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Resumo
Neste artigo, faremos um breve passeio por conceitos que nos servirão de guia para
analisar trechos da obra NAWLZ, hqtrônica do australiano Stu, artista multimídia.
Passaremos inicialmente pelas definições de ficção científica e deslocamento conceitual e
observaremos aplicações do último na construção do universo ficcional de NAWLZ,
narrativa que contextualiza possíveis aplicações para a tecnologia de Realidade Ampliada.
Faremos um rápido paralelo entre esta narrativa e Neuromancer, de William Gibson.
Palavras-chave: ficção científica, deslocamento conceitual, sinestesia, história em
quadrinhos; hqtrônica.
Abstract
This article, a brief tour of concepts that will guide us to analyze portions of the work
NAWLZ, hqtrônica Australian Stu, multimedia artist. Pass initially by the definitions of
science fiction and conceptual shift and observe the latest applications in the construction
of the fictional universe of NAWLZ, narrative that contextualizes possible applications for
the technology of AR. We will do a quick parallel between this narrative and Neuromancer
by William Gibson.
Keywords: sci-fi; conceptual shift; synesthesia; comics; webcomics.
i
Edgar Franco: Artista multimídia, arquiteto pela UnB, mestre em Multimeios pela Unicamp, doutor em artes
pela ECA/USP e professor do mestrado em Cultura Visual da FAV/UFG. Coordena o grupo de estudos e
produção Criação e Ciberarte, da FAV/UFG.
ii
Gabriel Lyra Chaves: Bolsista Capes no Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual-Mestrado da
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, é graduado em História pela UFG, e
desenvolve seu projeto de mestrado sobre as relações entre pensamento científico e anseios transcendentais,
manifestas em narrativas de ficção científica feitas na linguagem de história em quadrinhos. Integra o grupo
de estudos e produção Criação e Ciberarte, da FAV/UFG.
1. FICÇÃO CIENTÍFICA E DESLOCAMENTO CONCEITUAL
Buscaremos mapear aqui algumas características que separam FC de outras formas
narrativas, lembrando que as transições, divisões e fronteiras nem sempre se mostram
claras. E, quando levamos em conta a crescente interação entre os mais variados estratos de
nossa sociedade e os meios de comunicação de massa, cortando nossa paisagem como uma
série de estradas, a tentativa de restrição da ficção científica a uma linha de produção única
ou predominantemente construída para determinada mídia pode ser vista como um ato, no
mínimo, temerário. Partindo dessa perspectiva ela será adotada como gênero narrativo, de
sorte a não excluir do terreno da FC produções em cinema, literatura, ensaios, história em
quadrinhos, jogos eletrônicos, seriados para TV, e todas as outras formas de narrativa
possíveis. Temos então um espaço amplo, com algumas zonas bastante particulares e
características, mas também com muitas fronteiras difusas.
Para ir um pouco mais fundo nas possibilidades de análise deste gênero, recorremos a
Alice Fátima Martins e sua tese Saudades do Futuro (2004), que discorre sobre as
narrativas de ficção científica no cinema, observando-as enquanto manifestações do
imaginário social, carregadas de um discurso ideológico e pautadas em proposições sobre o
devir. A análise, madura e sensível, merece lugar de destaque por trazer uma série de
observações seminais. Como ela afirma,
Para observar a ficção científica enquanto projeção do imaginário social sobre o futuro,
Martins recorre ao conceito de imaginário em Cornelius Castroriadis, lembrando-nos que
A ficção científica tem por costume relacionar áreas de conhecimento diversas e, muitas
vezes, antagônicas, como ciência e religião, subjetividade e cartesianismo, natureza e
tecnologia (FRANCO, 2006, p.87). Essa tendência, inter ou mesmo transdisciplinar, pode
servir para aproximar o leitor não-especializado de conceitos até então restritos ao universo
científico. Destarte, inicia-se um processo de retroalimentação, que abre possibilidade para
duas formas de interpretação, dois escopos distintos para um mesmo fenômeno. Algo como
um cânion que, apesar de ser visto como uma única coisa, possui duas margens, através das
quais se pode observar com clareza o desfiladeiro do lado oposto, mas nunca aquele de
onde olhamos.
Partindo da borda austral, vemos no penhasco oposto a ciência, a se utilizar das
possibilidades levantadas pelos autores de ficção científica para mapear algumas de suas
metas: Júlio Verne sonhou, muito antes que fosse possível tecnicamente, com viagens
submarinas ou espaciais; os telecomunicadores de Star Trek são extremamente
semelhantes, em seu design, a muitos modelos atuais de aparelho celular; o sistema de
defesa militar estadunidense criou um canhão laser como forma de interceptar e destruir
mísseis e aeronaves; para ficarmos em três exemplos.
Pessoalmente, em nossa análise somos levados a crer que não existe ponto de vista mais
correto para este fenômeno. Ao caminharmos pelas duas margens geramos uma visão mais
ampla do cenário. Uma visão que complementa mais do que exclui. Como observa Diana
Domingues:
2. APLICAÇÕES EM NAWLZ
Ficção científica criada pelo ilustrador e designer interativo australiano Stu Campbell (ou
Sutu), e lançada na segunda metade de 2008, Nawlz (www.nawlz.com) é uma narrativa
cyberpunk interativa que se desdobra em vários episódios. Ela explora de maneira
inovadora as possibilidades interativas e imersivas proporcionadas pelas ferramentas da
Internet, mesclando elementos tradicionais da história em quadrinhos (como quadros,
balões de fala e onomatopéias) com as possibilidades criadas pelas novas mídias
eletrônicas (como animação, trilha sonora e diagramação dinâmica), o que nos permite
encaixar essa criação sob o conceito de HQtrônica. A primeira temporada, batizada de
Distortion Reigns Supreme, se divide em 14 episódios. Ali se constrói uma trama
complexa, que problematiza as possíveis aplicações para a tecnologia de Realidade
Ampliada.
Além de poder visualizar essas realidades simuladas sobrepostas, todos em Nawlz são
livres para fazer o que o autor define como cast, uma espécie de transmissão de imagens
mentais. É um esforço considerável, e exige concentração e treino. Mas é algo
aparentemente acessível a todo aquele que deseje se empenhar em tal tarefa, podendo ser
vista como uma espécie de manifestação artística deste futuro hipotético. O personagem
principal, Harley Chambers, trabalha a alguns anos na projeção de um sonho recorrente
que tinha durante a infância, um avatar por ele chamado de Sleeper. Ele pretende cobrir
toda a cidade com sua real, quando se depara com a projeção de um tentáculo que se
parece muito com sua própria criação (Figura 1), além de vislumbrar uma série de
aparentes coincidências, sempre ligadas a manifestações de seu inconsciente. No
desenrolar da trama, vemos o personagem descobrir uma conspiração tecnológica em que
um conglomerado empresarial, chamado Mad Bionix, pretende se apossar dos real de todos
os jovens que se dirigem a um festival de música.
Contudo, é notável a isenção com que Sutu retrata esta juventude e sua relação com novas
e velhas drogas. Não há um julgamento moral aparente, e em determinados momentos a
busca de Harley, mesmo que mediada pelo uso inconseqüente dos novos psicotrópicos, se
aproxima de uma jornada rumo à transcendência, uma busca extremamente subjetiva e
quase espiritual, um resgate do espírito psicodélico das décadas de 1960 e 1970. Através
destas ferramentas, esse personagem pretende estender suas limitações naturais, e é este o
impulso que guia suas escolhas. Ao contrário dos outros adolescentes retratados, Harley
possui uma espécie de busca; encontra-se numa “missão”, mesmo que de cunho
extremamente individualista: realizar a projeção de seu avatar por toda a Nawlz, tornando
visível a todos seu sonho recorrente de infância. Também neste ponto é possível ver
ligações com o futuro hipotético de Neuromancer, da mesma forma ambientado numa
sociedade onde o uso de psicotrópicos é algo comum, e onde a tecnologia atua como uma
espécie de janela para a transcendência do espírito, principalmente no caso do personagem
principal, Case.
Podemos dizer que a representação gráfica de Skyman (Figura 3) – um personagem mais
velho e que existe apenas em projeções de real, pois seu corpo está debilitado por uma
doença degenerativa – ajuda a reforçar o caráter transcendental da busca de Harley, já que
esse é um personagem de certa forma desprovido de corpo físico. Reforça também o
vínculo com a psicodelia, através da profusão de cores utilizada para representá-lo.
Mais uma vez vemos uma ponte de ligação com a obra de Gibson. Nesta, Case é auxiliado
pela representação virtual do hacker McCoy Pauley, um personagem mais velho e
experiente que guia o herói da trama rumo a seus objetivos.
CONSIDERAÇÕES
Observamos ao longo do texto como o deslocamento conceitual, tal qual definido por
Phillip K. Dick, pode ser visto como uma representação social alegórica, criada pelos
autores de ficção científica para retratar suas próprias estruturas sociais. Estas
manifestações podem, portanto, ser vistas como manifestações de um imaginário social
alterado pela presença da tecnologia e dos constantes avanços científicos, característicos
das sociedades industrial e pós-industrial. Neste artigo, nos adentramos no universo
ficcional de Nawlz, criado por Sutu. Nele vemos um grupo de adolescentes e suas relações
com elementos como seus anseios transcendentais, a tecnologia e os psicotrópicos, criando
pontes de conexão entre esta narrativa hipermidiática e o romance Neuromancer, de
William Gibson.
BIBLIOGRAFIA
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