c ns
r da teoria dos silogism os, po r exemplo,
:ncido se diz, no interio
ue dadas de term inadas premissas a conclus ão (se o raciocínio é
:ndus ivo) é necess ária. O problema é que se o raciocínio não é
co ndusivo, ou se cond uz a uma contradição, d e não é propria­
mente um raciocínio, ele n ão é pensamento, de é não Ser. É por
isso, como afirma Lacan, que a lógica nunca deixou de evoluir a
panir de um núcleo de paradoxos. O ideal logicista tem por hori­
ronte mostrar que o paradoxo nasce apenas da insu ficiência do
sujeito em se apropiar da racionalidade.
O ra, é justamente na expressão do paradoxo que se amstirui
algo de propriamente fundamental para a psicanálise. O parado­
xo, nos seus dive rsos sentidos, isto é, como absurdo, como não
senso ou co mo contradição, exprime a rondição a que está sub­
metido o ser falante a panir da hipótese do inconsciente. Os atri­
butos que Freud po stula para descrever o inconsciente, em relação
ao suje ito por ele afetado (e não em sua consistência ceórica), são ª
ausência de contradição, de negação e de cem po �dade. T� aui-
' .am a apreensão ló01ca de tal hip6ce-
b utos a p nndp10 . . .mviab iliz.ar1 0-

en ces macemáticos e geomé-


se. No entanto a desco berta de algu ns . -
. . . osso século (as geo memas nao eudid"ianas po r
tnc.os no m(c10 de n
. I O ao desenvolvimento de moddos lóg1cos ·
exemplo) deu 1mpu s

87
mais roleran res à assimílação de parad oxos. Lacan, ao seu ln od º•
. se
inc� po r es ra possi bilidade aberra n a esfera l ógica
Nossa hipótese é qu e n o cen· tro dos desenvolvim en tos lógico
· - do . m d s
b axm a a necessidad
de Lacan se en contra um a su smmça
o

lo im ass ·
derivado da o n cologia pannenid ian a, pe axio m a do p fveJ�
, el ler ( 1 995) real fa
Segu i n d o u ma trilh a sem elham� G � ou
t
u m exam e d e cercos aspectos da teo na ps1can all i ca (o tempo, a
escol ha da ne urose, a pu lsão) m os tran d o que há necessidade de
u ma espécie de revi s ão onco l ógica da psi canálise de m o do a
q ue es ta incorpore a noçã o de contingência o u de a caso radi­
cal. Apoiada em cercos desenvol vi m en tos contempo râ n eos da
física, n a filosofia t rágica de Rosset e na leitura da pulsão de
morte sugerid a por Garcia-Roza, a autora convida-nos a re­
considerar a ontologia da ciência calcada no axioma da necessi­
dade. A forma exemplar deste axioma seria encon trada em
Laplace e corresponde à idéia de q ue se pudermos descrever
com absoluta precisão o passado de um sistema poderemos
deduzir com igu al precisão e necessariamente o estado deste
sistema no presente e no futuro. Argumentando simultanea­
mente no plano da filosofia e no da teoria da ciência, ela mos-
tra que há certos sistemas (da mecânica quân tica por um lado
e a determin ação da neurose por ou tro) on de este ideal deve se
submeter à presença de uma contin gência originá ria. Se a con­
tingê nc ia se most ra uma alterna ti va no te rre no
da teoria
freu diana, pensa mos que é a impossibi lidade O ve,· ral mw•
. do para pensar a revisão em o rent
ap ropna questão 11 o qu a dro da te-
oria· de Lacan.
Se o inco nsciente e a pulsão sã o imp oss { .
veis de serem pen•
sad os, se são exteriores ao pensamento ' co
m 0 ª borda r esr
e im -

88
UCAN E A a!HICA DA llflERJ'RETl
çio

p ossível? No
ssa hipó tese é que Lacan o faz a partir
de três n{­
veis d istintos: a sexuação, o sen tido e a signifi cação.

A SEXUAÇÁO

O impossível quanto ao sexo foi elaborado por Lacan a partir


do Sem inário XX através das chamadas fórmulas quânticas da
sc,wação. O problema em questão é a relei cura da incidência dife­
rencial da castração no homem e na mulher, problema para o
qual as teses freudianas não nos levam de fato a uma conclusão. A
posição masrulina se funda logicamente na seguin te contradição:
para todo lwmem vigora a função fálica da castração. Ao mesmo
tempo, para que este campo "lwmens" se constitua é nec:ess:frio
um elemento que pertença a este conjun to de forma paradoxal,
pois é o "ao menos um" que escapa à função fálica da C1Stração.
Este "ao menos um" pode ser representado pela figu ra freudiana,
postulada em Totem e tabu, do Uroater, o pai da horda primitiva,
que teria acesso a todas as mulheres. Lacan asssume o paradoxo da
antropologia ficcional de Freud, que exige que a lei para se consti­
tuir precise da própria lei, e dá contornos lógicos a esre paradoxo.
Na posição feminina há uma contradição constitutiva de outra
ordem. De um lado remos a proposição de que não há nenhuma
mulher q ue escape a castração, o que se justifica freudianamente
pelo apelo ao nível a11arômico. A proposição que roma a primeira
um paradoxo é que a mullier, por não se consriruir em relação à
figura m/rica do incasrrado, estaria 'não roda'' submetida à função
fálica da castração. O q u e se ob rém ao final é uma
incomensu rabilidade entre a posição masculina e a posição femi-

89
0UNIER
(HIISJWI INGO I.IHZ
relação
. leva ao aforis m o de q ue "não há SCXual ,,,
nina, o q ue

ri co j u n to de q ua tro proposi ções q u e co rn


A go r O n Põ
sexu a é o pro dut d� um l ongo em bace de e �
fónnu las d a �� � 1..
óg ari scocé hca. Tal re fere nci a aparece d esd e O Setn . tan
com a l ica rflárj0
ca çã o e se reveza co m as d emonst raçõ es topoló .
sobre a identi fi grcas
. A rerr.erência a Aristót
ú l timos mo m en tos d e se u ens ino. eJ
até os es
o qu ip ssa po r uma s i mp cação d
de que estamos fal and as i
a a lifi

l r e-
mi� da l ógica real izada po r Ap u ei o n o século III. Esta simp rfi.
. p ossíveis e as rela •
cação representa os tipos e m od os J UÍZOS
m
entre des. S i tue os o qu adra
de
do de Ap uleio acrescentand o a e1:
ação:
enunciados de Lacan q uanto à sexu

Necessário Contingente
(universal afirmativo) funiversal negotivo)
"Todo homem ... " "Não todo mulher . . . "
- nõo cesso de se inscrever • cesso de não se increver

Possível Impossível
(particular ofirmolivo) (particular negativo)
"Exisle um homem ... " "Não existe uma mulher... "
• cesso de se inscrever • não cesso de não se increver

Nas diagonais deste quadrado encon


as re!ações de co n-
uad ição , nas colun as propos ições su bal:;m
os

n as e nas l mh as refações
entre contrários (linha superior) e SU b
CO n trárrº os (I°mh • •
O quad rado de Ap uleio na verdade a mfenor).
expressa u m ª
lógr·ca d e Plledi cados, que uatt da un1Ve · ção entre a
Jun
· rsal1. dad
e e d exis tên
ª cia,

90
UCAN E A alKICA DA INTERPRmçlo

l, que abo rda as proposições a partir de sua


co m a l ógica moda
conángêncía e impossibilidade. O q ua­
necessid ad e, p ossi bilidade,
izado para designar sucessivamente as relações entre 0
d rad o é u til
n sam en co e a existên cia (Seminário XIV), entre saber e verdade
ferência e repeáção (Semináó o XVI)
:m in ári o XV) , entre trans
ma fo rma simplificada na abordagem do problema
e a arece de u
minário XX. A q uestão em rodos os casos re­
d a �uação no Se
ão entre o aspecto universal da
mo nta a u ma cerca incoordenaç
castração e a sua existên cia num sujeito parácular. Ora, o trata­
ó
mento dad o por Arist teles associa o nível oncológico à esfera da
necessid ade: o Ser necessariamen te é. No caso dos aspeccos consi­
derados pela psicanálise, o Ser justamente se associa ao impossível:
0 Real é o que não cessa de não se inscrever, o Real não é, ou ele é
impossível de ser.

0 SENTIDO

O segundo n ível de tracamenco dado à impossibilidade se


dá no ordem do sentido. O sentido pode ser definido como uma
camada da linguagem onde se dá o q ue Lacan chama de dizer. O
dizer é o q ue funciona no nível do d iscurso e não da fula. O dizer
aparece no revezamento ou na tradução de um discurso a outro.
O inconsciente, no sentido da antropologia estrururalista o u das
formações discursivas propostas por Foucault, pertence a um ní­
vel parecido com aquele no qual Lacan postula o dizer. Assim por
exemplo, quando o disairso de Kant acerca da ética é traduzido
ou conectado ao discurso de Sade, conexão realizada não apenas
por Lacan mas também por autores como Fou caulc e Adorno, há

91
l.ENZ DuNKER
(RamtAR INGD

n t 'id O que apaga e rran s fonna to da a •s ig ll l' r{'1 ca,


d e se _ Ção
u m e fei to n es dcsr a rra d u çao .
izava a t
que se real izer d e Kant pe rm anece o mesm o , s u a 1c
nc a n to , 0d tra
No e .
d i r até q u e urna n ova
d a nd o O sen t i d o o d ze CJc tra.
guar . . .
permanece . . caça- o produza sob u m n o. vo g iro d 1scu rs ivo u rn n ov
-0 de s1g
nt 6 . 0
' Em t nno s de teo n a d a uuerpr etação csta
ça . d . e . . Pos.
co n1un to de icos . . qu .
d . nfin ' ta d e aa dução implica e se oo ns1dere a meici&tênCta
.s1b.ilt'da e 1 1 . . ,,
pé o· e de "senti do ongmal , o texto pe rm anece abertO ,i1
de um a es _ .
tam e n te p orq ue n ao p o ssu i um sen ti.
extração de signifi caçã o ju s
ra s de uma espécie de hal an.
do , mas simplesmente sentid o. T ta- e .
ção meno � senad o � q uanto men o s signj.
ça: quanto mais significa
e r o sen udo se define co rno 0
ficaçáo mais sentido. Desta man i a
d signi ficação.
imposslve\ e ser reduzi do à
o ntve\ do dizer corresponde a uma parte imp ortante da revi.
ida por Lacan. A de­
são da noção de demonstração empreend
r
monstração considerada co m o o exe rcício de um ce to núm ero de
regras a parúr de axiomas, postulados e teoremas não se i nteressa
pela relação do que está sendo demonstrado com a realidade, seja
ela tomada em qualquer acepção . É o que permi te separar a ver­
dade no sentido lógico, como legiúmidade da forma de raciocínio,
da verdade no sentido ontológico, como adequação, correspon­
dência ou pragmática entre o mundo e o que se está diz.endo pela
demonstração. Por exemplo , a definição aristotéli ca de verdade
reúne estes dois aspectos:
"Dizer do que é, que é , e do que nao _ ,
e, que não é, isco é a
verdade .
Dizer do que é, que não é, e do que nã
o e,, que é , isc
. o e, o erro."
Suponhamos que o termodiur da d
efiniçao - acim a se
relaci ona

92
UWI E l al111a DA l
ll!WRra�o ....
co n ceito Jacan í ano de dizer. A suposição - é
nao total men
co fll o . , lcs
ervarm os q ue Anstote te
. a, r i a s e o bs é u m au t o r de rc rc
arb i tr e_ rê nc 1a

ra L acan n es te perío do q ue cost u ma marcar a subst" . 1tu1. ça_ o


d 0
pa . . , .
i m a Jingufsaco pelo parad igm a l ogico, período OJjo epicentro
arad g
P e ser d atad o n os an os de 1 969 - 1 970. Três aspeaos da filosofia
ºd
P Ari scó cdes são destacados: a teo ria d aç causas (inclusive a nchê
de · ·
.,.,,,ton) , a ceona d o su1 e 1· co co m o epok-eimenon · e a 1 ógica•
e A11 t011u• • , •
Se acei ta mos esta l11po cese de q ue o d izer como concei to em
ca ro cede de uma in terl ocução com Ariscóceles, e levarmos
La n p
portância para a própria definição de verdade, é
em con ta su a im
dizer diz respeito à reformulação da teoria da
J. US to supo r que o
submeter se pretende rever a cearia da
verdade a qu e Lacan deve se
a
prova e da demo nstrabilidade. O dizer se rdacio n , nestes termo .
s,
ra1 · '
izave 1 . M o que cena
ao cerna da verdade enquanto não to as uma
an álise a demonstrar sobre isso ? A afirmação de Lacan é dara: há
um a im possib ilidade de dizer o verdadeiro sob re o real. En contra­
m os novamente o cerna do impossível . O Ser não tem sentido que
pos.�a ser craduzido integralmente em termos de verdade oncológica.
A análise demonstraria esta impossibilidade, sendo considera­
da como uma espécie de queda de sentido, ou queda de discurso.
Antes de uma análise o sujeito está às volcas não com a impossibi­
lidade mas com a impotênáa de diz.ê-lo. Quando uma comentadora
como Soller ( 1 994) afuma que o significado do dizer é a ex-sistência,
sua preocupação é mostrar a disjunção entre o nívd da verdade e
do sujeito com relação ao nível do dizer e da ex-siscência. Disjunção
tomada por Lacan para especificar o final de uma análise como
moment o de disjunção entre saber e verdade.
O impossível a demo nstrar quanto ao dizer toca dinicam eme
o nível da demanda. A deman da é um conceito que em Lacan

93
I.BIZ DuNKER
(H11S11A11 ING O

·"•e da teo ria freudian a d as p ulsões. A demanda é


P"'
uaduz u ma . re•
se repete) de u m s igno de am o r Uu ran . e
.uça_ o {u m ped ido que • • • \til
pe 1 n , is ã
m anda é o que r.u. sup e c1a t.o é, n o 0 qu
e.._
Es ta d e e
1 9 84). 1 - o à unposs i bilida
ta m as O que vem a m ais, em re aça d
co m p 1 e m en . e
• i A disparidade en tre o mas culm o e o fem in i no d
da relaçao sexua· e
cima é acrescida ou su plemen tada nu m arreme
� s a d o
�d
. uan to ª es te as pecto Lacan sal ien ta
que é a d imen são amorosa • Q .
n u o d o d r ama am o roso (Semi.
seu �imismo em rdaçáo a oo d sa
que isto po de represen tar para a t ran s ferên.
nário VII) e O impasse
ei (Seminário VIII). A novid ade da "virad a" l ógi ca é pensar a
a
a partir da l ógica modal, e a função
de manda co mo estruturad a
fálica, na qual se inclui o desej o, oo mo estrutu rada a partir da
lógica proposicional.
i r
A demanda na neurose por exemplo faz emparce ra o im pos-
( "
sível ao contingente e o possível ao necessário I.:Etourdit''.}. Des­
ta forma Lacan uansfonna os dois aspectos que tornam o in cesto
impossível, e não apenas proibido, em uma ficção. O primeiro
aspectodo emparceirarnento da demanda transfurma a i mpossibi­
lidade da existência do objeto numa cont i ngência, isto é, o
desencontro em relação ao objeto é recebido como fru to de u m
acaso infeliz. A fantasia de castração, por exemplo, revela q ue o
objeto não é constitutivo e essencialmente faltante, mas fo i t o ma­
d� in�sponfvel por uma contingência. O efeito de frustra
ção ima-
gmána, que atravessa a depressão , por exem ,
. _ p l o , e e.
,r u to desta cli-
.
lmçao da unpo ssibilidade à contingência
.
O segun do a�pecto deste emparceirame
nto trans fiorma o gow
. ça·o pater
pos.�{ve1 , pe1a 1.umta na' nt1m gozo necess -
ário, que nao
cessa d e se escrever. Em outras palav
ras ' o ere
e. •1to da fim -
é tornar o "gozo interditado a quem fala" (" S çao paterna
ubve rsao - do suJei
· . to" ,

94
UCA• E A al11u DA oounm
çio
0 No entanto, é por mei o desta i n terdi - 0
1 9 6 ). . . ça que se tornará
S s iv el u m gozo parc.
i al , CUJ a caracte r ís tica é se
u aspe ct o
Pº . . l .. . ,,
su bsci r u uv o e s1 mb 6 1co. O termo obJ eto é problem ático neste
ext , A substituição s imbólica (intermediada pela fu nção
co n t o
ula-se a partir d�í pelo signifi cante. O que O ern par­
pate rna) v eic
cei ra me nto da demanda realiza é a tra ns fonnaç.ão deste possível
(s ign ifi cante) em necessário.
Esta idéia do gozo como obrigação e necessidad e imposta pelo
superego rem o nta ao texto "Kant com Sade" ( 1 963). A incidência
d a fu nção pate rna tem neste texto um duplo papel. Podemos
exempli ficá-lo a partir do seguinte exemplo: suponham os que o
i m pe rativ o superegóico se enuncie numa sentença do tipo: "Não
co q ue nisso !" . No plano do significante esta sentença limita a
int erdição a "isto" e fica sujeito à derivação metoními ca e metafó­
rica hab ilitando desta maneira o desejo. No plano do empar­
ceiramenco da demanda este imperativo pode ser tomado como
uma obrigação insensata ou de manter-se tocando no objeto ou de
nunca poder substituí-lo. Resumindo o esquema do empar­
ceiramento da� demandas:

impossível ----------+ contingente

possível necessário

A funna modal da demanda tem como efeito fundarnenral fume­


rer amsittência subjetiva. Se há emparreir:unenco da demanda é por­
que de algum modo se preserva o objeto (aquilo que Freud chama de
identificação nard�ict). Esta preservação do objeto numa espécie de
enáficação reilicante é justamente o que a análise visa atravessar.

95
úllSl1AI 11, 0 Loa Du
NKEI

u ad m' co mo enten d er a co n co rrên cia ao


D iante des te q . , . ' Jado
. m ace m ático mp0Mg1co , de uma espec1e de o n to o .
de um d 1sam;o 1 - J gia
. :, Se a ex istên ci a s<l p ode ser pen sada como ex-si stêne .
negam·a i a,
. e,, a11no ex ceri oridade em re aça o ao pen s amen to , 0 qu e nos
isco . .
. . r_ , so bre ela? Lacan leu o p rune1ro Wi ttgen st .
au co ni.ana a rai ar • cin ,
es ta ...,1 0 Se minário XVI I , e a o q ue parece es tá a ten t
.........
co m o se at oa
. poss1'b'J'd
1 1 a d e de ·sai r da lin1-,'ll agem par.a falar d ela (repe te-se e
1m lll
. ·
VárIOS ar ug,11s• a r
ese de qu e não há mcralmguagem ). No en tan tO,
com o abo rdar cemas da ps icanálise q ue pareixm se referir a algo
i a
que ul uapas.� a l in guagem? A teoria do d í'.e r é uma fo rm de
co car neste problema. No dizer e� tá em j ogo 1�áo u ma demon s tra.
ção, mas uma "moscração" .
Expliquem o- nos. Os gregos diferenciava m dois grandes tipos
de prova: a apodtixis, que é aguda apoiada n um sistema referen ci al
discursivo que permite a plena dedução, e a deixis, que não prova
pela dedução desde o axioma mas por mostrar ao inc erlo cu tor a
evidência do que se está afirman d o em relação a um faro incon tes­
tável porém não incluido num sistema referencial discursivo espe­
cifico ou explicitado enquanto tal . A deixis mantém suposto o qu
e
a apodeixis põe àç claraç, A dialética platôn
ica é um exemplo de
deveis, as.çim como a geometria ronci d a nos Elem en tos d
e Eucl ides
� um paradigma da apodeixis. O exemplo dado por Lacan para
ilus trar a ordem do diz.er é a top
ologia. Laca n, e m "I.:Etourdit",
define da seguince forma: a
a) ela não é uma teo
ria (não e, portamo um .
. )
d·ISQll'SIVO S1S tema referencial
b) el a não é uma substânci
a (po'as va m .
.
d o unp os qu e o Real e' sm .
os.çfvel) ô mmo
c) ela é wn disru rso sem con
.c;ci·enaa
. (pois
. nao há s
ujei to do daer)

96
lACAN ( & allll(A
Dl INTtlPlmçio
u
d) ela é u m p ro. direr (po is não diz sobre nada e muito rneno'i
uas prem issas)
e%"pl icíra s

0 u so da topol ogia é
puro exercíci o de sen tido. Quando se
0
c m1a n uma chave m etafó rica, ele ganha em si i fi r'.i n
a s
cr r1 11 0 . . gn ca .,..... o
na d . A topol g a .
e m se o o i responde a�1m a exigênci a de
q ue Perde
j mite entre o que se de
aJgO q ue este a no li po demonruar e O que se
ode apen s a mostrar. N ossa h"1 '
poc ese e' que a copo1 ogia
· em l.acan
: espon de, não apenas a um velai.l o de formalu.ação da psica­
rr
nál ise, e neste sentido de aproximá-la da ciência, mas também a
u ma fo rma de mostrar o que nela não é formalizável. Peroo rrer a
copologia, n este sentido, se equipara a ler um cex:co de Joyce. Dei­
xar-se comar pelo puro di7.er e pelos limites da significação.

A SIGNIFICAÇÃO

O terceiro nível em que podemos oomparar a teoria da inter­


pretação a uma teoria da prova é o da significação. Nele craca-se de
sicuar a teoria dos raciocínios. Se para Ariscócdes a pergunta q ue
regia o rema era: o que coma um conjunto de proposições um
silogismo válido, para Lacan calvez o problema seja: o que toma
um ato de fala significativo ou analiticamente inceressa.nce para
um sujeito. Em cennos preliminares a làla significativa buscada
pela interpretação (a làla plena do Seminário I) implica sempre na
transformação da temporalidade. O tempo é justamente um fator
ausence na teoria dos raciocú1ios clássica. Nela craca-se sempre de
um eterno presente. Para a psicanálise, ao contrário, rodo o pro­
blema se dá ao nível da� relações de amstrução, desconstrução,

97
GO I.ENZ DUNKEI
CltlfSRlM IN mo fi o q ue en
re du çã o d o desej o co t rei
ªÇa
e n co e N o ca s o d
all1 o ( F re ud , I 90 9 ). o so h o
escamote e e fu tu r m . n
d p re se nt fa l a n d o d e u m o
o , nt o v1 ine ,
Pas
sa . r fi car cal m ovi.me. • . .
n a s), v a i n
de rnos su n i p 1s ce nc1a s dm r a0 Pass
o e (r emm
P
arte do p
resent e.u t uro ( fi gu ração do de a,
q u e p o nt a p ar a o 1 se,
co . e p
esei. os iu faneis) a
do (d
zado). empo ral do a
· o co rno real i e ser d e fi ni da co m o efe i to t to
OP d
J A s1. gn1·fi1caM r o . . ,,
(l 96 0) La can an cora
.,. . ·subvei,ão do '")'".º .
e á nn si gnifi Cin te
d f,1. J a Poº'° de inve�ão e res.s1�
1fica ç.í o (e
&e2ç án o a mp se mf. diro
,;gni se "'. � m
P'º'° E u,nto rem pn ral ser ,
de i,,,,,). nq rva a p oss1b1hdade fut ra
u
ue não diz cud p
o e rese
isto é, um dito q ue Lacan tem
n ível d a sig nifi cação e d o d ito q
de ser re-dito. É no m menr,
riro o jn con scie n 1e. A sign ificação é o o
i 1, timnI< reó rrevers ível.
pc c tu in do u m an tes
e u m depois i
faz ato , in sti
em que a fala do or füósofos da
o d a li nguagem , assinal a p
o poder perfo rm ativ
nde bem à n o
ção l acan iana
e Sear le, res pü
Austin
linguagem como 1 98 4). A significação
ca ção (co m o o mo stIOU Fo rrester,
de signifi além de
mo m ento em qu e a fala fàz algu ma coisa
co rresponde ao
e coisas.
descrever um estado d ção psicana-
em pauta na demon stra
A "teoria dos raciocínios"
porque o dito re-vela u m ato de fal
lítica toca ao poder do dito. É
mo. A mmu1en ção do n lvd d:
iau q"' " 0 Pode ro "'idm1 legiti
_ de Lacan os avan-
s1gruficação absorve ao período lógico da obra . .
" é um a
ços do peno. do linguístico. O texto "Subversão d o SUJ.elto
" 1 ·mguísuco e lógico
boa síntese dessa hibridização dos paradigmas
No que toca ao projeto clínico. de po r em marcha a demonstração
do impossível envolvido na mterpreta�o pode-se destacar deste
texto a definição algébrica que neIe aparece do co ncetto . de sign ífi-
-
caçao. Ela é definid a como a mz . quadrada de -1 · I sto quer

98
UCA# E A aiHICA DA OOUl'RETAÇÃ O

o q ue organ iza e orien ta a ca deia signifi cante é es t


d ize r q ue e
s s ível co m a do n o � ível m a te á tico Para rep resent fal-
i IJ I P o � ar a
I oss ível ce m aqm a con o raçao de i_rracio nal ou de in co­
ra . m p
fJ1 en s urá
vel .
d . .
As
fo rmações o inco n sciente como o so nh o, o sin toma, 0 ato
n dem a um ripo de articulação significan te que
(alh o e rc. correspo
etáfora. O desejo e o sujei to a ele suposto
can ch am a de m
a
L dem a outra fonna de articulação: a metonímia. Ocor­
co rrespo n
n ce con.6nnado, que toda metáfora é
re, e isco parece línguíscicame
que roma possível imerprecar
red u tível a u ma metonímia. É isco
u m a formação do inconscien te, isco é, transfonnar a metáfora do
do desejo pela explicitação do sujeito. O
sinroma na metoním ia
u e permire compreender a oposição en tre realização de desejo e
;,onhecim enro de desejo (presen te por exemplo n o rexro "Dire­
ção da cura e princípios de seu poder", 1 958).
Apropriar-se de uma significação, desta forma, é o contrário de
reali:zar uma significação. No caso das formações do inconsciente
0 sujeiro aparece como um efeito da significação e não como sua
causa ou motivo, como pensa a filosofia da linguagem in ten­
cionalista. Se a causa da significação não é a vontade ou a intenção
de realizá-la, muiro menos é o sujeito clássico, que como um fan­
rasma na máquina escolheria as significações que pretende produ­
zir, cabe perguntar: o que causa a significação? A resposta de Lacan
a este problema é tripla. De um lado é a falta considerada no
registro simbólico significante, isto é, a raiz quadrada de -1. Por
oucro é a falta romada no registro imaginário, isro é, o - 1 (o frag­
mento faltante na imagem).
Tudo se passa como se no conjunto de todas as escolli as
linguisciauneme possíveis, no amjun co organizado e escrururado

99
NKER
ÚIRlrnAH INGO l.EHZ Du

u l t m a po ss ibi l idade pcnn arie


que é a l in guagem . .mª. c.1.� a. � ecsse
a . Falar. e p md uzrr stgmficaçao, é p reencher esta casel a co
vag
p d as . O efei to desce prcen�
u ma d as duas altern ativa� a rescn �
n g a
me n to é O suj eito que no se u apa rccune to traz consi o abcnu
o statuto m etapsico l6g ico se situ�
de u ma nova ruela. Efeito cuj e
ivi ã (S a
no Real. Isto permi te � Laca:1 aq,11.rmen ta � qL �e.a d s � p ltun�
do s rg111hcante (signi ficação)
do sujeito é dupla , pms se da ao nível
se realiza esta fal ra
e ao n ível do objem a (sent ido). O lugar em que
ões; o Ou tro
é O O utro, que se vê assim submetido a duas acepç
fi
igni can tes, l ugar
com o discurso do inconsciente , tesou ro dos s
, da
originário do desejo, e o Outro m mo mrpo famasmático sede
demanda e do imperat ivo de goro .
Como considerar, depois desta inmrsão pela n oção de signifi­
cação, o impossível que lhe caraaeriz.a ? Se retomanno s aAristóteles
e aos projetos clássicos em termos de teoria da prova podemos
observar que uma prova só é perfeita se não porta nenhuma con­
tradição fonnal ou ontológica e ao mesmo tempo nos permi te
alcançar a verdade ou a falsidade. A crítica da dimensão oncológica
foi efetuada por Lacan através do tema da sexuação, a da noção de
verdade se efetuou no tem a do sentido. Quanto ao aspecto for­
mal, este será posto em pauta no nível da significação e do dito.
Se o pensament o e' cons1'derado como uma exteriorid ade em
relação ao inconsciente (Seminários XI e XIV) F
. . , e reu d J'á afimna-
va o mconsc1ente como não sub meu'do a. 1 og1ca,
.
_ (três ambutos , • ao tempo e à
negaçao que vi mos estarem .mcrinsicamence Jiga-

d os) , entao . .
a conexidade ou gramáuca que aru ail a a signifi cação
- ,
nao e comp1etamen te redutível a u in sab
. er de con
Diante de um significante enigmático , assc • . to rnos 1og1cos. , .
n1ant1 co ('T Etom�d Jt. ")
ou enlouquecido (scbrtmdo a conot-,- �,.:; o dada por
u m co men tador

100
UCAN E A allJCA Dl IKIHPR
E!Açio

co m o Zizck, 1 993) romo é o ch amado S 1 , se poderá sem pre ani­


cular u m saber inconsciente (S2) e com i� engend rar uma n ova
fi çã e um novo efeito sujeito.
sign i ca o
Isco é um jeito assaz aimplexo de afirm ar algo praácamenre
banal : n u n ca se poderá dizer m do. O senso annu m, �àal men­
cc aq uele o rientado pelo disairso h isrérim, sabe dis.ro sem que um
e
ps ica nalista cenha que afirmá-lo. Pois h m, a dcmorLmação de que
a signi ficação se romporca como um conjunto aheno , que sempre
se po derá "saber" mais sobre as decerminaçfies inconscien tes (tor­
na r consciente o inconsciente na expressão de Freud) coloca um
p ro blema sério quando perguntamos o que uma psicanálise pode­
ria farer quando justamente o problema é um "ex�o" de signifi­
cação. Quando este reenvio interminável da significação é causa
de sofrimento, e sempre o é em algu ma medida, se trataria de
produzir um basca a este saber.
Ao nível da significação imaginária este basca é a própria inter­
pretação como reendereçamenco entre S1 e S2 • Ao nlvel da signifi­
cação simbólica se trata de mostrar a impossihlidade de reduzir o
dizer ao d iro, ou o sencido à significação.
faca impos.�ihilidade será pensada por Lacm a panir de uma
leitura logicisra da fimção f.ílici. Vimos que a função fálica é o que
organiza os rcendereçamencos da significação. Em cexcos como
''I.:Ecourdit" (1 969) e "A Terceira" (1 970) o tratamento dado a
esta fünção faz a1incidir a fimção fálica rum a função proposicional.
Provavelmeme isto se deve a leimra, um tanto parcial aliás, de um
lógico alemão d1amado Gocdob Frcge. Frcge afirmava que toda
proposição lcSgica é a rigor redutível a uma função matemática.
Ora, a forma lógica de uma proposi ção é sempre gramatical:
sujeito, verbo e predicado. Mesmo a lógica das relações pro-

101
útllmAN INGD l.EHZ DuNm

tehead não deixa d e manter absorvido


posta por Russel e Whi
como afirma Simpson (I 976): "U rn
ao predicado a cópula,
pressão que combina�a co� um ou
pr edicado será qualquer ex
o com as regras smtát1cas, per­
mais nomes de objeto, de acord
40)
mit e obter uma prop osição" (p. .
A corrupção deste fom1aco impede-nos de falar em proposi­
ção. A resolução que uma análise p ode oferecer ao problema da
infinirude da significação passa da redução dos conjuntos de signi­
ficação a uma proposição fundamental. É a forma "gramatical" do
fanrasma que Freud explora em textos como "Uma criança é
espancada e no exame do problema das psicoses, no ca.�o Schreber
(1911). A, reviravohas de cenos enunciados fundamentais produ­
zidas a partir de um enunciado como: "Eu o amo", explicariam as
fom1açóes delirante., como a erotomania ("Ele me ama"), a perse­
guição ("Ele me odeia) e a megalomania ("Eu o odeio"). Em to­
dos os casos se trata de negação de um aspecto da proposição: do
sujeito, do verbo, do objeto e até mesmo no conjunto da sentença
(esquizofrenia). A fra.� famasmática, no caso da neurose, é no
entanto um paradoxo. Por um lado cifra a temporalidade da signi­
ficação e o gozo a ela atinente, por outro é mesmo resistente à
temporalização, pois seu tempo verbal corresponde à forma refle­
xiva (segundo Lacan a voz média do grego - o ariosto). Como
afirma Lacan no Seminário VI:

"O fantasma na perversão é apelável. Situa-se: no espaço s


· uspcn d e uma re1 açao,
essencial. Não é atemporal mas fora do tempo. Na neurose
pc 1o contrário a pró·
pria base das rdaçi\es dn sujeito com o objeto ao n(vd do (an
tasma é a relação do
. .
SUJcltn com o t('ntpn (...) n obsessivo procrastina porque an
ccc,pa sempre: de
ma-
siado tarde, enquanlo a histéric.1 repete sempre: o qu e 1,á de ·in · .
1caaI no
seu trauma,

102
UCAN E A WNICA DA INlE
RPRETAÇlo
sto é, um certo demasiado cedo, uma imatura •
i ç:,o �undamental"
(p.80).

É por fixar as relações temporais do ·suJ'c


ito que o ran
e rasma é,
. . . .
or assim dizer, imune a mterpretação' u ma vez, qu
P e esta operaria
no interior da temporalidade fixada pelo fanta�rna. Em função
disso o fantasma (estrutura fundamental das diversas versões das
fantasias) requer o conceito clínico de construção, que não abor­
daremos nos limites de.�te trabalho.
Nã o se pode localizar na fra,;e fantasmática o sujeito, ele é por
assim dizer indeterminado (Bate-se... ) de modo que a própria for­
ma lógica da proposição (e da função fálica) são posta� em colapso.
Lacan afirma que quando o fantasma toca o Real, ele perde sua
significação e é nesse sentido que a partir da hipótese do fàmasma
é pos.�ível pensar o ponto de conexão entre os ditos e o diz.er. É
pelo dizer que se coca no "Bate-se numa criança" que a significa­
ção encontra seu impossível.
Recapitulemos no.�so percurso. Postulamos a existência de três
domínios: a sexuação, o sentido e a significação, que se mostram
mutuamente limitados e articulados a partir da idéia de impossí­
vel. Do lado da significação a formalização de Lacan apela para a
noção de estrutura. Do lado do sentido a fonnalização apela para
a noção de discurso. A scxuação, como mostrou Bruno (1989),
parece ser uma ponte entre a estrutura e o discurso. Em termos da
metapsicologia lacaniana podemo.� supor que a significação se en­
contra entre o imaginário e o simbólico, o sentido entre o simbó­
lico e o real e a sexuação entre o real e o imaginário.
Apenas a título de justificação mínima tomemos o caso da
psicose onde, grosso modo, o simbólico separa-se dos outros
registros. Notamos a primazia do problema da sexuação (o

103
NZ 0UNKER
JIRISRAN INGO l.E

nção de uma sexuação fantástica t )


m p u xo à muli1er• a inve . . . _ d . . e c.
e
n do lano cemos a 1 111111taçao a significação p •
Num segu P . e1 o
. d (d eI' ·o fenômenos de código e mensagem). FinaJinente
senu o in , . - . d
e . ro as·pecco ocorre a apançao maciça o sentido dc
num terc i • . . s.
. . g111'ficaça· o (a compaccaçao s1g111ficanc e e o idioleto)
utu!do de s1 _ . , . . ,
rr e n as
. manif es c açocs alucmaconas prunárias.
cal como oc o

ÇÃO
A cúNICA DA INTERPRETA

Uma parte significativa do discurso do analisance se apre­


tiva assimilável a u ma de­
senta através de uma forma narra
monstração. Especialmente no início de uma análise o pacien­
te parece falar de modo a justificar sua posição subjetiva e de
como esta se determina apesar dele e de todos os seus esforços.
O discurso poderia ser lido como demonstrativo, pois busca
justificar, segundo uma racionalidade pn>pria, as determina­
ções de seu sofrimento. Essas determinações muitas vezes se
ligam às vicissitudes de sua história, as contingências de sua
vida amorosa, profissional, enfim, à forma como se está com o
outro (enquanto semelhante) e com o Oucro (enquanto cam­
po das determinações da linguagem). Algo tônico nesta
narra­
ti�a é que e�a parece visar de algum modo
a isenção do sujeito,
sei�pela remada de sua implicação,
seja pelo excesso de impli­
caçao. U�a forma �e considera
r o lugar que o analista com
em relaçao a est e discurso é pen a
s· ar que eI e orer
e ece rá
monstração concorre11tc, su um de
postame11te adequ ­
. 1fica­
me11te autorizada cm rei aça.- ada e c1em �
o a que se . pro d uz no discurso do
analisante. Trataria-se assim
de um ti. po de
expli caçao
• ou de

104
UCAII E A alNICA DA IIITTRPRETAÇÃO

ã qu e cm nada modifica a estrutura narrativa do dis­


craduç o
nre.
urso do pacie
e No encanto, a e.�cura analítica se caracteriza justam enre pelo
qu dá à impossibilidade desta demonstração, pela escu­
relcvO e
na prova empreendida pelo
ca dos paradoxos que se consrimem .
a c tr ­
analisan te. Seja ao nível da rransferênc1a, pel escura da on a
el sexuação, do sentido ou da
dição que a move, seja ao nív da
çã álise visará a d�sconsrruçãc: dos a spectos que
significa o, a an
nivel do an�1sanre, a saber: sua
guiam esra teoria da prova ao
da verdade (o que
oncologia (o que é ser e não ser?), sua reona
q
é dizer?), e sua teoria dos juízos ou proposições (o ue é falar?).
Ess as três esferas são pertinentes aos três modos fundamentais
de pensar a lógica da interpretação.
Em cada caso a interpretação implicaria um ripo de parado­
xo diference. No caso da significação pensamos que se trata de
um paradoxo cujo fundamento é a simultaneidade de signifi­
cações inconciliáveis, cujo efeito é o absurdo. No caso do sen­
tido trata-se de um paradoxo de autoria, cujo efeito é o não
senso (ou des-senso), e em se tratando de sexuação o paradoxo
é de incomensurabilidade. Nos próximos parágrafos procura­
remos mostrar como esras distinções implicam diferences pro­
cedimento clínicos quanto à escuta e à interpretação.

0 DITO

Lacm fala da inrcrpreração, em 'TÉtourdir" (1972), situando­


ª como 11111 tipo de inrervenção sujeira a crês contingências: a da
homofonia, a da gram:ítica e a da lógica.

105
elhor trad uz a di,n-.. . en
ho mofi"núca é a qu m
e
ert e nt e sao d
Av m o eq u ívo co faze nd o aI>ar
a
ta jog.i co
.s gnificaça- o. Nda O anal is_ . ece
r
1 . nte, um segu n d o sen tJdo �.
m espea, · e de sigmficaçao late · "'"bun
u a o co se trata de i •
Soller ( 1 994), no qu iv
e
eveIar
do o comencário de . " . .
e d 1" acro n 1cameme u m s1g
. - e fazem ligar s mcromca
as renuSSOe'i qu
nificance a ou uo. Po r exem
plo , o "apo io" q ue El izabeth Von
cebeu de seu p·.ii se lig.1 à fal ta de "
apoio" que a imped ia d
R
e
não re o mp o é a p ci n
asia ). Ou tr ex e
andar (o sincoma da asrasia-ah
e l a t e,
( 1 994 ), q u e náo beb ia outra coisa a nã o ser
co mentada por Miller
lise rev e l asse as l i ga ções d esse s in to m a
"Coca-Cola" até que a aná
paciente, apelidada "Co co" . Enfim, a literatura
co m a innã da
plos romo esses , mostrando a perti­
analítica está repleta de exem
d te e da significação com as fonn a­
nência equivoca o significan
séries de sign ificação q ue 0
çóes do inconsciente. Enue as duas
sujeito, isto é, o lugar
equívoco significante reúne está o lugar do
refere-se a coisas
em que a significação se coma paradoxal, pois
contrárias e impossíveis de serem significadas em conjunto a não
ser por escas artimanhas da linguagem.
O sujeito está igualmente dividido, pois onde numa série há
enunciação na outra há enunciado, e vice-versa. Lacan, no Semi­
nário XI, recorre ao paradoxo de Epimênides para explicar esse
desacord� �e significações como o lugar do sujeito. Se para a filo­
sofia o su!e1co a ce sempre no lugar daquilo que diz a verdade
��
e a necessidade (log1ca), para a psicanálise O SUJelto
• • aparece sempre
d .uendo a mentira e O impossível n. .
°
. d12: "To-
_ · xuand Epunêmdes
. s" (sen
dos os cretenses sao menuroso do ele mesm o um cretense , a
verdade de .,;eu dito s!Í aparece porque d e d'iz . )
. A verdade s1m ul tan eamente a
verdade e a menura. 110 P1 ano da en un .
- a menara
c1açao,
no plano do enunciado. Os paradoxos vis. uai. s
de Eseher, onde se

106
UCAN E A alNICA DA llllERPIETAÇlo

resen tam por �emplo homens que andam simultaneamente


rep
ra ci ma e para baixo, os cânones de Bach que aprese tam escal
pa cen com um efcel' to o mco d ecre.�me, a lit n
«.
as

te s eratur a de Lewis
cres
p rova l ógica de G odel são alguns exemplos que podem
Carrol , a
u ar que está em jogo , em cermm d o sujeito, nos paradoxos
il str o
da s ignificação.
Ho fstadter ( 1 989) mos trou co m o a ronstmçáo de cercas fugas

de Bach (espedalmence os cânones contidos em Musical Ojferig)


pa ssuem um a interes.Wt te propriedade que pode ser resumida da
segu inte forma: no interior de um sistema musical hierárquico
b o ponto em que
n os movem os para cima ou para aixo até
es tran ham ente reco mamos ao ponto de partida. Por exempl o, no
Canon per Tono a voz superior segue uma variante do tema real, as
d u as outras vozes provém de uma harmonização cano nica baseada
nu m segu ndo tema. A mais alta está em C menor e a mais baixa
segue um intervalo de quinta. O que torna este canon absoluta­
mente paradoxal é que quando ternúna ele não está mais na chave
C menor mas em D menor. De alguma forma Bach trocou a
chave fazendo esta regredir quando o efeito para o ouvinte é de
ascenção. Depois de seis modulações retomamos à chave original
em C menorcom codas as voz.es uma oir.ava acima. Apartituraexeruta
a��im um movimento contrário ao da escuta. É uma ilusão aaíscica.
No caso dos desenhos do holandês Escher, comparado por
Hofatadter à música de Bach, um paradoxo similar se realiza. A
água que simultaneamente cai e sobe (Waterfall, 1 961), os ho­
mens da torre que simultaneamente sobem e descem as escadas, o
retrato do retrato que se comem a si mesmo são algu ns exemplos
de como renas simultaneidades induz.em a um infinito aparente­
mente impossível.

107
KER
(HRJSllAN INGO I..ENZ 0UN

od d , no en tender de Hofstadte , O reeonh
0 teorema de G
• e a, r,cao no campo da lógi ca. De acordo eo e.
o. mento de.\t · çr . . • lll tal
s i
cons stentes d a
. "Tc as a.ç fonnulações ax 1 omáuca
teorema: 0d · • • • d . ,, teoria
uem uma pr opos 1 çao m e c uHvcl •
dos nu, m ero., ·
1 1 1d
As co n sequê nc ias desse teo re ma rep rese nta ram u m d u ro go l
. 1 de formal il�tção não equ
l.ç prcte1 is·�
Cvoct d e s i.�cem;L� ax i omáti' Pc
... •• . cos.
1 en 1 u manas pa rece atr
Derivar im plicaç(ie.ç disso para ;Lç c c a.ç h aen.
d em comr.l.rio de Nagcl , I 973) . No
te (apesar d as recomen açiíe;
d mo n i uma vez q u e n osso o bjet .
enranr o , não nos aprofim are .� s.m i
ena.ç exe mplifi car o que enren dcmo s po r paradoxos d e
vo é ap si-
multaneidade.
O caso do duplo sentido aferido pela interpretação é u m caso
de simultaneidade. Não que a percepção apreenda ao mesmo tempo
figu ras oposras (o que os ceôrirns da percepção mostraram ser
impossível), maç algo que depende do nível simbólico permite
reunir significaçíies amtraditlÍriaç no mesmo enunciado. Em psi­
canálise is.ço se aplica à esfera do significan te que simultaneamente
pode se ligar a mais de uma série de significaçõ es. É por isso que 0
signi ficante pode ser definido romo aquilo que é diferente de si
mesmo (Dor, 1 995).
A técnica empregada na interpretação , do ponto de vista
homofônico, faz privilegiar a �ruta da polissemia em b
utida na
pala ra, a ambiguidad presenre a cada "giro signifi
� � can te". A pon­
tuaçao, po r exemplo, e um úpo de interpreca
· ça
· o que altera e dec1·-
de a s1gm' fi cação pela introdução de uma
, contra-s1'gn 1' fi1 caçao
- , JSto
.
e, uma segu nda forma de e.çcucar O
que fi01. d'Ito, nao completa
mente estranha ao d ito original e nem ­

u ·
este. m aspeao mceressance da
com PIecamente red
utív el a
· poncuaça·0 e, com o
veIoa'dade da s1grn· ficação, concen ela al tera a
trand o-a nu m po .
mo , d1 sper-

IOB
LlcAI E l alllCl DA lll'EIPIEll\:lD

- , a res. do sua co nd � e assi m por dianre


san d o � � � . A velocida-
e da s1gmficaçao atesta a forma singular da divi� d . .
d · O SUJClto ao
.
nível do signifi cante
O utro aspecto da pontuação é sua aten ção ao que i iue na
ns
seja ao nível fõni co, semântico, gramatic:il ou de
fal a do paciente,
est ilo narrativo. Fica claro por i sso que o significan te, no sentido
) acan ian o, n ão é propriamente uma palavra. A po n tuação isola, a
stência, a fala como um dito. É do d ito que se engen­
parti r da insi
dram história'>, microhi'>t<Jrias e inrerhistóriaç que nos levam a u ma
nova rede de insistência'>.
Portanto o que l egitima uma interpretação não é o assentimen­
to do analisante, nem o cálailo do analista, mas o prosseguimento
do "texto" nele mesmo. Uma interpretação se mede pelos seus
efeitos, pelas suas consequências nos destinos da associação livre.
não pelo e.'itado psicoltlgiro do sujeito, sua crença ou indiferença
psicol<ígicas. Muita'> ve11.!S a crença no poder representacional d a
interpretação, isto é, no mundo descrito e proposto por ela, é fon­
te mesma da resistência. É o que ocorre quando a interpretação se
convene em expl icação, ou seja, quando se revigoram as perspec­
tivas demonstrativa'> do disauso. Por outro lado eventualmente
uma intervenção am1pleramente em desacordo rom a questão
tratada se transforma muna interpretação quando o analisante diz:
" Não, de fonna alguma pode ser is.ço, pois .•. ", e traz uma versão
significante nova numa posição subjetiva diferente.
Um exemplo. Certa vez, no interio r de minha análise, discor­
ria professoralmente sobre o sexo dos anjos quando escuto algo
como um "Tzz, czz. •. ". 'fomado de raiva pelo desdém e desaprova­
ção, demonstrados pelo meu analista, viro-me no divã, disposto a
promover um "ajuste de comaç" transferencial e, para minha sur-

109
(HmTIAN INGO I.ENZ DuNKER

resa. ro r
n em plo em sua m ão u m isqueiro, q ue
p ,, Es . teiina em n·
. d o o som .1 zz, tzz... • te isq ueiro fu c . a.o
"'T'!
funcionar., produzm • 1o na
ara mi m, naquele momen to , ro mo an al tSta. Evide n tein en .ta.
t
p
ob o . sem
o do s an1o . trod uzir u rn e tlYe
que rever m inha fala s re sex a nll\'a
série a.�ociaciva &te exem�lo se presta a �os tar com o u rna i
n ter.
e ar d as mte n ões de nal e
preraçáo po de se p ro du m ap s � :,. is ra
fàz, neste caso, a parur de algo que I>ode..
analisante; a in tetpreraçáo 9!
as rup
riamos denominar de "analiwi do", o texto mesmo e su turas.
issemi a d a signifi cação é ro.
Outra maneira de explo rar a pol p
, is to é, esa uar co n tra-co munica t ivam e nte
vocar O equfvoro , fur.
w-se ao entendimento para apostar n o "mal en tendid o", criando
assim uma espécie de ato falho artificial. O que se o b tém , tanco
pelo equivoco quanto pela po n tuação, é um a-mais de sign ifi ca.
çáo. O percurso de uma análise, deste ponto de vista, corresponde
à redução dos significantes, que pas.wn a ser condensados por
séries, e ao mesmo tempo um aumento da significação neles con­
tida. Cada vez se diz mais com menos. Isco permite dizer que cada
significante representa um sujeito para um n úmero crescente de
outros sign ificantes. Há portanto, em cada momento, um signüi­
cante que nomeia a série nele contida. Por exemplo, o significante
"ratos", no caso do Homem dos Ratos, roncém a série: pênis (pe­
queno oomo um rato), jogo (o pai fora um "rato de jogo" - Spielnzte),
mordidas (ele mordera como um rato na cena
infan til) , ânus (ra­
t� s en�ram p� o ânus na cena da tonu ra), cri
an ças (rom o no conto
literário), dívida (prestação _ Rate' etc. , .
. . . , "Ratos , e, uma aucênaca
geramz de s1gmfi cação e de re-si n ifica - 0 .
. . . g ça q ue vai sen d o extrai"d a
pela poltsse m1a da mterpretação. qu
. o e es tá em Jogo na rela o
entre a séne e seu n omeante é que os d,' ça-
tos estao em ex
com relação a eles mesmos. te ·
non"dade

110
UWI E A alllCA DA
nntanmç10
É da estrutura mesma do paradoxo da si ifir--.-, . clu1.
�,.;;� m
. . r n da
- ' q ue devena ser exten or, i. sto é, incl uir na fal
gn
. .
aigo a o su,e 1to que
ue haJa mterpretaçao é n ecessário que a pala
fala. Para q
• • �
vra inter-
bém da ordem do dito, caso cm
pretan te não seja � _ que se in­
cl ui ria com o um 1 d to m ais. Segu ndo Lacan o nível a que
penen­
a

Ci! es te interpretan te é o d o d izer. Do lado do analista a in


terpreta­
ção depen de de q ue seu dizer ulrrapas.,;e seu dito, que o sentido
ultrapasse a significação.
Vimos q ue do ponto de vista formal, atinente ao campo da
signifi cação , trata-se d a função fálico proposicional. A entrada do
d .iz.er no campo d a significação (o que caraaema a interpretação) ,
po de ser descrita como produzindo os seguintes eleitos na gramá­
tica da signifi cação;
I quanto ao tempo verbal - do passado ou futuro ao presente
2 quanto à voz - d a voz passiva à voz ativa
3 quanto ao modo - do subjuntivo e imperativo ao indicativo
4 quanto ao sujeito - da condição de orulto ou indetenninado
à de determinado paradoxalmente
5 quanto ao tipo de juízo: do modal ao apoBntico
Examinando de perto as t.ransfonnaçóes gramaticais reilii.adas pela
incidência do dii.er sobre o dito chegamos a um tipo de enunáado
absolutamente dássioo, isto é, aquele que permite a pamgem do uni­
versal à existência. Neste ponto saímos do âmbito da significação e
passamos ao do sentido. É nele que Lac:an postula a cese de que o
domlnio da eristência é heterogêneo ao da universalidade (existe Um
que não esr.á submetido à função universal e universalizante do fulo).
Portanto há algo que ultrapa.m a signific:açío fálica, representa wna
dimensão da linguagem e que ao incidir sobre a signi.6c:aç:ío de modo
espedlim altera o seu fünnato. Isto é o que Lacm chama de diz.er.

Ili
Ctt1t1S11AH INGO l.ENZ DuNKEll

0 DIZER

As fo rm as da i merprecaçáo l igad as m ais d iretam en te ao d "


1Zer

��-
• · · . Neste.� tre.� casos en con tram s
w o oo rte ' a al u.são e a c1raçao o �
A

. ,.,,.:fia, de pa radoxo, que d1amaremo s de parad oxo de


1 �
co ria. Parad oxos de au to ri a são aq ue les e m q ue o sentid o se moS-
t __ ,,,
era, <)u , allno d izi a Laca n, o corre um "efei o de sent i d o •o'-Cal •
'foda a teoria do aro a nalír ico (Semin ário XV) é uma ten tat iva de
explici tar es.u dimensão em que o real pode aparecer na l ingua­
gem. Daí a defin ição de Lacan d e q ue o a to "é por s ua própria
dimensão um direr" (Semi nário XV) .
Quanto à interpretação segu imos aqu i a classificação proposta
por Soller (1995) e também por Pommier (I 989). A ligação destes
com o plano do sentido ame po r no� conta.
O corte se refere a uma interrupção da série associat iva, com
ou sem interrupção da sessão. Seu efeito é a detenção dos laços de
significação (5 1 � S/ O corte, se de fato tem efeito de cone,
corresponde a uma estratégia para faz.er aparecer o Real na li ngua­
gem . É por isso que o nível do dizer se aproxima do des-senso ,
aparição do impos.�ível do d izer.
A relação entre o di1.er e a alusão é similar à existente entre o
dito e o equívoai. Nos dois ca.�os se trata de dar in consistência ao
produto do ato de fala. No ca.•,o do dito es.u inconsistê
ncia aparece
em função da polissemia, no ca.�o do dize r s
e trata do gesto de
apontar com palavras, de.� ignanado algo sem
nomeá-lo .
Wittgenstein nos parece um autor especial , .1 para a or-
. m en te ut1 b
dar os par.i.doxos do dizer Num a épo ca marcada
. . . pel a rev1. sao
• do
log1cmno do Trrtctatus, Wittgenstein, retoman
. . . d0 Santo Agosn-
nho, mvcsug a o segumte problema:

li?
LAa, E A alHJCA DA IIIIIRPR
ETA Çlo
•Mas suPonham que C'II apontasse: com minha rnao
par:i u rna cuniJol
---Acr.í d istinguir o ªPontar para a cor do 3pontar ª azul. Comn se
pv--- par:i a forma·) (...) A J
- l?'SI<· {e no ato de dcmonstr:içi-o, mas ifeit:..=
.,..,
._,,,.!eria d.acr-se, nao
I"'""" anra no que rode:iaº cste
(p. 1 3} ato ,
n age m. "
no uso da li gu

A aJu são, como afirma Wirrgens rein (e a pos1· -


çao de Lacan
a re ce co nco rdar com is ro) , joga com O uso n ão demon
P strauvo
m as "m osrra tivo" da linguagem. Mas com o O d i'sru rso podena .
re a liz ar esta ação de aponcam ento? Na fala do analisan te este
uso se m ostra nos termos que designam o sujeito sem nomeá­
l o, co mo: "aq ui", "ali ", "lá", "isco", "agora", "depois" etc. São
alu sivos pois falam de uma ambiguidade ao nível do dizer. o
si lên cio do analista, quando ganha uma função interpretat iva,
é um silêncio alusivo. Um paradoxal silêncio que diz algo. Na
psi cose, onde a função fálico-proposicional se deso rganiza, te­
mos u m bom exemplo da inflação do aspecto alusivo da lin­
guagem. Figu ras como "eles" e "aquilo", desconectadas da signifi­
cação, acabam por introduzir o psicótico no puro dizei: Trata-se
de uma alusividade radical. A resposta ao sentido, que como tal é
sempre devastador, é o delírio, uma espécie de rede de sign ificação
que serve de anteparo ao dizer.
A terceira forma de intervenção que se associa ao dizer, se­
gundo nossa hipótese, é a citação. Colocar entre aspas ou pa­
rênteses um fragmenco d o discurso do analisante desenraiza os
laços entre enunciação e enunciado, garantidos pela significa­
ção. Ao perguntar "Quem diz isso ?" coloca-se em suspensão,
momentaneamente, a ligação entre o falante e o produto de
seu ato de fala. O traba-lho do analisante pode evencualmence
localizar, histórica ou genealogicamente a procedência deste

113
CHllS1WI I N GO lINZ DUN m

. e e -l o a ques tão da au to ri a
d w:r. N o en canto • ant s d fazê pe rrn a.
nece.
Se ate ntamo s para a radi cal idade d a pe rgu nta vem os que
a
co ncl us iva. De fato - Quem fal els
n ão admite u ma respo sta a.? ó
mo e uma con cepção intencio n a.f s
admite resposta se se parti s d
da l in g u agem on de o s indivíduo s fal am pela li n guage m e n ão
sã:
i

falados po r d a, co m o po stula Lacan . O aforismo lacan i ano de que


" isco falá' ( yz pari.e), po de ser l ido tanto como u m a forma de
atestar a presença das pu l sões na l inguagem (o "isto" co mo ld)
como um modo de fai.er referência à sobredeterm i nação d o sujei­
to pela linguagem na qual está inseri d o. Ist o é, não a linguagem,
como um sistema abstrato, objeto de escu d o da l ingu ísti ca, mas a
linguagem como marcada por um di7..er.
Um autor como Figueiredo ( 1 994), que procu ra aproximar 0
pensamento de Heidegger da clínica psicanalítica, valoriza justa­
mente este aspecto da relação do homem com a l inguagem. Nes­
ses termos a idéia de uma fala "aconcecimental" como momento
em que a fala fala, em que a fala constitu i um di7.er q ue ultrapassa
o sujeito, corresponde bem à idé ia lacaniana de diz.er. O mérito da
ap roximação com Heidegger seria a possibilidade de acesso a um
aparato conceituai capaz de pensar a ruptura temporal induzida
pelo dizer. O aspecto tempo ral do dizer se enco
ntra apenas aludi­
do por Lacan e pensamos que este é um bom espaço
de interlocução
com a fil�sofia heideggeriana. A afirmação
de Figu eiredo (p. l 30)
de que a interp retação seria o circunda .
, . r de· sil.
enc10 o d tto
" para que
ele resso e e espeoalm ence pertinente à teon·a 1
acan1an
• a d o d"tz.er,
talvez não a• teona
. da
significação.
É interessante notar que um pensam
ento ten s ce per-
passad o pelo heideggerian ismo, co mo é o oexd am�
cas e Derr1da, t raga

114
lACAN E A a!NICA DA llllt
RPIEllçlo
re fl exões inovadoras so b re o estatu to da ci ca - Ao . .
çaº· crmcar a teo-
ria do s atos de fala, tal co mo fora apreendi da po Searl D
r e, erri da
( 1 9 9 0) a rgumenta que não há como separar a ci tação (o discu rso
r )
cea t a1 po r exemplo de uma fala "séria". Se O uze .. -
c.__ rmos. ad mmre
mos, implicitamente, que podemos control ar a propriedade da
fala. E se admitim os que podemos controlar a propriedade da fal a
desconhecem os o sujeito da enunciação e a hipótese do inco nsci­
en te. Oco rre que a autenticidade e legítimidade desta propriedade
acaba desconhecendo o aspeao criativo da linguagem. A iteração
(repetição diferenciante), mesmo feira pelo "proprietário" da fala,
é sempre uma modificação não correspondente à fala original.
Assim a citação como modalidade interpretativa se demonstra um
convite ao impossível.
Tanto no corte como na alusão e na citação enroncramos a
auto ria como um paradoxo. Isco é, nos crês casos o ato subvene
sua autoria. Lacan dizia em Televisão ( l 973), que o único aco bem
sucedido é o suicídio. De faro, no suicídio o sujeito não pode se
apropriar de seu ato. Justamente nisso ele é bem sucedido. Há um
agente mas não há autoria, a não ser a que diz respeito a outros
sujeitos. O mesmo aparece nas formas interpretativas antes desig­
nadas: o ato aparece sem sujeito. Um desejo sem sujeito, é assim
que Lacan se refere ao desejo de analista. Talvez em nenhuma
outra dimensão da interpretação ele seja cão necessário.

A SEXUAÇÃO

Finalmente, quanto ao nível da sexuação, o impossível se mos­


tra na interpretação cujo fundamento não é nem a homofonia da

IIS
CHIIS1WI INGO Loo DuNIEI

sign i fia.çáo nem a gramát ica d o � n t ido, mas a l ógi ca. Yirno s que
cal impossível se demo n stra teoncame me a pani r das fó rrn
uJ
â ini en te o tip o int erpretativ
qu n à cas da sexuação. Cl cuné . o queas
mel hor se ajusta a esta vert ten e e g
o m ma. O en igma p od
e se
fazer desde uma int erjeição do ana li st a a té u ma fonn ul ação
explJ.
eira. o enigma se refere à revisão oncológica prom ovida po r La
can

em tennos de teoria da prova. Ele se re fere ba�icamen ce à cond ição


enigmáàca dos seres sexuados. De fato a sexualidade sem pre este­
ve associada à um à po especial de paradoxo; aquele expressado
pelas teorias sexuais infantis descritas por Freud ( 1 907) é u m bom
exemplo disso. O núcleo desce paradoxo é a castração e su a ligação
com a origem da vida e seu término, a origem da diferença entre
os sexos, e a origem da sat isfação. O enigma, nesses termos não se
reduz a uma pergunta, mas expressa a partir dela. Ele se reduz ao
puro "?".
A entrada em cena de um primeiro enigma (uma primeira
questão como se diz no ambiente lacaniano) determina o início de
uma análise e i nclusive sua eventual realiz.ação. Mas se o analisante
constitu i por si só seus próprios enigm as, o que viria a acrescentar
um enigma do lado do anali sta? De fato, a manuten ção ou rea­
tualização do en igma tem por objetivo preservar o parad oxo da
sexu al i dade como um pa radoxo . Dize mos
que se trata de
oncologia pois a afirm ação do carát
er paradoxal da con dição
human a te!11 aqu i sentido de afir
mação sobre a condição do
Ser sexu ado. O tipo de parad ox
o em pregado para o tratamen to
do p r oblem a é relativo à i nco . _
me nsurab"1 l 1"d a d e entre a pos1ça 0
. . a e masc
e[emmm
ulin a.
Um exemplo desce ti de
parad oxo e, o par _
adoxo de Zenao
po
sobre o movi mento (Aqui!es e
ª Tarta.ruga) e qu
e é u tiliz.ado para
UCAN E l alNICA Dl llllERPRE!lÇlO

fal ar do objeto a como número de o uro (Seminário XIV) .


O para-
d oxo de Aquiles e a Tartaruga pode ser resumido da segumte · f,or-
.
ma: suponhamos uma comda entreAquiles• veloz co.... .. ed
, or, e uma
carcaruga. Dada a morosidade do referido quelônio co nc.edamos à
tartaruga uma vantagem , digamos de de-z metros. A parár desta
van tagem Zenão mostra que é impossível que Aqui les ul trapasse a
carcaruga. Isso porque para Aquil es alcançar a posi ção inicial da
carcaruga (S0 + 1 0) ele deve percorrer infinitos pontos que O sepa­
ram desta posição. Ora, é impossível percorrer num tempo finito
um espaço infinito e não há dúvida de que podemos en contrar
infini tos pontos intermediários entre dois pontos numa reta. Por­
tanto se fuemos equiparar o problema do objeto a aos paradoxos
da incomensurabilidade é porque em ambos os casos um resto
irredutfvel pre.�ide a abordagem da questão.
A estratégia neurótica para lidar rom este paradoxo é rontabilizar
o gozo envolvido a cada movimento. A todo gozo a menos se
suporá um gozo a mais que será entregue mais adiante. Soller
(I 995) faz um exame muito interessante do tema do sacrifkio a
panir desta eamomia do gozo. O sacrifício condicional (regido
pelo Ideal de Eu), a crença, as escolhas amorosas e boa parte dos
sintomas neun1ticos são regidos por esta lógic:i. Isto fic:i mais claro
se pensamos que o sintoma é algo que se interpôe entre a posição
masculina e a posição feminina produzindo uma espécie de rela­
ção sexual artificial, um mmplemento. Freud já dizia que os sinto­
mas são a prátic:i sexual (simbólic:i) dos neurotiros. De faro, quando
um sinto ma é decifrado, quando sua dimensão de signific:ição e
sua dimensão de senrido são atraves.çadas, resta o "núdeo gozante''
do sint oma . O destino deste resto é relativamente incerto ao longo
de uma an álise. Uma parte é daramenre transformada em satisfa-

117
EI
(HalSllAI laGO lro DuNl

wc (co n forme a dist i n ção propo sta po r - r ,.,.._.


çãti o u Clll P r 1:,u 1 1 , 1 9
e llranto ' pe r m a n ece no que So ll e r ( 1 99 5) eh 9·"1)•
O utra, no a in
. ·<l u z i do " ' a pare i e do qu al se pod e rá en te n de a de
� s , nc oma c r . ". r a aflr.
açao• d e L a ca n sob re o fi n al da a n ál 1sc co m o i d ent ifi ca Ç
m ã o ao
sinc(h ) om a" ·
, a c:nie,i•m aci7..açá o, que ap a rece osccns1vam eme n o
cn1.g.

A,
n.\.�1111 • •
e e
ma e 1 ateral mcntc nas pergu ntas d amho m t rprcrauvo' vi·sa a1 tc-
rar a l ógica cm que um gow a menos co rrespon de à p ro messa de
u m gow a mais ou, cm �mera� pal av ra�. e n.1 q ue o mascu li no é
co ncebido como oposto, s1 mécna1 e propo rc i on al d o fem in in o, A
enigm atii.açáo não se dá pela in trod ução de u m sabe r a m ais so bre
a sex ualidade, m as pela co nstatação d e q ue n ela há sempre u m
sabe r a menos .
Do ponto de v ista do so frime n to impi ngido n o q u ad ro das
relações enue demanda e desejo o enigma é especialmente fru tífe.
ro. O goro, como uma espécie de saber excessivo ( na neurose
ob se.�iva) ou faltante (na histeria), sobre um aspecto da sexualida­
de é posto em suspensão pelo en igma. A de manda, como vimos,
produz um objeto (e um signo de amor) fazendo consistên cia do
Ser, da sua universalidade à sua existência. O enigma dissolve esta
consistência. A direção da análise, neste senúdo, é dada pela dire­
ção do enigma. No momento em que o enigma não precisa mais
ser drenado para uma pergunta, para uma demanda
portanto, o
analisante pode continuar sua análise po r
si s6 . A análise termina
onde começa: no enigma.

118
UCAI E A WIICA DA IIIIHPUTA(lo

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119
LACAN E A ÉTICA DISCURSIVA

Consideremos o cená rio filosófico conccmporânco a partir de


sua extração kant iana. Se buscarmos uma preocupação suficicnrc­
menre ampla para caracterizar este cenário diríamos que de se
organi1.a cm corno da concradição ou da tenrativa de conciliação
cnue razão objetiva e razão subjetiva. Oiro de ourra forma, enrre
ra c iodnío e pc11samemo. Tal perspectiva aparece não sô aos
frankfurtianos, m;Lç também aos herdeiros ela tradição epistemo­
lóg ica francesa como Fo11cmlc e AJtlms.'iCr e ainda no cognitivismo
americano.
Podemos ainda dividir a filosofia do século XX, como o {1.:1,
Badiou ( 1 995), enue filosofias da rcvol ca e do risco, como o mar­
xismo e a psicanálise, e filosofias da universalidade e da lógica,
como o neopositivismo e a fenomenologia. farcs dois grupos se
disting uem por possuírem n:spcctivamenre como /wrízonrc a éti­
ca num aço e a epistemologia m> ourro. Num mundo de crescen­
te racionafüaçío das n:laç[:,cç /mmanaç, q ue se oricma JX=lo prindpio
de que os fins jmtificun o.ç meios, o mal-estar advém ou do dcsmnfor-
ro rom esta ética ou rum a asfIXia da racionalidade que a engendra .

121
(HamWI INGO lINz Duml

Dizíamos que a questão se co loca em termo s kan tian os . De


d bito do agi r Kan
faro, 30 separar O âmbito d o conhece r o âm t
amfiava e m garan ú as cran sce nd entais p ara a ética. Os pil ares d t
es a

úa eram metaHsicos: a ex istência de deus e a i m ortali dade da


:i: � cranscendentais a�segu ravam a possibilidade da l iber-
dade hum ana.
No en canto, de lá para cá a filoso fia não fez mais que desconstruir
esca metafisica, o ra visand o refundar a éúca em outros termos, o ra
reasseguran do o esmu co destes tra n scendentai s, ora ai n d a
desconsiderando a éáca como problema fil o sófico ao supor que 0
conhecimento levaria à so lução dos problemas étiros. Esta separa­
ção enrre conhecer e agir conduz a uma esoolha percebida na soci­
ologia de Max Weber (I 92 1) co m o uma alternativa entre política
ou ciência. O u se está com a produção do sentido, pú blico,
compartilhável e sem ambiguidades ou se esrá rom a signifi cação,
privada, relativa ou mística. As categorias de público e privad o,
descritas por Sennett (1989), são a nosw ver uma boa maneira de
situar a tensão que procuramos apresentar.
Pois bem: n� termos a herança problemática legada por Kant
admite encaminhamento em três níveis, se consid eramos o deslo­
camento desce problema ao espaço da psicologia. O nível ético , se
estamos às voltas com o sofrimento, epistemológico, se estamos
diante do nhecimento psicológico relevan te, e ontológico , se

nossa q uestao é o ser m esmo deste sujeito. Os diversos
projetos da
psicologia q u e nosso século viu florecer são respOS " · taS a•
tas d1St111
contradição que situam os na esfera da h istória da fil
. osofi1a e que
refletem a heterogeneidade do campo psico lógico.
Vemos, na vertente de enraizam ento epistemológ·
, . e d'1scursos q ue visam. 1co O CO nJUn-
to de praticas fund ar ou es cabeJe
cer a ps1co-

122 �
lACAR E l alNICA Dl llll
HPI E!lÇlQ

logi a com o ciência. Amparada por prcocu r-,..


™"'JC.� metodo16gi. cas
0
suJ"ei to que aí se produz é um calcul ador de estratég"ias mm��
. . .
rnen taJS, um suJel to que é pura razão instru mental, q
ue ope ra ela
adm ini stração da relação entre meios e fins. A táti ca do psicóio 0
neste caso é a cransmis.�ão de um saber q ue regule o desajuste en!e
meios e fins. A oposição entre raciocínio e pensamen to é conc.ebi­
da aqui como uma pseudo oposição e o efeito é a exclusão do
pen sar subjetivo.
Na verten te on cológica o problema é o utro. Trata-se de
men talizar ou de namralizar a subjetividade, pensá-la por exem­
plo como o conjunto das faaddades meneais. Detendo-se no su­
jeito, esta vertente inviabiliza o método, ou peio menos relativiwn
sua imponância. Seu objetivo é mais descrever o sujeito, amtemplá­
lo, compreendê-lo do que amhecê-lo. O sentido cede lugar à sig­
nificação, a esfera públici à esfera privada. Na vertente oncológica
podemos sicuar o debate entre nativiscas e culcuraliscas que atra­
vessou a década de 60. Ambas as posições partem da noção de
uma nacureza psicológica, uma substância, entendendo-a quer
como de índole histórica, quer como de índole erans-histórica. O
projeto dioico cem no encanto um objetivo semelhante: a li berta­
ção dessa espécie de segunda natureza. Como assinala Jarobi (1 975):

•o q ue cria no individuo sua KgU n<fa natureza é apenas a história acumulada, e

sedimentada: uma história entmpccida, por ter sido tão prolongadamente não libera­

da e uniformemente op l"Ssiw. A segunda natureza não � simplesmente natu= ou


"
h istória, é a h ist<�rfa crisrafüa<fa <J UC se afigura mmo natureza

Nes ta breve caraaerização da psicologia contemporâ nea per­


ficuldade crônica em considerar o sujeito como
cebemos uma d i

123
El
(HRIS1WI !NGD too DuNI
que n,ao .-.... reduz ao si mesmo e que vaga-
d eu. ai i;
rtl
al go além O
. ' ncia d o i ndivíduo. Alain Badiou ,
d e nu'fi ca OllTI a e,'iSe
mente se '
I
, el 1l s• uJ· eito a parti r do desejo füosó fico
uahalhand° soh re a .
questao
que ele será apro priadam en-
resenra a te.'it: de
de no s.'iOS tenipos· • ap uatro tonalidades:
rmos. em conta suas q
te ro nsiderado se 1 eva
a insatisfaçáo;
1. a revolta· , a reaisa e
..... J·o de uma r.u.ão aierente;
, .1ca, o dºse
2. a 1 og . . .
3 . o umv. ersal, a recusa do fechado na mtmudade;
e 1:ielo rism do encontro .
4 . a aposta, o gosto pelo acaso

ncias, diz Badiou, é


Para extrair um sujeito a partir des.,;a.'i exigê
nece.'isá.rio pensá,lo em relação ao tipo de verdade que estas com­
ponentes prodU1.em e o lugar em que esta produção se dá. A ve r­
dade ontológica do eu, a'isim allno a verdade científica, além de
parciali7.ar o �11jeito em questão não responde ao modo mmo este
sujeito se apreende enquanto sujeito psimlógim. Este modo in­
clui uma pergun� es.'iencial sobre a verdade de seu sofrimento .
Isto é o que se pode cl1amar de uma pergunta ética. Não apenas
um saber que domestique este sofrimento nem uma técnica que o
controle, mas uma pergunta que se endereça à verdade que o sin­
toma revela e encobre. Portanto o sujeito de que se trata é ético e
por meio de uma ética que a ele nos podemos vincular.
Defendo neste trabalho a idéia de que cenos projetos te6ricos
como o da psicanálise de Lacan , mas também de algu ns autores de
referência para a psicologia social, como os
frankfurtianos e os
esquizoanalistas, são reaçoes
, em so1o eu , · co
ao probl ema proposto.
Para Lacan a subJ'etiv1'dade nao
, tem seu centro nem na punficaça . ,
o
do sujeito conhecedor 11em na
'd
I em,'d ade ontologicamente fixa-

124
UCAM i l WNICA DA IIII
HftETAçlo
da. Com o diz- no Semin ário XI: "O estatutu do .
. tao frág.il n
.md1co mco nscieme, que
lheli o plano ôntico ' é éUal. . (..
. · .) Onticamente
então o malnsc1ente é o evasivo, tna.\ co n-- SL"\n
ti·u. mo s cercá-lo numa
estm tu ra: u �ª ei,trutura tem poral" (Lacan, 1986: 36-37) .
.
A suhJ euv1dade pode ser definid a nesses · termos como fu nda-
me nt ahncnte uma temporalidade. Tempo que d"iv"id O . .
e SUJeltO ,
_
u
q e faz su a duraça o correspon der ao sen tido de su a enu nciação . 0
p roblem a num a ética deste tipo é: como pensar a responsabilidade
de.o;te sujeito em relação a fal a que o produziu, como fazê-lo pres­
tar amcas em relação a algo que lhe é por definição exterior, ou
seja o inc onscien te?
Este projeto caminha entre dois abismos, de um lado a ética
dnica proposta pela instrumentalidade do agir, e de outro, a ética
ideal ista, calcada na garantia oferecida pela realização do ideal de
racionalidade utilitarista. A ética cínica é correlativa do projeto
ep istemo l ógico em psicologia, a ética idealista se vincula à psicolo­
gia de extração ontológica. Trata-se de pensar um caminho possí­
vel entre estas dua.li ética.li.
Voltemos a Kant. Sua amlhida no sérulo XX.se fez pela introdu­
ção de dua.li questões med iadora.li: a lústória e a linguagem. No que
toca ao nos.lio tema é importante dii.er que no século XIX a con­
tradição entre o subjetivo e o objetivo é lida historicamente como
uma tensão entre o individual e o universal, tarefa de Hegel e
Marx. No século XX essa contradição, cujo ambiente era a hist ó­
ria, se desloca para o campo da linguagem, lugar maior das fonnas
de detenninação e realização do sujeito. Vejamos como a sociolo­
gia fala desse sujeito para melhor apreender na sua dimensão ética.
Sennett (1987) descreveu a pa.'i.'iilgem de um século ao outro
como o momento em que a esfera das representações públicas

125
l.ENZ 0U NKEA
(HRim AN IN GD
. I·a da vida p rivada. O home m públ 1co '
e se d sarucu . •
cc·de cs p:1ço ' lJ • dan do mkto a u m p ro cesso
e

.no n. za as regras de sua aça de


in ce :,, , çáo. A rupcura en ue o am h 'no pú b '
.co 1og .....
A

ps l 1.
co n únua e maciça 1 . u I11 s uJ· eito em perm anente co l apso co
gi r
co e p nva . llt1 fa• z em• er é ém que soh remdo d esco nfi a ll\
d e, i sto • alg u do·s 1 U-
suH.U b1·ecivid. a . .
a' que reJ etta qu al quer forma de filiaÇão
ltc os qu e oc up
gares sim bá • 1 a calcada no m ucu a1 ismo ·
d os sentun . nt<)
· 1e nt o qu e nal e s
e eng,a1 an
n al'd
' a d e. U m · · ·
. ostos e d a perso SUJe tto que
e na 1den a'dade dos g . o . l ''
q u e p on h a em J g o 1c e 1 a s e nã o pesso"'•·s.
w mba de toda dt· scussão • • .

ca rc smo ; em vez de p rmd
Ele pede u ma re tóri do na 1S1 pios
co n fiáveis, u ma subjetivida ex m r É u de e pla . ma c u t ra que passa
l u
a ser descrita em categorias psicológica.� a)lno o narcisism o, de
acordo com a versão de Lasch ou o cinismo conforme Sl oterd ijk.
Hannah Arendt (1983), analisand o a transfo rmação do traba­
lho em labor a partir do século XVIII mostrou como o declínio da
esfera pública abre uma nova e trágica relação do homem co m sua
ação. Na medida em que o espaço público declina, anula-se a
"coparticipação de palavras e aros" (p. 2 1 0). A palavra passa a ser
puro meio e a ação perde seu agente, não é mai s localizável num
sujeito que dda se apropria por seu d ito. A eficácia do discurso se
impõe ao seu valor de verdade ou a eventuais amsiderações éticas.
Como diz :

"A rede n,;:io da vicia antida pda fabricação


m (...) a desvalo rização de todos os valora
• a impossibilidade de encontrar critérios válidos
num mundo dominado pd a catego­
ria de meios e fins produ1.em
histórias significat ivas com a mesma naturalidade com
que a fabricação produz obj
etos de uso.• (p.248)

Essa possib ilidade de re .


duzrr· o mun do a sua mecâmca pragmá-

126
UCAM E A al11CA DA lllll
lftETAçlo :e...,..�
ti ca e in strumental se por um lado nos desenca
nta, .,,
. r outro nos
lr
faz inventar um novo tipo de sati sfaçao _ .
. , a sans fação estetizad ª
co m o s 1 mesmo. Con dição de possib il'1 d de do
· - ª p rocesso de
psia1logii.aça.o que encontra seu epicenuo m1,.i_ JUCm o no to
:
manu�mo.
. . _
Um a tercei ra VL�ao deste cenário nos· é ofierec1'da
. , no âmb ito
fran cê�. por Foucault . O mtere.•;se teórico de Fouca:ul ,
t especial
men te nos últimos escritos, dirige-se ao probl ema da "estética de
si" , isto é, como o homem co ntem porâneo habita e lida co m a
con tradição de não ser proporcional ao seu desejo e de cumo ele
respo nde a isso tentando Í37.er-se belo a si mesmo. A critica de
Fo ucault à psicanálise, que encontramo s em História da sexualida­
de - a wntade de saber (1985) , tem como motor a condenação do
sexualism o psicanalítico. Lacan e Foucault estão , quanto a este
aspecto, em acordo contra uma ética sexualista fundada no bem
estar dos corpos e na hipótese de que a verdade subjetiva remonta
ao estatuto sexual e sexualizável de suas imagens.
Rajchman ( 1 9 9 1 ) mostrou como ambos se interessam
axialmen te pela invenção de uma ética do desejo que faça resistên­
cia discursiva à "estética de si" e à psicologii.ação que ela implica. A
patologii.ação e docilii.ação dos corpos apontam para outro efeito
relativo ao fim do homem público, ou seja, o deslocamento da
liberdade para o âmbito privado. Só há liberdade quando o sujeito
não pode dizer integralmente a verdade sobre si mesmo, quando
ele se encontra de alguma forma fora de si. É por isso que a verda­
de, tanto para Foucault quanto para Lacan, deve ser entendida
como parcial, o que não se reduz ao relativismo cínico e acomoda­
do das opiniões.
Neste ponto se anrora a crítica foucaultiana do autobiografismo,
do humanismo e da primazia do autor. Vemos assim como uma

127
Du NKER
(HRIITIAN ING O I.INZ

1.. f<o nna.� de s ubjetiva


ção discurs ivas ª ar
. ca q ue rcspo nd a as • . • P ece
é u exto da so cio1 ogt a am erican a, quan
nt o n< , con t
co mo 1 1orim nte ca to
. .<> alem ão e n o estruturalismo francês. Um
• íue
cr
no pe11s:unento a
· . s.�as des.�a ética de resistên cia encont ra- se nu ma frase 1 a
das pre 1111 . 1 . ,, -
i . " V i ve r bem é m atar a p st co o g t a . En t en a
d -se
id ar de Foucau e . . .
Por ps1c . o1 og1·.a u 111 a espécie de máq u m a de produzir sabe r sob re
p . o
. . O, Saber que é co nsu mido e su bsu tu fdo como qu al quer ou
SU JCIC -
, acan
cro bem de consu mo. Saber, meio de gow como diria L .
Se O p<,der passa a se en gend rar desde práticas discursivas que
· - . ' '
prod w.e m u m sujeito psioo 1 ó g1 al e �1 ao m� t� pu bl tco e pol ítico
prop riame nte dito, coma-se nec.essáno exphc1tar qu al a forma de
enten dimento do espaço onde o discurso se mov imenta. Trata-se
de mostrar como diversas concepções de linguagem im pli cam di­
ferentes mo dos de produção da subjetividade.
De acordo com Kusch ( 1 989), duas grandes teses sobre a lin­
guagem i mpregnam a filoso fia contemporânea. Uma, que tem
seu expoente no segundo Heidegger, pensa a linguagem com o
meio universal; a outra, cujo representante é Husserl, m as tam­
bém o primeiro Wittgenstein, pensa a linguage m como cálculo.
Para os primeiros a essência da linguagem é a poesia; para os se­
gundos seu núcleo é a lógica. A uns interessa a fala como instituinte,
a outros, a fala como instituída.
A rigor vemos aqui a tradução da oposição entre a razão o bje­
tiva e a razão subjetiva em dois modo s de pensar
a linguagem. A
grande questão para os iniciadores
deste d ebate, Frege e Witcgen­
stein, é: como pensar a lin
gu agem excl uind o dela o sujeito psico­
�ógico e sua relativid ade constituinte, rom a x
e purgar noções como
m ten ça·o• expressa- o, 1 mg
·
uagem privada etc. e mesmo assim enten-
der os j ogos de fala
e a produção do sen tido Em
. outros termos,

128
UCA1 E l Oll!CA Ol
lllilftnl\io
com o salvar a no ção de verdade �
rente ao rc\at"iv
E,c cl uindo a verdade o ntol < u,ica e t ran ,: ,smo �ico\{>gi
sm nn ando o co ,.
- , . o SU.Je.1to nu m
e missor, nao e mau; possível fal ar n a Vl \ _ 1
'Tl aue sobr
. • . e as coisas mes-
m as , a ver<t ade e' a cnns1s tencia 16,•i
º ca 1,o uso da \ .m
se de pe ns á- l a a pan ir d o ideal da b oa co mu n.,cação. guagem . Trata-
. Em te os . ,
rm ps1colog.1cos os problemas são \'1d a
os parur da má
ro duça- o <t o se
· nm · i o, d o s nu'dos e enoanos a que
P . o u rna mensagem
n
po de se r s u h menda. . E .co ntra . ,
-se aqui um dos ilar
P es da psico\o-
1,ia in s trume ntal O tJ o 1 m1 1te e o cálculo dos p razeres a
partir do
b o m ent cn d 11ncn to.
e, •

O pon do-se a cs.,;a co n cepção de l i n guagem que tem atrás de si


preten sõ es ep istem ol ógicas refund acion ista.,; encontramos a ver­
tente suh jetiv isra hc nnenêutica. Nela a linguagem conta como
u m meio d e ex p ress ão e c r i açã o. O discu rso aqui é u m a
in tercexm al idade num movimento de interpretação continuo e
in fin ito , isto se não se supuser uma significação final. Dai a emer­
gência de uma ontologia que estabelece sobre o que a fala fala (die
Sp rache spracht) , u ma se mântica de fundo que, por exemplo, no
caso da psicanál ise seria a sexualidade.
Assim mmo a verdade pa.-& do n!bristm lúgim ao ontológico, o tipo
de sujeito também se alter.i. Não é o sujeito da hoa comunicação mas
o da boa amsciên cia; a amsciência rctlexiva, a amsciênàa hi,;tórica ou,
do lado da psiallogi:1, a mnscit·ncia cap·.u. de realuar o ideal de saúde
p.�imlúgica, <}UC prcscn..'Vc modos mai.� ou meoos adequados de sentir,
de reagir e de se relacionar. Trata-se de encontrar o �ber que suture a
despmporcionalidade entre o sujeito e seu desejo. fata o.msciência
sedema de sign ifietção alimenta-se de metáforas e akgoria.c; tendo como
p-ano de fundo o l.'\l como mn:1 instância p;tr.móici. O que se vê aqui
rep re.o;cncado é o SL-gundo pitu d:t psicologia instrume ntal.

129
CH11S1W1 INGD lalZ Du
NKER

. t s cologia instru ment al é u m ponto q u e reúne


A criuci t a 11· i . o
. de re1e1'mra de Freu d e m preen d id o por Laca.o , m as igu ai•
proJeto .
,n kfu rtianos (Z11.ek, 1 993) . Para amb os a desco b�
l
mmre �1 � "i
. 1 r ua rad i cali d ade ao t ra n sforma r-se n uma
ra freu d 1ana perue a ·s . es-
, . d e o r t > p ed ia psicolô g ica on e n t ad a por i de ai s co mo a
pec1e l
. al'Idade (Rei ch) • a obl ar ividade (p sico l ogi a do ego ) ' 0 verda-
geme . _
a roatra d a m tegraçao d o ego (Klei n
deiro self (Wi nniro tt) ou p ).
trás d esse s i deais n ã o é di fícil encon t rar a su bjeti vi d d d
a e o
Po r
p a nalis ta r o mo m o d do. Sem ent r n a q uest ão d o exe
pró rio � rcício
p o der a{ e m jo go, é intere ssan te fns ar q ue se trat a de uma
do
ét ica pautada por i deais transcendentes q ue, al inhada com uma
concepção ex p ressiva e interpretativa da l ing uagem , op ta po r
estabelecer o sobre o que se fala, fazendo d o inco n scie nt e u m
cam po metafísico. Preten d e inventar u m a segun da nat u reza, a
natureza interioriza d a, nos termos de Hannah Aren dc, ou
nardsi ca nos termos d e Lasch e Sennett .
Categorias da metafísica ocidental sáo deslocadas de mod o a
situar o conflito entre, por exemplo, o mundo interno e o mun d o
externo ou, entre fantasia e realidade. Com o mostra Jacobi ( 1 975)
e em geral a psicologia social marxista a maior parte dos projetos
psicológicos que pensam o conflito nesses termos cem ou preten­
sões adapcacioni�ta� (ajustar o eu à realidade) ou pretens ões revo­
lucio n ária� (ajustar a realidade ao eu) Am bos no enta nto en dos­
.
ª
sam descrição do problema nesses termos pensam o discurso
e
co mo expre.•;são de;se co ntlico
, como ideologi a. O sujeito éti co
�ans �orma-se aq ui num ego rei ficado perS<..l,'l t indo a ficção de sua
1dcnadade harm oniosa.
Pensam os que boa parte da impotên ci a e dcmric n caçáo
que os
p sicólogos s o cms· · test e mun ham d iante á
de su a s pr u· ca s '
UCAN E A C!I NICA D
A IHIE RPREllÇl O

notada.mente no âm bito instit uc101 · 1 ai e co


mun •t· ár"1º • nasce da
desco nsi deração de que O discu · rse)
, na_ o e, 11em um . - o da
. a <les· ença
reai 1. d ade m
. teno r, nem uma im agem lcSg,j d
ca o mundo• 11em uma
exp ressão d o que o sujeito tem 11 0 'seu ínt1111 ' º .nn pu
càl hli cável· Ele
não apenas r: a sobre seu desejo inco ns· cieme, m as ao fal ar faz. A
ten são não se dá. entre eu e realidade, ou entre 111< · i'IV íd uo
e so cied a-
tre d . s ursos
de, asm en diversos i c que co ncorrem ilara · . a prod uçáo
d a reali dade e do sujeito.
Local izam os o projeto lacaniano co mo uma fii r111 a de res1ste · . n-
ci a éti ca ao processo de psicologi zação da vida conte mporânea.
Sua es tratégia essencial é partir da linb'll agem como produtora do
sujeito, e não o contrário. O sujeito não seria ams iderado neste
caso nem co mo interioridade, como pensam os mctafísims, nem
como exteriori dade, como pensam os herdeiros do positivismo
l ógico , mas j ustamente o ponto de passagem de um a outro, 0
tem po de separação entre um e outro.
Num primeiro momento a referên cia de Lacan à linguagem
engen dra uma clínica cujo objetivo é a singulari1.ação do sujeito a
partir dos universais que o constituem simbolicamente, a saber: a
morte, o parentesco e sua posição sexual. Trata-se de reescrever a
história pela retom ada de seus significantes fundam entais. A pala­
vra é o meio em que se opera esta dialética subjetiva.
Vejamos como esta proposta considera a diaicomia sobre a qual
se erige a psicologia instrumental. Em prim eiro lugar Lac.an dis­
tingue o eu, lugar de cons istência e idcmidade do ser falante em
relação ao sujei to propriam enre diro, cfciw temp oral do ato de
fala. O sujeito se cons titui cm relação ao signifi canre ao pas.�o que
0 ego se estrutura pela fixação e identi ficação a cercas i m agen s. O

i nício da obra de Laca.n compreende uma críric.1 sistem ática à psi-


l}uN lll
(NlllfllN IN& O l1 Nl
. 1 11 11 Sl' i1pn•s,·1 1 1 a v.1 1 1 .1 p.� i ca ndl i � c I I
·l ll ,I 1 1 ,1 1 l i 1 l i�
(t 1h1�,1.1 1• 1 1 �1 11. 11m . 1 St. • ,·m·1 1 nn,, a li k'i;i c l ,• 1 1 1 w I I t'I I é
1'\ '11 1 1 1 1 1 1 1 1 :t
,u ui� 'itl. I''·111 •St' II
" . .
il 1.
,, , 11 • 11 1,1 ,. 111 1 1 1 1 ,· o , lt-s,·Jo l 1 1 rn 1 udt· 1 1tc li t
1
11. 1x1 l111·I ·' '·1· 11
· . 1 1 11,•11 1,• e
·l I ir. l .;1c;m i·t'i h 11 m·M;1 , poc;1 1 1 tW > a o t•si a, •
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11 .11 �1\ l• \l l'I l i


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111 ' t1• u m •si11 111 111 1 1 1,• l .ar, 1 1 1 pn 1 1 11nvti 11;1 dfra
11 1 1 1 ..' 11 1 'd.ln i,-;1' 1 ,e I ,1·
N 1 H'll l,I IIII I l\'\• ., (
,do
11 1 ,. ,l,• l. 11.I. t ; 1 l' l'\' S<'U' 1 .1 1 1 ;1 e 1 t( l'acla dt 70
l >d o
,Ir c,0 , 1'\'II H.l1 1 .1 11.1 , • ,
. . . . . . 1• l\uk'-St' tld n u r II d 1srms1 1 como 1 na f
Sl 11 ,o i a
\l ll\'\'II\I ,11• 11 1s1 III ,
' llll . t)!r.l1 lllt' I 11 ..' iml ivi,lu .1 1i1.h'd t' <J ll t' rt•al 1 1:1 la�'t> socia l . As� i n i
1 1J11 ' ,
. ,
JUSI\ . I l litt'r 'I"" :1li• 11�m pmkrc um d iscur so, m as <)
11l11 �n.l r , , li",.
l""'". 1,l" '1(',...... Nlit�� 1111c "t a noç;to tlc tl 1 scmso se :tJllst:1 à tc.�c ele
• • •
u,-.tn d,, inMisdcntc l'l.lll\O algo tr.ms111tl 1v1dual. Ao se pcrgu n.
tu 51.ibre O clisauso a11.1Htico L'lctn o defini d com o aqu ilo q u e faz
Laço S1.-.à.al.
Nlo que os outros di satrsos não o façam , e é essa a
quc:stlo: dcs nlo o fazem segundo a étici discursiva que Lacan
pmre defender.
Os diSOJrsos �o máquinas de subjetivação que engend ram um
tipo de satisfação que lhes é próprio. Satisfação esta que Lacan
dwnou de gozo. Outro modo de atestar o ca ráter transin dividual
do disa.uso é notar que de amstitui um lugar intermediário entre
os proces.ros da língua, sociais portanto, e os da fala, que remon­
tam ao indivíduo. A crítica da cultura em Lacan nos remete
à
aítica dos usos do disa.irso e à ética que lhes subjaz. É nesse nível
que de proporá uma ética discu rsiva.
Quatro discursos serão formal ii.a.d os: o de mestr
e, o universitá­
rio, 0 histérico e o analítico. Faremos
uma breve apresentação de­
le� de � odo a escl arecer sua
per tinê ncia ao pro blema da
psicologtzação anteriormen
te exami nado.
O discu rso univ· ers1·w10
· se aproxima do que chamamos ante·

132
Ul'.&1 1 A WIVA GA IIIIIHUvJ/)

ri o rn w1 1 tc e l e j)\Ímloy,ia de <.'X r ra.çã o ephttmollí ,.


1�c.a. Co nlQ v11n0$ '
1 1 ,, 1 a li(! prc-.e1 111' (j1 ci 1 1 •,, I <.-a I c I a IJOa comu n íac:"',
• • • "'ª
.,.. 1 n11:t1 . ., pda ,ua
d1d t 1;1 ,·1 11 J lfl l( f llí'.t r <:Oll'iCII \O, De acor,fo COI IJ [
• • • • • .acan, n ,, d 1'iC.UrSt>
1 1 1 1 1 vN� 1 tM111 t1 10 1 1 1 r r:1 1 1 1 0! o u1,c1ro 11 0 l u1•1r
U" d a pí( 11111. .1 .,....
,.,i,,. E
:.XC:111-
• • • •
1l, m e le c l 1 m mo 1 1111vcn iráno do o cl i\C:1 mo l, 11 ,r,.,. r
, ...... .. uo, e o da
.1 • .

dt11 da no rmal , wl corno fala K11l 111 ( 1 988} · A ..,.·1c•· , 1 u•a norn..., .• ,
ai� i m c omo :a 111á c 11 1 i 11a hurocrárica, caracrcrir.a-'iC po r u ma co n:
c i�nci :l !iegu ra de 011c l c e�t.lo os prohk1na� e qual a fo rma de rõt,lvê­
lo�. O su jeito 11c�rcs ca.ms se cnco nr ra .\llpom,, a fala é garan úda
pe l a crc11ç:a 11a eficácia ci o c.0 11ju nro. Na burocracia a\�i m a,mo n a
u n ive rsid ade, o sujei ro produz em situação de recal que, 0 desej o
do pesqu isador, a�sim como o do chefe de seção deve estar por
defi nição el idido do que ele faz ou fala. Quem deseja, nesres casos,
é sem pre o outro.
O discurso de mestre se localiza no que anres denominamos de
psicologia de extração ontológiça. Vimos que por este veio gestam­
se autoridades sobre a subjetividade, práticas que visam produzir
um sujeito consistente e idêntico a si mesmo. A formafü.ação de
Lacan coloca este sujeito do lado do agente do discurso, mas igual­
mente como sujeito suposto e recalcado. Além disso a verdade
deste d iscurso remo nta a este sujeito suposto. O sujeito no lugar
da verdade é o que se tem no d iscurso totalitário, ou na sua varian­
te de ética da competência. É por isso que neste registro a verdade
emana de quem diz e não do dito. A verdade pertence ao ser do
sujeito, daí a apmximação entre o di.� curso de mestre e a psicologia
ontológica. Se no caso do discurso universitário o sujeito é excên­
tria., ao falante, quem deseja é sempre o outm (semelhante), no
discurso de mestre ele é suposto como concêntrico ao falante. Em
termos psia.,Mgicos, num caso temos como ho rizonte a fula de

133
Nlll
(Hm1IAN INGO llNZ l)u
c -se a fula autên tica, d a faJa q ue ec r .
n o utro era a d p une
co � sen�l ed o
d'.a e. Se a n rc.� o psi có logo cu ra pelo q ue s abe, pela técni.
a sin cx:n
.
ui le cu ra
pelo l) Ue é.
Cl, aq e . d' c rso fo rmal i1A1d o po r Lacan é o d a h i té
o cerce. .1ro �1s u wxis ·
r o , m as ex p o st o e ag e nte, s e rese
s rica.
ap n ta .
Aq ui o su1e1w nao é s r É r. s 1011. . n
d iro
' , r i o e divi did o. p a e 1 ro d a am b i uida
do a1 mo a, nc ra . g de
deseJ . º· Se 0 d is· cu rso · de mestre den u n cia u m gozo a rn ais
de se u . • • ,e
o d i sc..1 1rso cap1 tal1s ca, o da lus térica pade
por 1.�o se apr xima do •. . . ce
. lJ.> a menos. A o en ca a em crase, , q ua ndo est""
de um crô naco go .
e a org:mt.c ( Kuhn), e um exe m
privada de um paradigma qu pl o
hiscé riro . O u tr o ex em p lo e o que se pod e cha m
de discurso ar de
ru so de estil o, ta l co m o o e n co nt ram os no artista toma
dis r d o na
cul tura de m:wa. O di sru rs o h istéric o cl am a não por conse o ouns
por obediên cia, mas po r amor e reronheci mento. Do ponto de
vista da psicologia este é o discurso que consome su bj etividade,
que põem em marcha os disrursos anteriores.
O quarto discurso é o analitiro. A posição do sujei to coincide
aqui com o lugar do outro, ele está exposto e se sustenta pelo p uro
ato de fala, logo é dep endente e subordinado ao tempo de sua
enunciação. O sujeito está no lugar do outro, isco quer dizer que
ele é sua própria alteridade. Freud nomeava esta espécie de in timi­
dade exterior de tmheim/ich, o familiar e estran h o ao mesmo tem­
po. Nossa hipótese, e.orno vimos, é q ue o sol o de invenção deste
sujeito é a ética. Ética cuja premissa é o desejo. Notc--se que o
desejo, tal como o pensa a psicanálise, é e.,;.� ncialmeme trágico.
Distancia-se portanto da ética clássica p-aurada Jx:la
vinude, que se
liga ao discuoo de mestre, e da ética mode
ma pautada pelo bem-estar,
que se liga ao discurso universitário.
A ética suposta no disrurso anali­
tiro é discursiva, é uma ética do be
m dizer e não d o di:zer o bem.

134
IJCAN E A al NJCA DA
INII RPl!Tlçlo
Tanto pelo seu veio trágico q uan to peJ o
ve10 do hem d'17
q ue aparece aqui é um efeito C!'itéti co da et1 . .er, 0
. . , ca e m questão
· AIgo
bem dito é sempre esteticamente interessail te. No en
. tan to isco
lo cal.1za o iU
.1 -l l b '1to estéuco para além do
eu , ,· unam en te no ãm' .
. d 1v1
º . h1to
t ransm º d u aJ d a 1 mguagcm. Note-se que O dºisa1rso analíu
a,
não é apenas o que se encont ra t.'ln ,·ogo num a .......... .,...%o, ma, um
ci rcu lador, uma embreagem que faz r- nm.,. de mn d1SCU '
rso a ou-
tro, q ue é por estrutura mais resistente ao tempo. Ele emerge, po r
• . ·-·· . .
va.es. na ausenaa de um a11a11,ta inmndd o. Seria irrisório fãlar, por
exemplo, n os valores ou ideais envolvidos nem étia, uma vez que de
não visa a ronsistência, mas é wn parasita de oucru fonnas d�
Atua romo um "enxugador" do go1.o da psirologização, 0 goro que
nomeamos anteriom1ence romo a sati�fação oom o si mesmo.
A ética d iscursiva proposta por Lacan se distancia da de
Habenn as, romo mostrou Aidar Prado (1 996), pois seu paradigma
não é o entendimento de suJeltos bem intencionados, mas a idéia
de discurs o como campo onde pode aparec.er o evento-sujeito e
que, como vimos, não é sempre o me.ç mo, pois sua relação com a
verdade e o saber se alteram. Os discursos inventam mundos, isco
é, lugares ou contextos onde o que é necessário, contingente,
possível ou impossível ganha funna. O que define um grupo. isw
bem poderia ser uma definição de discurso.
A práxis do psicólo go social, na medida em que visa institu i­
ções, comun idades ou mesmo grupos específicos, trabalha de saí­
da com a supos ição desta fala instim inte. Mas como bem salien­
tou Jurandir Freire Costa (1 989), "o grupo" nunca responde e
sim os indivíduos nele envolvidos. Não há fala coletiva, assim como
não há subjetivi dade coletiva do tipo: "as grávidas", "os aidéticos",
n que
"os alco ólatras" • cão ao gosto da psicologia america a e ao

135
I.BIZ l)uNK!I
(HaiSllAN ING O
. ·caJ r brasil eira. No encaruo há d iv�,..,.
ps •
1 co 1 lgta 11osp1 a -- � rso
n1 fl-ce d a l • •
da fala . O nív e l d e. relaçã o ent re a te .
r fe'i nl s· uie1to o r1 a
enquanto e d can e a ps ico l og ia social n ão é apen as O d
t1s· e 1..a . :- u a d a d e . t e
do s d L�• cu rs nça o, m 1 ve e. l i ura para processos so.
a de sc
enain trar u . 11 1
li nnafüação de d iscu rsos específi co s e
se n n do d a o . que
a•at• s, mi . d a hem mai s d e q u a tro. O fu n d amen t éa]
. r amP1 ia cis
pader13.111 seé . nvo lvido na participação em u m d ad o di scu
ai e . rso
o hO nzo nce u · ál s como pa11acé1a para os pr
d e psi can i e ob le m as soe·1-
. ta
N a• o se cra
de dei car codos no divã, mas de pensar um
at.s, multo menos . . a
.1a soei'ai de orientação clímca, o q ue q uer d aer, eti camen
psia1log -
ce enraiza da.

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136
NAR C ISISMO C OMO METÁFORA

O plano geral desce crabalho visa demonscrar que o conceito de


narcisismo pode ser apreendido a partir de uma metáfora que in­
clua o tempo e o espaço como componentes fundamentais.
A idéia de narcisismo, enquanto um momento intermediário
entre o autoerocismo e o amor de objeto, surge num contexto de
impasse da teoria freudiana das pulsões. Siruemos brevemente o
contexto em questão à guisa de introdução ao nosso tema. O con­
ceito de pulsão é, juncamente com o de inconsciente, uma das
pedras angulares da psicanálise. Uma parte de sua complexidade
se deve às diversas revisões por que passa ao longo da obra de
Freud. Historicamente crês grandes etapas podem ser delineadas.
Um primeiro momento que vai da desmberta da sexualidade na
etiologia da h isteria aos Três ensaiospam ttma teoria da sexualidade
( 1 905) e que gravita em corno da oposição entre pulsões de auto­
conservação e pulsões sexuais. Um segundo pass o se dá com a
tópica do narcisismo ( I 9 I 4), onde o confüto se estabelece entre a
libido do eu e a libido do objeto, portanto na esfera da pulsão
sexual. A terceira reformulação se dá com a introdução do dualismo

137
(JWS1IAII IN GO
lPZ l)ullEI
. são e morre, motor teórico de urna
iili • l de vida e pul d nO\'a
entre p �� ,.,,l síqu ia1 (19 2 1). Para um exame ponneno �
ho p
versãO do 3P"' - ue nos referimos ver Mcran (1984) sun · o
dos desloca
m en co s a q
1 992) e Laplanche (1993).
' anke
4) Garcia-Rl.17). (l9 86 ' · ·
(1 99 • finição preCISa o ron c.e1to de nai . .
� d e u m a de ��
� e� �
m o u ma noça·o fun da.m eneai para o enten d iment
mo ª:""___ l'l'C.C co o
. ce recação do ca.�o Schrebe r (1 9 1 1), Freud o
se N a tn rp p s-
da Ps1ro . ·• . m mom ento intermedi ário en tre o au to ero.
cuia a exiscenoa de u . • . .
am or de ob jeto . Sua 1m po nanc1a cl ímca se refere, nes
cismo e o . ai . te
t •
a e 1 ua "da ça·0 qu e pode oferecer d o e1x:o ucm ação-delír io
tex o, . .
t últim o se ri a, no en ten der de Fre ud, uma ten tativ a de rest itu -
Es e i
ção da lib ido ao objeto. A al u ánação compõe, por s ua vez, um
-... � igmáti co da sicuação em que o eu está às voltas co m
exemp1o .,......... . . .
um reco mo da libido. A oscilação entre lib ido no eu e no objeto,
exemplifica.da pelo texto de 1 91 4 na hipocondria, nas vicissitudes
amorosas e nas psico ses, depen de de um desenvolv i men to
conceitu ai da noção de 'eu'.
A hipó cese de um narcisismo primário t em em vista portan to
uma nec.essidade teórica: explicar a possibilidade de refl uxo da
libido. Tal possibilidade aparecia de forma incipence desde 1 900 a
partir da idéia de regressão. O que se acrescenta a partir do narci­
sismo primário é o lugar desce recomo: o eu. Neste sentido ele
especifica aquilo que os conceitos de t rauma, fixação e fantasia
supunham, isto é, um lugar psíquico de concentração máxima da
libido e não apenas um momento do desenvolvimento psicosexual.
Do ponto de vista estrutu ral o narcisi smo pennit e a Freud pos­
tular duas instân cias, o eu ideal e o ideal de
eu como circu itos
privilegi ados da libido. Como aponta Lapl
an che ( I 986) o narci­
sismo não é uma pos ição de abs u
ol ta au sência de alteridade m as

138
lACAN E l WIIICA DA IIIIE
IPlmwJ
u ma in teriorização desta. Uma mes mi fica - do
. çao ou tro e da d"6 I e-
ça
ren que ele mscaura. O narcisismo, correspo nde n
u ma dupr1caçao - do outro ou a uma duplicação do eueste ·
t
sen ido a
T:ai d
uphca-
· l "1ca o domímo · da "1denu' fi1cação
ção 1mp , seja pelo ânguI() da repre
-
sen cação ( Vontellun,n\
.51 , das imagens ou dos afetos (a tradu - quan-
çao
. _
titauva da pulsao).
A n oção de estádio do espe�o introduzida por Lacan ( 1 949)
preserva este elemento de duplt ficação a partir de uma metáfora
ót ica que traduz o interjogo da,; imagens no interior da função mater­
na. [)e &co, o conceito que inaugura o retomo a Freud, amvocado por
Lacan, é o de narci,;i,;mo. �e a re.,;e de 1932 percebe-se nos arti­
go s de Lacan um nítido intere.,;.,;e em separar a noção de ego da de
suj eito do conhecimento, reservando para a noção de ego a colo­
cação do prob lema de sua gênese. Do texto sobre o estádio do
espelho ao Seminário I (1953), passando pelo escrito sobre a agres­
sividade (1949) Lacan, a,;sim como Melanie Klein, está às vol tas
co m um a reinterpretação do problema da fonnação do eu. Este
será um ponto de discussão crucial para os pc.Ss-freudianos em ge­
ral, uma ve:z. que a tópica do narcisismo supõe, de e.erra forma,
aquilo que deveria explicar, isco é, a presença de um eu.
Ora, até 1921 a idéia de eu em Freud é paradoxalmente rudi­
mentar. Anuncia-se no "Projeto" (1985) como um vago conjunto
de representações que o indivíduo entende como compondo a si
mesmo, como seu "eu oficial". O eu enquanco instância mecapsi­
cológica à qual se atribui os processos de de.,;carga, de afeto e de
inibição está muito mais próximo da consciência, no sentido da
psicologia acadêmica da época, do que seria de se esperar. Em
outras palavra,;, &Ira à noção de ego não apenas uma teoria de sua
gênese, mas um apone que pe rmita pensá- lo em sua relação rom

139
I. 0UNKER
(HRISTIAII ING O ENZ
, , , Tema-� como a inrorporação, a identifi _
.
aqu ilo que não e ego -se d ca,
fc
e re m iretamente a tai ques ca- o. Urn a teo ri
ç.ão , a proJ•eça-0 ' re nortanto, de uma teo na . a
d o e u dcpen de' r- d a iden tifi
da fonnaça- o 92 1 no texto Psicologia de mass.as
á co nd ih'da e m 1
cação q ue Sll ser d . . e d a idéia de p rojeção ( 1 9 1 1 ) par ex li-.
rv a p
A n, tes disSO freU St: se
n,
. o eu em relaç ão ao o ieco.

car a eco no nua d
. _ e. en temen te l evantad a em re1 aça- o à hi.pó tese
Uma obJeçao .u eq u
.. árío é a de q u e, ao pensá- J o com o urna esta o
d0 naras1smo pnm ' . . d
' rep rese nta do par exemplo pela v1 da mtr.1-u term a 0 9 16)
anobjecal '
ª
perde-se Por u m 1 do a
conotação especular presen te n o rnito de
._ .
Naraso, .
e Por ou u0 inco rre-se numa comrad1 çao. ao des igná-l o
m uma parte de s1 m esrn o n um
co mo u m esrado de satisfação co . . , .
mo menco em q Ue a teoria
não prescreve amda a ex1st en c1a de um
eu. A es te es tado s e opo ria uma escolh a de um ob jeto "exterio rn.
Toda a discussão sobre o esta u to t do objeto da pulsã o se vê deter­
núnada pela realizaçã o desta oposição inaugur al entr e in terior e
exceriur. Oposição que se vê indiscriminadamente traduzida ao
nível da representação, da imagem e dos afetos. Os con ceitos que
procuram explicitar o caráter 'relacional' do ego, can to em sua
função quanto em sua gênese, são plenamente depend entes dessas
catq;orias, que são no fundo uma metáfora espacializance.
A leitura de Freud a partir de uma perspectiva filosoficamen te
realista, apontada como necessária por autores como Simanke
(1 994), implica em dificuldades ronsid eráveis para superar
esta
oposição. Uma derivação desta oposi ção se encontra na
dicotomia
fan tasia - realidade ou ainda entre realidade
psíq ui ca e realidade
material . Apesar de não ser em abso
luto necessária, esta aproxima­
ção enue a atitude realista e a
primazia do espaço (e também da
visão) é historicamcnce const
atada nos aut ores da psicanálise em

140
1. '11
uCA N I A alNl(A DA INTI .,
R!'Rraçlo

q ue os p ressupostos realistas estão mais presen tes. 0ra, ape.w


. . traz des-
ta ressalva, a premissa real ma consigo u ma cerra prun . az
. .. ia da
espa c1ali"d ad e na apreensao do p roblem a do egu e do ob . et
. . j o,
espaci alidade esta que sustenta a metáfora da imerio n·dade ps1co-
.
. A diferença .
J óg1ca. entre o devane10 e a fantasia é ú t•"I para perce-
.
sutileza. Se a .
realidade psíqui . ca não se
be r esta ajusta à noção de
in terio ridade e não se opõe portamo à de exterioridade, suposta-
m en te i dent ificada à realidade material; como pensar O narásis-
m o ? Com o pensar o eu além da imagem de si mesm o?
Este impasse diz respeito ao mo de u m a metáfo ra espacial izan ce
q ue perpassa não só a psicanálise ma.� grande pane da psicologia.
Neste sen údo propomos um modo de represencação do conceito
de narcisismo que reconsidere a oposição en tre interior e exterior.
Trata-se de u m exercício que visa radicalizar a metá fora
espacializan te a panir de alguns elementos da própria histó ria da
reflexão sobre o conceito de espaço.
De um modo bastante sum ário podemos situar duas concep­
ções clássicas acerca do espaço. A primeira delas se origina em
Platão, que o considera como um habitáculo das co isas. Ele é eter­
no, não estando nem no céu nem na terra. Platão chega a dizer
que ele é real sem que possamos afirmar que ele exista. Os atribu­
tos desta concepção de espaço são a sua homogeneidade, a isocopia,
isto é, nele todas as direções têm as mes ma.� propriedades: além
disso, ele é contínuo e ilimitado. Essa amcepção se preserva por
exemplo em Newton e Kant. Esta tradição aponta para a idéia de
espaço am10 espaço puro, condição de possibilidade da sensibili­
dade e que cm si não é pa.��{vel de conhecimento.
Opondo-se a esta mncepção de espaço encontramos uma tra­
dição que o pensa aimo relatividade. O espaço não é u ma subs-

141
1JNZ DuNIEI
CHI1!11A11 IN&O .
. ó te le s e , mz, m as u m co n-
m ais tard. e Le"b
d irlo Arl st
cà ncia, co n10 essen o al ment e heterogên eo e
d g c s o q u e o corn a
;u nto e lu ar
· ' 1aÇC1cS entre os objetos q ue orupam estes lug3res_
d as re
ind is.•;o ·
c1 a
( vc,( · • o pn)b le ma nesses termos v i· sa fiun dam e n tat.
sao d
Uma apreen· ·ecó a psico l ogista q u e o fará recair e"'
te es ca( ,a r à u ma e ra, ri • ..,
men fu ament o da pe r cepçao ou a aqu isição d a
0 do nd
rem as a,1110 ·
sp aç c1 c o m o nto men to do descnvo1vunento cognitivo
no ção de e. es e e,cto, será u sado como uma metáfo ra
9-1, n t t . .
da cn·ançi. O opa s nos parecem mais ncas para co nstruí-la.
a ex •
oc� o n tol l�,ia
'b
onde a� reu

Q ESPAÇO NARciSICO

como u m momento de disper­


0 autoerotismo é de finido
encon tram satisfação sem recorrer
são das pulsões parciais q ue
a presen ça de u m a
a um o bjeto "exterior" e que não supõe
imagem do corpo unificado: "A pulsão não é d irigid a a outras
pessoas, satisfaz-se no próprio corpo" (Freu d, 1 905). Propo­
mos representar esta organização das pulsões através do que o
filósofo pré-socr ático Anaximandro chamava de apeiron. O ter­
mo se ref�re ao que não t em limite (peros = l imite), ou que é
sem circu nscrição. Note-se que não se trata do infinito mas
apenas do ilimitado, rujo sentido se refere o u ao espaço ou ao
tempo. No pensamen to do milesiano tal ilimitado produziria por
amcração os quatro dementas componentes da arque (princípio
fimdam en cal daphysisou "natu reza"), terra, fogo, água e ar. Tal
. do com poria o fun
il"im ua do do que se configura como cos mos.
presentemos este fundo, espaço puro,
� vazio de relatividades
azendo-o equivalent e ao autoer
ot ismo.

142
UCAI ( l <IINICA Dl nm�a

A pas.�agem ao narcisismo corresponderia à marcação de uma


cesu ra neste espaço. Uma espéáe de condição para a formação da
imagem d ada po r uma linha de scp-.uação. Isto seria pertinente mm a
rese de Freud, exposta no texto " Negação" (19 19), de que o cu se
produz a panir de umac:xpulsãn fundamental (A11.®1mm� . O produ-
to desta expu lsão seria a amstituição de dois lu�rares, tradicional­
mente lid os como o dentro e o fora. O sentido da negação se
prese rva u ma vez que a instituição de dois lugares nega o espaço
puro e hom ogêneo. O chamado "novo ato psíquico" que faz a
mediação para o narcisismo se representa pela separação destas
duas relatividades fundamentais. É Sll depois deste cone que se
pode supor o moment o anterior, isco é, só a partir do espaço
relativo que se pode pensar o espaço puro como sua negação
m ítica. Demonstramos assim o ordenamento lógico e não cro­
nológico dos tempos pulsionaise da espacialidade atinente a
eles. A presença do mito, n o caso o apeiron de Anaximandro, é
portanto da.da como negação do mo mento posterior. Aponta­
se neste sent ido a uma característica da estrutura, a de que ela
tende à desconstrução e não à co nstrução, como postula o raci­
ocínio desenvolv imentista.
Portanto a representação que se pode oferecer deste narci­
sismo primário pode ser feita da seguinte forma:

143
Nl l)uNK IR
(HRI\DAJI INGO IJ

--
mea r e�re.� dois lubrares: de um lado está 0
Propomos ago ra no
eu e de ouuo O º bi,eco·
Note-se que não há po rq ue supô-los com o
. .
uma .uueno · n"dade em opo sição a uma exrenondade, uma vez que
stimídos sobre um fundo que
se uawn de lugares reverslveis con
não é nem exterior nem interio r em relação aos dois lugares em
questão. Encen demos que o proce� o de identifi cação, mol a mes­
ua da conscicuiçáo do eu, trabalha na aproximação e afastamento
desses dois lugares em relação ao traço que os constitui . Tal m ovi­
mento exemplifica ainda a "balança energética'' de que fala Freu d
em 1 9 1 4. Acrescentemos à nossa ilustração a idéia de que as linhas
(inferior e superior) a rigor não existem, pois caso contrário estaría­
mos em contradição rom a idéia de ilimicação. Portanto ela� se
sobrep(>e formando uma espécie de banda ou de esfera. A figura
topol/igica do toro ou da câmara de ar é e mprq�acla por Lacan
(1 975) ao criticar aquilo que ele chama de topologia do saco (den­
tro e fora), e que impregnaria cspccial mcnrc
a segunda Hípica
freu dian a e d<.'Vc .•nr
... J •
cm f ira< f a • para
ar1u1 •
. prcc1.� ar esta r<.·Iação espa-
cial do ego wrn o objeto.
A C<.'Vcnil iilicl aclc• ca ractcr, tmca · e fa on 1cm 11nag111�
· · na • e , 1aç rc1 a•
çfic� ela crian ça com a de1 .
nan, 1 a, n ão ,·xp rune uma con füslo entre

144
UCAI E I al11a DA IIIHPIETA!',io

0 i n teri o r e o ex terior ma� uma reversib ilidade entre o eu e


o
objeto. Reprcsemêmo-la at�im:

F.ll

OBJETO

O próximo pa.�o é ronsiderar uma série onde a cada posição


do eu se replica uma posição do objeto . Cada objeto institui-se
pela coligação a um modo de extração da satisfação. Ao postular
esta contemporaneidade entre a formação do eu e do objeto, o
que os farem equivalentes em certa medida, tomamos uma posi­
ção accrci do lugar originário da libido, seu reservatório, na cx­
pres.�ão de Freud. Nos textos posteriores a vemos que a tese de
Freud oscila entre amsiderar tal rescrvattSrin como o Eu ou anno
o ld. Pela rcprcscmaç:io proposta acima privilegia-se a sct,'l mda
alternativa. C1da amcxidade cu-objeto mgani7.a-sc sobre um fim.
do que se pode aproximar da puls.to de morre. A metáfora que
postula a pul.d o de morre como a região nJo iluminada (lihidini-
7.1<fa) pdo foco de luz se presta aqui a traduzir a preservação do
momento amocr,�1 ico na montagem nardsiet. Trata-se portamo
de uma série lig:1,fa cconomic.1mcnre pdo prindpin do pm.cr

14S
I.INZ 0UNKER
(HRISIIAH IN GD
osirnes do eu o u do objeto se int
ar an t es o rop•t º � r P r �
N o l ug
resentaçao
duzi ria a rep

o que mantém a série "eu" arárulada é a retenção de algo que


permanece o mesmo na ausência da imagem, isto é, n a ausência
do eixo eu-objeto. Isto que permanece está no n ível do que Freud
chamava de representação e que se aproxima do que Lacan deno­
mina de significante. A perb'Unta chave neste momento diz respei­
to ao fracasso des...a série: por que o ohjeto fracao;sa? A resposta que
se pode apresentar, a partir do que expusemos até aqui se refere ao
fato de que se este objeto existe, se há algo allno uma primeira
experiência de satisfação (o problemático "seio alucinado") isto
certamente não penence à me.'i ma ordem espacial q ue está em
jogo neste narcisismo e sim à ordem do que cham
amos de "espaço
puro". A alucinação supõem o reenco
ntro do objeto imaginário,

146
UCAII l A ala1CA DA llmlPIETAÇio

l o go s ua retenção a parr i r de mn "t raço mnêmico" • além d"1s.m u m


. .. .
fu n cmnamento rL-gres.,;1vo do sistema psíc1u ico · M a.\ o esquema
• .
que ap rese ntamo s aqm p retendia-se
.
apen as e tão so me:•llte espa
ci-
al • Nesses term o s torna-se nnpos. ,; lvcl avançar na mct áfiora prnpo!>-
. • . , . .
ta, já q ue a.'> ex1ge nc1a.,; teom:a.'i cm Jogo pedem u m a refi: rência à
memó r ia<> , l ogo do tem po . Supon hamos portant o u ma seg u nda
b arra , transversal em relação à primeira e que rcprc.,;ente a inci­
dên c ia do tempo n o circui to de projcçí>es imaginária." entre O eu e
seus o bjetos constituintes.

A introdução da temporalidade traduziria um modo de apre­


ensão do eu em relação ao st'\l objeto que podemos chamar de
antecipação. O objeto pode ser antecipado uma va que foi perdi
­
do como im agem. A oposição 1..i1tre peru.-pçio (imagem) e memória
(n..l)re.'iCntaçáo}, que ma.rei toda a primeira fase da mecapsiro\ogia
freudiana scvê aqui tr.1du1idacmno uma oposição entre espacialidade

147
KER
CHRISTI AN ING O IJ NZ 0UN
. 1 • A ·rnrl.'dpaçáo d o o hj e m oco rre qu and e
c. • o s te
e fl' lll po r;11 ,e1 au . . o b.
· t'
, rh P e m os apr o x imar o ei x o cs
.
é :1p cn as l llt m • . od
, p ac1' a)
eco . . do
J . á . e• o e.:· i x o R' l l l llor:11 do s un b o h co : o fim d o so b re
im ag ur no 0 u
q aJ

. ú.· m é ;imd:t o real . A 1•claç:io, ,. • • • ,
11nagmána e c o
csrcs se an 11 1 . . r tad a
t.
pela l um: s,t .
. n . � o s i mh,íl ict cu1 os rermos f und a ment a is são O s l, · .
. . Jeito
o. Se ..·•a,mp:mharm os Lac:m aprox u na n do o msco n·sc i
eoO urr . . . e n te
. • .- 1l si • mh,íl ict ve os c
m omo seus prm c1p a1s at r i hu
llesta d u ne ns.1 tos se
uema, a sabe � :
vêe m rep rese ntad os pelo esq
l . 0 inco n sciente poss u i u ma tem po ral idade que não é p ropor­
não pode ser aval iada face ao m
cion al ao espaço, isco é, que ov i­
o;
mento ou à variação da posição de alg
2 . 0 inamscienre não adm ite contrad i ção : a amcradição s6 é
po s.�ível mm a exclusão do tempo. � contrad iç.'ío al m o fu n da­
mento maio r da l,ígica s(Í pode ser rigo rosamente l evada a cabo
(em termos da lógica aristotélica, e provavel ment e é esta a que
Freud tinha em mence) , num mundo sem temp o. T<l dos os pro­
cessos do d la1lo proposicional e das lógi ca.� de pri mei ra o rdem
são pensados e m relação à etern idade do concei t o. " Sócrates é
monal" exdui de Sócrate;, enquanto sujeito, suas afeçües temporais a
menos que elas pos.,;;un ser reáda.� na espacialidade do ame.eito;
3. o inconsciente definido como o sexu al , infantil e recalcado:
sex ual pois se es cru ru ra a partir da reten ção significante dos pontos
de excitação conscimimes das posições do eu. I nfantil n ão po r
referência aos primeiros momentos da vida do ser hu mano mas
por referência ao a nterior, co nscimido mais uma V<.'Z na sua poste­
ridade. Recalcado pois esta d imensão tempo ral será f u ndamental­
mente uma fo rma de preservar, modificadamence (por deforma�
ções simbolizances) o fracasso do objeto. A tem po ral idade fali ciza
os objetos, mmo que tornando-os " inc.cscuosos'' retrospeccivamente.

1 48
UCAN i A alNICA DA
llilHflRAÇlo
Vê se, pelo esquem a, como O incesto é
· · 1 Dglcatnen te
co ns mu m d o-se com o uma espécie de imposs fvel,
fiteça._ o (neu rót.
t ca po r exce-
lê n cia) . A fi cção da ultrap assagem do temp N
o. o en tan t
crata de um a fi1cçao - ela é sem dúvida reco o se se
rre,1 te e estrutura
nte. En-
qu ant o tal e1 a procu ra desco nstru ir a estru tura m
. esm a que a to ma
poss ível. Mats u, m a v� encomram oi. este asr- �·o d o . .
ai • . rac1o cfnio
cstru tur que e sua tende, nc1a a oferecer.' num dad
. o momento,
lugares para pensar sua prop na negação. Se se altera a d1m " ensao - d0
obj eto, elevado à condição �e alteridade radical permitida
pel a
l inguagem. Percebe-se logo a diferença entre a figuração espacial desta
al teridade, numa imagem-outra e a fit,'llração temporal desta alteridade.
O sujeito do inconsciente (mai s preásameme: o sujeito dividi
­
do desde o inco nsciente) é um efeito tempo ral do ato de fala, é um
instante em que se re-produz a barra temporal . A maioria das
re flexõ es de Lacan sobre o sujeito são uibutárias desta referência à
uma metá fora temporal, desde o tempo lógico, até sua localii.ação
entre dois significantes, passando pelo tempo mítico que antecede
o sujeito na genealogia familiar. A valorização do conceito freudiano
de posteridade (Nachtraglichkeit) acompanha a teorii.ação lacaniana
do sujeito.
Representamos na próxima página os lugares figu rados pela
introdução da temporalidade.
Quando refletimos sobre o espaço do autoerocismo e o aproxi­
mamos do apeiron tivemos de representá-lo como uma espécie de
esfera. Traduzindo esta amsideração para o momento acuai do
esquema podemos di:r.e r que o ponto de encontro da barra que
representa o espaço rum a que representa o tempo deve incluir
u ma torção topolôgica que produza uma banda de Moebius, ou
seja, a estrutura postulada por Lacan mmo equivalente ao sujeite

149
I.ENZ l)uNIER
(H11S11A11 INGO

SUJEITO
EU

)
(falo im agin4rio

a OUTRO

(1958) . sujeito, assim como a própria linguagem, não é interior


o
nem exterior, mas o resíduo mesmo do fracasso desta metáfora
espaciafüante.
O narcisismo se demonstra assim um conceito essencialmente
ligado à espacialidade. Tanto em Freud como em Lacan encontra­
mos metáforas espaciais para representá-lo . O esquema do buquê
invertido (Seminário 1) acentua a espacialidade em sua apreensão
do ego. Por que seria o espaço uma referência tão insidiosa para a
metaforização deste conceito? Se tomamos as principais proprie­
dades do espaço - a simetria, a reversibilidade e a transitividade
vemos que estas propriedades se traduzem na l
in gu agem em atri­
butos gramaticais corresponden
tes. Daí poderm os falar em um
narcisismo da palavra deco
rrente da transposição dessas prop rie­
dades para O nível do disru
rso. Ou seria o con trário) Seriam estaS
propriedades do discurso .
o que con stituiria o espaço de tal manei-

ISO
UCAN E l CúNICl DA llllH
1lETlÇÃO

ra? füse parece ter sido o caminho tomado po r Lacan em re1aça- o a


es te problem a. Notamos is.� na te.c,e de que o "poder de nomear os
o bj etos e.'itru tura a própria percepção" (Seminário II , p. 2 1 S) .
Para com entar o estado final de nos.�o esquema ilustrativo po­
demos recorrer a outra passagem do Seminário II , onde afirma-se:

" N ão é a distinção espacial do objcto, sempre p ronra a dissolver-se n uma ide ntifica­

ção ao sujeito q ue a palavra !C$ponde, mas a sua dimensão tempo ial. O objeto num
mo uma apa�ncia do mjcito humano, um duplo dele mesmo,
insta nte c on sticu/do co
ap resen ta, entretanto, uma certa perman�ncia de aspecto através do tempo, que não

indefin idamente duclvd, já que to.los os objetos são pen:clveis. E.sra apar� ncia, que
perdura um certo tempo, só é estritamente reconheclvd por intermédio do nome. O

nome é o tempo .lo ob�to•. (p.21 S)

O nome introduz uma temporalidade na linguagem que é dis­


únta da que se nota quando seu emprego reflete apenas a espacia­
lização, isso é o que nosso esquema geométrico procura ilustrar.
Na esfera do nome se colocam as relações entre o Sujeito e o Ou­
tro, na esfera do objeto a relação entre o eu e suas duplicações
espacializantes, os objetos imaginários. É pela linguagem e pela
fala que se corrompe a primazia da espacialidade. Pela fala intro­
duzem-se propriedades contrárias às do espaço: a irreversibilidade,
a simultaneidade e a dissimetria. Mostra-se assim uma espécie de
afinidade entre o imaginário e o espaço e entre o simbóli co e o
tempo. Nossa metáfora sobre o conceito de narcisismo se mostra
assi m justificada.

151
ÚIISJWI INGO l.m DuxXER

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, · as : Trm
pin ta e Quatro.

152
0 Q U E SÃO ESTR UTURAS C LÍ
NI CAS ?

A ETIOLOGIA DA NEUROSE

Uma premissa que organiza o desenvolvimento da psico pato­


logia freudiana desde o texto "Psico neuroses de defesa" (1 894) é a
de que as neuroses não se definem pelo conjunto de signos, isto é,
por sua semiologia, mas por aquilo que as torna possíveis, ou seja,
pela disposição ou capacidade de produzir simomas. Considerar a
neurose a partir de tal "aptidão" servirá às pretensões de uma
clínica que não seja apenas "sintomática", como o hipnotismo,
mas que altere algo no nível da sua causalidade. A procura desta
causa se refere, no texto citado, basicamente ao destino do "afeto
ou soma de excitação": conversão na histeria, representação
substitutiva na neurose obsessiva e objeto na fobia.
No entanto, a idéia de uma determinação única dos sintomas
está ausente em Freud. De fato, a descrição dos agenciamentos
represemacionais e pulsionais que movem a produção de sintomas
a partir do conflito em termos tópicos, dinâmicos e econômicos é
insuficiente para responder a questão: por que se contrai uma

153
(HIISIIAI fNGO 1.I1Z 0uNfEI
. ere à uma espécie de somação
se de Freu d n os rem
nc.,in>.� •> A lupó rc d < . " (I
ai m o sc n oca n as "Con ferên cias incr o . ut<,nas 9 1 5- 1 9 1 7),
--·' ,
calJ.ÇU • csq uem a sobre a ecilog1a d a� neu roses:
e
a parcir do SCl,'lll nt

. - d 1·bldo + aconteciment> acidental (rraumoJ • neumae


di�ç,ão por fixação a '

acontecimento infanti l
constituição sexual
(acon tecimento pré-histórico)

Explicitemos os component� desce quadro:


a) a constit11içíio sexual: Freud participava de um ambien te psi­
quiátrico onde o componente hereditário das doenças nervosas
era um ponto padflc.o. Ao final do sérulo XIX discutia-se a noção
de hereditariedade, especialmente no cenário psiquiáuic.o francês
e alemão, a partir de uma relativa confusão entre lamarkismo e
darwinismo. &re último, de recente implantação, foi absorvido
por Freud, de acordo com Ritvo ( I 990), de forma a preservar a
transmissão de cercas "vontades" hereditariamente. O que compo­
ria este extrato herdado e pré-histórico varia ao longo da obra de
Freud, inicialmente seria a disposição à dissociação da consciência
(Charcot), depois a "aptidão" para a amversão (Breu
er), em segui ­
da as procofamasias e as experiências fund
amen tais da "aurora" da
civili7.ação. Num dos manuscritos da c
me apsicologia reencontra­
do em 1 986 (Monzani, 1 990
) aparece a hip ótese de que a "era
�acial" te�a imposto certas experiências q ue se
transm itiriam por
mtermédm de um inco nsc
iente arca ico ou de um a fan tasia
filogenética. Tal "experiência �,.,..,:
-......ca" exp11can
· .a m
. d'tretamen re cenas

154
IJ.ai l l afia D& lllIIPlm(l
o
vicissit udes da uansferênci a neu ró tica. Argu
menco semel han te
aparecerá em textos como "Aqu isição e mntrole do fugo,,
"So bre o sen tJ" do ana" tét"1co das palavra� prim 0932) ,
itivas" 09 10) e so-
bretu do em "Totem e tabu" (1 9 1 2).
b) O acontecimento infantil:. aqui Freud se refere às vicissitu
des
da hi stóri a infantil capaze.ç de por em ação u ma espécie de
redespertar da fantasia herdada. Trata-se de um enoo mro enue 0
universal da fantasia com o parti cular de um ser falan te. Por exem­
plo, a premissa universal do falo (uma cfaç reoriaç sexuais infantis)
é con fron tada com a experiência singular que atesta a castração , 0
efeito deste enconuo se situa em tennos do recalcamento e da
angústia. Freud assinala que a ameaça de castração só é realmente
efi caz quando se agrega a este enconuo. Em tennos freudianos
este enconuo se dá de forma empírica, pela constatação da ausên­
cia de pênis na mulher, como atestam os textos "O declínio do
Complexo de Édipo" ( 1 924), "As ronsequências ps íquicas da dife­
rença anatômica entre os sexos' (1 925) e "O fetichismo" (1927).
O aconteci mente infuuil é fundamentalmente a signifiação de
três acontecimentos, que nem sempre se apresentam em Freud de
acordo com a mesma ordenação: a ameaça de astração, a angústia
e a constatação da castração.
e) A fixação: a conjugação das duas causalidades prec.edences
estabelec.em o que Freud chamou de ponto de fixação. Na confe­
rência sobre a formação de sintomas ( 1 9 1 6) este ponto é apresen­
tado co mo um modo de satisfação da pulsão que atesta o narcisismo
seamdário próprio das neuroses. Quando em 1 905 falava-se do
sintom a como "prática sexual do neurótiro", tal prática, que oon­
tinha o elemento perverso inuínceal à sexualidade, já substituía o
eu na posição de objeto numa identificação propriamence sinto-

155
DuNKER
(HllSllAN (NGO lalZ
ã
. . Tai lc1n
ca
.
ira f.az a.1 111 que O ro nce ico de. fixaç o se. ligu e ao de
m á n d fi r:ío traduz-se ass un à mat nz p ul sionaI
�o · O Po nto e IXa,...
regre ssa
. . se ena.mera associado à compulsão à repetição
d0 sui· c·i to e po r is.�o . .
mo rcs . . u !ca nte do s processos causaIS antenores po der(-
(1 920). Co . .
. l ll'l• fanta.m , que com o efeito da confro ntação
am os &lar aqu1 < e lU
. �__ , d a p ro to fantasia com o pam· cu Iar d a experiência
�� o oo �
m pos ta singular. O ponto de fixação é
in fan u. 1 prod uz u a res - , u m a. resp osta ao m
• da puls ao
assim um em. 1 o s i ngular esm o
,um. ca e u nive rsal ao prob le m a da castraça_ o. Just a men te
cem po . .
. ) revela e esco nde s un ul-
por ISSO o po nto de fixação (Fooerung <

caneamente a castração .
d) o acontecimento acidental: trata-se da causa preci pitan te
ou desencadeadora do quadro neurótico. Um aco ntecime nto que
se liga ao ponto de fixação tornando-o eficaz. Pelo prin cíp io da
posterioridade (Nachtraglichkeit), algo cronologicamenre posterior
se liga a um traço mnêmico infantil tornando-o ativo na pro dução
do sintoma. O acontecimento desencadeante é assim um a re-res­
posca à castração, atualiza-a e por isso é nec.essariamente um fato
de desejo, um retomo a determinados traços mn êmicos. Dizemos
com isso que o acento deve ser posto na idéia de aconteci mento e
não na de acidentalidade. O que gere o retomo e a produção de
um sentido sobre a castração, e daí a fonnação de um sin toma,
é
definido por Freu d co mo a Vmagung do objeto. O termo
aparece
traduzido na edição brasileira como "frustraçã
o" em geral relativa
ao objeto. Na edição espanhola o tenn
o empregad o é oraftustracion
ora denegacúm. A etimologia da
palavra no entanto nos remete ao
sufoco sagen, literalmente "dize
r, falar". Pro pom os que a causa
desencadeante seja entendid
a como de um, re-dizer ou eventual­
mente de um des-dizer a
castração e o objeto que ela faz su
por.

156
UCAN E A alNICA DA IIIIHPIETAÇÃO

A ESTRUTURA COMO SOBREDETERMINAÇÃo

A noção de estntt llt.l cl ínica, em Lacati • ,,•ltn""


·ó" n o quad ro d o
.
fu
di so estrurural,smo francês do p<Ss-v11ere,- r.1. N i tina dentu
ro. • çao
- ne-
ga tiva tal pe ns amento se dirige à mntes tação d
do i eário human i.tta
e histori cisante repre.,;emando pelo existencial ismo sartrcano.
No que toca à idéia de causalidade uma perspeaiva estrutural
cen trará força na substituição do imperial ismo historiográfico por
um sob rederermi n ismo totalizante. A�sim a clá.�ica idéia de que 0
pas.�ado detenn ina o presente e este determin a o futuro a partir de
leis q ue cabe à ciência decifrar dá lugar à idéia de que o aconte­
cim ent_o já está prefigurado pela estrutura em que se inclui. A
estrutura é atemporalidade sobredeterminante e como tal não
possui história, ela é transhistórica, nela domina a absoluta ne­
cessidade lógica.
A com plexidade do tem10 estrutura não será avaliada aqui nos
seus po rmenores . Ba.�taria dizer que ex:istem diversas noções de
estrutura em jogo na ohra de L-tcan. A estrutura do inconsciente,
formalizada a partir de um modelo linguístim cujo produto é a
"lógica do significante" é sem dúvida a mais conhecida, mas pode­
ríamos nos referir à e�trutura do ato de fala, a partir do esquema
"L", à estrutura do discurso, objeto do Seminário XVII e a estru­
tura topológica das relações entre demanda e desejo (o toro), da
fantasia (o cross-cap), do sujeito (a banda de Moebius) e da transfe­
rência (a garrafa de Klein). Com o tempo, ao que tudo indica, a
noção de estmtu ra é absorv ida à de materna de modo que o
paradigma lingu ístico é substituído pelo lógico. A operação poéti­
ca do sign ificante dá lugar ao cálculo do sujeito na medida em que
as p rete nsõe.� de formali1.açáo aumen tam. Ne�te sentido, fazendo

157
ÚIIJS1Ld INGO !DIZ DuN KEI

. e-. ( 980) ' a escrurura de • ixa de_ ser um constructo


referênaa a i:.ul 1
, .a> ..... se aproxima de uma m dagaçao sobre a p rópria
mec odo 1og1 •
dímca , no en tanto, gravi ta em tor-
realidade. A idéia de escrurura
iro.
no do paradigma linguísc
Nes.çes ceemos a estrurura não é um estado ru1a fenomenologia
� ser descrita maç uma hipó tese acerca da forma como o sujei­
:se engend ra em relação à linguagem. A estrurura é ded utível
pela esru ta, não pelo olhar; é uma ':° ns� çáo � ue deve co mpreen­
der codos os possíveis de uma sem1ologia parurular.
Desta forma a proliferação de descriçfles dlnicas, produzidas a
partir da eficácia de certos medicamentos e de intensóes mercado­
lógicas, como se observa na psiquiatria comemporânea (Lan teri­
Laura, 1 986), contrasta com a exigência de um racio dnio propria­
mente escrurural. A síndrome do pânico, por exemplo, vem se
demonstrando, em ceemos esrrururais uma hi.çteria assim com o 0
T.O. C. {transtorno obsessivo compulsivo) e a hulimia se associa a
estrtutura da neurose obsessiva. No encanto, a relação entre feno­
menologia (diagnóstico psiquiácriro) e estrutura (diagnóstico psi­
canalítico) escará sempre sob suspeita. Muicaç ve,,.es um diagnóstioo
lênomenológico de esquizofreni a acaba por redundar numa es­
trutura histérica. Pela estrita ligação do diagnóstico psicanalíti-
co com a situação de transferência estas observações ficam ape­
nas como uma indicação da diferença e especificidade da es­
trutura clínica no sentid o da psicanálise.
A estrutura não se define portan to pelo que o sujeito faz
ou
pela avaliação do seu comportamento, mas por
como ele fala do
que faz. na transferência. Como conciliar a
imob ilidade estru tural
com a ron . cepçao- ecm· J ogica
' • rreu
L
dJan

a que examinamos an terior-
mencc? A,; dua,; maiores caraccedscica
ç da con cepção freud ian a são

158
UCAN E A alNI CA DA IHIE
RPRE!lç.lo

o seu historicismo, levado às contingências de uma 6 �


. .. . <:çao sob re o
processo ovilizat6no, e o seu biologismo, capaz de assimil
n
tit uiçóes pulsionais precisas a partir da ancestral idade filogearnea
�- ca.

Lacan, como se sabe, por um lado desbiolooimá F
o- reud, e por
ou tro proporá um novo modo para considerar seu h i'ston·c1sm · o.
Vejam os algumas vertentes deste trajeto do po mo de vista que
ass im ila o problema da etiologia das neuroses à idéia de estru­
tura clin i ca.
A causa predisponente da neurose pode ser relida com o espaço
de disru rso onde uma criança é rec.ebida, onde seu lug está pres­
ar
cri to antes mesmo do seu nascimento, a partir da mitologia fami­
liar, da estrutura de parentesco daquela cultura e do desejo esped­
fico que a precede. A noção de Outro, identificado ao campo
simbólico, como se nota nos escritos da década de 50, é portanto
um dos componentes da estrutura. No caso do Homem dos Ratos
este lugar prescreve uma repetição do dilema paterno, entre o ca­
samento por dinheiro ou pelo amor à jovem dama. Es.sa noção
de estrutura aproxima Lacan de I..évi-Scrauss ao girar em tomo das
funnas possíveis de esrolha dado um c.eno ambiente de linguagem.
O acontecimento acidental da infância, segundo termo da etio­
logia freudiana, será considerado à luz das redes de sobredetermi­
nação significante. Aquilo que é supostamente acidental se trans­
forma assim em uma necessidade de estrutura, como se houvesse
um lugar prescrito de antemão onde o significante particular fosse
capturado. Assim, quando o pequeno Hans desenvolve uma fobia
a cavalos, "cavalo" s6 funciona como significante porque há um
lugar na estrutura, o lugar paterno, que sustenta sua eficácia.
O tema da fixação (Fixierong), terc.eiro ponto da etilogia freu­
diana, deve ser considerado em Lacan a partir de uma revisão da

159
(H llSlWI ( NG O
Lua DtJNKEl
da fa ntasia. O primeiro pas-
. e co nscquentemen te . • .
bJcto co, a falta de pcn ts n a
ceo ria do o co nteam
. cnto emp ín
fo rm a r o a tituída pelo fal o •
So será uans jm en to s un · bo'l i' co • a falta ins
aco t�
mu lller. num . scraçáo é defi nida como a. falta
n

u m s1 g m fi can te · A ca . •
isto e,• po r
o bJ' e co im ag inári o ( i' magem d o ...pems) . A
. (fálica) de u m •
simbó 1 1ca . • desta fal ta é O p rôprio mov i ment o 'do desc-
.
sa o à re pe u çao
a1 mpu i tm..ico dos sig nificantes. No entanto , a
. o 31,-.endamen co meto n...
Jº n . são se liga ao tema da deman da e só
ça- eo m o axio ma da pitl
u�xa o . (S O D) é fu ndamental me n-
ram e te ao d eseJ º· A demanda . .
ind ire n
vill e, 1 987) . O s 1g-
d e am or, de signo de am or Qu ran . . .
ce deman da
e (parte arus , uca) e um s1gn1fi cad o
no se co m pQC • de u m sign ificant . . ,
· nal · esta bilidade núaca enrre os do JS elementos e ro m-
a
(parte 1' deaao ) , . .
metáfo ra e resci ruíd a imagUlanamente pda demanda.
pida pela
, e por isso Lacan ( 1 958) a associa à
No en canto a dem anda
significantes onde o fantasma o pera a
regressa-o, e, um recom o aos . . .
o s igno. Ora, o que está perdido,
fracassad a tentativa de reuruficar
ora paterna (Lacan, 1 958), é o
se observamos O esquema da metáf
á n a radi caliz.ar a
sign ificado envolvido neste signo. Isto levar Laca
frase de Freud nos "Três ensaios", de que o objeto da pulsão é u m
objeto perdido. Para Lacan de será radicalmente perdido, sua res­
tituição pelo falo imaginário estará condenada à irresolução.
A fixação torna-se assim a própria construção deste objeto, que
como observa Soller ( 1 994) é inominável, impronunciável. No
fancasma, termo que especifica a fantasia inconsciente fundamen­
tal, destacando-a do devaneio, se trata de uma identificação a este
objeto. Por isso o fantasma varia de paciente para paciente, carac­
terizando um estilo pulsional, e ao mesmo tempo possuindo algo
de genérico no que toca às estruturas clínicas. No caso do Homem
dos Lobos ( 1 9 1 8) este ponto de fixação aponta para a analidade,

160
UCAN E A CLINICA DA IIITERPmAçlo

co nfo nne se nota no plano dos sin tomas' mas tambe, m, co mo


o bserva Lacan (Seminário XI), para a pulsão escópica. N o sonho
dos seis lobos nos galhos da nogue ira um deles olha fiDWnente
para o paciente que acorda sob efeito da angústia. Lacan n ota que
este olh ar é o próprio Homem dos Lob os to mado em seu fantas­
ma . A co nsuução de Freud caminha no sen tido de que a cena
pri mária, olhar a relação sexual dos pais (ad tergo), significa a cas­
tração como perda do pênis ou por de.�locame mo, do rabo do
lo bo . O pacie nte se inclui na cena retendo a posição i mediatamen­
te an terio r à co nstatação da ca.�tração, isto é, a satisfação anal. o
caso se presta a distinguir a fixação (anal) do fanta.�m a (escó pico).
O quarto tenn o da etiologia freudiana é o acontecimento aci­
den tal, da vida do adulto, que dá origem ao quadro integral da
neurose. Geralmente é este o demento que o paciente traz ao
localizar a o rigem do seu sofrimento. No caso do Homem dos
Ratos, o desencadeamento da neurose dá-se pelo relato feito pdo
cruel capitão tcheco, acerca da tortura com ratos, o que aparen­
temente provoca uma série de obsessões, formações reativa.s e
fórmulas protetoras que permitem falar não apena.s em neuro­
se do po nto de vista da estrutura, mas também em relação à
fenomenologia. O que seria portanto o desencadeante deste a­
mais de sofrimento?
A Vmagung do objeto, como vimos acima, é deslocada por
Lacan à condição de um fato essencial e não meramente contin­
gente. Não há objeto imanente à pulsão e esta é a condição para
que qualquer objeto possa ser tomado por ela. Isto constitui im­
portante diferença em relação ao instinto. Mas se não há objeto
como ele pode ser submetido a uma Vmagung num certo mo­
mento? Pelo que expusemos acerca do fantasma, como ficção

161
lHROIIAII IRUU ..... · ·····-

·ec a resposta slS pode concernir ao fracasso de


prCnc:cp.� d o o bj o '
m deste fancasma.
u ma dada mo ntage "
ud (l 9 1 9) ao fàla r do f.mcas ma em B�te-sc nu ma criança"
Fre _
mostra co mo ... ..ste se fàz em versões, em. conJugaçocs, q ue Lacan
"' ,,e rd ' t" { 1 º73) lê co mo possumdo três dun . e õ · nt '
1.,r.tou ns es• U a
em 1 7 •

. bu'l'aca, que nos pe.rmi te falar numa espécie de g"'-


verten te sim . ...... á-
;.,., mt.(iva e reflex1va), uma vertent e imag. in á ri a, a se-
. (voz at ...., r-
aci
nas "traumáticas" e o afeto de vergo-
min tica co nstituída pelas ce
o fan � ma. Em um te ceiro nível
nh a que sempre aco mpanha �
enoo nuamos uma verten te real , oo nsaruída pelo aspecto mo min ável
e repetitivo do objeto.
Isto que chamam os de mo ntagem pulsio nal, d ada no fan­
tasma, pode ser entendid o ainda co m o uma forma de o rde n ar
0 triângulo: sati sfação, praze r e gozo (proposto po r Leg uil,

1 994). Do ponto de vista do fanwma a satisfa ção se en co ntra­


ria encre o simbólico e o imaginário, o prazer entre o sim ból ico
e O reaJ e o gozo en tre o imaginário e o real . Uma m o n tagem
fanra.smática desencadeante de uma neurose é uma mo ntagem
que é incapaz de por um lado separar o sujeito da invasão do
gozo e por outro lhe oferecer alternativas desejantes viáveis .
No caso Dora (1 905), este convite a re- dii.er a castração se dá
pela ruptura do lugar que sustentava simultaneamen te sua i den­
ti ficação e sua moção homossexual em relação à Sra. K. e sua
c.ondiç.ão de objeto para o pai.
Uma vez apresentada a releiwra de Lacan em relação à função
eúológía freudiana poder.íamo s nos coe.onerar c.om a seguinte
objeçio: a leirura csuuwral iua não trairia a intenção freud iana de
úr,enw um método que fosse capaz de rurar a neurose, de cocar
a RU auu mama (Freud, 1 894)? foo não
ficaria inviahifüado

162
UCAN l l WXICA Dl
OOllMlçlo
pela p r6 pria no ção de estrutura
co mo algo
que n-ao se tran
De fa to, o que se po d e esperar da sfo nna?
clin ica psican alf
apenas aos ere1 e. • to ta. ca d'lZ rcspeno
s d a emutu ra (especial
. . mente co m re1 _
açao ao su-
J el to), n u nca em relação a ela mesma. N ão há, n
. esse sen u'd o, pas-
sage m d a neu rose à psico se ou da psico
se à neurose
e assim po r
d i an te. Neste sentido a idéia de u ma "cura
" da neurose não é
forma algu ma a passagem à al uma espécie de
de co ndição de nor
­
g
m alid ade p síqu ica mas a invenção de novas al te
rnativas para res­
po nder às sobredeter minações estruturais.
A estrutu ra clínica, de acordo com a formulação
de Lacan (1955)
é a estru tura de uma questão. Uma questão não se reduz.
à pergu n­
ta m as é m esmo sua con dição de possibilidade. Podemo s co
mpre­
ender o tratamento psicanalítico como a condução desta q
uestão
ao seu li mite estru tural Lacan particulariza as estruturas
. clínicas a
panir da presença de uma questão fundamental: a mulher na his­
teria, a morre na neurose obsessiva. O que torna possível a ques­
tão ? Pelo exame das co ncepções etiológicas da neurose vimos que
o que toma possível cal questão é simultaneamente:
1 a presença de u m conjunto de configu raçí'les que precedem
e acolhem a instalação de um sujeito específico, a saber: a estrutu·
ra da linguagem, a emutura de parencesco e a.\ condições veicula
das pelo Outro materno.
2 a presença da falta em relação ao circuito de idemificaçôes
ao lugar do objeto. Em outras palavras, o desenlace ohtido ao nlv
da metáfora paterna no que coca:
a) ao estatuto da função fálica
b) às condiç[1e� do desejo
e) ao modo de lidar rom a CLmação (ao nlvel da linguagem:
3 a presença do fantasma como:

163
KER
(HalSTIAN ING O I.INZ DuN

c za quan to à consistê n cia do O u tro e


a) lugar d e cer e
sua dem an da . -
relações entre p razer, sausfaçao e gozo
b) aru• cu1ado r das . . .:e - .
. _ de retenção n.ards1ca da 1denw1caçao ao obJCCO
c) pos1Ç10
fa ao nível do Outro e a resposta dad a a esta
4 a p resença da lta
falta ao n fvd:
sintoma e a transferência)
a) do seu complemento (o
(o amor)
b) do seu suplemento
e) da pos ição em relação à sexuação (a resposta à n ão exis-
tência da rdação sexual)
As quatro co ndições ou vertentes que rompõe a noção de es­
crutura clínica são redutíveis umas às outras. Bastaria dizer que a
escrurura clínica nada mais é do que u m modo de l id ar co m a
cascração: e ao nível da linguagem [A] , ao nível da metáfora pater­
na, ao nível do fàncasma [S O a] ao nível da fàlta no Outro [Se.«)].
Parere-nos que os comentadores rendem aenfuii.ar outra u ma verten­
te ora outra. O mesmo podemos notar na própria obra de Lacan.
Assim, um comentador como Caba" (I 980) nos parece repre­
sentar bem a definição de estrutura rendo em vista os antecedentes
da instalação de um sujeito específico. As referências fundamen­
tais na obra de Lacan acentuarão os textos que vão do artigo sobre
os complexos familiares (1 949) ao Seminário IV ( 1 956) . Traba­
lhando sobre a estrutura da psicose Cabas distingu e as psicos
es de
presença, quando o operador fálico imaginário
se encon tra insti­
tuído (como na paranóia e na psicose man
íaco-depressiva) e psico­
ses de ausência, onde a própria con
stituição do falo i maginário , e
d�, ego por to, está compro
� metida (com o no caso d a esquiwfre­
� 1ª e �o autismo). A pesquisa empreendida po r Bra
uer ( I 994)
Jun to a famfüa em que a
cri· ança se encontra segue igualm
ente esta

164
UCJ.I l l QÍIIU llA IIIE��

perspectiva que enfatiza as condições de pr"-CUC


Tom ando por referênaa •
--i. naa = · .1 . �
os textos posterio res ao Semm
tUra.
· áno IV
um comentador como Juranville (1 987) nos ap- • ...,,._ntara, uma de
finição de estrutura centrada na metáfora paterna, no ara · mo· de
identificações e na posi ção do objeto. Assim , a lüsteria se caraae-
riza ria como uma estrutura onde no lugar do objeto se enmnua 0
Pai Real , no lugar do Outro a mãe e no lugar do sujeito (e do
desej o) se localizaria o Pai Simbólico. No caso da neurose ob sessi­
va o lugar do Outro é orupado pelo Pai Simbólico e no caso da
fobia é no lugar do objeto que se instala o Pai Simbólico . O mes­
m o racioánio é empregado para a psimse, a perversão e suas varian­
tes. A linha tomada por Juranville, que podemos notar também
em Dor (1987), confere nítida primazia à estrutura definida pelo
Édipo , ou pela metáfora paterna, e portanto ao sujeito definido a
partir do sistema de identificações e da falta no nível do objeto.
No caso de Calligaris (1983) a ênfase da noção de estrutura
recai na organização do fantasma. Tem-se em mente aqui a refe­
rência ao Lac:an dos Seminários VIU a XIY, bem como o texto
" Kant com Sade" ( 1963), onde a estrutura da perversão é apresen­
tada a partir do fantasma perverso (a vontade de gozo). Desta
forma Calligaris apresenta as diversas formas como se coloca a
demanda do Outro (D) e a posição em que o Sujeito (S barrado)
se encontra para recebê-la. No caso da perversão o sujeito se fa:i
falo imaginário (cp) para a falta imaginária do Outro (- cp). No cas,
da neurose obsessiva ele se faz falta imaginária (- cp) para a deman
da do Outro que emerge desde o falo simbólico (<l>). Na histeria
situação se inverte e na psicose a própria posição do sujeito é assl
mida pelo objeto a (a O D).
Finalmente, se tomamos a perspectiva rep resentada por Soll

165
CHRISllAN INGO t.na
OuNKER

í pri mazia d a n oção de estrutura defi-


os u ma n tida
(1 995) notam . .
extos de Lacan poste nores ao Sem i nár
Vt sta o s t io
nida cendo em
tu ra se de fine aqui pelo que o s ujei to co l oca no l ugar
XVII A escru .
reIaça;0 sexual, isto é,
· . por co m o ele real1Za uma
ª
d ausênaa da
; o """ s
,.,viu,al artificiosa. A fó rmulas da sexu ação, a
espécie de re1aça
. " s, e a refomutl ação d o est atu to do Real, S i mb ó-
ceo na dos discu rso
.
lico e I magm ár"o 1 marcam es te perío d o da o b ra de Lacan. Será
. . . .
rca nco pe nsa r a estru tura a parar da d1spandade da posi ção fe-
pa .
e a neurose obsess 1Va serão exami-
mm . ina e masculina. A histeria
incidência diferencial em ho-
nadas, po r exemplo ' a partir da sua
"
roens e m ulheres A afirmação de Lacan de que a mulher é u m
sinto ma para O homem" (1 973) e de que o homem rep rese nt aria
u ma "devastação" para a mulher parece levar Soller a propor u ma
caraaeraação diren:ncial das estrutura.� clínicas em relação aos secos,
em função da diren:nça ao nível de recepção da fulca no Outro.

As ESTRUTURAS CÚNICAS A PARTIR DE "TOTEM E TABU"

Are aqui fizemos referência às estruturas clínicas pautand o-nos


apenas pelo esquema freudiano das neuroses e sua eventual
reinterpretação lacarúana. No entanto as estruturas clínicas permi­
tem uma apreensão mais detalhada se tivennos em mente
as dife­
renças enue a neurose (histeria, neurose obsessiva
e fobia), a psico­
se (esquizofrenia, paranóia e psirose manía
co-depressiva) e per­
versão (fetidúsmo, sadismo e masoq
uismo). A psicopatologia es­
uuwral parte destes quadros, adm
_ iúndo sua simp licidade e gene­
ralidade.Tentaremos nos apr
ofundar na diversidade incra-estrutu­
ral a parúr de uma pequena
ilustração.

166
Ltw E l alNICA DA IKIE
IPIIll(lo
De modo a demonstrar as diferenças estrutucais. .
envo1Vid as n os
q uad ros em questão propomos a ucilii.aça- 0 do m 1to
· descnc .
o po r
Freu d em "Totem e tabu" ( 1 9 1 2). "Totem e tabu" é u reed" -
ma 1çao
do mito de Éd ipo, a encruzilhada estruturan te da sub·Jetlt
· tVJ
· " dade
humana. Co mo tal ele é um dos po ucos mitos, de fato, que nossa
época soube produúr. A hipótese de Freud é de que a história do
in divíd uo repete a hiçtória da hum anidade. Compreen dendo a
origem do estado de civilu.ação se teria a resposta para a pergun ta
e.entrai sobre a origem da interdição, da lei e portanto do motor do
recalcamento. Diz.emos que em "Totem em tabu" se trata de um
mito, apesar da justificação, dada por Freud, a partir da antropo­
logia de Fr.11.er e do darwinismo de Atkinso n, po r que a presença
da lei, que deveria ser explicada, é condição da explicação, com o
observo u Co sta ( 1 989) . Enquanto mito portanto se prestará à
me táfo ra das diferença.ç entre as estruturas clínicas pois faz re­
ferê ncia, e é uma tentativa de explicação, justamente da rela­
ção entre os atributos a que chegamos anteriormente acerca da
est rutura: a falta do objeto, a função paterna, a articulação da
posi ção sexual ao gozo e a resposta do sujeito.
Freud postula que primordialmente os homens se agrupavam
na forma de horda onde o mais forte expulsava os filhos e tinha
acesso a todas as mulheres. Os filhos tinham como alternativa a
privação sexual ou a homossexualidade. Em certo momento estes
se organizam e matam o pai, seguindo-se o impasse, qualquer
dentre eles que se propusesse como novo "Pai da hordà' seria evi­
dentemente morto. A solução foi instituir no lugar do Pai um
totem (animal ou vegetal) cuja fünção seria representar a lei que
simultaneamente impedia o acesso a todaç as mulheres e permitia
o aces.ço parcial (de acordo com uma filnnula de tipo n-1). O

167
DuNKER
CHIJSDAN INGD LBa
. uma interdição que se ex tende ao ani-
1m um tabu,
totem gera ss ·�
. eerrom pida ape nas na oc:as 1 ao do ban que
é te
mai tote• mico
e que m
se reatu -•=-�
clllL4 0 pa cto d e irm andade pe la reexecuçã
o
tote• �.1co , onde
. co rpo ração do represe ntante pat e rno.
do come, m
figuras do mito p ara os atn" b u tos d a es tr u t u -
Tran spon d o as
te relação:
ra tedamo s a seguin .
va: trata-se do que Lacan ehamo u de
1 0 Pai da Horda Pri miu
. Real , um lugar onde não há li m itação de gozo e as posições
co (pela força) e por i sso são
:uais se engendram fora do simh6li
co
preservadas, se O quisennos, no nível anatômi (entre o Real e 0
Imaginário)
2 0 Pai Morto : trata-se do que Lacan chamou d e Pai Si m-
bólico (posteriormente de Nome do Pai) que ope ra a par tir do
lugar de morto, isto é, limita o gozo, oferece um lugar p ara a
identifi cação (o ideal de eu freudiano) tornando possível a re­
lação entre lei e desejo e portanto lugares simbólicos p ara "ho­
mem" e "mulher". A partir disso se pode pensar e m:
2 . 1 "homem": trata-se de um lugar ond e vigora integral­
mente a função fálica (Lacan, 1 973)
2 .2 "mulher" : trata-se de um lugar onde vigora parcial­
mente a função fálica (não há nenhum ele mento exte rior ao
conj unto, como uma espécie de "Mãe da Hord Primi
a tiva" ,
que o funde e lhe dê co nsistê ncia) , ou
seja, por u m l ado do
lugar do objeto a (que com o vim os
é inco nsist ente) e por outro
do pon to nardsico de fixação
, o fant asm a, qu e lhe dá uma
pseudoconsistência .
3 suje ito·· l ugar vaz10
· , ere1 ·
e · to d e t mgu age m, ele se co nsti tui
nos mov . me nto s de alie
. '. nação e separação on de
de 1dent1ficação corre a cad a modo
spond e u m COnJ unto
de poss ibili dades

168
UCAN E A WNICA DA IIIIUPlETA�O

es t ru turais do desejo. O sujeito no mito de "To tem e tab u" é 0


próp rio Freud às voltas com a constitui ção de algo que O ante­
ce deu ló gica mente, a linguagem, a civilização e as fi gu ras do
O utro que o fu ndam como uma questão

A NEUROSE

A neurose, enquanto estrutura, se caracteriza pel a forma preci­


sa co mo lida com a falta do objeto. Ela recalca ( Verdrangu ng) 0
asssassinato do pai. Nada quer saber da falta do objeto e seu desej o
co mparece reatualizando o ato fi.mdamental. O recalque é, neste
sentid o, a negação de uma falta detenninada. Uma negação deste
tipo se inclui no que Freud chamou de denegação pois produz
como resultado uma formação que nega e afirma simultanea­
mente algo. S ão as fo rmações do inco nsciente, o chiste, o so­
nho, o ato falho, o sintoma etc. que são paradoxalmente reali­
zações de desejo sem reconhecimento do desej o. São simulta­
neamente uma articu l ação da questão estrutural e sua resposta.
A tese de Lacan é de que estas formações possuem, na neu­
rose, uma estrutura de metáfora. De fato a metáfo ra é uma
substitu ição significante dialética pois preserva (aufhebt) o que
foi negad o numa negação determinada. O que foi negado é
um objeto imaginário (o falo imaginário - a imagem pc!nis) no
entanto a forma de negá-lo é simbó lica. Ele se preserva simbolica­
mente no sign ificante que é assim definido como presença de uma
ausência, ou como algo que é diferente de si mesmo. Desta mane i­
ra o que se nega no imagi nário retorna no simbc.'ilico. A casrraçío
assim negada atua como reguladora da relação desejo-goro.

1 69
!DIZ DuNIER
(HRJSIIAN IN GO
c mo do recal q ue, em seu fracasso,
. mrece no re o
o m
sujei to co r- e ue O recalcado e o reco m o d o recalcado
d
�º de Lacan_ q' pel o co mpromi.sso o u d enegac-5
daí a afiema..- n os 0
sa. .&cao u id
são a mesma co i· fo Po rcan co, se de um lado temo s o gozo e de
·)"&

a ecá ra. . .
firmado pel m . ra c. ce e ntre os d ois é o su1, e1to (o q ue vai de
0 ' a 1 ncer
outro O deseJ· em banda de Moebi us) . Chega-se en tão à
ua es cru cu ra
enco ntr o a s d' .
a n e u ro se o s uJ·eito aparec.e com o um co rte, 1V1di-
idéia d. e q ue n .
a d{mca co mo.
.
P d e es cu tar n · -
do, e isto se o
.
- en tre O enun oad o e a enunc1açao, en tre 0
ça
a) uma separa 0 '. _ .
r_i u e se d iz , ou como u ma d 1s1un çto entre o d uo e 0
q ue se rai a e o q d ma
. r. A s1g . m'ficaça-0 , a mensagem, na neurose, é recebi a de u
d ae
(confo rme o esq uema L).
c. ma m
ror • vero'da a partir do Quero
ar do "eu penso" (ou do "e u não
b) uma separação entre o lug
e o lugar do "eu sou" (ou do "eu
penso") , 0 deseio , inronscience,
não sou") o goro.
, entre S 1 e S2.
c) co mo determinado por uma posição intervalar
A histeria corresp onde a uma estrutura onde o ponto de
ind usão do sujeito está do lado das "mul heres". Isto não se
refere à constit uição anatôm ica (há histeria em home ns com o
se sabe), mas ao l ugar de onde se faz o desejo. O d rama q ue faz
vacilar o pai poss u i duas d imensões: uma que coloca o ser fa­
lante como objeto para o pai real (como se constata pela prima­
zia da cena de sed ução), ou tra q ue produ z u ma identificação
ao falo (fazer-se passar por ele para sair da posição "mulheres") .
Desta forma, en q u anto desejada como um falo, como um sig­
nificante fálico, a posição "mulhere s" fica vazia e d e lá emer­
ge sua questão fundamental: o que quer uma mulher? Enten­
de se desta manei ra que a histeria d eve mant er o d esejo em
:
açao ª qualq uer preço e por isso ele é defin ido por Laca como
n

170
UCAII E A a/NICA DA IIIIHP
amç.lo

um desejo de desejo insatis feito. No en tan to , quan


d o se passa
para o ou tro lado da band a se enco nt rará a tragéd ia da dem an-
d a de a mor, inconciliável com a manu tenção do desejo .
A neurose obsessiva, por sua vez, man terá o po nto de incl usao
do sujeito no lugar "Homens". Por isso o ser falante estará às vol tas
com u ma alternativa: ou se identifica ao Pai morro e su bjetiva seu
desejo de morte ao Pai, ou se consuange à exclusão que a posição
"ho mens" lhe impõe. Neste último caso o fantasma prescreverá
um m odo de inclusão que reduz o sujeito ao objeto de gozo para
0 Pai Real (de acordo com a primazia da fan tasia da cena prim á­
ria). A uagédia de seu desejo é a de que nesta situação ele se torna
i mp ossível: todo desejo deve se transfonnar em demanda, e esta
man tid a a qualquer preço. É nesta posição que ele escuta do Ou­
tro su a q uestão: o que é a morte ?
A fobia, terceira variante da esuutura neuró tica, é caraaeriza­
da por Lacan como uma espécie de placa giratória cujo destino é
constituir uma neurose obsesssiva ou uma histeria. De um lado o
fóbico está às voltas com a presença de um Pai Real que se
prescntifica no objeto fóbico. Não se trata apenas de um sign ifi­
cante fálico (face histérica) e nem do objeto da demanda (face
obses.�iva) mas de uma imagem que reúne os dois aspectos. O
ponto de inclusão do sujeito está entre o lugar "homens" e o l ugar
"mulheres". Como este não é de fato um lugar escrurural se enten­
de o porque de sua provável evolução para um ou outro quadro. A
fobia é uma neurose típica da inBncia, onde juscamen te se uata de
enconuar um lugar entre a masculinidade e a feminilidade. A ua­
gédia do desejo fóbico é a de um desejo prevenido, antecipado, antes
. mesmo de seu aparecimento ele é paralisado na amsuução fõbica.

171
KER
(HRlmAN INGO I.EHZ DuN

A PSICOSE

que realiza uma forma determ in ad a


Ao amtrário d a neurose,
uma negação indetenni nada
- a p·st'aJse ·se caractc.rii.a por .
t1e negaçao, . ·
do obJeto por mrerméd10 da foracl usão
Ela lida com a falta
que se obtém então correspon de à p ri­
( Verwerfimg). A situação
e tabu" . O Pai Real priva o ser
mei r.1 parre do mico de "'forem
"home ns", onde a solução pa'iSa pela vi a
falante do gozo (posição
ho mo ssex ual) ou coma-o como seu objeto de gozo (posição "m u­
l heres", como se n ota na emasculação a que o presidente Schreber
deve se submeter). Como não se trata de uma metáfora, que ne­
gue e afirm e simulcaneamence, a psicose estará àç volcaç com um a
negação maciça (o negativismo psic6tico) ou com uma afirmação
igualmente maci ça (a alucinação) do Pai Real . O delírio se fará
então como uma tentativa de inclusão do sujeito, quer na posição
mesma desce Pai Real (megalomania) , quer na posição "hom ens"
(perseguição), quer na posição "mulheres" (emasculação ou deli­
rio erocomanfaco) . Em nenhum caso há preservação do negado.
O que não é acolhido no simbólico recoma no real .
Em termos do "Torem e tabu" isto corresponde à o brigação de
erigir para si mesmo uma civilização em que possa habitar. A psi­
cose se encontra estabilizada quando o ser falante se encontra, por
intermédio de identificações imaginárias, num circuito em que
nenh uma questão o obrigue a re.çponder de algum dos lugares
estruturais . As causas precipitantes do. surro são sempre circuns
­
tâncias onde estes lugares se colocam como decisi
vos, fenom eno­
logicam ence podemos citar algu maç daç maiç
mmu ns: casam ento,
mor re, paternidade, imigração etc.
Na paranóia O pon to de inclusão
do sujeito se dá na posição

172
UCAM I A alN1 u DA llll[
RPtETAÇlo
"h omens", daí sua p rox imi
dade estruturai co m
va. Tanto como perseguido como qu ª neurose obsessi-
an to persegu idor 0
em jogo é o objeto e sua sobra im aginária ' que está
O Eu (
r I
da po e e é mtrans
· · . '
1t 1Va, é dessa intranS1t. 1v1 moi).
. ' dad S ua deman-
. e que se extrai a
certeza, marca mamr de seu discu rso. No en
_ . o é ass tanto , a aproximação
com rel açao a este obiet intó ti ca (como mostra
o esq
R), de modo que ele enfren ta de uma fo nn a mai. d'cal uema
s ra 1 d0 que
qual quer outro o desafio de por em palavras o mo · mm · ave
, 1. O
"eles", sujeito delirante do "sistema" ' do "pl an o" o u de qu ai
. _ quer
ou tra fonna de totahzaçao do Outro que caracteriza a paran ói é
a,
0 suje ito i mpossível do código. Impo ssível porque correspo
nderia
ao Ou tro do Outro. Para separar-se da absorção a este código a
paranóia investe na produção de um neocódigo, de um idioleto,
co mo a Grundspache (língua fundamental) de Schreber. O ponto
on de se trataria de um reconhe cimento do desejo (do sujei to)
se encontra fraturado . O efeito d isso são os fenô menos ao nível
da mensagem co mo a interrupção da frase, as repetições e os
cortes no discurso .
A esquizofrenia, por sua vez, tem seu ponto de inclusão na
posição "mulheres". De fato, a dificuldade em se furtar à condição
de objeto para o gozo do Outro explica o caráter fragmentário do
delírio e a predominância das alucinações visuais, como observou
Calligaris ( 1 984). A busca assintótica do objeto ganha, na esqui­
zofrenia, o sentido da des pe rsonalii.ação e do esfacelamento da
im agem co rp oral. O eu se reduz à fragmentariedade própria do
objeto da pulsão.
A psicose maníaco-depressiva, investigada por Freud a partir
da melancolia, tem seu ponto de inclusão numa região entre a
posição "homens'' e a posição "mulheres". As.�im o pai Real mos-

173
ÜIRIS11AN INGO Laa DUNIER

ua-se insu ficiente. A posição do eu vai então de um co mplemento


a este Pai pela sup lementação da signifi cação q ue lhe fal ta (man ia) ,
à identi ficação ao objeto perdido , a identifi cação q ue preserva
e
positiva O objeto (dep �o) : As v�i�ções do �eto são vari ações
da economia pulsional, o regime s1g111fica.nte n ao sofre alterações
ao n ível do código ou da mensagem, mas no nível da fal ta ou
excesso da significação fálica.

A PERVERSÃO

A perversão nem recalca, nem foradui o assassinato do Pai ,


mas executa um terceiro tipo de negação da falta do objeto, que
Freud designou por renegação ( Ver/eugnung). A renegação é uma
espécie de negação perceptiva. uma alucinação negativa, também
chamada de ex:otomização. Seu produto preserva na forma do fe­
tiche o que foi negado. O que é negado no imaginário retoma no
imaginário. Há portanto uma lei em funcionamento na perver­
são, uma lei rigorosa. No entanto esta lei não organiza-se pela
dialética com o desejo, mas por uma dialética com a demanda.
Desta forma pode-se dizer que o desejo na perversão equivale à
vontade de goro (Lacan, 1 95 8). O sujeito não está dividido pelo
signifi cante, entre enunciado e enunciação ou entre S 1 e S2 , mas
unicamente pelo objeto. O perverso tem por ponto de inclusão o
Pai Real, de lá este faz aparecer a divisão, precisamente no seu
objeto de gozo. É, no texto do Marquês de Sade, o momento em
que Justine, a vítima, se divide pela angústia que precede o sofri­
mento. O perverso retém sempre este instante que precede a cas­
tração, como já apontara Freud ( 1 9 2 1 ) acerca do fetichismo.

174
UCAI ( A !il
ll\
(A Dl Ili!.
No fetichismo O lllnlçlo
,-t0 que .
ob;..
d Ul\ag i nar
perdi o na mulher é co ndi
ção nCCcssária •arnente substitui O falo
O caso do co rtador de tran é ""· · e �ficiente da satisr.. ...
ças r- ad ,..,...o.
lgllliuco: ao
atuai.17.a a castração d o ouuo' no cortt-las el -
entanto ao e re
. ai e1e nega sua eficácia simbó
pu1 s1on retê-las com
o ob jeto
lica.
No caso do sad ismo, o objeto-fe
tiche en
men :.J> e no masoqu •ismo do lado " contra-se d0
1ado "ho-
mu1L •ie,_""_,, Isto si· _,,,
mando o mito de "Totem e tabu" co g, uuca, to-
.. mo referên· cia
ca ção rá"
s_�o , que num caso
a stra se refutada pela pa ""-t>em d
e um desmen _ d
u od
sição homens e no outro da posição "mulhe--"
.
com a anál1se de Deieuze (1963) , que
•Qo • !soo
co
ª mbma
�o-
constata no
masoquismo
u ma denegação da mãe ao l ado de u ma aniquil2 .-,;" d
. . - . . � o p:u. No
sad ismo a s1tuaçao se inverte: havena uma inllarli ,-,n do p:u. e uma
_ _
deneg açao da mae. O problem a em falar na esuucu...
das perver-
sões é que esta _representa �íssimamente um fato clinico. o per-
verso, po r monvos estruturais, supõe-se, dificilm
ente demandaria
uma análise. É por isso que boa parte da bibliografia a resp
eito
apóia-se na análise de obras literárias, notadamente as de Sade e
Maso ch (como é o caso do artigo de Deleuze) .
A Vênus daspeks, de Sacher Masoch (1982), é representada por
uma mulher que mostra sua castração imaginária na fúria da vio­
lência exercida sobre o masoquista. Ao mesmo tempo ela é porta­
dora do fetiche (as peles de animais) que dão à ela o semblante de
um homem. No entanto, a filria da Vênus não traduz qualquer
desejo de exercer a violência: ela é constrangida a isto por um
contrato meticulosamente firmado. Tudo-se passa como se o con
trato firmado pennitisse a relação entre "homens" e mu\herci
sem a interveniência do Pai Simbólico. O contrato é, assim, uir
fonna de regulamento, não de lei, no sentido ncurótim.

175
DtlNIER
(/IRIS!tU INGO I.ENZ

tltl (1 988), ohra do marquês de Sade


No caso cf a Filosofia tÍlt a/co
. La ( 1 958)• a relação não é cont ra tual ma� i n·sti tu-
analisada por ca n
. al (amu1 1, h,serva Dc1cu 7.c) ; o afew que o marca é a a pa tia e
00 11 . •
. i-se como pa.i que impõe sua regra de
_ a rn
nao e. e1..a. o sádico institu . .
oluta m d1ferença quanto a o
gozo a 11111 li1eres e h o mens •soh ahs •
to t • • •
a m stttuição
dese"J o desces. No caso do sadismo a lei se aliza num • •
(a Repúbl ica dos Li herti no.�. a n.,SOc1açao d os Crnnmosos etc.) e
A, • -

i
esta faz de cada um pai de s mesmo.

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176
ri d io• de ocu podei" (\')�8); "Qu<ó, e�liminar a lodo tmanu:nlO poo,l,o:\ .i,. p. sic.ore"
1, n p .
l
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\11

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