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Ardente - Sylvia Day PDF
Ardente - Sylvia Day PDF
Um ano depois…
“Estou muito pilhada”, exclamou Lei, os pés batendo no chão sob a mesa
de jantar. “Não me canso disso.”
Abri um sorriso largo, pois, ao longo dos meses em que trabalhamos
juntas, aprendi a me sentir da mesma maneira. Experimentáramos diversos
momentos de êxtase, mas aquele dia — uma tarde de fim de setembro de
céu limpo — era especial. Depois de meses de bajulação e convencimento,
estávamos perto de fechar negócio com duas das maiores estrelas de Ian
Pembry. Seria uma bela revanche pelo que ele tinha feito a Lei algum tempo
antes, além de ser excelente para nós.
Lei tinha se produzido para a ocasião, e eu não ficava atrás. Usava um
vestido transpassado Diane von Fürstenberg vintage vermelho, cor que era
sua marca registrada. Com botas pretas, ela transmitia um ar destemido e
sensual. Eu estreei um conjunto de blusa dourada e calça cigarette da
coleção de outono da Donna Karan. O conjunto ficava chique e refletia meu
novo eu, uma Gianna que havia evoluído muito desde o ano anterior.
Impaciente para fechar o negócio, voltei-me para a entrada do bar do
hotel e senti uma onda de adrenalina quando os gêmeos Williams
apareceram, como se estivessem esperando meu olhar. Irmão e irmã
causavam uma impressão forte, com seus cabelos castanho-avermelhados e
olhos verdes. Formavam uma grande equipe na cozinha, tendo se
estabelecido no mercado com comida caseira do sul dos Estados Unidos,
mas modernizada e gourmet. Eles vendiam livros e lindas latinhas de
temperos. Eles pareciam ter tudo, mas a realidade era outra: por trás das
câmeras, os dois se detestavam.
Esse foi o erro fatal de Pembry ao lidar com a dupla dinâmica. Ele
ordenou que engolissem suas diferenças e fizessem o negócio funcionar,
porque estavam faturando milhões com a história de sucesso em família.
Lei oferecera então o que eles realmente desejavam: a chance de se separar
e brilhar por conta própria, capitalizando em cima da rivalidade, como se
fosse uma brincadeira. O plano dela era criar uma rede de restaurantes que
competissem entre si, dentro dos cassinos e resorts Mondego,
mundialmente famosos.
“Chad. Stacy”, Lei cumprimentou, ficando de pé ao mesmo tempo que eu.
“Vocês estão ótimos.”
Chad se aproximou e me deu um beijo antes mesmo de responder a Lei.
Ele vinha flertando comigo havia algum tempo, e isso se tornara parte das
negociações.
Em determinados momentos eu ficava tentada a fazer mais do que
flertar, mas a possibilidade de irritar a irmã me continha. Chad não era
nenhum santo e sua ambição não tinha limites. Stacy, no entanto, era a que
dava mais trabalho, e parecia ter mais ódio de mim do que do irmão.
Apesar de todas as minhas tentativas iniciais, decidiu que não gostava de
mim, o que dificultava o processo.
Eu suspeitava que ela estivesse dormindo com Ian Pembry — ou que
tivesse pelo menos uma vez — e de alguma forma andava defendendo os
interesses dele. Imaginei que era por isso que não gostava muito de Lei,
mas talvez ela fosse só uma daquelas mulheres que detestam todas as
outras.
“Espero que os quartos sejam confortáveis”, eu disse, sabendo que não
havia dúvida de que eram. O Four Seasons não era um hotel cinco estrelas
por acaso.
Stacy deu de ombros, o cabelo lustroso deslizando sobre a clavícula.
Possuía um rosto lindo e angelical, pálido e polvilhado de sardas. Era
desconcertante como alguém de aparência tão doce e inocente, com um
sotaque sulista tão açucarado, fosse uma megera tão descontrolada. “São
o.k.”
Chad revirou os olhos e puxou a cadeira para mim. “São ótimos, dormi
como uma pedra.”
“Eu não”, chiou a irmã, ocupando graciosamente seu assento. “Ian ficou
me ligando o tempo todo. Está suspeitando de alguma coisa.”
Ela olhou de lado para Lei, como se para medir o impacto de suas
palavras.
“Claro que ele suspeita”, concordou Lei com suavidade. “Ian é um
homem esperto. O que me deixa ainda mais surpresa que não tenha
trabalhado mais para manter vocês dois contentes. Ele sabe o que faz.”
Stacy fez um beicinho. Chad me lançou uma piscadela. Em geral, eu não
gostava que piscassem para mim, mas com ele funcionava. Era parte de seu
encanto de menino do interior, embora ele fosse muito sexy. Havia algo a
seu respeito que sugeria que talvez soubesse usar uma espátula para
disciplinar garotas malvadas tão bem quanto na cozinha.
“Ian fez tanto por nós”, protestou Stacy. “Eu me sinto como se estivesse
sendo desleal.”
“Mas não deveria. Você ainda não assinou nada”, respondi. Tinha
aprendido que psicologia reversa era a melhor arma contra a natureza
opositiva de Stacy. “Se você sente que ser parte dos gêmeos Williams é
melhor do que Stacy Williams, deve seguir seu instinto. Foi o que trouxe
vocês até aqui.”
De canto de olho, vi Lei contendo um sorriso. Saber que ela ficara
satisfeita me fazia vibrar por dentro. Fora ela quem me ensinara tudo o que
eu sabia sobre usar o ego alheio em meu proveito.
“Não seja burra, Stacy”, resmungou Chad. “Você sabe que é uma
oportunidade de ouro para a gente.”
“Isso é verdade, mas talvez não seja a única oportunidade”, rebateu ela.
“Ian diz que temos que dar uma chance a ele.”
“Você contou para ele?”, perguntou o irmão, impaciente e com uma cara
feia. “Puta merda, a decisão não é só sua, sabia? A minha carreira também
está em jogo!”
Lancei um olhar preocupado para Lei, mas ela simplesmente balançou a
cabeça negativamente, de modo quase imperceptível. Não dava para
acreditar que podia se manter tão calma e controlada, considerando que
era a oportunidade perfeita de se vingar de seu rival.
Os restaurantes de Hollywood que Ian havia roubado dela foram à
falência quando deixaram de ser novidade para as celebridades
investidoras, que saíram à procura de outras saídas para seus impostos,
que não necessitassem tanto de sua presença física. Além disso, dois dos
chefs mais importantes tinham voltado para o país de origem, deixando um
peso enorme sobre os jovens ombros dos irmãos Williams.
“O acordo com a Mondego, como vocês sabem, é exclusividade da
Savor”, afirmou Lei. “O que Ian propôs?”
O que tinha dado errado? Olhei de um irmão para o outro, depois para
minha chefe. Os contratos estavam na minha bolsa, debaixo da mesa.
Estávamos na reta final e, de uma hora para outra, nosso cavalo reduzia o
passo.
Senti um arrepio de reconhecimento, mas imaginei que fosse apenas um
pressentimento ruim, como um aviso de que o negócio tinha afundado
muito antes daquela reunião.
Então, eu o vi.
Tudo dentro de mim parou, como se eu pudesse me tornar invisível a
um predador caso não me movesse. Ele entrou no bar com um passo
provocante que me fez fechar as mãos em punhos debaixo da mesa. Aquele
caminhar, relaxado, suave e confiante. Ainda assim, de alguma maneira ele
transmitia ao cérebro feminino que havia um poder intenso entre aquelas
pernas longas e fortes, e que ele sabia usá-lo.
Meu Deus, e como sabia.
Usando um suéter cinza e calça social de um tom mais escuro,
aparentava ser um executivo bem-sucedido tirando um dia de folga, mas eu
sabia que não era isso. Jackson Rutledge jamais se dava um dia de folga. Ele
trabalhava duro, jogava duro e fodia duro.
Estendi a mão trêmula para pegar um copo de água, rezando para que
ele não me reconhecesse como a menina que se apaixonara perdidamente
por ele. Eu não parecia mais a mesma. Não era mais a mesma.
Jax também estava diferente. Mais magro. Mais sério. Marcadas pela
nitidez das linhas do queixo e das maçãs do rosto, suas feições pareciam
mais impressionantes. A visão dele me fez tomar um fôlego profundo e
trêmulo, reagindo à sua presença como se tivesse sofrido um golpe físico.
Nem percebi que Ian Pembry caminhava ao seu lado, até que eles
pararam junto à nossa mesa.
“Será que Jackson Rutledge é parente do senador Rutledge?”, perguntou
Lei placidamente, ao nos acomodarmos no banco traseiro do seu sedan.
“Ou de qualquer um dos Rutledge, aliás?”
O motorista saiu com o carro, e eu mexi no tablet só para ter uma
desculpa para evitar contato visual. Temia revelar demais, temia que os
olhos perspicazes de Lei notassem o quanto eu estava abalada.
“Ele é”, respondi, com os olhos fixos na tela do tablet e no rosto
maravilhoso que achava que nunca tornaria a ver — ou melhor, que torcera
para nunca mais ver. “Jackson e o senador são irmãos.”
“O que Ian está fazendo com um Rutledge?”
Eu tinha me perguntando a mesma coisa quando vi o negócio pelo qual
havia trabalhado tanto desmoronar na minha frente — tínhamos chegado
com contratos e canetas em punho e saímos com as mãos abanando.
Infelizmente, perdi o fio da meada da conversa no momento em que Jax deu
um beijo no rosto de Stacy. O sangue latejando em meus ouvidos abafou
todo o resto.
As unhas vermelhas de Lei tamborilavam em silêncio no apoio de mão
acolchoado do carro. Manhattan se expandia à nossa volta, as ruas
formigando de carros, e as calçadas, de gente. O vapor se erguia
sinuosamente do metrô abaixo de nós, e as sombras nos cobriam, a luz do
sol escondida pelos arranha-céus.
“Não sei”, respondi, um tanto intimidada pela energia irradiada por
aquela mulher, uma tigresa à procura da presa. Será que Jackson tinha
noção do que estava fazendo ao se meter no caminho de Lei? “Jackson é o
único homem da família Rutledge que não ocupa um cargo político em
algum canto do país”, prossegui. “Ele gerencia a Rutledge Capital, uma
firma de capital de risco.”
“É casado? Tem filhos?”
Odiava que eu soubesse a resposta sem ter que consultar a internet.
“Não. Está sempre com uma mulher diferente. Em público, prefere loiras de
famílias importantes, mas jamais deixa passar a oportunidade de dar uns
amassos em alguém mais… chamativo.”
Não me esquecia de como a mulher do primo de Jax, Allison Kelsey, uma
vez me descrevera. Você chama a atenção, Gianna. Os caras gostam de
comer mulheres assim. Eles ficam imaginando que estão com uma atriz
pornô. Mas é isso que os espanta depois. Aproveite enquanto pode.
A voz melodiosa e as palavras cruéis de Allison ecoaram em minha
mente, relembrando-me da razão pela qual alisei o cabelo escuro e
naturalmente ondulado e parei de usar unhas postiças que faziam eu me
sentir mais sensual. Não era culpa minha a genética ter me presenteado
com uma bunda exageradamente generosa e seios fartos, mas passei a
buscar um perfil mais discreto e ser menos chamativa.
Lei virou para mim seu olhar aguçado. “Você concluiu tudo isso com
cinco minutos de internet?”
“Não.” Suspirei. “Concluí tudo isso depois de cinco semanas na cama
dele.”
“Ah.” Um brilho de interesse tomou conta de seus olhos escuros. “Então
é ele. Agora está ficando interessante.”
Estava preparada para ouvir Lei me dizer que o conflito de interesses
seria um problema. Fazia um enorme esforço mental para achar um jeito de
diminuir a importância do fato.
“Não foi nada sério”, afirmei, enquanto subíamos no elevador. Pelo
menos, não para ele… “Foi mais um lance de uma noite só que se esticou.
Acho que ele nem me reconheceu.”
E isso doera. Jax nem olhara para mim.
“Você não é uma mulher que um homem esquece, Gianna.” Ela parou,
pensativa. “Acho que podemos dar um jeito na situação, mas se for pessoal
demais para você, precisamos conversar sobre isso agora. Não quero te
deixar desconfortável. Também não quero colocar meu negócio em risco.”
Meu primeiro instinto foi mentir. Queria que Jax significasse tão pouco
para mim quanto eu para ele. Entretanto, respeitava Lei e gostava do meu
emprego demais para ser falsa naquele momento. “Não posso dizer que sou
indiferente a ele.”
Lei fez que sim com a cabeça. “Deu para notar. Ainda bem que está
sendo honesta a respeito. Vamos manter você no negócio por enquanto.
Pode desestabilizar Rutledge, e precisamos disso. E você é minha porta de
entrada com Chad Williams. Ele gosta de negociar com você.”
Soltei um suspiro de alívio. Ela estava errada sobre Jax, mas eu não ia
estragar tudo ressaltando isso. “Obrigada.”
Saímos do elevador e esperamos pelo zumbido das portas de vidro. A
recepcionista, LaConnie, ergueu as sobrancelhas ao me ver, notando nossa
agitação. Deveríamos retornar triunfantes, e não frustradas.
“Alguma ideia de por que Rutledge de repente teria interesse na
indústria de restaurantes?”, Lei perguntou, enquanto seguíamos para sua
sala.
“Se eu tivesse que dar um chute, diria que alguém da família devia um
favor a Pembry.” Era assim que os Rutledge operavam. Trabalhavam juntos
como uma equipe bem entrosada e, apesar de Jax não ser político, sabia
desempenhar seu papel.
Lei foi direto para a mesa e se sentou. “Precisamos descobrir em que
moeda ele está recebendo.”
Notei o tom sutil de irritação em sua voz e o compreendi. Havia anos que
Ian Pembry a vinha sabotando de incontáveis maneiras, mas Lei esperara
sua hora — um exercício de paciência que a tinha tornado uma executiva
melhor. Minha chefe estava determinada a provar que havia aprendido
bem sua última lição sobre traição, e eu estava determinada a ajudá-la
nisso.
“Certo.” Eu entendia um pouco o que Lei estava passando. Ainda tinha
raiva de mim mesma por ter ido para a cama com Jax. Sabia quem era,
conhecia sua reputação, mas ainda assim pensei que era sofisticada o
suficiente para ele.
Pior, iludi-me a ponto de achar que Jax se importava. Ele morava em
Washington; eu, em Las Vegas. Durante cinco semanas, Jax pegava um avião
para me ver todo fim de semana e um ou outro dia da semana. Eu me dizia
que um cara tão bonito e sensual como ele não teria todo esse trabalho e
despesa só para comer alguém.
O que não tinha levado em conta era como Jax era rico. O suficiente para
achar divertido atravessar o país de avião só para pegar alguém e cauteloso
o bastante para manter sua amante proibida bem longe dos olhos do
público e da família.
O telefone da minha mesa começou a tocar e corri da sala de Lei para
atendê-lo. Eu trabalhava perto da porta do escritório dela, o que fazia de
mim a última barreira que qualquer visitante enfrentaria antes de uma
reunião com Lei.
“Gianna.” A voz de LaConnie chegou cortada e breve. “Jackson Rutledge
está na portaria, querendo falar com Lei.”
Odiava o jeito como meu coração pulava ao escutar aquele nome. “Ele
está aqui?”
“Foi o que eu acabei de dizer”, caçoou ela.
“Mande subir. Eu o acompanho até a sala de reuniões.” Coloquei o fone
no gancho e voltei à sala de Lei. “Rutledge está subindo.”
Suas sobrancelhas se ergueram. “Está com Ian?”
“LaConnie não falou.”
“Interessante.” Ela olhou para o relógio de pulso incrustado de
diamantes. “São quase cinco da tarde. Você pode ficar para a reunião com
Rutledge ou pode ir pra casa, você é quem sabe.”
Sabia que devia ficar. Já tinha a sensação de que tinha dado mancada no
Four Seasons. A aparição inesperada de Jax me chocara demais para lidar
com a situação com os gêmeos Williams. Infelizmente, eu não estava em
melhores condições agora.
“Em vez de ficar por aqui, talvez eu devesse aproveitar para falar com
Chad”, sugeri. “Tentar sacar o que ele acha disso tudo. Sei que queríamos
levar os dois de uma vez, mas mesmo que consigamos só um gêmeo, já vai
ser um golpe e tanto em Pembry.”
“Boa ideia.” Ela sorriu. “Vai fazer bem ao Rutledge me conhecer um
pouco melhor, não acha? É melhor deixar bem claro que não sou uma
cretina, caso Ian o tenha convencido do contrário.”
Quase sorri ao imaginar Jax e Lei batendo de frente. Ele estava
acostumado com mulheres caindo aos seus pés, tanto por sua aparência
devastadora quanto pelo sobrenome, que era a coisa mais próxima de
realeza que os Estados Unidos tinham para oferecer.
“Vou fazer uma pesquisa depois de conversar com Chad e ver se
descubro a conexão entre Pembry e a família Rutledge” eu disse, retirando-
me da sala de costas.
“Ótimo.” Ela juntou as mãos com os dedos esticados e descansou o
queixo sobre eles, avaliando-me. “Desculpe a intromissão, Gianna, mas você
se apaixonou por Jackson?”
“Achei que estávamos apaixonados.”
Lei suspirou. “Queria que essa fosse uma lição que as mulheres não
tivessem que aprender da pior maneira.”
3
Senti na pele uma eletricidade que conhecia bem demais. Resolvi não
me virar nem dar a Jax a satisfação de ver meu rosto, que provavelmente
retratava minha surpresa, frustração e irritação.
Ele tinha mesmo muita cara de pau para ir até o Rossi’s depois de ter
partido meu coração. Minha família se lembrava dele — lembrava a última
noite que passamos juntos. Tínhamos ido a Nova York para passar o fim de
semana, só para que eu pudesse apresentá-lo à família sobre a qual tanto
falava. Ficáramos até tarde no restaurante, muito tempo depois de fechar,
comendo, bebendo e dando risada com meus irmãos e meus pais. Assim
como eu, eles se apaixonaram por Jax. Naquela noite, acreditei que
realmente daríamos certo juntos.
Foi a última vez que o vi até entrar no bar do Four Seasons.
Chad me olhou. “Você convidou Stacy também?”
“Não.” Confusa, finalmente olhei por cima do ombro. Ver Jackson
ajudando Stacy a tirar a jaqueta jeans fez meus dentes rangerem. Chad não
tinha noção de onde eu ia levá-lo para jantar, mas Jax tinha.
E, sem mais, ele traçou uma reta até nós, trazendo Stacy junto. Minha
mãe se pôs no caminho, o sorriso largo como sempre, mas com as penas
ouriçadas, em modo mãe coruja.
Olhei para Chad. “A gente pode fugir pelos fundos.”
Ele riu, mas seus olhos estavam sérios.
Angelo veio até nós. “Vocês o estavam esperando?”, perguntou,
apontando Jax com a cabeça.
“Não…” Fitei Chad. “Eles não vão sentar com a gente.”
“Ótimo.” Chad recostou-se contra o banco, o olhar fumegante. “Stacy
escolhe a dedo… Ela pode ficar com o negócio do Ian se quiser. Eu fico com
você e a Mondego.”
“Tá certo.” Angelo olhou para mim. “Vou garantir que eles fiquem em
outra parte do salão.”
Tomei um gole rápido de vinho enquanto meu irmão se afastava.
Chad me estudou por alguns instantes. “Ele toma conta de você.”
“É o jeito Rossi de fazer as coisas.”
“Stacy e eu éramos assim. Antes do Ian aparecer.”
“Sério?” Tentei ignorar a sensação do olhar de Jax em cima de mim.
Podia senti-lo me observando. “O que aconteceu?”
Chad encolheu os ombros. “Vai saber. Acho que o poder subiu à cabeça
dela. Nem sei se ainda pensa na comida. Está ocupada pensando em ficar
rica e famosa.”
Minha mãe apareceu com mais vinho, pousando a mão sobre meu
ombro enquanto enchia mais uma vez nossas taças. Senti o toque suave de
suas unhas feitas e escutei a indagação silenciosa: Tudo bem com você?
Pus minha mão sobre a dela e apertei, em resposta. Não, não estava
bem, mas o que eu podia dizer? Não daria a Jax a satisfação de recusar o
atendimento, nem minha família. Ele comeria uma excelente refeição, com
nosso melhor garçom e um vinho de sua escolha por conta da casa.
Minha família pecaria pelo excesso. Ia afogá-lo com gentileza.
Demonstraria que não éramos mesquinhos nem baixos. Mas aquilo custaria
caro. A todos nós. Meu cantinho fora invadido, a energia dele permeando o
espaço e meus sentidos. Cada nervo do meu corpo titilava com sua
presença.
Lori, umas das garçonetes, veio anotar os pedidos. Chad e eu decidimos
dividir uma massa. O tempo todo, durante a entrada e a salada, fiquei
esperando que Jax viesse até nós. Estava terrivelmente ligada em sua
presença, incapaz de dar a Chad a atenção que vinha oferecendo até então.
Ele também desanimou, mantendo o olhar fixo no prato ou em meu rosto.
Nós dois evitávamos olhar para os outros fregueses.
Na minha cabeça, Jax estava se divertindo só para me afrontar. Por que
teria levado Stacy para jantar, se ela estava com Ian? Será que Stacy saía
com os dois? Afinal de contas, não havia demonstrado hesitação ao
cumprimentá-lo com um beijo no rosto quanto Jax tinha aparecido, mais
cedo.
Antes de servirem o prato principal, Chad foi ao banheiro, e eu dei uma
olhada em meu celular. Tinha uma chamada perdida de Lei. Quando Chad
voltou com uma cerveja na mão, sorri e disse: “Já volto”.
Segui na direção dos banheiros, mas desviei e entrei no escritório dos
fundos, fechando a porta para isolar o barulho. Liguei para Lei e levei o
aparelho ao ouvido.
“Gianna”, atendeu ela. “Tenho que parabenizar você por seu bom gosto.”
“Escolho bem, não acha?” Andei até a parede oposta, onde havia um
retrato de família pendurado. Eu devia ter uns doze anos, usava aparelho
nos dentes e estava com o cabelo desgrenhado. Nico, Vincent e Angelo
aparentavam diversos níveis de esquisitice adolescente. Meu pai estava
imortalizado em seu auge, assim como minha mãe, que pouco havia
envelhecido desde então. “Como foi, então?”
“Como esperado. Você adivinhou direitinho. Jackson disse que se
envolveu no assunto como um favor a alguém.”
“Desculpa, ainda não tive tempo de ir atrás dos detalhes… Estou com
Chad desde que saí… Mas aposto que é algum Rutledge. Quando Jackson
não está apostando alguns milhões, está arrumando a bagunça dos outros
membros da família.” E pegando mulheres bonitas… “Quanto ao Chad, ele
está na nossa, mas acho que devemos redigir um contrato novo o mais cedo
possível, antes que algo aconteça e ele mude de ideia. Jax não vai dar o
braço a torcer tão fácil. Chegou do nada aqui no Rossi’s, e ainda trouxe a
Stacy.”
Lei riu. “Desculpe, mas gostei dele.”
Retorci os lábios com pesar. “Acontece.”
“Ian ligou.”
“Ah é? Conte mais.”
“Pediu para me encontrar hoje à noite.”
“Ah, talvez seja por isso que Jax está com Stacy. Está de babá.” Para
minha irritação, isso me encheu de alívio.
“Pode ser. De qualquer forma, recusei. Tenho a impressão de que nossos
homens estão tentando fechar o cerco contra nós, o que significa que
estamos no caminho certo. Sinceramente, não me divirto tanto há anos.”
Nossos homens. Bufei e me virei a tempo de ver a porta se abrindo… e Jax
aparecendo. “Tenho que ir, Lei, mas estou aqui se precisar de mim.”
“Amanhã de manhã a gente conversa melhor, de cabeça fresca. Boa
noite, Gianna.”
“Pra você também.” Pus meu telefone de lado.
Medimos um ao outro durante um longo minuto. Ele estava vestido com
o suéter cinza e a calça que usara mais cedo naquele dia, um estilo casual ao
qual estava mais acostumada, e que preferia. Uma mecha do cabelo escuro
caiu sobre a testa, atenuando a severidade de sua beleza. Jax estava
recostado contra a porta, as mãos nos bolsos, as pernas cruzadas na altura
dos tornozelos, porém apenas um idiota deixaria de notar o ar predatório
que o cercava. Seus olhos semicerrados estavam vigilantes e atentos.
“Sinto falta dos seus cachos”, ele disse, afinal.
Escorei-me contra a escrivaninha do meu pai e cruzei os braços. “Isso é
passado.” Está uns dois anos atrasado…
“Você estava quase dando o bote quando cheguei. Está pensando em dar
para o Chad Williams porque está a fim dele ou porque quer que assine o
contrato?”
Outra mulher talvez tivesse ficado de boca fechada, porque a pergunta
não merecia resposta. Permaneci calada porque fiquei magoada. Nunca vira
Jax ser malvado ou cruel de propósito — e ele simplesmente sumira da
minha vida.
“Gia…”
“Não me chame assim.”
“Como você prefere?”
Meu pé batucava inquieto. “Prefiro não ver mais você, nem saber nada a
seu respeito.”
“Por quê?”
“Imagino que seja óbvio.”
Sua boca maravilhosa se contraiu. “Não para mim. A gente se conhece e
se dá bem. Muito bem mesmo.”
“Não vou dormir com você de novo!”, exclamei rispidamente, sentindo
as paredes se fecharem ao nosso redor. Ele tinha sempre o mesmo efeito
sobre mim. Com ele, eu não conseguia prestar atenção em mais nada.
“Por que não?”
“Pare de me perguntar isso!”
Jax se endireitou e o escritório ficou ainda menor. Minha respiração
acelerou e meu olhar disparou para a porta atrás dele.
“É uma pergunta válida.” Jax ajeitou a mecha sem tirar os olhos de mim.
“Diga por que está tão zangada.”
Fui tomada por um surto de pânico. “Você sumiu!”
“Sumi?” Ele deu um passo na minha direção. “Está dizendo que não sabia
onde me encontrar?”
Franzi a testa, confusa. “Como assim?”
“Tinha que acabar, e acabou.” Jax se aproximou. “Discretamente. Sem
cena. Sem memórias desagradáveis. Nós…”
“Sem escândalo.” Respirei fundo, mais ofendida do que nunca. Em
seguida, retruquei, em autodefesa. “Então para que cometer o mesmo
erro?”
“Não podemos ser amigos?”
“Não.”
Jax invadiu meu espaço pessoal. “Não podemos fazer negócios juntos?”
“Não.” Descruzei os braços. “Você tornou isso pessoal logo de cara.”
Ele sorriu, exibindo a maldita covinha. “Você fica muito gostosa quando
está brava comigo. Devia ter irritado você mais vezes.”
“Cai fora, Jax.”
“Eu caí. Parece que não deu certo.”
“Na verdade, deu, sim. Volta lá pro seu mundo e me esquece.”
“Meu mundo.” O sorriso sumiu com o brilho em seus olhos. “Certo.”
Jax tinha interrompido o avanço, então passei por ele depressa, ciente
de que tinha desaparecido havia muito tempo e que Chad estava à minha
espera.
Jax me segurou pelo braço e falou em meu ouvido: “Não vá pra cama
com ele”.
Senti um arrepio. Estávamos ombro a ombro, virados para direções
opostas, o que era uma boa representação do nosso relacionamento. Eu
podia sentir seu cheiro, seu calor, e me lembrei de outras ocasiões em que
ele havia falado junto ao meu ouvido.
Jax era um sedutor. Mesmo quando eu já estava no papo, ele me
esquentava bem antes de me levar para a cama. Lançava-me longos olhares
sensuais, tocava-me com frequência, murmurando safadezas que me
faziam corar.
“E você, Jax, está se guardando?”, rebati.
“Eu me guardo, se você se guardar.”
Deixei escapar uma risada agressiva. “Ah, tá.”
Ele sustentou meu olhar. “Posso provar.”
“Não estou interessada em joguinhos.”
Alguém chacoalhou a maçaneta, fazendo-me pular de susto. “Gianna?
Você está aí?”
Vincent. “Estou”, respondi alto. “Já saio.”
“Não vá pra cama com ele”, repetiu Jax, os olhos sombrios e sérios.
“Estou falando sério, Gia.”
Soltei o braço e me atrapalhei para abrir a tranca, mas logo escancarei a
porta.
Meu irmão estava com a chave do escritório numa das mãos. Ele olhou
por cima do meu ombro para Jax. “Perdeu a vontade de viver, Rutledge?”
Revirando os olhos, empurrei Vincent para trás. “Deixa.”
“Vá caçar em outro lugar, cara”, insistiu Vincent, bloqueando a passagem
assim que passei por ele.
Por um instante, pensei em intervir, mas logo desisti da ideia. Eles eram
grandinhos. Podiam se resolver sozinhos.
Quando cheguei ao salão do restaurante, deparei com uma sacola com a
comida embrulhada para levar na mesa diante de Chad, que se levantou ao
me ver.
“O que você acha de a gente levar isso aqui de volta para o hotel e comer
em paz?”, perguntou ele.
Olhei ao redor, notando facilmente o cabelo vivo de Stacy brilhando sob
a meia-luz dos lustres de ferro fundido. Ela nos fitava com ódio mal
disfarçado.
“Tenho uma ideia melhor”, respondi, pegando minhas coisas. “Conheço
um lugar aonde podemos ir e em que ninguém vai nos encontrar.”
Levei Chad para o salão de beleza da minha cunhada, que ficava no
Brooklyn. Ela fechou o salão, achou uns pratos de papelão e nós nos
deliciamos com o espaguete à bolonhesa — morno, mas ainda delicioso —
na sala de descanso dos profissionais, nos fundos da loja, longe dos odores
de tinta de cabelo e laquê.
“Você tem um sotaque de Nova York”, reparou Chad, após passarmos
um tempo comparando histórias de fregueses ensandecidos. “Nunca tinha
notado.”
Dei de ombros. “Pois é. Como o dos seriados policiais na TV.”
Chad riu.
“É porque ela está em casa”, explicou Denise.
Não acrescentei mais nada. Não tinha nada de mais ele ter percebido. O
sotaque sempre aparecia quando eu estava com minha família ou meus
amigos, quando baixava minhas defesas e me sentia mais como a pessoa
que era antes.
“É bonitinho”, comentou ele. “Eu também tenho sotaque”, ele disse,
exagerando.
“Ela ficou boa nesse negócio de disfarçar o dela”, comentou Denise, cujo
cabelo platinado com pontas rosa estava arrumado em tranças elaboradas.
Tinha piercings no nariz e na sobrancelha, e uma tatuagem no braço
esquerdo. Estava grávida de cinco meses, o que me deixava emocionada.
Estava louca para ser tia.
Meu celular começou a tocar dentro da bolsa, e estiquei o braço por
cima da bancada para procurá-lo. Talvez Lei precisasse de mim. Ela não
estava brincando quando falara dos horários no dia em que me contratou.
Eu recebia ligações às duas da manhã e nos fins de semana, mas adorava,
porque só acontecia quando ela estava realmente empolgada com alguma
coisa.
Não reconheci o número que apareceu na tela e estava prestes a deixar a
chamada cair na caixa postal quando resolvi demonstrar um pouquinho
mais do meu sotaque para Chad.
“Escritório de Gianna Rossi”, atendi com naturalidade. “Como posso
ajudar?”
Silêncio na linha, e então… “Gia.”
Prendi a respiração, balançada pelo jeito como Jax dizia meu nome. O
mesmo de quando éramos amantes e ele me ligava só para escutar minha
voz.
“Fale alguma coisa”, disse ele, abruptamente.
Fortalecida pela visão da minha cara de espanto no espelho impiedoso,
respondi com frieza. “Como conseguiu este número?”
“Não venha com essa”, retrucou ele. “Fale como você costumava falar. A
verdadeira Gia.”
“Foi você quem me ligou.”
Ele resmungou algo. “Almoce comigo amanhã.”
“Não.” Levantei da cadeira e caminhei até a frente do salão.
“Sim. Nós precisamos conversar.”
“Não tenho nada para dizer.”
“Então vai me escutar.”
Arrastei a ponta do sapato sobre uma rachadura num dos azulejos do
piso. Denise estava apenas começando a recuperar o investimento inicial
no salão, e havia ainda várias melhorias a ser feitas no lugar. A região
estava recuperando sua fama descolada, e ela tinha sido esperta ao
pendurar cartazes vintage nas paredes e fazer uma decoração retrô que
distraía o olhar dos pequenos defeitos.
Meu Deus, em que estado eu estava por causa de Jax. Meu cérebro
estava disperso, alternando-se entre pensamentos aleatórios.
Procurei me concentrar no homem que estava causando tudo aquilo. “Se
eu almoçar com você, jura que vai me deixar em paz depois?”
“Não posso prometer isso.”
“Então não vou”, retruquei. “Você não tem direito de invadir minha vida
desse jeito. Não é da sua conta. Você não tinha nada que se intrometer…”
“Mas que droga! Eu não sabia que você estava apaixonada por mim,
Gia!”
Fechei os olhos diante da dor de ouvir aquelas palavras saindo de seus
lábios. “Então você não me conhecia mesmo.”
Desliguei.
5
Jax rolou para o lado, ficou de costas no chão e gemeu. “Não consigo
sentir as pernas.”
Eu ri, sabendo bem como ele se sentia. Estava com o corpo inteiro
formigando, como se tivesse acordado de uma longa hibernação.
O que infelizmente era verdade.
Ele virou a cabeça para mim. Eu o fitei.
“Oi”, disse, pegando minha mão e levando-a aos lábios.
“Oi.” Fiquei examinando-o, observando aquele calor gentil em seus olhos
do qual sentira tanta falta.
“Desculpe não ter conseguido chegar à cama.”
“Tudo bem.” Sorri. “Não tenho do que reclamar.”
“Levo você assim que conseguir andar de novo.”
“Está ficando velho, Rutledge?”, provoquei, sabendo que, aos vinte e
nove, ele estava no auge.
Jax fitou o teto elaborado. “Estou fora de forma.”
“Ah, tá.” Cobri o rosto com o braço para esconder minha reação. Não
podia pensar nele com outra mulher. Ficava louca diante da ideia. “Eu leio o
jornal, sabia?”
“Sair com uma mulher e transar com ela são duas coisas completamente
diferentes.” Ele se aproximou de mim. Segurando meu pulso, Jax puxou
meu braço e expôs meu rosto. “Mas é bom saber que você ficou de olho.”
“Não fiquei.”
Sua covinha apareceu novamente. “Ah, tá.”
Ele ficou de joelhos e sentou nos calcanhares, tirando a camisinha. Seus
movimentos eram tranquilos e indiferentes, mas a visão de seu pau
semiduro e brilhando de sêmen fez minha boca salivar.
Ergui o tronco, apoiando-me nos cotovelos, e lambi os lábios. “Vem
aqui.”
Jax respondeu na mesma hora, o membro endurecendo e aumentando
de tamanho. “Gia.”
Movi-me em direção a ele.
“Pro chuveiro”, disse Jax asperamente, colocando-me de pé e
estendendo a mão para mim. “Se não tomar um banho vou ficar com gosto
de borracha.”
“Não me importo.”
“Mas eu, sim.” Jax me colocou de pé. “Depois que entrar na sua boca, vou
querer ficar um tempo lá.”
Olhei para ele, analisando-o, achando-o incrivelmente atraente ali de pé
na minha frente — alto e de peito nu, a calça jeans aberta e arregaçada até
o chão, o pênis exposto curvando-se em direção ao umbigo. Nunca tinha
visto nada tão descaradamente masculino e erótico.
Esse era o Jax que eu conhecia. E amava.
“Olhe para você”, murmurou ele, deslizando o polegar ao longo do meu
lábio inferior intumescido. “Tão sensual. Tão gostosa e bonita.”
“Tá bom.” Minha boca se curvou em desagrado enquanto eu avaliava
minha situação. Tinha uma das pernas presa na calça, a calcinha rasgada e a
camiseta enrolada acima dos seios. Sem dúvida, meu cabelo estava uma
bagunça. “Falou como um homem que acabou de ter um orgasmo e quer
outro.”
“Não faça isso.” Ele ergueu meu rosto pelo queixo. “Não pode me pedir
para dar tudo o que tenho e depois não me levar a sério. Não é justo.”
“Não”, concordei. “Não é justo, é?”
Pela forma como ele apertou a mandíbula, sabia que tinha entendido o
recado — ele não me levara a sério… e depois me abandonara.
Jax agachou-se para puxar minha calça, liberando minha perna. Em
seguida, pegou minha mão e contornou comigo a mesinha de centro de
vidro e ferro forjado.
Entramos num quarto com uma cama king-size em que havia uma
cabeceira de madeira escura que combinava com a escrivaninha e o
armário. Havia uma área de estar perto de uma janela que se estendia até o
teto alto, e a entrada para o banheiro era um arco maravilhosamente
simples.
Quando Jax acendeu a luz, tentei disfarçar meu assombro, mas fiquei
feliz por ele não estar olhando para mim, pois tinha certeza de que havia
falhado. O cômodo era enorme, com um chuveiro que poderia acomodar
três pessoas e uma banheira de hidromassagem. Havia uma televisão
embutida na parede, e a pia dupla estava numa peça da mesma madeira
maciça que os móveis do quarto.
Tive que perguntar. “Você reservou este quarto achando que ia me
trazer aqui?”
“Torcendo por isso.” Jax me soltou para ligar o chuveiro. Deixei escapar
um assobio, impressionada com o imenso chuveiro embutido no teto, que
produzia um jato para baixo como o de uma cachoeira. Ele me fitou com um
sorriso que me encantou. “Posso terminar de desembrulhar você?”
Uma dor aguda tomou conta de mim. Gia, você é meu presente depois de
um dia longo e cheio. Uma das muitas coisas que ele me disse em Las Vegas
e que fizeram eu me apaixonar por ele.
Perguntei-me, de repente, se esse era só seu jeito, e se ele falava aquilo
para qualquer uma com quem estivesse. Talvez Jax não tivesse ideia de
como bobagens açucaradas como aquelas eram capazes de virar a cabeça
de uma mulher. Ou talvez tivesse. O que me deixava triste.
“Ei.” Ele ergueu meu queixo. “Não fique com essa cara. Estou aqui. Por
inteiro.”
“Por quanto tempo? Esse fim de semana?” Afastei-me, com uma
sensação incômoda de autopreservação me avisando para sair enquanto
estava por cima. “Não posso fazer isso, Jax.”
Ele apertou a mandíbula. “Gia…”
Virei-me e corri para o quarto para pegar minhas roupas.
“Que merda é essa?”, exclamou ele, segurando-me pelo braço assim que
atravessei o batente da sala de estar. “Você quis isso.”
“Foi um erro.” Um erro terrível. Estava mergulhada demais em meus
sentimentos para achar que seria só uma despedida.
“Erro coisa nenhuma.” Jax me puxou, obrigando-me a ficar de frente
para ele, e me segurou pelos braços, impedindo que escapasse. “Por que fez
isso? Você queria vir aqui. Queria dormir comigo.”
“Eu queria você que me comesse”, rosnei, odiando ver o jeito como ele
recuou diante das minhas palavras. “Queria acabar logo com essa tensão
para você começar a falar a verdade. Não quero mais essa sua conversinha
fiada. É tudo mentira. Você é uma mentira.”
“Do que está falando? Isto aqui é a mais absoluta verdade, e você sabe
disso.”
Soltei-me de seus braços e entrei na sala de estar, sentindo-me uma
idiota, só de meias e camiseta do Rossi’s. “Não tenho tempo para isso.”
“Tempo para quê? Para mim?” Com passadas largas, Jax logo me
alcançou. Chegou primeiro à minha calça e pisou na barra da perna,
prendendo-a ao chão. Com os braços cruzados, exibia todo o poder bruto
de seu corpo perfeito. Não ligava a mínima para a calça ainda desabotoada,
embora em algum momento tivesse subido a cueca.
“Não tenho tempo nem paciência para fingir que estamos construindo
uma coisa que nunca vamos ter.” Prendi o cabelo, tentando me concentrar
em manter o controle — pelo menos por fora.
Sua carranca se intensificou. “Quem está fingindo?”
Joguei as mãos para cima. “Por que você fala comigo desse jeito? Toda
essa baboseira sobre me desembrulhar e sentir minha falta e… tudo isso!
Por que não pode simplesmente ser honesto sobre o que a gente tem, sobre
o que a gente sempre teve? Nada além de sexo!”
“Isso não é só sexo”, rosnou ele, aproximando-se. “Ninguém se apaixona
só pelo sexo.”
“Ah, então eu tenho que me apaixonar por você? Isso faz você se sentir
melhor?” Para meu horror, senti os olhos ardendo com lágrimas. “Você já
conseguiu o que queria. Não entendo por que tem que agir como se isso
fosse um namoro. Não complique uma coisa que deveria ser simples!”
“Nunca foi simples com a gente.” Ele exalou bruscamente e esfregou a
nuca com a palma da mão. “O que quer de mim, Gia?”
“Acho que a gente devia se concentrar no que você quer de mim, já que o
que eu quero é irrelevante.”
Ele fechou a cara. “Não é verdade.”
Levei as mãos à cintura. “Quero um compromisso, uma chance, um
esforço para tentar descobrir até onde as coisas podem ir entre a gente.
Você já arruinou isso. Então só restou o que você quer.”
“Quero você.”
“Você quer me comer”, corrigi. “Por que não pode ser honesto quanto a
isso?”
“Gia.” Jax balançou a cabeça e soltou um suspiro. “Sou um idiota com
todo mundo na minha vida. Você é a única pessoa a quem dou valor. Não
tire isso de mim.”
“Está vendo? É disso que estou falando! Por que você tem que falar esse
tipo de coisa? Por que não pode simplesmente dizer que gosta de mim ou
sei lá o quê…?”
“Porque é mais do que gostar de você. Você me deixa louco. Só de pensar
em você eu fico excitado. Vejo você e esqueço quem sou. Não tem ideia do
que faz comigo.” Sua voz tornou-se perigosamente grave. “Você me faz
querer fazer sexo o tempo todo, Gia. Minha vontade é colocar você embaixo
de mim e enfiar meu pau fundo até secar. Você me deixa sedento…”
“Cala a boca!” Eu estava tremendo, e minha fome se intensificava numa
reação às ondas causticantes de desejo que emanavam dele.
“Você sabe do que estou falando. Também sente o que sinto. Me deixa te
dar isso.”
“Não!” A recusa doeu fundo, como se eu estivesse imobilizando parte de
mim com arame farpado.
“Me dê a noite de hoje.” Ele pegou minha mão e apertou com muita
força. “Uma noite.”
Ri baixinho, mesmo com a visão ficando turva. “Uma noite para depois
você me esquecer? Que clichê, Jax. Isso nunca funciona. Sexo bom não deixa
de ser bom só porque você fez demais.”
“Então vamos ter uma noite de sexo bom. Nós dois queremos isso.
Precisamos disso.”
“Não preciso disso.” Tentei puxar a mão de volta, mas ele não deixou.
“Duvido.”
Só a verdade ia funcionar com Jax. Ele lia meus pensamentos com muita
facilidade, era um especialista em focar na fraqueza do adversário e
explorá-la ao máximo.
“Não posso fazer isso”, repeti, sustentando seu olhar. “Não sou como as
mulheres com quem você está acostumado a transar. Não posso fazer isso
por diversão ou para matar a vontade. Não com você. Na última vez, eu me
apaixonei. Não posso fazer isso de novo.”
“Você ainda está apaixonada”, respondeu ele, sem rodeios. “Me dê uma
chance de fazer você parar de se arrepender disso.”
Dei as costas para ele, e corri o olhar pela sala de estar, que era maior do
que o meu quarto. “Quero que você me leve de volta para o Rossi’s.”
“Então temos um problema.” Jax me abraçou por trás. Com os lábios
junto ao meu pescoço, sussurrou: “Quero levar você para a cama. E se você
quiser, fico caladinho”.
Fechei os olhos, absorvendo a sensação dele atrás de mim. O calor de
seu corpo, o cheiro de sua pele agora almiscarada pelo suor e pelo sexo, a
carícia suave de sua respiração.
“Você deixou o chuveiro ligado”, falei, agarrando-me a algo vazio e muito
menos pessoal.
“Eu desligaria se não estivesse com medo de você fugir enquanto não
estiver olhando.”
“Você não pode me manter presa aqui.”
“E não quero. Quero que você fique por vontade própria. Quero a Gia
que exigiu que eu a trouxesse aqui e desse a ela o que queria.”
Olhei para ele por cima do ombro e vi seus olhos brilhando para mim
por entre as sombras que acariciavam seu lindo rosto. Senti a pulsão
dentro de mim, aquela atração inexorável entre nós. Não sabia como
eliminá-la ou ignorá-la. Alguma piada cósmica doentia tinha me
programado para desejar Jax com todas as fibras do meu ser.
Será que eu tinha o que era preciso para convencê-lo a ficar? Eu tinha o
que era preciso para fazê-lo querer mais… já era um começo.
“Uma noite não é suficiente”, disse, em voz baixa.
“Graças a Deus. Só falei isso para ganhar tempo e convencer você a
ficar.”
“Você não pode simplesmente ir embora sem se despedir, como da
última vez.” Virei-me em seus braços. “Quando cansar de mim, quero que
me olhe nos olhos e diga que acabou.”
Jax estreitou os lábios, mas fez que sim com a cabeça.
“Quero exclusividade.”
“Sem dúvida! Não vou dividir você com ninguém.”
“Estou falando de você”, retruquei, secamente.
“Isso é óbvio.” Ele segurou meu rosto. “O que mais?”
“Meus horários são irregulares. Meu trabalho é prioridade.”
“Eu me encaixei na sua vida antes… posso fazer isso de novo.”
Segurei-o pelos pulsos. Podia seguir em frente com minha lista de
exigências, mas o que precisava naquele momento era de espaço para
colocar as coisas em perspectiva. Precisava de tempo para me recompor,
recuperar o fôlego e minha autoconfiança; só então talvez fosse capaz de
concluir qual seria o melhor passo a dar. “Quero que você desligue aquela
merda de chuveiro e me leve para jantar. Estou com fome.”
Jax riu, mas sua gargalhada soou forçada. “Você sempre fica faminta
depois do sexo. A gente não pode tomar um banho antes?”
“Não.” Aproximei-me dele. “Quero que você fique com meu cheiro na
pele durante as próximas horas.”
Ele soltou um gemido. “Você quer me punir.”
“É”, concordei. “Isso também.”
Quando Jax e eu voltamos ao Rossi’s, Nico me lançou um olhar de quem
entendeu tudo. Mostrei a língua para ele.
Escolhemos uma mesa e pedimos um vinho shiraz. Pedi lasanha para
mim, Jax foi de pollo alla cacciatora. Enquanto esperávamos pela comida,
eu o examinei, admirando o jeito como as pequenas velas na mesa o
cobriam com um tom de dourado. Parecia mais calmo, mais relaxado, e seu
rosto não poderia estar mais bonito.
Tinha aquela expressão de quem acabou de se esbaldar na cama, um ar
de que, embora estivesse saciado, antecipava os prazeres que estavam por
vir. Eu adorava ser a responsável por aquilo, o que também me deixava
morrendo de raiva. Porque não eram apenas as coisas que ele dizia que
representavam um perigo: tudo a respeito de Jax me tornava vulnerável. O
efeito que ele tinha em mim era em grande parte devido ao efeito que eu
tinha nele.
Eu o fazia feliz. Eu o deixava satisfeito. E era difícil não achar que isso
me tornava especial, mesmo não sendo boba.
“Regina é sua madrasta?”, perguntei, tentando pensar em outra coisa.
“É.” Ele fitou a própria taça.
“Como foi isso?” Será que ele ia falar de Ian…?
“Minha mãe morreu dez anos atrás.”
“Ah.” Ver o modo como ele se fechou me deixou em alerta — aquele era
um assunto espinhoso. “Sinto muito.”
“Não tanto quanto eu na época”, murmurou Jax, antes de virar a taça
quase cheia em três goles. Ele a encheu novamente e ergueu os olhos para
mim. “Sua mãe parece ótima.”
Assenti. “Ela está feliz. Os filhos estão bem de vida, o negócio vai bem, e
em breve vai virar avó.”
“Como Angelo está lidando com a ideia de virar pai?”
“Bem. Atrapalhou os planos dele de abrir outra filial do Rossi’s, mas
acho que é melhor assim. Denise já tem um negócio, então acho que seria
puxado demais os dois tomarem conta de dois empreendimentos e um
casamento novo.”
“Você gosta dela?”, perguntou Jax, alisando a haste da taça.
“Muito. Ela é ótima.” Olhei para a mesa ao lado, uma família de quatro
pessoas discutindo animada como a comida estava boa. “Acho que vi
Allison no evento ontem à noite. Como ela e Ted estão indo?”
Para falar a verdade, não ligava a mínima para como estavam seu primo
e sua mulher rabugenta, mas a menção à mãe de Jax me fez perceber que
ele sabia mais sobre mim do que eu sobre ele. Tirando seus parentes
políticos que apareciam nos jornais, Allison era a única que eu conhecia.
“Bem.” Ele deu outro gole. “Ela é tudo de que ele precisa para concorrer
a governador na próxima eleição.”
“Que bom que ela o apoia.”
Jax soltou uma risada de desdém. “Os dois mal se falam. Mas Allison
sabe lidar com a imprensa e é muito ativa no planejamento da campanha.
Ted escolheu bem. Ela combina com ele exatamente como Regina com meu
pai.”
“Achei que o estereótipo do casamento como uma parceria de negócios
era coisa de Hollywood.”
“Não.” Jax esticou o braço e alisou de leve as costas da minha mão. “É
preciso lidar com relacionamentos de forma pragmática. Casar por amor
nunca dá certo. Meus pais se amavam e eram infelizes. Agora, Regina e o
meu pai… Eles vão dar certo. Ela sabe as regras do jogo.”
“Ele parece gostar dela de verdade.”
“Depois do que passou com minha mãe, ela deve ser mesmo fácil.” Jax
deu outro gole e se recostou na cadeira enquanto nossos pratos eram
servidos.
A mudança de humor foi outro alerta. Ele não parecia à vontade quando
falava da mãe. Eu teria que ser cuidadosa ao abordar o assunto. “Foi Ian
que apresentou os dois, não foi?”
“O que fez dele um homem de sorte, não é?”, devolveu Jax, com um tom
de sarcasmo na voz.
“Porque ele resolveu cobrar a dívida e você apareceu? Você não pode
salvar o cara, Jax.”
“Não é para isso que estou aqui.” Ele deu de ombros, com uma expressão
fria nos olhos. “Meu papel é manter Lei Yeung sob controle. E isso eu posso
fazer.”
Nico se aproximou com um prato de macarrão fumegante nas mãos.
“Posso me juntar a vocês?”
Jax empurrou a cadeira diante dele com o pé. “Quanto mais Rossi,
melhor.”
Infelizmente, quando mais Rutledge, mais assustador. E fora isso que
tornara Jax o homem que era.
Perdi-me em meus pensamentos enquanto Jax e Nico conversavam
descontraídos, o que me fazia lembrar como ele não tinha qualquer
dificuldade para se encaixar na minha vida… e quão pouco à vontade eu me
sentia na dele.
8
CONTINUA
IAN SPANIER PHOTOGRAPHY
SYLVIA DAY é autora best-seller #1 do New York Times
e das listas internacionais, com mais de 20 livros
premiados, vendidos em mais de 40 países. É autora
#1 em 27 países, com dezenas de milhões de livros
impressos. Sua série Crossfire teve os direitos
comprados para TV pela produtora Lionsgate.