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Entrevista com José Hamilton Ribeiro

Escrito por: Guilherme Becker e publicado em 24/11/2010

Nota do Editor Vilão: esta entrevista é parte do arquivo pessoal de Guilherme Becker, e foi
feita em 2008.

Repórter, editor, jornalista multipremiado, correspondente de guerra, um professor no quesito


reportagem esteve recentemente no Vale do Sinos para um bate-papo com colegas de
profissão.

“De repente me senti no ar. Quando me dei conta, estava sentado no chão envolto em
fumaça. Procurei meu intérprete, um americano de origem mexicana, e não o vi. Pensei que o
rapaz tivesse morrido. Só aí senti que minha perna esquerda puxava. Olhei e não havia mais o
pé. Só alguns minutos depois começou a doer. Os enfermeiros estavam ocupados com os
outros feridos. Finalmente me amarraram a perna acima do joelho com um torniquete. O
sangue estancou.”

Assim, de maneira intensa como deve ser uma reportagem, José Hamilton Ribeiro, paulista de
Santa Rosa do Viterbo, 72 anos, 52 de jornalismo, descreve o incidente que o fez perder parte
da perna esquerda quando cobria a Guerra do Vietnã para a extinta revista Realidade. O texto
pode ser conferido de maneira completa no livro que escreveu sobre o episódio e o próprio
conflito, O Gosto da Guerra, lançado em 1969. No final de setembro, José Hamilton esteve em
São Leopoldo, onde conversou com jornalistas da região, principalmente, sobre dois temas: ‘A
profissão de jornalismo diante da exigência do diploma ou não’ e ‘O avanço da mulher no
mercado de jornalismo’. O hoje repórter e editor do Globo Rural – há mais de 27 anos –
acumula ainda passagens pelas redações da revista Quatro Rodas e do jornal Folha de São
Paulo. Na televisão, trabalhou também no Globo Repórter e no Fantástico.

Entre os prêmios que recebeu estão sete Esso de Reportagem, Personalidade da Comunicação
e o título de ‘Rosto do Jornalismo brasileiro’ da Revista Ícaro. Atualmente, concorre ao prêmio
Brasileiro Imortal, que busca valorizar a atuação de pessoas que cuidam das riquezas naturais
e colaboram para o desenvolvimento do Brasil. Sem dúvidas, a cobertura da Guerra do Vietnã
foi o que mais lhe marcou e é o que desperta a curiosidade em jovens e experientes,
jornalistas ou não. Para a Folha de São Paulo de 25 de março de 1968, José Hamilton relatou
sua delicada situação da seguinte forma: “este meu pé esquerdo sempre me deu problemas.
Quando criança, tive nele uma tuberculose óssea. Não me fará muita falta. Pensando bem, tive
sorte. No mesmo local em que fui e pisei na mina, pouco antes dois soldados morreram e um
terceiro perdeu ambas as pernas e um braço.”

Curioso e astuto como todo bom repórter há de ser, José Hamilton foi para o Vietnã a fim de
cobrir o conflito entre nortistas e sulistas, em meio à intervenção norte-americana no país.
Depois de uma semana em Saigon, na época capital do Vietnã do Sul, que tentava se tornar
independente do norte, ele quis assistir a um combate e foi para a cidade de Da Nang.
Acompanhou algumas atividades, mas, em 20 de março de 1968, enquanto via de perto a
limpeza de uma área onde suspeitava-se a presença de tropas norte-vietnamitas, pisou em
uma mina que comprometeu parte de sua perna esquerda e que acarretou na amputação
dela, pouco acima do tornozelo. Cento e vinte e cinco homens faziam parte da companhia e a
patrulha em que José Hamilton estava era formada por dez soldados. Três explosões de
pequenas minas já haviam ocorrido próximo ao local, onde antes do repórter outros seis
homens já tinham passado. Ele, o sétimo, pisou na mina. José Hamilton Ribeiro é, por este e
por outros trabalhos, uma verdadeira lenda viva do jornalismo.

Balanço
“Quando entrei pela primeira vez numa redação, me assustei. Fiz um balanço do que vi e
pensei em me mandar o mais breve possível. Naquela época, à noite, naquele horário depois
das 20 horas, estava somente o QG na redação da Folha (de São Paulo), ou seja, os editores e
redatores-chefe, por exemplo. Não tinha uma mulher sequer. Nem mesmo a telefonista era
mulher. Eram pessoas com cabelos emaranhados e bigodes amarelados de tanto fumar. Pensei
em voltar, sair, pegar o elevador e trabalhar no Bradesco. Mas não sei qual foi a força, o
ímpeto que me fez ficar. No fim das contas, descobri que aquelas pessoas esquisitas eram, na
verdade, pessoas maravilhosas.”

Antigamente
“Comecei na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo. Naquela época, o
jornalismo era chamado entre nós de profissão BBB, ou seja, Boemia, Bebedeira e ‘Berculose’.
O recrutamento era feito por meio de cargos subalternos. O sujeito nunca começava como
repórter, ele sempre era porteiro, motorista ou laboratorista primeiro. Cheguei a presenciar os
caras jogando futebol de cueca no meio da redação do Diário de São Paulo.”
Mulheres
“Em 1937, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, apenas 3% eram mulheres. Em 1997, isto
é, 60 anos depois, elas são a maior parte nas revistas e nos canais de televisão. Para se ter uma
idéia desta dimensão, a maioria comanda as 16 afiliadas da Rede Globo em todo país e, dos
três canais a cabo, todos são chefiados por mulheres. Se continuar assim, em 2030 não
teremos mais homens nas redações. O Schroeder (Carlos Henrique Schroeder, diretor-geral da
Rede Globo) brincou esses dias comigo dizendo que teremos que começar a criar cotas para
estagiários homens, tamanho número de currículos muito melhores que chegam de mulheres
em relação aos homens. Acho que isso ocorre muito devido à curiosidade da mulher. E a
curiosidade é a mãe da ciência. Ora, a notícia nada mais é do que uma fofoca confirmada,
sendo assim, mulheres e a fala alheia têm uma relação íntima talvez muito maior do que o
homem.”

Diploma
“Antes da regulamentação, o jornalismo se caracterizava como uma profissão de cafajestes, de
gente suja. Nem mesmo em questão de salário, mas sim num âmbito geral. O diploma pouco
importa para o jornalista ou para o jornalismo em si, mas é benéfico para o país. Temos que
pensar no conhecimento que ele gera. É uma espécie de defesa física e psicológica, tão natural
quanto, atualmente, aos conhecimentos de inglês ou de internet. Em 97, fiz um livro sobre os
60 anos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Jornalistas 37/97) e constatei que 19
jornalistas eram analfabetos. Entrevistei um deles. Lembro que tempos atrás me deixaram um
bilhete escrito “IMDIOS NA REDAZÔ, bem assim, e foi escrito por alguém que bateu uma foto
de uma visita dos índios na redação.”

Censura
“O ano era 1966 e tudo acontecia no mundo. O Brasil estava na contramão da história devido
ao governo militar. Os jornais e revistas se auto-censuraram. Na Quadro Rodas, onde eu era
redator-chefe, achávamos que a censura deveria vir ou do governo ou da própria empresa,
mas não da redação. A Quatro Rodas foi um laboratório para a revista Realidade e para o
Jornal da Tarde.”

Reportagem
“Claro que os tempos mudaram e nada mais é igual como era. A guerra mudou. Se
compararmos Iraque e Vietnã, tudo mudou muito. Os correspondentes estão lá em menor
número. Não é interesse da empresa que o repórter se arrisque tanto. E, com isso, o fator
presencial nos acontecimentos diminui, o detalhe fica prejudicado. O olho do repórter é
fundamental. Antigamente, o jornalista tinha que se habituar ao tema, estudar sobre o que iria
escrever. Cheguei a ficar quatro meses preparando uma reportagem que nunca saiu porque eu
simplesmente não consegui fazer. Mas acho que a reportagem ainda há de voltar com força
total. Estamos apenas no meio de um ciclo.”

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