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Estrutura e Propriedades dos Materiais Solidificação e Imperfeições Cristalinas

4 SOLIDIFICAÇÃO E IMPERFEIÇÕES CRISTALINAS


4.1 Introdução
Até esta fase do estudo tem-se admitido que os materiais apresentem uma estrutura
perfeita. Todavia, esse tipo de sólido é idealizado, pois na realidade os materiais não são
perfeitos, e contêm vários tipos de imperfeições que afetam muitas de suas propriedades
físicas e mecânicas, as quais, por sua vez, influem em diversas propriedades de engenharia
importantes.
Vale ressaltar, que essa influência não é sempre prejudicial; freqüentemente, as
características específicas dos materiais são deliberadamente moldadas pela introdução de
quantidades controladas de defeitos específicos, com o objetivo de melhorar o desempenho
dos materiais no uso a que se destinam.
Durante a solidificação, um material metálico sofre o rearranjo de seus átomos que
determina a sua estrutura cristalina. Dependendo do modo com que o líquido transforma-se
em sólido, podem ocorrer defeitos no empilhamento e na organização dos átomos,
resultando em imperfeições estruturais.
Com exceção de alguns poucos produtos conformados por sinterização (metalurgia
do pó), todos os produtos metálicos passam necessariamente pelo processo de solidificação
em algum estágio de sua fabricação. Dessa forma, o conhecimento do processo de
solidificação de materiais metálicos é importante, pois permite entender como alguns
defeitos surgem no material.

4.2 Solidificação de metais


Em geral, a solidificação de um metal ou liga metálica pode ser dividida nas
seguintes etapas: nucleação, que é a formação de núcleos estáveis no líquido, e
crescimento dos núcleos, que origina cristais e formam uma estrutura de grãos. Essas
etapas do processo podem ser visualizadas na Figura 4.1.

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Figura 4.1 – Ilustração esquemática mostrando as várias etapas da solidificação de metais:


formação de núcleos (a); crescimento dos núcleos (b), e união dos cristais para formar os
grãos e correspondentes contornos de grãos (c) (Adaptada de SMITH, 1998)

Os principais mecanismos responsáveis pela nucleação de partículas sólidas em um


metal líquido são: nucleação homogênea e nucleação heterogênea.

a) Nucleação homogênea
A nucleação homogênea é o caso mais simples de nucleação, pois em um metal
líquido ela ocorre quando o próprio metal fornece os átomos para formar os núcleos. No
caso de um metal puro, quando o metal líquido é suficientemente resfriado abaixo da sua
temperatura de solidificação (superresfriamento, ∆T = Tf - T), formam-se numerosos
núcleos homogêneos por meio do movimento lento de átomos que vão se ligando uns aos
outros.
Geralmente, a nucleação homogênea exige um grau de superresfriamento
considerável, da ordem de algumas centenas de graus Celsius (Tabela 4.1).

Tabela 4.1 – Valores de parâmetros relativos à solidificação de alguns metais.


Temperatura de solidificação
Tf Calor de Energia de Superresfriamento
Metal
solidificação superfície máximo observado
°C K ∆Hf (J/cm3) γsl (J/cm3) ∆T (°C)

Bi 271 344 -543 54 x 10-7 90


Ga 30 303 -488 56 x 10-7 76
Pb 327 600 -280 33,2 x 10-7 80
Al 660 933 -1066 93 x 10-7 130
Ag 962 1235 -1097 126 x 10-7 227
Cu 1083 1356 -1826 177 x 10-7 236
Ni 1453 1726 -2660 255 x 10-7 319
Fe 1535 1808 -2098 204 x 10-7 295
Pt 1772 2045 -2160 240 332
Fonte: SMITH, 1998; ASKELAND & PHULÉ, 2003.

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Um núcleo, para ser estável de modo a poder crescer até formar um cristal, tem que
atingir um tamanho crítico. Se o tamanho é inferior ao crítico, o grupo de átomos é
denominado embrião, e dissolve-se no metal líquido devido à agitação dos átomos.
Na nucleação homogênea, que ocorre durante a solidificação de um metal puro, há
dois tipos de variação de energia a considerar: a energia livre de volume, liberada pela
transformação líquido-sólido, e a energia de superfície, necessária para formar as novas
superfícies das partículas solidificadas.
Quando um metal puro líquido é superresfriado, a energia motriz para a sua
transformação líquido-sólido é a diferença entre a energia livre de volume ∆Gv do líquido e
a do sólido. Se ∆Gv for a variação de energia livre entre o líquido e o sólido, por unidade
de volume de metal, então a variação de energia livre de um núcleo esférico de raio r é
4/3πr3∆Gv, já que o volume de uma esfera é 4/3πr3. A Figura 4.2 representa
esquematicamente a variação da energia livre de volume em função do raio do embrião ou
núcleo, a qual é negativa, uma vez que é uma energia liberada pela transformação líquido-
sólido.

Figura 4.2 – Variação de energia livre em função do raio do embrião ou núcleo (adaptada
de SMITH, 1998).

Por outro lado, existe uma energia que se opõe à formação dos embriões e núcleos,
que é a energia requerida para formar uma superfície destas partículas. A energia

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necessária para criar a superfície de partículas esféricas, ∆Gs, é igual à energia livre
específica da superfície da partícula, γ, multiplicada pela área da superfície da esfera,
4πr2γ. A Figura 4.2 também representa este tipo de energia, bem como a energia total
associada à formação de um embrião ou núcleo.
Portanto, a variação total de energia livre para a formação de um embrião ou núcleo
esférico de raio r durante a solidificação de um metal puro é:
4
∆GT = π r 3 ∆Gv + 4π r 2γ
3
onde ∆GT = variação total de energia livre, r = raio do embrião ou núcleo, ∆Gv = energia
livre de volume, e γ = energia livre específica de superfície.
A partir da derivação dessa equação, pode-se obter uma relação entre o tamanho
crítico do núcleo, a energia livre de superfície e a energia livre de volume. A derivada da
energia total, ∆GT em relação a r é zero quando r = r*, já que a curva da energia livre total
em função do raio do embrião ou núcleo tem um máximo, assim:

d (∆GT ) d  4 
=  π r 3 ∆Gv + 4π r 2γ 
dr dr  3 
12
= π r ∗2 ∆Gv + 8π r ∗ γ = 0
3
ou

r∗ = −
∆Gv

Quanto maior for o grau de superresfriamento ∆T, maior é a variação de energia livre
de volume ∆Gv; entretanto, a variação de energia livre devido à energia de superfície ∆Gs
não depende muito da temperatura. Nestas condições, o tamanho crítico do núcleo é
determinado principalmente por ∆Gv. Próximo da temperatura de solidificação, o tamanho
crítico do núcleo deverá ser infinito, visto que ∆T se aproxima de zero; contrariamente, à
medida que o grau de superresfriamento aumenta, o tamanho crítico diminui.
O tamanho crítico do núcleo está relacionado com o grau de superresfriamento pela
equação:
2γT f
r∗ = −
∆H s ∆T

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onde r* = raio crítico do núcleo, ∆Hs = calor latente de solidificação e ∆T = grau de


superresfriamento do metal.

b) Nucleação heterogênea
A nucleação heterogênea no líquido ocorre sobre as paredes do recipiente, impurezas
insolúveis ou outro material presente na estrutura que diminua a energia livre crítica
necessária para formar um núcleo estável. Como nas operações de vazamento industriais
os graus de superresfriamento elevados não acontecem (geralmente variam entre 0,1 e
10°C), a nucleação será heterogênea.
Para que a nucleação heterogênea ocorra, o agente nucleante, também denominado
substrato, terá de ser molhado pelo metal líquido, e este deverá igualmente solidificar
facilmente sobre aquele. A Figura 4.3 mostra um substrato que é molhado pelo líquido a
solidificar e que, portanto, origina um pequeno ângulo de contato θ entre ele e o metal
sólido.

Figura 4.3 – Nucleação heterogênea de um sólido sobre um substrato (SMITH, 1998).

A nucleação heterogênea ocorre sobre o substrato, pois a energia de superfície para


formar um núcleo estável é mais baixa se o núcleo se formar sobre aquele material do que
no próprio líquido puro (nucleação homogênea). Como a energia de superfície é mais baixa
no caso da nucleação heterogênea, a variação total de energia livre, necessária à formação
de um núcleo estável, é menor e o tamanho crítico do núcleo também é menor. Por
conseguinte, para formar um núcleo estável por nucleação heterogênea, necessita-se de um
grau de superresfriamento mais reduzido.

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c) Crescimento de cristais e formação da estrutura do grão


Após a formação dos núcleos estáveis, estes irão crescer e formar cristais, conforme
mostrado na Figura 4.1. Em cada cristal, os átomos estão posicionados da mesma maneira,
mas a orientação do cristal varia de um para outro. Quando a solidificação do metal se
completa, os cristais, com diferentes orientações juntam-se uns aos outros e originam
fronteiras nas quais as variações de orientação têm distâncias de alguns átomos. Os cristais
no metal solidificado são designados por grãos e as superfícies entre eles por contornos de
grão. Quando o metal solidificado contém muitos cristais, diz-se que é policristalino.
Se durante a solidificação o número de núcleos for relativamente pequeno, a
estrutura resultante será grosseira ou de grão grosso; se muitos núcleos estiverem
disponíveis, será produzida uma estrutura de grão fino, que é a estrutura mais desejável em
termos de resistência mecânica e de uniformidade dos produtos metálicos acabados.
Os metais líquidos são vazados em moldes para obtenção de peças ou lingotes. O
lingote passa posteriormente por processos de deformação plástica (conformação plástica)
visando a produção de chapas, barras, perfis etc.
Os grãos que aparecem na estrutura da peça ou do lingote podem ter diferentes
tamanhos dependendo das taxas de extração de calor e gradientes térmicos em cada
momento da solidificação.
Em geral, existem três regiões de grãos que se classificam como: zona coquilhada,
zona colunar e zona equiaxial.
Zona coquilhada: Região de pequenos grãos com orientação cristalina aleatória, situada
na parede do molde. Próximo à parede existe maior taxa de extração de calor e, portanto,
elevado grau de superresfriamento, que favorece a formação destes grãos.
Os grãos da zona coquilhada tendem a crescer na direção oposta a da extração de calor,
porém algumas direções cristalinas apresentam maior velocidade de crescimento que
outras.
Zona colunar: Região de grãos alongados, orientados na direção de extração de calor. Os
grãos da zona coquilhada que possuem as direções cristalinas de maiores velocidades de
crescimento alinhadas com a direção de extração de calor, apresentam aceleração de
crescimento. Esta aceleração gera grãos alongados que compõem a zona colunar, situada
na posição intermediária entre a parede e o centro do molde.
Zona Equiaxial: Região de pequenos grãos formados no centro do molde como resultado
da nucleação de cristais ou da migração de fragmentos de grãos colunares (arrastados para

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o centro por correntes de convecção no líquido). Nesta região, os grãos tendem a ser
pequenos, equiaxiais e de orientação cristalina aleatória

Figura 4.4 – Desenho esquemático da estrutura de grão de um metal solidificado em um


molde frio (lingoteira) (CIMM, 2007)

4.3 Soluções sólidas metálicas


Na maioria das aplicações de engenharia, a necessidade de propriedades específicas
faz com que o uso de materiais metálicos nem sempre esteja restrito aos metais puros.
Apenas alguns metais, usados comercialmente em aplicações de engenharia, são puros,
como por exemplo:
• O cobre de alta pureza (99,99%) usado em condutores elétricos, devido à sua elevada
condutividade elétrica;
• O zinco utilizado na galvanização de aços;
• O alumínio usado em utensílios domésticos, contendo apenas teores mínimos de outros
elementos.
Na maioria dos casos, outros elementos (metais ou não-metais) são intencionalmente
adicionados a um metal, com o objetivo de melhorar as suas propriedades, formando as
ligas metálicas; portanto, uma liga metálica, ou simplesmente uma liga, é a mistura de dois
elementos, sendo pelo menos um metálico para garantir o caráter metálico no material.
Como exemplos de liga têm-se:
• O latão, que é uma liga de cobre contendo zinco;
• O bronze, que é uma liga de cobre contendo estanho;
• O aço-carbono, que é uma liga de ferro contendo carbono.

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O tipo mais simples de liga metálica é aquela que forma uma solução sólida;
portanto, solução sólida é um sólido que consiste de dois ou mais elementos atomicamente
dispersos em uma estrutura monofásica.
Em geral, existem dois tipos de soluções sólidas: solução sólida substitucional e
solução sólida intersticial.

a) Soluções sólidas substitucionais


Nas soluções sólidas substitucionais formadas por dois elementos, os átomos do
soluto podem substituir os átomos do solvente na rede cristalina. Neste caso, a estrutura do
solvente não é alterada, sendo comum ocorrer distorção da rede cristalina, já que os átomos
do soluto não exibem o mesmo diâmetro atômico dos átomos do solvente, podendo ser
maiores ou menores, conforme mostrado na Figura 4.5.

Figura 4.5 – Átomos de solutos substituindo átomos da rede cristalina (ASKELAND &
PHULÉ, 2003).

Solubilidade
A fração de átomos de um elemento que pode ser dissolvida na estrutura de outro é
definida como solubilidade, a qual varia de um valor muito pequeno até 100%, e é dada em
porcentagem em peso (% em peso) ou em porcentagem atômica (% de átomos).
Para que haja uma substituição em proporções elevadas em uma solução sólida
substitucional (solubilidade extensa), as seguintes condições, denominadas condições de
Hume-Rothery, devem ser satisfeitas:
1- Os raios atômicos dos dois elementos não devem diferir em mais de 15%;

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2- A estrutura cristalina dos dois elementos deve ser a mesma;


3- Não deve existir diferença significativa entre as eletronegatividades dos dois elementos,
para que não haja a formação de compostos;
4- Os dois elementos devem ter a mesma valência.

O Quadro 4.1 mostra a relação entre a solubilidade e as condições listadas, para


algumas ligas cujo solvente é o cobre (Cu); este elemento apresenta as seguintes
características: estrutura CFC, raio atômico = 1,278 Ǻ, eletronegatividade de 1,9 e valência
+1.

Quadro 4.1 – Solubilidade de alguns elementos no cobre, em função das condições


listadas.
Estrutur Relação Eletronegatividad Valênci Solubilidade
Soluto
a de raios e a % em peso % atômica
Ni CFC 0,98 1,9 +2 100 100
Al CFC 1,12 1,5 +1 9 19
Ag CFC 1,14 1,9 +1 8 6
Pb CFC 1,37 1,9 +2 ≈0 ≈0
Fontes: VAN VLAC, 1977 e ASKELAND & PHULÉ, 2003

b) Soluções sólidas intersticiais


Nesse tipo de solução, um átomo pequeno pode se localizar nos interstícios da rede
dos átomos maiores (o soluto intersticial é o que fica posicionado nos interstícios do
solvente), conforme mostrado na Figura 4.6.

Figura 4.6 – Átomos de soluto localizados nos interstícios da rede do solvente


(ASKELAND & PHULÉ, 2003)

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As soluções sólidas intersticiais são formadas quando um átomo do soluto é muito


menor que o átomo do solvente. O ferro (Fe), por exemplo, em temperaturas abaixo de 912
°C ocorre com uma estrutura CCC; acima de 912 °C existe uma faixa de temperatura na
qual esse elemento tem uma estrutura CFC; neste reticulado, o interstício no centro da
célula unitária é relativamente grande (a 1000 °C o ferro apresenta o maior vão, de
diâmetro igual a 1,0 Ǻ), e o carbono, sendo extremamente pequeno (diâmetro=1,5 Ǻ), pode
se alojar nesse vazio e produzir uma solução sólida de ferro e carbono; quando o ferro, em
temperaturas mais baixas, passa a ser CCC, os interstícios dos seus átomos tornam-se
menores e, conseqüentemente, a solubilidade do carbono no ferro CCC é relativamente
pequena.
Além do carbono (diâmetro=1,5 Ǻ), o maior interstício do ferro também pode abrigar
facilmente o hidrogênio (diâmetro=0,90 Ǻ) e o boro (diâmetro=0,92). No caso do carbono,
a solubilidade desse elemento no ferro apresenta um máximo de 2,08 % em peso, e ocorre
a 1148 °C.

4.4 Imperfeições cristalinas


As imperfeições estruturais afetam diretamente várias características dos materiais,
como os parâmetros envolvidos na deformação plástica, na condutividade elétrica de
semicondutores, na corrosão metálica e em processos de difusão atômica.
Com exceção de alguns poucos produtos conformados por sinterização (metalurgia
do pó), todos os produtos metálicos passam necessariamente pelo processo de solidificação
em algum estágio de sua fabricação. Durante a solidificação, um material metálico sofre o
rearranjo de seus átomos que determina a sua estrutura cristalina. Dependendo do modo
com que o líquido transforma-se em sólido, podem ocorrer defeitos no empilhamento e na
organização dos átomos, resultando em imperfeições estruturais.
Existem três tipos básicos de imperfeições: defeitos pontuais, defeitos de linha
(discordâncias) e defeitos de superfície;

4.4.1 Defeitos pontuais


São interrupções localizadas em pontos da estrutura cristalina, atômica ou iônica, e
estão associados com uma ou duas posições atômicas.
Embora sejam chamadas defeitos de pontos, as interrupções afetam uma região que
envolve vários átomos ou íons.

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Essas imperfeições podem ser introduzidas pelo movimento de átomos ou íons,


quando eles ganham energia por aquecimento, durante o processamento dos materiais, pela
introdução de impurezas, ou por dopagem.
Os defeitos pontuais mais importantes são: as lacunas (também chamadas de vazios
ou vacâncias), os auto-intersticiais, os defeitos intersticiais e os defeitos substitucionais.

a) Lacunas
É o tipo de defeito mais simples e é caracterizado pela ausência de um átomo ou íon
em um sítio normal da estrutura cristalina (Figura 4.7).

Figura 4.7 – Representação de uma lacuna (adaptada de ASKELAND, 2003).

As lacunas podem ser produzidas durante o processo de solidificação, como


resultado de perturbações locais no crescimento do cristal. Também ocorrem no arranjo de
um cristal já existente, devido à mobilidade de seus átomos no material cristalino, ou
ainda, em função da deformação plástica, do resfriamento rápido e do bombardeamento da
rede cristalina por partículas atômicas.
As lacunas são de grande importância na determinação da taxa de difusão (processo
no qual os átomos ou íons podem se mover na estrutura de um material sólido,
especialmente em metais puros).
Todos os sólidos cristalinos contêm lacunas (CALLISTER, 2002). Na temperatura
ambiente (≈ 298 K), a concentração de lacunas é pequena, mas aumenta exponencialmente
com a elevação da temperatura, conforme mostra a equação de Arrhenius abaixo:

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 − Qv 
nv = n ⋅ exp ,
 RT 

onde nv representa o número de lacunas por cm3, n é o número de sítios atômicos por
3
cm , Qv é a energia necessária para produzir um mol de vacâncias, em cal/mol ou J/mol, R
é a constante dos gases (1,987 cal/mol-K ou 8,31 j/mol-K), e T é a temperatura absoluta em
Kelvin.
Esta equação fornece a concentração de lacunas em equilíbrio para uma dada
temperatura. Também é possível reter a concentração de lacunas produzida a alta
temperatura, pelo rápido resfriamento do material; portanto, em muitas situações, a
concentração de lacunas observada à temperatura ambiente não é a concentração de
equilíbrio prevista pela equação anterior.
Para a maioria dos metais, a fração de lacunas nv/n a uma temperatura imediatamente
inferior á temperatura de fusão é da ordem de 10-4, ou seja, uma para cada 10000 átomos.
Em cristais iônicos, os defeitos pontuais exibem caráter mais complexo devido à
necessidade de manter a neutralidade elétrica do sistema. O caso de um defeito estrutural
em que dois íons de cargas opostas perdidos dentro da estrutura entram em contato,
criando uma lacuna, caracteriza o defeito de Schottky. Quando um íon positivo move-se
para uma posição intersticial do cristal iônico, cria-se uma “lacuna cátion”, conhecida
como defeito de Frenkel. Esses defeitos estão ilustrados na Figura 4.8.

A – Defeito de Schottky
B – Defeito de Frenkel
B

Figura 4.8 – Representação bidimensional de um cristal iônico mostrando os defeitos de


Schottky (A) e de Frenkel (B).

A presença desses defeitos em cristais iônicos aumenta a condutividade elétrica dos


mesmos.

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b) Auto-intersticiais
Um auto-intersticial, ou simplesmente intersticial, é criado quando um átomo
idêntico aos da rede cristalina localiza-se em uma posição intersticial.
Em metais, este tipo de defeito, representado na Figura 4.9, introduz distorções
relativamente grandes na rede cristalina circunvizinha, pois o átomo é substancialmente
maior do que a posição intersticial na qual ele está situado. Em vista disso, geralmente
esses defeitos não ocorrem naturalmente, mas podem ser introduzidos por radiação
(SMITH, 1998).
Esses defeitos são mais comumente encontrados em estruturas cristalinas que têm um
baixo fator de empacotamento atômico.

Figura 4.9 – Representação bidimensional de um auto-intersticial


(adaptada de SMITH, 1998).

c) Defeitos intersticiais

Um defeito intersticial é introduzido no material quando um átomo estranho à rede


ocupa um de seus interstícios, conforme ilustrado na Figura 4.10.
Átomos ou íons intersticiais, embora muito menores que os átomos ou íons
localizados nos pontos da rede, são ainda maiores que os sítios intersticiais que eles
ocupam; conseqüentemente, a região do cristal ao redor do defeito é comprimida e
distorcida.

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Figura 4.10 – Defeito intersticial (ASKELAND & PHULÉ, 2003).

Átomos intersticiais, tais como o hidrogênio, estão presentes no material


freqüentemente como impureza, enquanto que os átomos de carbono são intencionalmente
adicionados ao ferro para produzir o aço. Em pequenas concentrações, os átomos de
carbono ocupam sítios intersticiais na estrutura cristalina do ferro, introduzindo tensões na
região localizada em torno dos mesmos.

d) Defeitos Substitucionais
Um defeito substitucional é introduzido quando um átomo ou íon da rede cristalina é
substituído por um tipo diferente de átomo ou íon.
Os átomos ou íons substitucionais podem ser maiores que os átomos ou íons normais
da estrutura cristalina (Figura 4.11-a), fazendo com que os espaçamentos interatômicos ao
seu redor fiquem reduzidos, ou podem ser menores (Figura 4.11-b), o que proporciona o
aumento dos espaçamentos interatômicos nas vizinhanças. Em ambos os casos, os defeitos
substitucionais perturbam a região vizinha aos mesmos.

(a) (b)

Figura 4.11 – Átomo substitucional: maior que o átomo da rede (a);


menor que o átomo da rede (b).

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4.4.2 Defeitos lineares (discordâncias)


Os cristais podem apresentar defeitos lineares e contínuos em sua estrutura, dando
origem às imperfeições de linha, os quais são também chamados de discordâncias. Uma
discordância, portanto, é um defeito linear ou unidimensional em torno do qual alguns
átomos estão desalinhados (CALLISTER, 2002).
Esses defeitos causam a distorção da rede cristalina em torno de uma linha, gerando
campos de tensão nessa região.
Embora as discordâncias estejam presentes em todos os materiais, inclusive os
cerâmicos e os poliméricos, eles são particularmente úteis para explicar a deformação e o
aumento da resistência em materiais metálicos.
Essas imperfeições podem ser produzidas durante a solidificação, na deformação
plástica de sólidos cristalinos, como resultado da concentração de lacunas, ou ainda por
desajustamentos atômicos em soluções sólidas.
As discordâncias são responsáveis pelo comportamento mecânico dos materiais
quando submetidos ao cisalhamento, e justificam o fato que os metais são cerca de dez
vezes mais deformáveis do que deveriam.

4.4.2.1 Tipos de discordâncias


Os dois principais tipos de discordâncias são identificados como: discordância em
cunha e discordância em hélice. A combinação destes dois tipos origina as discordâncias
mistas, que têm componentes de cunha e de hélice.

a) Discordância em cunha
Uma discordância em cunha ocorre pela interrupção de um plano atômico. Este tipo
de discordância pode ser descrita como a aresta de um plano atômico extra inserido na
estrutura cristalina, como é mostrado na Figura 4.12, o que faz com que também seja
denominada discordância em aresta.
Um semiplano atômico imediatamente acima da linha da discordância caracteriza
uma discordância em cunha positiva, e é representada pelo símbolo ┴; um semiplano
atômico abaixo da linha da discordância caracteriza uma discordância em cunha negativa,
e é denotada pelo símbolo ┬.

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Plano
Extra

Linha da
discordância

Figura 4.12 – Posições atômicas em torno de uma discordância em cunha positiva (Prof.
Sidnei, DCMM, PUCRJ).

A magnitude e a direção da distorção da rede cristalina que está associada com uma
discordância são expressas em termos de um vetor denominado vetor de Burgers, o qual é
r
representado pelo símbolo b . A identificação desse vetor pode ser feita com o auxílio da
Figura 4.13, onde se observa que: se a discordância em cunha for contornada no sentido
horário, iniciando no ponto x e percorrendo igual número de espaçamentos atômicos em
cada direção, o contorno será finalizado no ponto y, distante um espaçamento atômico do
ponto de partida; o vetor necessário para completar o contorno é denominado vetor de
Burgers. A mesma figura mostra que nas discordâncias em cunha o vetor de Burgers é
perpendicular à linha da discordância.

r x
b
y

Figura 4.13 – Vetor de Burgers para a discordância em cunha.

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Quando uma discordância em cunha é introduzida no cristal, os átomos acima da


linha da discordância ficam bastante comprimidos, enquanto os átomos abaixo da linha de
discordância ficam muito tracionados; portanto, zonas de compressão e de tração
acompanham uma discordância em cunha, de modo que há um aumento de energia ao
longo da mesma, conforme mostra a Figura 4.14, obtida por fotoelasticidade.

Figura 4.14 – Componentes de tração e compressão envolvendo uma


discordância em cunha.

b) Discordância em hélice
Uma discordância em hélice, também chamada de discordância em espiral ou
discordância em parafuso, ocorre quando o empilhamento atômico em torno da linha da
discordância é feito na forma de uma mola helicoidal, conforme mostra a Figura 4.15.

(a) (b)

Figura 4.15 – Uma discordância em hélice: no interior do cristal (a); vista por cima (b)
(adaptada de CALLISTER, 2002)

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Nas discordâncias em hélice o vetor de Burgers é paralelo à linha de discordância.


Tensões de cisalhamento estão associadas aos átomos adjacentes; assim sendo, esse
tipo de discordância também provoca um aumento de energia, visualizado na Figura 4.16.

Figura 4.16 – Tensões de cisalhamento associadas a uma discordância em hélice.

c) Discordância Mista
A discordância mista tem os componentes em cunha e em hélice, com uma região de
transição entre eles; o vetor de Burgers, no entanto, permanece o mesmo em todas as
regiões da discordância (Figura 4.17).

(a) (b)

Figura 4.17 – Representação esquemática de uma discordância mista (a). Vista superior,
onde os círculos abertos representam posições atômicas acima do plano de deslizamento, e
os pretos representam átomos abaixo do plano de deslizamento (b) (adaptada de
CALLISTER, 2002).

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4.4.2.2 Alguns conceitos relativos às discordâncias:


• Deslizamento: É o processo pelo qual uma discordância se move, causando a
deformação do material metálico;
• Direção de deslizamento: É a direção na qual a discordância se move, e é
representada pela direção do vetor de Burgers;
• Plano de deslizamento: É o plano no qual a discordância se movimenta, e é
definido pelo vetor de Burgers e pela linha da discordância;
• Sistema de deslizamento: É a combinação da direção de deslizamento e o plano de
deslizamento;
As discordâncias estão intimamente associadas à cristalização. As discordâncias em
cunha são originadas quando há uma pequena diferença na orientação de partes adjacentes
do cristal em crescimento, de forma que um plano atômico extra é introduzido ou
eliminado. Uma discordância em hélice permite um fácil crescimento do cristal, uma vez
que os átomos e células unitárias adicionais podem se adicionados ao passo da hélice.
As discordâncias estão associadas também com a deformação; uma tensão de
cisalhamento origina tanto uma discordância em cunha como uma em hélice; ambas levam
ao mesmo deslocamento final e estão relacionadas através da discordância mista (Figura
4.18).

(a) (b) (c)

Figura 4.18 – Representação esquemática de discordâncias: em cunha (a), em hélice (b)


e mista (c) (VAN VLACK, 1977)

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4.4.2.3 Discordâncias e deformação mecânica


Uma das maneiras de representar o que acontece quando um material se deforma é
imaginar o deslizamento de um plano atômico em relação a outro plano adjacente (Figura
4.19). Se for tomado como base que o deslizamento ocorre pelo rompimento simultâneo
das ligações atômicas, é possível fazer uma estimativa teórica da tensão cisalhante crítica
necessária para deformar o material, que é o valor máximo da tensão de cisalhamento
acima do qual o cristal começa a cisalhar.

Plano de
deslizamento

(a) (b)

Figura 4.19 – Representação bidimensional de um cristal: não cisalhado (a);


cisalhado (b).

Entretanto, os valores teóricos para essa tensão são muito maiores do que os valores
obtidos experimentalmente. Essa discrepância só foi entendida quando se descobriu a
presença das discordâncias.
As discordâncias reduzem a tensão necessária para cisalhamento, ao introduzir um
processo seqüencial, e não simultâneo, para o rompimento das ligações atômicas no plano
de deslizamento. Portanto, quando uma força cisalhante com a direção do vetor de Burgers
é aplicada ao cristal, uma discordância é gerada pela quebra das ligações entre os átomos
no plano, conforme ilustrado na Figura 4.20; o plano cortado é deslocado para estabelecer
ligações com o próximo plano parcial originado da mesma forma que o anterior; esse
deslocamento causa o movimento da discordância de um espaçamento atômico; se o
processo continua, a discordância move-se através do cristal até que um degrau seja
produzido no exterior do cristal, caracterizando assim, a sua deformação.

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Como pode ser constatado na figura, a linha da discordância é a fronteira entre as


regiões cisalhada e não cisalhada do cristal.

tensão cisalhante

tensão cisalhante

tensão cisalhante

tensão cisalhante

Figura 4.20 – Processo seqüencial do cisalhamento.

4.4.2.4 Energia e discordância


A energia associada a uma discordância depende do seu vetor de Burgers (varia com
o quadrado do vetor de Burgers). Uma discordância com alto vetor de Burgers tende a se
dissociar em duas ou mais discordâncias de menores vetores de Burgers; como os novos
vetores são menores que o vetor da rede, forma-se um defeito chamado de falha de
empilhamento (“stacking fault”), ilustrado na Figura 4.21.

D Neste caso, a reação


de dissociação é:

b1 → b2 + b3

b1 b2 b3

Figura 4.21 – Falha de empilhamento.

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A reação de dissociação é energeticamente favorável se: b12 > b22 + b32

4.4.2.5 Movimento de discordâncias


Uma discordância em cunha só pode se mover no plano de deslizamento definido
pela linha da discordância e seu vetor de Burgers; todavia, sob certas condições, uma
discordância em cunha pode sair do seu plano de deslizamento para um plano paralelo a
este situado acima ou abaixo. Este processo, esquematizado na Figura 4.22, é chamado de
escalagem (“climb”) da discordância, e ocorre a altas temperaturas, pois envolve difusão e
migração de lacunas.

Fileira de Plano de Novo plano de


vacâncias deslizamento deslizamento

Figura 4.22 – Movimento de escalagem de uma discordância em cunha.

O fenômeno do deslizamento cruzado (“cross-slip”) é restrito às discordâncias em


hélice, pois sendo paralelos, a linha da discordância e o seu vetor de Burgers não definem
um plano específico de deslizamento como na discordância em cunha; portanto, quando
uma discordância em hélice, movendo-se em um plano de deslizamento, encontra um
obstáculo que a bloqueia, pode mudar para outro plano de deslizamento, apropriadamente
orientado, e continuar o seu movimento.
Em muitos metais HC, nenhum deslizamento cruzado é observado, pois os planos de
deslizamento são paralelos (não se interceptam); entretanto, adicionais sistemas de
deslizamento tornam-se ativos quando esses metais são aquecidos ou formam ligas com
outros, melhorando a sua ductilidade. Em metais CFC e CCC, o deslizamento cruzado é
possível, devido ao número de sistemas de deslizamento que se interceptam.

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4.4.2.6 Interseção de discordâncias


Uma vez que mesmo os cristais recozidos possuem muitas discordâncias,
freqüentemente uma discordância, movimentando-se no seu plano de deslizamento,
intercepta outra discordância em planos de deslizamento que se cruzam. O efeito da
interseção em cada uma das discordâncias depende dos tipos de discordâncias envolvidas e
do ângulo entre os seus vetores de Burgers. A seguir serão estudados alguns casos mais
importantes sobre interseção de discordâncias:

• Caso 1 - Interseção de duas discordâncias em cunha com vetores de Burgers formando


um ângulo reto entre si (Figura 4.23):

b1 b1

X
PAD
A A P
D
D
P’

b2 b2 Y

PXY
X

(a) (b)

Figura 4.23 – Discordâncias em cunha com os vetores de Burgers perpendiculares:


antes da interseção (a) e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Uma discordância em cunha XY com vetor de Burgers b1, movimentando-se no plano


PXY, corta a discordância AD com vetor de Burgers b2, a qual se encontra no plano
PAD;
− Neste caso, será produzido um degrau PP’ na discordância AD, que é paralelo a b1,
mas possui vetor de Burgers b2, pois é parte da linha de discordância APP’D;
− O comprimento do degrau é igual a b1 e possui uma orientação em cunha, podendo,
desta forma, deslizar com o resto da discordância;

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− Um degrau se forma quando o vetor de Burgers de uma das discordâncias é normal à


linha da outra que a corta (b1 é normal a AD e lhe causa um degrau, enquanto b2 é
paralelo a XY, onde não se forma degrau).

• Caso 2 - Interseção de duas discordâncias em cunha com vetores de Burgers paralelos


(Figura 4.24):

b1
1
Q’
1
P’ Q
2
P
2
b2

(a) (b)

Figura 4.24 – Discordâncias em cunha com vetores de Burgers paralelos: antes da


interseção (a) e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Neste caso, ambas as discordâncias formam degrau, sendo b1 o comprimento do


degrau PP’ e b2 o comprimento do degrau QQ’;
− Deve ser observado que os dois degraus possuem orientação em hélice e se
encontram nos planos de deslizamento originais das discordâncias, em vez de planos
de deslizamento vizinhos como no caso anterior;
− Os degraus deste tipo, que se encontram no plano de deslizamento e não normal a
eles, são chamados normalmente de dobras, e são instáveis porque durante o
deslizamento podem se alinhar com o resto da discordância.

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• Caso 3 - Interseção de uma discordância em hélice com uma em cunha (Figura 4.25):

1 b2
2 b2
b1

b1
1 2

(a) (b)

Figura 4.25 – Discordâncias em cunha e em hélice se interceptando: antes da interseção (a)


e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Esta interseção produz degraus de orientação em cunha em ambas as discordâncias;

• Caso 4 - Interseção de duas discordâncias em hélice (Figura 4.26):

b2 b2 b1
1 b1

2
2 1

(a) (b)

Figura 4.26 – Discordâncias em hélice se interceptando: antes da interseção (a)


e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Também produz degraus de orientação em cunha em ambas as discordâncias;


− Do ponto de vista da deformação plástica, este é o tipo mais importante de
interseção.

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Os degraus produzidos no caso da interseção entre duas discordâncias em cunha, de


qualquer orientação de b, podem deslizar livremente, pois se encontram nos planos de
deslizamento das discordâncias originais.
A única diferença entre o movimento de uma discordância em cunha com degrau e
uma comum está no fato de que a primeira desliza sobre uma superfície escalonada,
enquanto que a segunda o faz ao longo de um único plano de deslizamento.
Desta forma, as discordâncias em cunha pura não têm o seu movimento afetado pela
presença de degraus nas suas linhas. Todavia, todos os tipos de degraus formados em uma
discordância em hélice apresentam orientações em cunha; e uma vez que a discordância
em cunha só pode movimentar-se livremente em um plano contendo sua linha e o vetor de
Burgers, a única maneira do degrau se movimentar por deslizamento (movimento
conservativo) é ao longo do eixo da discordância em hélice (o degrau tem o seu
movimento restrito ao plano AA’BB’ (Figura 4.27).

O
N’

N B’
M A’
b B

Figura 4.27 – Movimento de degrau sobre discordância em hélice (DIETER, 1982)

A única maneira possível da discordância em hélice deslizar para uma nova posição
MNN’O levando junto o seu degrau é através de um movimento não-conservativo deste
degrau, tal como a escalagem; como a escalagem é um processo termicamente ativado, o
movimento de discordâncias em hélice que apresentam degraus na linha é dependente da
temperatura; portanto, nas temperaturas em que a escalagem não ocorrer, o movimento das
discordâncias em hélice será travado pelos degraus.

4.4.2.7 Multiplicação de discordâncias


Os cristais metálicos recozidos podem ser deformados plasticamente mais de 10
vezes que o valor calculado teoricamente; portanto, durante a deformação plástica, além

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das discordâncias abandonarem o cristal, elas se multiplicam. Isto pode ser confirmado
medindo-se a densidade de discordâncias após a deformação, cujo valor é várias ordens de
grandeza maior que a densidade inicial no cristal recozido.
Essas considerações mostram a necessidade da ocorrência de multiplicação de
discordâncias durante a deformação plástica, caso contrário não seria possível justificar a
alta plasticidade dos metais.
O mecanismo mais conhecido e aceito que justifique a multiplicação de
discordâncias foi proposto por Frank e Read, em 1950, e é chamado normalmente de fonte
de Frank-Read, descrita a seguir com o auxílio da Figura 4.28.

Figura 4.28 – Representação esquemática da operação de uma fonte


de Frank-Head (DIETER, 1982).

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• Considere uma linha de discordância AB situada em um plano de deslizamento (o plano


da figura é o plano de deslizamento); a linha de discordância é imobilizada nos
obstáculos A e B (fase 1);
• Se uma tensão cisalhante atua no plano de deslizamento, a linha de discordância se
abaula e produz deslizamento; para uma dada tensão a linha de discordância apresentará
um certo raio de curvatura (fase 2);
• O valor máximo da tensão cisalhante acontecerá quando o abaulamento da discordância
se tornar um semicírculo (fase 3);
• Além desse ponto o raio do semicírculo crescerá e o anel de discordância continuará a
se expandir com uma tensão decrescente (fases 4 a 6);
• Quando o anel atingir o formato da fase 7, os segmentos se encontrarão;
• Esses segmentos, então, anularão um ao outro, formando um anel grande e
restabelecendo a discordância original (Fase 8).

4.4.2.8 Considerações sobre o deslizamento


Durante o deslizamento, a discordância se move de uma posição da rede para outra
com vizinhança idêntica a anterior. A tensão necessária para mover a discordância de uma
posição de equilíbrio para outra é dada pela equação de Peiers-Nabarro:

τ = c ⋅ exp(− kd b ) ,

onde τ = tensão de cisalhamento necessária para mover a discordância; d = distância


interplanar entre planos de deslizamento entre planos de deslizamento adjacentes; b =
módulo do vetor de Burgers; c, k = constantes do material.
Da equação de Peiers-Nabarro, verifica-se que:
• A tensão necessária para causar a movimentação de uma discordância aumenta
exponencialmente com o comprimento do vetor de Burgers; portanto, a direção de
deslizamento deve ter uma pequena distância de repetição ou alta densidade linear (as
direções compactas em metais e ligas satisfazem este critério e são as direções de
deslizamento usuais).
• A tensão necessária para causar a movimentação de uma discordância decresce
exponencialmente com o espaçamento interplanar dos planos de deslizamento; portanto,

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o deslizamento ocorre mais facilmente entre planos de átomos que têm saliências
menores (picos e vales menores na superfície) e entre planos que estão mais afastados
(ou têm espaçamento interplanar relativamente maior). Planos com uma densidade
planar mais alta satisfazem esta condição; portanto, os planos preferenciais de
deslizamento são os tipicamente compactos ou aqueles com compacidade mais alta
possível.

As diferenças no comportamento de metais que apresentam diferentes estruturas


cristalinas podem ser compreendidas pelo exame da força necessária para iniciar o
processo de deslizamento.
Suponha que uma força unidirecional F seja aplicada em um cilindro de metal
monocristalino (Figura 4.29). O ângulo entre a direção de deslizamento e o eixo da força
aplicada é definido por λ, e ângulo entre a normal ao plano de deslizamento e a força
aplicada é definido por φ:

F
σ=
Ao

φ λ
Normal ao plano Fr = F cos λ
de deslizamento direção de
deslizamento r Fn
F
τr =
Fr λ
A A Fr = F cos λ
plano de
Tensão de
deslizamento Ao
cisalhamento

(a) (b)

Figura 4.29 – Tensão de cisalhamento resolvida produzida em um sistema de deslizamento


(a); esquema de forças atuantes (b) (adaptada de ASKELAND & PHULÉ, 2003)

Para que a discordância possa se movimentar em seu sistema de deslizamento, uma


força de cisalhamento na direção de cisalhamento deve ser produzida pela força aplicada
no cilindro. A força de cisalhamento resolvida Fr é dada por:

Fr = F cos λ

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Se dividirmos a equação acima pela área do plano de deslizamento, A = Ao / cos φ,


obteremos a equação conhecida por lei de Schmid,

τ r = σ cos φ cos λ
onde
Fr
τr = = tensão de cisalhamento resolvida, na direção de cisalhamento
A
F
σ= = tensão unidirecional aplicada ao cilindro.
Ao

A tensão de cisalhamento resolvida crítica (τcrss) é a tensão necessária para romper as


ligações metálicas para que ocorra o deslizamento; portanto, o deslizamento ocorre,
causando a deformação plástica no metal, quando a tensão aplicada (σ) produz uma tensão
de cisalhamento resolvida (τr) igual à tensão de cisalhamento resolvida crítica (τr = τcrss).

4.4.2.9 Empilhamento de discordâncias (“pile-up”)


Freqüentemente as discordâncias se empilham sobre o plano de deslizamento ao
encontrarem barreiras tais como contornos de grão, segundas-fases ou discordâncias
bloqueadas. Além da tensão cisalhante aplicada, atua também sobre a discordância líder a
força resultante de sua interação com as outras discordâncias do empilhamento. Isto
acarreta uma alta concentração de tensões sobre a discordância líder do empilhamento.
Quando o empilhamento é formado por muitas discordâncias, a tensão sobre a
discordância líder pode atingir valores próximos ao da tensão cisalhante teórica do cristal.
Este valor de tensão tanto pode iniciar o escoamento no outro lado da barreira, como
também, dependendo das circunstâncias, pode nuclear uma trinca na barreira.
Como resultado do empilhamento de discordâncias, existe uma tensão de recuo que
se opõe ao movimento de novas discordâncias o longo do plano de deslizamento segundo a
direção de deslizamento.
Em um empilhamento, as discordâncias tendem a ficar muito próximas umas das
outras na ponta do arranjo e mais largamente espaçadas à medida que se caminha na
direção da fonte geradora (Figura 4.30).

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Obstáculo

Fonte
┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴┴
θ
L r
P

Figura 4.30 – Empilhamento de discordâncias (adaptada de DIETER, 1982).

O número de discordâncias que podem ocupar uma distância L entre a fonte e o


obstáculo, ao longo do plano de deslizamento, é

kπτ s L
n=
Gb

onde τs é a tensão cisalhante resolvida média no plano de deslizamento, G é o módulo de


rigidez do material, e k é um fator próximo da unidade. Para uma discordância em cunha, k
= 1- ν, enquanto que para uma discordância em hélice, k = 1. Quando a fonte se situa no
centro de um grão de diâmetro D, o número de discordâncias no empilhamento é dado por

kπτ s D
n=
4Gb

Uma vez que a tensão de recuo que atua sobre a fonte é decorrente de discordâncias
empilhadas em ambos os lados da fonte, aplica-se o fator 4 em vez do fator 2 esperado.
Para muitos propósitos, pode-se considerar um arranjo de n discordâncias empilhadas
como sendo uma discordância gigante com vetor de Burgers nb. A tensão devido às
discordâncias, para grandes distâncias do empilhamento, pode ser considerada como sendo
originada por uma discordância de módulo nb localizada no centro de gravidade a três
quartos da distância da fonte até a ponta do empilhamento. O deslizamento total produzido
por um empilhamento pode ser considerado aquele devido a uma única discordância nb
movimentando-se de uma distância 3L/4. Na ponta do empilhamento atua uma força muito
alta sobre as discordâncias. Esta força é igual a nbτs, onde τs é a tensão cisalhante resolvida
média sobre o plano de deslizamento.

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O número de discordâncias que podem ser bloqueadas por um obstáculo dependerá


do tipo de barreira, da relação de orientação entre o plano de deslizamento e as
características estruturais da barreira, do material e da temperatura. O colapso da barreira
pode ocorrer através de deslizamento em um novo plano, escalagem de discordâncias
contornando a barreira, ou pela geração de tensões suficientemente grandes capazes de
produzir uma trinca.

4.4.2.10 Outras considerações sobre discordâncias


A quantidade e o movimento das discordâncias podem ser controlados pelo grau de
deformação (conformação mecânica) e/ou por tratamentos térmicos. Com o aumento da
temperatura há um aumento na velocidade de deslocamento das discordâncias,
favorecendo o aniquilamento mútuo das mesmas e formação de discordâncias únicas.
Impurezas tendem a difundir-se e concentrar-se em torno das discordâncias
formando uma atmosfera de impurezas.
A densidade das discordâncias depende da orientação cristalográfica, pois o
cisalhamento se dá mais facilmente nos planos de maior densidade atômica.
As discordâncias geram lacunas, como também influem nos processos de difusão, e a
sua formação contribui para a deformação plástica dos materiais.

4.5 Defeitos superficiais


Os cristais também apresentam defeitos em duas dimensões que se estendem ao
longo de sua estrutura, formando superfícies que são denominadas de imperfeições de
superfície ou fronteiras. Os principais tipos de defeitos cristalinos nessa categoria são:
superfícies livres, contornos de grão, falhas de empilhamento e maclas.

a) Superfícies livres
As dimensões exteriores do material representam superfícies onde o cristal termina
rapidamente, ou seja, a superfície externa é o término da estrutura cristalina (Figura 4.31).
Entretanto, os átomos da superfície não são completamente comparáveis aos do interior do
cristal, pois possuem vizinhos de apenas um lado; portanto, têm energia mais alta que os
átomos internos e estão ligados a estes mais fragilmente (átomos fora da posição de
equilíbrio).

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A Tabela 4.2 lista os valores da energia de superfície de alguns metais. A energia


superficial é expressa em erg/cm2 ou J/m2.

Superfície
externa

Figura 4.31 – Átomos da superfície do cristal.

Tabela 4.2 – Energia de superfície de alguns metais.


Energia de superfície
Material
(mJ/m2)
Alumínio 1100
Ouro 1400
Cobre 1750
Ferro (CCC) 2100
Ferro (CFC) 2200
Platina 2100
Tungstênio 2800
Magnésio 1200
Alumina (Al2O3) 2500 a 3000
Fonte: Padilha (2000)

b) Contornos de grão
Durante a solidificação do material, vários núcleos sólidos surgem no interior do
líquido. Em uma fase seguinte, denominada de crescimento, esses núcleos crescem e se
juntam, formando nestas juntas, uma região conhecida como contorno de grão. Como os
diversos grãos formados não apresentam a mesma orientação cristalográfica, o encontro
dos mesmos cria superfícies de contato dentro do cristal, formadas por átomos
desordenados (Figura 4.32).

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Líquido

Núcleo

a b

Contorno
de grão

Grão
c d

Figura 4.32 – Formação de contornos de grãos.

A estrutura de muitos materiais cerâmicos e metálicos consiste de muitos grãos


(Figura 4.33).

Contorno
de grão
Grão

Figura 4.33 – Estrutura mostrando os grãos e seus contornos.

Um grão é uma porção do material, na qual todos os átomos estão arranjados


segundo um único modelo e uma única orientação, caracterizada pela célula unitária;

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entretanto, a orientação do arranjo de átomos, ou a estrutura cristalina, é diferente para


cada grão.
Um contorno de grão é a superfície que separa os grãos individuais, e é uma zona de
transição restringida onde os átomos não estão apropriadamente espaçados, ou seja, é uma
zona entre grãos, a qual não está alinhada com nenhum dos grãos; isto causa, nessas zonas,
o surgimento de regiões de compressão em algumas áreas e de regiões de tração em outras.
Portanto, os átomos ao longo do contorno têm uma energia mais elevada que aqueles
do interior do grão, conforme pode ser observado na Tabela 4.3.

Tabela 4.3 – Energia de contorno de alguns metais.


Material Energia de contorno
(mJ/m2)
Alumínio 600
Ouro 400
Cobre 530
Ferro (CCC) 800
Ferro (CFC) 790
Platina 780
Tungstênio 1070
Alumina (Al2O3) 1900
Fonte: Padilha (2000)

A forma do grão é controlada pela presença dos grãos circunvizinhos; o tamanho de


grão é controlado pela composição e pela taxa de cristalização ou solidificação.
É importante o conhecimento do tamanho de grão de um material policristalino, visto
que o número de grãos tem papel significativo em muitas propriedades dos materiais,
especialmente na resistência mecânica; logo, um método de controlar as propriedades de
um material é controlando o tamanho dos grãos que o formam.
Pela redução do tamanho de grão, o número de grãos crescerá e, conseqüentemente,
haverá um aumento da quantidade de áreas de contornos de grão:
• Em baixas temperaturas, até a metade da temperatura de fusão, os contornos de grãos
aumentam a resistência do material por meio da limitação do movimento de
discordâncias, ou seja, o movimento de uma discordância fica restringido, pois logo
encontrará um contorno de grão que a travará.
• Em temperaturas acima de cerca da metade do ponto de fusão, a deformação pode
ocorrer por deslizamento ao longo dos contornos de grão. Isto se torna mais
proeminente com o aumento da temperatura e com a diminuição da taxa de deformação,

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assim como em fluência (o mecanismo de deformação plástica nestas temperaturas é o


de fratura intergranular); este mecanismo é um dos responsáveis pela diminuição da
resistência mecânica do material em temperaturas elevadas.
A equação de Hall-Petch relaciona o tamanho de grãos com o limite de escoamento
do material (ASKELAND & PHULÉ, 2003):

σ y = σ o + KD −1 2

onde σy é o limite de escoamento, D é o diâmetro médio dos grãos, e σo e K são constantes


do material.

Tamanho de grão
A padronização do tamanho de grão pode ser feita por meio do número de tamanho
de grão da ASTM, que é determinado pela equação:

N = 2 n −1

onde n é o número inteiro definido como o número do tamanho de grão da ASTM, N é o


número de grãos por polegada quadrada, em um material polido, atacado quimicamente e
observado com o aumento de 100X.
Um número do tamanho de grão elevado indica muitos grãos ou um tamanho de grão
pequeno, que é correlacionado com alto limite de escoamento para metais. A Tabela 4.4
apresenta a padronização do tamanho de grão cristalino segundo a ASTM, cuja ilustração
encontra-se na Figura 4.34.

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Tabela 4.4 – Padronização do tamanho de grão segundo a ASTM.


Quantidade média de grãos
Número do tamanho de grão (N) Diâmetro de grão
(n) 2 2
por mm x 1 por pol x 100 médio (mm)

1 16 1 0,75
2 32 2 0,50
3 64 4 0,35
4 128 8 0,25
5 256 16 0,18
6 512 32 0,125
7 1024 64 0,062
8 2048 128 0,044
9 4096 256 0,032
10 8200 512 0,022

Figura 4.34 – Ilustração esquemática do tamanho de grão segundo a ASTM.

A microscopia ótica é uma técnica usada para revelar detalhes microestruturais que
necessitam de amplificações menores que 2000 vezes, como os contornos de grão. A
Figura 4.35 mostra uma micrografia de um aço inoxidável austenítico.

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Figura 4.35 – Micrografia de um aço austenítico.

Nos contornos de grão há um empacotamento atômico menos eficiente e uma energia


mais elevada, como também ocorre o favorecimento da nucleação de novas fases
(segregação), o favorecimento a difusão e a ancoragem do movimento das discordâncias.

Contornos de pequeno ângulo


Uma subestrutura definida pode existir dentro dos grãos envolvidos por contornos de
grão de alta energia. Os contornos dessa subestrutura são denominados de contornos de
pequeno ângulo, porque a diferença de orientação entre esses contornos (desorientação) é
pequena (da ordem de apenas uns poucos minutos de arco ou, no máximo, uns poucos
graus).
Um contorno de pequeno ângulo é formado pelo alinhamento de discordâncias;
portanto, é um arranjo de discordâncias que produz uma desorientação entre cristais
adjacentes, conforme mostra a Figura 4.36.

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Figura 4.36 – Desenho esquemático da formação de um contorno de pequeno ângulo


(DIETER, 1982).

Como a energia superficial dos contornos de pequeno ângulo é menor que a do


contorno de grão regular, eles não são eficazes como um bloqueador de discordâncias e,
também, são menos atacados quimicamente do que os contornos de grãos.
A situação mais simples é o caso do contorno de empilhamento de discordâncias em
aresta, denominado contorno inclinado (“tilt boundary”), mostrado na Figura 4.36, onde se
verifica:
• A pequena diferença entre os grãos é indicada pelo ângulo θ;
• Os dois cristais se juntam formando um contorno de pequeno ângulo;
• Ao longo do contorno os átomos ajustam suas posições por uma deformação localizada
para produzir uma suave transição de um grão para outro; entretanto, uma deformação
elástica não pode acomodar todo o desarranjo, de maneira que alguns planos de átomos
devem terminar no contorno.
• Onde um plano de átomos termina existe uma discordância em cunha; portanto,
contornos de pequeno ângulo podem ser considerados como um arranjo de
discordâncias em cunha.
• A relação entre θ e o espaçamento das discordâncias é dada por

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b b
θ = 2 tan −1 ≈
2D D

onde b é o tamanho do vetor de Burgers da discordância.

Um contorno de pequeno ângulo formado por discordâncias em hélice é denominado


de contorno torcido (“twist boundary”).
Contornos de pequeno ângulo podem ser formados de várias maneiras: durante o
crescimento do cristal, durante deformação em fluência a alta temperatura, ou como
resultado de uma transformação de fase.
Um dos métodos mais comuns para produzir uma rede de subestruturas é pela
introdução de pequenos graus de deformação (de cerca de 1 a 10% de pré-deformação)
seguida de um tratamento de recozimento para rearranjar as discordâncias em contornos de
subgrão. A quantidade de deformação e a temperatura devem ser baixas o bastante para
evitar a formação de novos grãos por recristalização. Esse processo é chamado de
recristalização localizada ou poligonização.
O termo poligonização foi usado originalmente para descrever a situação que ocorre
quando um cristal é dobrado com um raio de curvatura relativamente pequeno e depois
recozido. O dobramento produz um excessivo número de discordâncias de mesmo sinal.
Estas discordâncias ficam distribuídas nos planos de dobramento, como mostra a Figura
4.37-a. Quando o cristal é aquecido elas se agrupam em configuração de mais baixa
energia, como as de um contorno de pequeno ângulo, onde é envolvido o processo de
escalagem. A estrutura resultante é uma rede de aspecto poligonal de contornos de pequeno
ângulo, mostrada na Figura 4.37-b.

Figura 4.37 – Movimento de discordâncias para produzir poligonização


(DIETER, 1982).

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c) Falha de empilhamento
São defeitos superficiais que ocorrem em metais CFC e HC e representam um erro
na seqüência regular de empilhamento de planos compactos.
Nos metais CFC a seqüência de empilhamento regular produzida é
...ABCABCABC..., e nos metais HC a seqüência regular é ...ABABAB...; entretanto, estas
seqüências podem ser localmente alteradas por deformação plástica e aglomerado de
defeitos puntiformes criados por irradiação do material por partículas pesadas de alta
energia ou têmpera, dando origem aos defeitos de empilhamento, mostrados a seguir:

CFC: ...ABCABABC...
Defeito de empilhamento: Na porção indicada da
seqüência, um plano A aparece onde um plano C
deveria estar normalmente localizado.

HC: ...ABABBAB...
Defeito de empilhamento: Na porção indicada da
seqüência, um plano B aparece onde um plano A deveria
estar normalmente localizado.

A energia associada à falha de empilhamento é fornecida na Tabela 4.5, para alguns


materiais.

Tabela 4.5 – Energia de falha de empilhamento para alguns materiais.


Energia de falha de
Material Estrutura empilhamento
(mJ/m2)
Tungstênio CCC 1860
Molibdênio CCC 1450
Tântalo CCC 942
Nióbio CCC 537
Níquel CFC 220
Alumínio CFC 163
Cobre CFC 62
Ouro CFC 50
Prata CFC 22
Aço AISI 304L CFC 19
Latão (30%Zn) CFC 12
Zinco HC 140
Magnésio HC 125
Cádmio HC 175
Fonte: Padilha (2000)

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d) Maclas
Ocorrem quando parte da rede cristalina é deformada, de modo a formar uma
imagem especular da parte não deformada (Figura 4.38).

Macla

Planos de espelho
(contornos de macla)

Figura 4.38 – Plano de macla.

O plano cristalográfico de simetria entre as regiões deformada e não deformada é


chamado de plano de maclação ou contorno de macla.
As maclas podem ser produzidas em certos materiais metálicos, a partir de tensões
mecânicas ou térmicas oriundas de processos de deformação ou tratamento térmico, pela
produção de uma força de cisalhamento atuando ao longo do contorno de macla, causando
a mudança de posição dos átomos.
Esses defeitos ocorrem durante a deformação ou tratamento térmico de certos
materiais metálicos.
Os contornos de macla interferem com o processo de deslizamento e,
conseqüentemente, aumentam a resistência do material.
Também ocorrem em alguns materiais cerâmicos (zircônia monoclínica e silicato de
cálcio).
Em função da alta energia associada, os contornos de grão são mais eficazes no
bloqueio de discordâncias do que falhas de empilhamento ou contornos de maclas,
conforme comparação feita na Tabela 4.6.

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Tabela 4.6 – Quadro comparativo das energias associadas aos defeitos superficiais
Energia de superfície (J/m2)
Imperfeição superficial
Alumínio Cobre Platina Ferro
Falha de empilhamento 200 75 95 -
Contorno de macla 120 45 195 190
Contorno de grão 625 645 1000 780

A Figura 4.39 refere-se a uma micrografia obtida por microscopia ótica de um aço
inoxidável duplex envelhecido, onde várias maclas podem ser observadas.

Macla

Figura 4.39 – Micrografia onde várias maclas são visíveis (LOPES, 2006).

4.6 Defeitos volumétricos ou de massa


Os materiais sólidos apresentam outros tipos de defeitos que são muito maiores do
que aqueles que foram estudados até aqui, tais como poros, trincas, inclusões e outras
fases.
Estes defeitos são normalmente introduzidos durantes as etapas de processamento do
material e/ou na fabricação do componente. As figuras subseqüentes ilustram alguns
defeitos volumétricos.

a) Inclusões
São impurezas estranhas ao material, tais como óxidos e sulfetos, dentre outros. A
Figura 4.40 mostra inclusões como observadas no microscópio.

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Figura 4.40 – Micrografia apresentando inclusões.

b) Precipitados
São aglomerados de partículas cuja composição difere da matriz (Figura 4.41).

Precipitados Precipitados

Fase austenita Fase ferrita

Figura 4.41 – Micrografias ótica e eletrônica de varredura de uma amostra de aço


inoxidável duplex envelhecido (LOPES, 2006)

c) Fases
Forma-se devido à presença de impurezas ou elementos de liga, e ocorrem quando o
limite de solubilidade é ultrapassado (Figura 4.41).

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d) Porosidade
Origina-se devido à presença ou formação de gases. Por exemplo, a superfície de
material puro durante o seu processamento por metalurgia do pó (Figura 4.42).

Figura 4.42 – Micrografia mostrando regiões de porosidade.

4.7 Referências bibliográficas


ASKELAND, Donald R.; PHULÉ, Pradeep P. The science and engineering of materials.
4.ed. California: Brooks/Cole-Thomson Learning, 2003.

DIETER, G.E. Metalurgia mecânica. 2a Ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Dois, 1981.

CALLISTER JR., William D. Ciência e engenharia de materiais: uma introdução. 5.ed.


Rio de Janeiro: LTC, 2002.

CARAM JR., Rubens. Estrutura e propriedades dos materiais. Apostilha de aula.


Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2000.

FREIRE, J.M. Materiais de construção mecânica: Fundamentos de tecnologia mecânica.


Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1983.

LOPES, Jorge Teófilo de Barros. Influência da presença de fases frágeis e da temperatura


nas propriedades de propagação de trinca por fadiga do aço inoxidável duplex UNS
S31803. Campinas: Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de
Campinas, 2006. 155p. Tese (Doutorado).

PADILHA, Angelo F. Materiais de engenharia: microestrutura e propriedades. Curitiba:


Hemus, 2000.

SMITH, William F. Princípios de ciência e engenharia de materiais. 3.d. New York:


McGraw-Hill, 1998.

VAN VLACK, L.H. Princípios de ciência dos materiais. 3.d. São Paulo: Edgard Blücher,
1977.

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