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swanwick-fala-sobre-o-ensino-de-musica-nas-escolas

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 229, 01 de Janeiro | 2010

Prática Pedagógica

Keith Swanwick fala


sobre o ensino de música
nas escolas
Para o especialista inglês, é fundamental unir atividades
de execução, apreciação e criação para que os alunos se
desenvolvam artisticamente
Ana Gonzaga

A história é conhecida: em agosto de 2008, o


presidente Lula sancionou uma lei que torna
obrigatório o ensino de Música na Educação
Básica. Por enquanto, o que se sabe é que as
redes têm até 2012 para se adaptar às
exigências da norma. Sobre quase todo o
resto, porém, paira uma atmosfera de
indefinição. Haverá uma disciplina específica
ou integrada ao currículo de Arte? A aula será
teórica ou incluirá um componente prático? O
KEITH SWANWICK "Os interesses professor polivalente poderá ensiná-la? Qual a
musicais dos estudantes são variados. O
formação mais adequada? Uma excelente
professor precisa dominar um leque de
atividades para atender a essas fonte para refletir sobre essas dúvidas é a obra
demandas." do inglês Keith Swanwick. Professor emérito
Foto: Marina Piedade
do Instituto de Educação da Universidade de
Londres e formado pela Royal Academy of
Music, o mais aclamado conservatório musical
da Grã-Bretanha, ele criou teorias sobre o desenvolvimento musical de
crianças e adolescentes e investigou diferentes maneiras de ensinar o
conteúdo. "Os interesses musicais dos alunos são muito variados: alguns
gostam de ouvir, outros querem compor ou ainda cantar e tocar. O professor
precisa dominar um leque de atividades para atender a essas demandas",
defende. Swanwick já esteve no Brasil 15 vezes, a mais recente delas em
novembro do ano passado, a convite da Associação Amigos do Projeto Guri,
em São Paulo, para uma palestra sobre Educação musical. Após o evento, ele
conversou com NOVA ESCOLA.

Em linhas gerais, o que é preciso para ensinar bem Música?


O essencial é respeitar o estágio em que cada aluno se
KEITH SWANWICK

encontra. Tendo isso em mente, é preciso seguir três princípios. Primeiro,


preocupar-se com a capacidade da criança de entender o que é proposto.
Depois, observar o que ela traz de sua realidade, as coisas com que também
pode contribuir. Por fim, tornar o ensino fluente, como se fosse uma conversa
entre estudantes e professor. Isso se faz muito mais demonstrando os sons
do que com o uso de notações musicais.

Como um aluno aprende Música?


SWANWICK Procurei responder a essa questão por meio de uma pesquisa com
estudantes de Música ingleses com idades entre 3 e 14 anos. Aprendi que o
desenvolvimento musical de cada indivíduo se dá numa sequência,
dependendo das oportunidades de interação com os elementos da música,
do ambiente musical que o cerca e de sua Educação. Com base nessas
variáveis, posso dizer que o aprendizado musical guarda relação com a faixa
etária. Cada uma corresponderia a um estágio de desenvolvimento.

Quais as características de cada um desses estágios?


SWANWICK O primeiro vai até mais ou menos os 4 anos. Sua marca principal são
experimentações, com as crianças batendo coisas e explorando as
possibilidades de produção de sons de cada instrumento. No segundo
estágio, que vai dos 5 aos 9 anos, essa manipulação já funciona como uma
forma de manifestação do pensamento, dando origem às primeiras
composições, muito parecidas com as que os pequenos conhecem de tanto
cantar, tocar e escutar. As criações se tornam mais variadas e supreendentes
a partir dos 10 anos, num movimento que chamo de especulativo. Em
seguida, já no início da adolescência, as variações passam a respeitar os
padrões de algum estilo específico, muitas vezes o pop ou o rock, "idiomas"
em que é possível estabelecer conexões com outros jovens. Por fim, a partir
dos 15 anos, é possível desenvolver um quarto estágio, que engloba os outros
três, em que a música representa um valor importantíssimo para a vida do
adolescente, marcado mais por uma relação emocional individual e menos
por modismos passageiros ou algum tipo de consenso social.

Que aspectos devem ser considerados no ensino de música nas escolas?


SWANWICK O fundamental é que os conteúdos sejam trabalhados de maneira
integrada. Nos anos 1970, resumi essa ideia na expressão inglesa clasp. Além
de ser uma sigla, um dos sentidos dessa palavra em português é "agregar".
Proponho que há três atividades principais na música, que são compor (a
letra C, de composition ), ouvir música (A, de audition ) e tocar (P, de
performance ). Essas três atividades, que formam o CAP, devem ser
entremeadas pelo estudo da história da música (L, de literature studies ) e
pela aquisição de habilidades (S, de skill aquisition ). (No Brasil, esse processo
ficou conhecido como TECLA: T de técnica, E de execução, C de composição, L
de literatura e A de apreciação.)

Qual a vantagem de trabalhar nessa perspectiva?


SWANWICK Um ponto forte é considerar que todas essas coisas são importantes
e que devem ser desenvolvidas em equilíbrio. A ideia do clasp também pode
ser útil para o professor perceber se está gastando muito tempo, digamos, no
L, descrevendo fatos históricos e desenhando instrumentos, por exemplo. Dar
muito enfoque à história da música é uma forma simplificadora de achar que
se está ensinando Música. Acontece que a história não é música - ela é sobre
música. O mesmo excesso pode ocorrer com docentes que atuam na classe o
tempo todo como intérpretes ou outros que apenas colocam CDs para a
apreciação.

É apropriado trabalhar com músicas que as crianças já conheçam?


SWANWICK Sim, até para considerar o que cada criança traz de base. Mas o
professor não pode se limitar ao repertório já conhecido. É preciso ampliá-lo.
Para ficar em um exemplo típico do Brasil, posso dizer que é correto ensinar
samba, mas é essencial explorar os diferentes tipos de samba e ir além desse
ritmo, trazendo novas referências.

Existem ritmos mais apropriados para cada uma das faixas etárias?
SWANWICK Não. A variação de ritmos é importante para favorecer o
desenvolvimento da turma. Também não diria que exista uma sequência
mais adequada, do tipo "primeiro música clássica e depois popular". É claro
que pode ser inadequado submeter a criança pequena ao rock pesado, por
exemplo, porque ela não vai se identificar com esse tipo de som. Mas é
interessante apresentar a ela alguns tipos de percussão. Na outra ponta,
talvez os mais velhos não queiram se aproximar de canções de ninar porque
elas não fazem mais parte de seu universo. De qualquer forma, um bom
conselho é evitar rotular os estilos musicais, pois esse tipo de estereótipo
pode afastar. Se eu digo para um adolescente para ouvir apenas Beethoven
(1770-1827) quando seu interesse é o rock, ele não vai dar a devida atenção e
pode pensar: "Isso não serve para mim". Por isso, não falo de antemão para
os alunos que eles vão ouvir uma música de determinado tipo. É preciso
contextualizar a criação de modo que o estilo seja apenas um dos dados
sobre a música.

É verdade que os adolescentes são menos interessados em educação musical do que


as crianças?
SWANWICKAdolescentes são outro mundo. (risos) Eles gostam de música de
modo geral, mas normalmente não estão interessados em ouvir a música
como ela é apresentada nas escolas. O professor tem de chegar a um acordo
sobre o que trabalhar. É inevitável negociar. Se o docente tiver uma posição
muito rígida, com nível de tolerância baixo, não vai funcionar.

Criar uma lei que torne compulsório o ensino de Música é uma boa ideia?
SWANWICK Acredito que é uma boa iniciativa porque oferece às diferentes
classes sociais oportunidades iguais de aprender. Nem todas as crianças têm
a chance de frequentar um curso de música pago por seus pais em uma
instituição privada. Possibilitar esse acesso nas escolas públicas é muito bom.
Mas é preciso ficar atento ao conteúdo dessas aulas. Toda criança gosta de
música. É natural do ser humano. Mas uma aula de música mal dada pode
estragar tudo. Se ela for distante demais da realidade do aluno ou
excessivamente teórica, por exemplo, o estudante pode ficar resistente ao
ensino de Música e piorar a situação.

Qual sua avaliação sobre a Educação musical no Brasil?


SWANWICK Achoque vocês têm alguns problemas. Durante minha viagem,
pensei bastante na seguinte questão: onde estão os professores que vão
atender à demanda criada pela nova lei? Certamente há muitos profissionais
ensinando música de qualidade, mas em geral eles estão em escolas de
Música e não na rede de ensino. É preciso conceber formas de atrair essas
pessoas para a escola ou melhorar a formação dos que já atuam. Talvez seja
necessário um tempo para que se formem docentes prontos para cumprir a
norma do governo.

Muitos professores de Arte, disciplina que hoje engloba o ensino de música, reclamam
que a área não é reconhecida no Brasil. Qual sua opinião?
SWANWICK Eu entendo que muitas vezes o ensino se torna tão penoso que fica
fácil esquecer o valor da música. Eu diria que cada professor também pode
atuar para recuperar esse entusiasmo, independentemente de o
reconhecimento existir ou não. Uma das maneiras é experimentar a música
por si mesmo. Fiz um trabalho para uma organização do Reino Unido que
queria avaliar a qualidade de seus professores de música. Eu dei vários
cursos para esses docentes e, um dia, um deles me disse: "Eu estava
desmotivado e suas aulas me despertaram. Eu até voltei a tocar piano".
Imagine só: ele era professor e tinha parado de tocar seu instrumento! Além
de tocar, o professor deve ouvir boa música - enfim, ficar em contato com a
área de uma forma prazerosa fora da sala de aula.

Na sua opinião, professores de Música precisam ser músicos?


SWANWICK Evidentemente, não precisam ser pianistas de concerto. (risos) Mas é
fundamental saber tocar um instrumento porque isso é muito útil na sala de
aula. Ajuda a exemplificar e a responder as dúvidas, entre outras coisas. Além
disso, é preciso entender muito bem do assunto, ter conhecimentos de
História da Música, saber relacionar diferentes momentos históricos e estilos
e construir uma visão crítica sobre o tema.
Há uma idade mínima para a criança começar a aprender a tocar um instrumento?
SWANWICK É difícil determinar essa faixa etária, pois costuma haver uma grande
variação individual. Muitas crianças não escrevem nem leem com 3 anos, mas
já têm alguns conhecimentos de gramática - eventualmente, podem usar o
passado, o presente e o futuro em frases, por exemplo. Num paralelo com a
música, elas não são capazes de escrever notas musicais, mas podem tocar
para se expressar. Costumo dizer que a idade boa para começar a aprender é
quando a criança demonstra interesse.

Muitas vezes, o principal objetivo das aulas de Música é preparar as crianças para
apresentações em datas comemorativas. Isso é ruim?
SWANWICK Você não pode impedir os pais de querer ver os filhos no palco em
uma festa. A tentação de mostrar a criança é muito grande não apenas na
música como também nos esportes e em recitais de poesias, por exemplo.
Entretanto, é preciso fugir da armadilha de reduzir o ensino de Música a
essas atividades. Também não se pode cair na ideia de que o objetivo escolar
é formar músicos ou apenas fazer com que as crianças gostem um pouco
mais de música.

Qual deve ser o cerne do trabalho?


SWANWICK As aulas devem colaborar para que jovens e crianças compreendam
a música como algo significativo na vida de pessoas e grupos, uma forma de
interpretação do mundo e de expressão de valores, um espelho que reflete
sistemas e redes culturais e que, ao mesmo tempo, funciona como uma
janela para novas possibilidades de atuação na vida.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Ensinando Música Musicalmente, Keith Swanwick, 128 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-17-2002, 36 reais
Music, Mind and Education, Keith Swanwick, 192 págs., Ed. Routledge (em inglês, sem edição no Brasil), 45,95
dólares

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