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EDIÇÃO 28 | JANEIRO_2009
T
odos conhecem a versão canônica da história de Charles Darwin: o
embarque no Beagle aos 22 anos, para uma viagem aos confins da
terra; Darwin na Patagônia; Darwin no pampa argentino
(conseguindo laçar as patas do seu próprio cavalo); Darwin pela América
do Sul, coletando os ossos de gigantescos animais extintos; Darwin na
Austrália, antes de perder a fé religiosa, espantado ao ver um canguru
pela primeira vez (“dois Criadores distintos devem ter atuado nesse
caso”). E, claro, Darwin nas Galápagos, observando como os pássaros –
chamados tentilhões – de cada ilha eram diferentes, começando a
experimentar a mudança sísmica na compreensão de como evoluem os
seres vivos que, um quarto de século mais tarde, resultaria na publicação
de A Origem das Espécies.
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botânico. O fato de ter escrito vários livros sobre suas pesquisas com
plantas é mencionado em grande parte dos estudos a seu respeito, mas
de passagem, mais ou menos no tom em que se diria: “Bem, todo grande
homem precisa se divertir de vez em quando.”
Foi para Henslow que Darwin escreveu cartas muito detalhadas, repletas
de observações sobre a fauna, a flora e a geologia dos lugares que
visitava. E foi para Henslow que Darwin, nas ilhas Galápagos, coletou
cuidadosamente todas as plantas em flor, assinalando como as diferentes
ilhas do arquipélago muitas vezes apresentavam espécies diferentes de
um mesmo gênero. Esse se tornaria um indício crucial nas suas reflexões
sobre o papel da divergência geográfica na origem de novas espécies.
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E o fluxo corria nos dois sentidos. O próprio Darwin disse várias vezes
que “ninguém pode ser um bom observador se não for um teorizador
ativo”.
N
o século XVIII, o cientista sueco Lineu havia demonstrado que as
flores continham órgãos sexuais (pistilos e estames), e neles baseara
as suas classificações. Quase universalmente, porém, acreditava-se
que as flores se autofecundavam – por que outro motivo, afinal, elas
teriam tanto órgãos masculinos quanto femininos? O próprio Lineu fez
graça com a idéia, retratando uma flor, com seus nove estames e um
pistilo, como a alcova em que uma donzela vivia cercada por nove
amantes. Idéia semelhante aparece no segundo volume da obra do avô de
Darwin, O Jardim Botânico, intitulado “Os Amores das Plantas. Foi nessa
atmosfera que cresceu o jovem Charles Darwin.
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Ele havia observado, como outros antes dele, que as flores das prímulas
ou primaveras podiam apresentar dois aspectos diferentes: um em forma
de “alfinete”, com o estilete – a parte fêmea da flor – mais longo, e outro
em forma de “borla”, com o estilete bem mais curto. Até então, ninguém
atribuía significado especial algum a essa diferença. Mas Darwin tinha as
suas suspeitas e, examinando maços de primaveras que seus filhos lhe
traziam, descobriu que a proporção entre “alfinetes” e “borlas” era
exatamente de um para um.
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N
um livro de 1793, intitulado O Segredo da Natureza Revelado na
Estrutura e Fertilização das Flores, o botânico alemão Christian
Konrad Sprengel, observador extremamente cuidadoso, assinalara
que as abelhas carregadas de pólen o transportavam de uma flor para
outra. Darwin sempre achou esse livro “maravilhoso”. Mas Sprengel,
embora tenha chegado perto, deixou escapar o segredo final, pois ainda
se encontrava preso à idéia lineana de que as flores se autofecundavam –
e julgava que as flores da mesma espécie fossem essencialmente
idênticas.
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Foi então que Darwin decifrou o segredo das flores, mostrando que as
características especiais de cada uma – a variedade de padrões, cores,
formas, néctares e perfumes atraentes aos insetos, levando-os a esvoaçar
de uma planta a outra, e os recursos que asseguram que eles não deixem
de colher o pólen antes de decolar da flor – eram todas “artimanhas”,
como ele dizia. Todas haviam sido produzidas pela evolução a serviço da
fertilização cruzada.
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Você está sendo injusto quanto aos méritos da minha querida Drosera;
ela é uma planta extraordinária, ou na verdade um animal muito sagaz.
Vou acompanhar a Drosera até o dia da minha morte.
A
s plantas são geralmente consideradas seres imóveis e desprovidos
de sentidos – mas as plantas insetívoras representavam uma
refutação espetacular dessa idéia, e então, ansioso por estudar
outros aspectos do movimento das plantas, Darwin começou a pesquisar
as trepadeiras. Subir usando algum apoio era uma adaptação eficiente,
que permitia às plantas prescindir de um tecido de sustentação rígido e
usar outras plantas para se elevarem. E não havia um único meio de
subir, mas vários. Havia as plantas que se enlaçavam em outras, as que se
prendiam com as próprias folhas e as que se prendiam ao suporte por
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Não existe estrutura mais admirável nas plantas, no que diz respeito à
função, do que a extremidade da radícula. Não estou exagerando ao
afirmar que a extremidade da radícula atua como o cérebro dos animais
inferiores, recebendo impressões dos órgãos dos sentidos e dirigindo
vários movimentos.
Mas como assinala Janet Browne, O Poder do Movimento nas Plantas foi
“um livro inesperadamente polêmico”. A idéia da circum-nutação foi
amplamente criticada. Darwin sempre reconhecera que se tratava de um
salto especulativo, mas a crítica mais contundente veio do botânico
alemão Julius von Sachs, que, nas palavras de Janet Browne, reagiu com
desprezo à sugestão de Darwin de que a extremidade da raiz pudesse ser
comparada ao cérebro de um organismo simples, declarando que as
técnicas experimentais domésticas de Darwin eram risivelmente
deficientes.
D
arwin passou quarenta anos inválido, com uma doença enigmática
que o atacou desde sua volta das Galápagos. Às vezes, passava o
dia inteiro vomitando, ou confinado ao seu sofá, e à medida que
envelhecia apresentou também problemas cardíacos. Mas sua energia e
criatividade intelectuais nunca diminuíram. Escreveu um total de dez
livros depois de A Origem, muitos dos quais submeteu a extensas
revisões – para não falar de dezenas de artigos e inúmeras cartas.
Persistiu nos seus interesses variados por toda a sua vida.
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A beleza natural, para Darwin, não era apenas estética – sempre refletia a
função e a adaptação em andamento. As orquídeas não eram apenas
flores ornamentais, a serem exibidas em jardins ou ramalhetes; eram
dispositivos fascinantes, exemplos da operação da imaginação da
natureza, a seleção natural. As flores não precisavam de um Criador, mas
eram totalmente inteligíveis como produtos do acaso e da seleção, de
pequenas mudanças incrementais que se desdobravam ao longo de
centenas de milhões de anos. Esse, para Darwin, era o significado das
flores, o significado de todas as adaptações de plantas e animais, o
significado da seleção natural.
Diz-se muito que Darwin, mais que qualquer outro, ajudou a pôr fim ao
“significado” do mundo – no sentido de uma intenção ou finalidade geral
divina. De fato, no mundo de Darwin não existe intenção, desígnio e nem
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projeto; a seleção natural não tem direção nem finalidade, e nem algum
objetivo em direção ao qual avance. O darwinismo, pelo que se afirma,
representou o fim do pensamento teleológico. Ainda assim, seu filho
Francis escreveu:
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L
inus Pauling assinala, num ensaio autobiográfico, que leu A Origem
aos 10 anos de idade. Não fui tão precoce quanto ele, e com essa
idade não teria sido capaz de acompanhar a “longa discussão” do
livro. Mas tive um vislumbre da visão de mundo de Darwin no jardim da
minha própria casa – um jardim que, nos dias de verão, enchia-se de
flores e abelhas zumbindo de flor em flor. Foi minha mãe, que tinha
inclinações botânicas, quem me explicou o que as abelhas estavam
fazendo, com as patas amarelas de pólen, e como elas e as flores
dependiam umas das outras.
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Tenho uma dívida especial com David Kohn, Eric Korn e, no Jardim
Botânico de Nova York, Robbin Moran, Dennis Stevenson e Jan
Stevenson, pelo estímulo e utilíssimas críticas a este artigo.
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