profundos, não surpre- ende que tenha sido difí- cil a homogeneização de tantos clãs que, ao longo de milhares de anos, er- raram entre o Ocidente e o Oriente. Toda esta área constituiu, pelos tempos fora, uma gigan- tesca placa giratória, ser- vindo a Europa e a vas- tíssima Ásia. Migrações e invasões foram regista- das aos milhares pela ar- queologia e pela histó- ria. NAREKLM, CC-BY-3.0
Só em 521 a.C., a história
regista pela primeira vez a nome Arménia. O do- cumento histórico é uma Localizada na Ásia Menor, entre os mares estela onde Dario I da Pérsia, notifica ter Negro e Cáspio, a Arménia é uma região conquistado o país dos Arménios e o reino montanhosa, com uma altitude média de do Ponto (na Anatólia, hoje Turquia). 1.600 metros. Conta com importantes cu- mes de origem vulcânica, caso do monte Com a conquista do Império Persa por Ale- Ararat onde, segundo a tradição, terá enca- xandre, o Grande, a Arménia passou a apên- lhado a Arca de Noé, após o Dilúvio. Na Ar- dice do Império Macedónio. Após a morte ménia nascem rios com nomes conhecidos de Alexandre, sob o governo de Antíoco III, na história da antiguidade do Próximo Ori- a Arménia foi atraída para a esfera de influ- ente: o Tigre, o Eufrates e o Aras. Inclui tam- ência dos Selêucidas da Síria. Com a vitória bém os grandes lagos Van (na Turquia ac- dos Romanos, primeiro em Termópilas e de- tual) e Úrmia (hoje parte do Irão). Habitada pois em Magnésia, o país dos Arménios foi por um povo de origem indo-europeia, os dividido em dois reinos independentes. Arménios, que após uma história bastante Tigranes II, rei arménio de cultura helénica, atribulada vêem hoje o seu país dividido po- voltou a unificar o país sob o seu domínio, liticamente entre a URSS, a Turquia e o Irão. assistindo-se na Arménia a um período de Compreendendo uma região tão vasta e tão raro esplendor. compartimentada por rios caudalosos, por Em virtude da posição do país, entre o Im- adopção do Cristianismo os havia afastado pério Romano e a Pártia, estados constante- do Oriente. mente em luta, a Arménia nunca pôde man- Outro poder ia, porém, surgir no tabuleiro ter uma independência política completa. da história – o dos Árabes. Com o poder is- Por quase um século, o país foi palco e ob- lâmico, todo o Próximo Oriente iria mudar. jecto de disputa entre Roma e a Pártia, e os reis arménios não passaram de joguetes nas Conquistada a Síria e o Império Sassânida da mãos dessas duas potências. Após uma sé- Pérsia, foi a vez do reino cristão da Arménia. rie de lutas, o rei Tirídates da Arménia, con- A primeira invasão árabe do país ocorreu cluiu com o general romano Córbulo o tra- em 643, mas os invasores retiraram perante tado de Randeia (63 d.C.), pelo qual o trono a adversidade dos homens e do clima. A his- arménio seria daí por diante ocupado por tória da Arménia foi, durante séculos, uma um arsácida, dinastia dominante na Pártia e sequência de torturas e genocídios. Cada in- na Pérsia. A respeito de disputas pela posse vasão, de Árabes ou de Bizantinos, saldava- do trono, o próprio imperador romano Tra- se por milhares de mortos e a captura dos jano invadiu o país (114) e anexou-o como sobreviventes como escravos. província romana. O seu sucessor, Adriano, renunciou ao governo directo da Arménia e Em 885, vários senhores feudais elegeram permitiu que lá se formasse um estado cli- rei Asócio I, reconhecido pelos Árabes como ente. Com Marco Aurélio, nova guerra eclo- príncipe dos príncipes, o qual iniciou um diu na Ásia Menor. A Arménia foi ocupada e novo período áureo na história do país. a sua capital, Artaxata, completamente des- As relações dos Bizantinos com o Islão, que truída. Em 217, Macrino reconhece Tirída- sob os Fatimidas tinham sido toleráveis, tes II como rei da Arménia, mas com a as- mudaram quando os turcos Seljúcidas con- censão dos Sassânidas ao trono da Pérsia, quistaram o califado de Bagdade e ameaça- Tirídates foi deposto e assassinado. O trono ram, a partir de 1057, as fronteiras orientais foi então ocupado por um vassalo dos Per- do império. À cavalaria árabe do deserto, sas até que, sob Diocleciano, os Romanos sucede a cavalaria turca das estepes. Muito voltaram a colocar no poder um arsácida, Ti- mais feroz e implacável para com os venci- rídates III. dos. Aos cruéis ataques dos Turcos, segui- Foi Tirídates III que, ao converter-se ao Cris- ram-se morticínios das populações cristãs. tianismo, o transforma em religião do Es- Em 1064, os Turcos arrasaram a capital da tado, erguendo para sempre uma barreira Arménia, Ani, sendo ocupada a maior parte entre a Arménia e a Pérsia. Com a invenção do país. No século XII, muitas regiões armé- do alfabeto arménio e a tradução da Bíblia nias do norte foram absorvidas pela Geórgia pelo bispo Mesrob, surgiu e desenvolveu-se mas, entre 1236 e 1242, esta, bem como uma literatura cristã que teve papel rele- toda a Arménia turca, caíram nas mãos dos vante na manutenção do espírito de uni- Mongóis. Com a invasão dos Mongóis, as dade nacional. Em 451, o IV Concílio Ecumé- guerras contra Bizantinos e Turcos e as lutas nico da Calcedónia condena o monofisismo entre pretendentes ao trono e senhores como herético, em favor da doutrina da na- feudais, a Arménia afunda-se na maior anar- tureza dupla de Cristo, formulada por Santo quia e inicia-se a diáspora do povo Arménio. Agostinho e defendida pelo papa Leão I. Em Que ainda hoje existe. Um dos êxodos ma- 554, reunidos no Concílio de Dwin, os altos ciços faz-se em direcção à Cilícia (nas costas dignatários da Igreja Gregoriana Arménia, da Mediterrâneo), onde surgiu um Estado aceitam a fórmula monofisista, afastando- efémero que passou a chamar-se Pequena se ideologicamente do Ocidente, tal como a Arménia.
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Este reino cristão, constituído com o auxílio Na Turquia, Abdul Megid, na sequência de dos Cruzados, a caminho da Terra Santa, e um movimento conhecido por tanzimat organizado segundo padrões ocidentais, co- (isto é, “reorganização”), organizou em no- nheceu um grande desenvolvimento co- vos moldes a administração do Império Oto- mercial. Na encruzilhada das rotas carava- mano, dividindo-o em províncias. O ele- neiras que vinham da Índia, transitando mento muçulmano, contudo, era sempre pelo Império Mongol, chegou mesmo a riva- privilegiado, mesmo onde os Arménios lizar com Constantinopla. Com a ruína do constituíam a maioria da população. Na se- Império Mongol, no final do século XIV, in- gunda metade do século XIX, o problema terromperam-se os contactos comerciais das minorias arménias apaixonou a diplo- entre o Ocidente e o Oriente. Dilacerada por macia internacional e a Questão Arménia lutas internas e exposta aos ataques dos tornou-se uma das preocupações centrais Mamelucos do Egipto, por volta de 1375 já das políticas europeias. quase nada restava desse Estado. Nesse Em 1860, os Arménios das montanhas de ano, os Mamelucos invadiram o país e cap- Zeitun revoltaram-se e só foram dominados turaram o último rei da Pequena Arménia. ao fim de dez anos. Pela guerra russo-turca Ocupada por Gengis Khan e depois pelos de 1877-1878, distritos fronteiriços foram Turcos Otomanos, a Arménia tradicional (ou anexados pela Rússia. No tratado de paz de Grande Arménia) foi, em 1502, ocupada San Stefano, a Turquia compromete-se a pelo xá da Pérsia, Ismail. A partir daí, e du- proceder a reformas. Pouco depois, surgem rante quase todo o século XVIII, a região foi comités revolucionários na Arménia turca. disputada por Persas e Turcos. Com a morte Perante isto, o governo otomano incentiva do xá Abas I da Pérsia, a constante luta en- a rivalidade dos Curdos contra os Arménios. tre Turcos e Persas permitiu que um grupo Em 1894, ocorre um primeiro massacre da se revoltasse e conseguisse alcançar, na re- população arménia. A partir desta data, a gião montanhosa de Nagorno-Karabakh, crise turca adquire, novas dimensões: as po- um curto período de independência (1722- pulações cristãs arménias, búlgaras e gre- 1730). gas, passam a reivindicar autonomia admi- nistrativa, protecção contra as arbitrarieda- No século XVIII, a Rússia dos czares voltou- des dos funcionários turcos e reformas fis- se para a Ásia. Em 1768, explodiu a guerra cais. intermitente entre os Russos e os Persas. Em 1813, pelo acordo de Gulistão, os Persas No Inverno de 1895-1896, após uma mani- cederam à Rússia a Geórgia, o norte do festação em Constantinopla, foram cometi- Azerbaijão e Nagorno-Karabakh e, depois dos morticínios sistemáticos nas províncias. de nova guerra, Erevan (capital da actual Em Agosto, quase 100 mil pessoas foram República Socialista Soviética da Arménia) e massacradas. Esta crise não podia deixar de Naquichevão. Por serem cristãos, os Russos ter repercussões internacionais. Os choques foram encarados pelos arménios como li- de interesses das grandes potências impedi- bertadores. No entanto, não alcançaram a ram todavia que qualquer atitude comum liberdade tão almejada. À suserania dos se- fosse tomada. nhores persas, seguiu-se uma administra- Durante a Primeira Guerra Mundial, os Tur- ção centralizada que os mantinha solida- cos temendo que os Arménios se revoltas- mente unidos ao Império Russo. O contacto sem e se unissem aos Russos, decidem de- com o pensamento liberal ocidental favore- portá-los para a Síria e a Mesopotâmia. Du- ceu, todavia, o renascimento da cultura ar- rante esta operação, acompanhada de ce- ménia no século XIX. nas de brutalidade sem paralelo, estima-se
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que tenham morrido 600 mil arménios, víti- 1920, o tratado de Sèvres criou uma Grande mas de maus-tratos, doença e fome. Entre Arménia, reunindo os territórios russos e 1894 e 1916, cerca de um milhão e meio de turcos. Teve existência efémera. Em Dezem- membros da comunidade arménia foram bro do mesmo ano, a Turquia de Kemal Ata- massacrados ou morreram em consequên- türk ocupou as regiões de Kars e Ardahan e cia directa de perseguições e deportações. os bolcheviques proclamaram a República Socialista Federativa Soviética Transcaucasi- Os Russos, em 1916, conquistam a Arménia ana que, em 1936, a República Socialista So- turca, contudo, após a Revolução de Outu- viética da Arménia, no seio da União Sovié- bro, o tratado de Brest-Litovsk (1918), fez tica. da Arménia um Estado independente. Em
Manuel de Sousa “Arménia: dois mil anos de lutas e perseguições” in O Primeiro de Janeiro, se- parata Domingo, 28-01-1990, p. 4
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