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Economia Ambiental e Economia Ecológica, Valoração e Belo

Monte

Thiago de Almeida Tonus

Monografia - 2017
Professor Orientador: Doutor Ademar Ribeiro Romeiro

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP


Instituto de Economia

Campinas, Janeiro de 2017


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA

THIAGO DE ALMEIDA TONUS

Economia e Meio Ambiente: Economia Ambiental e


Economia Ecológica, Valoração e Belo Monte

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título
de Bacharel em Ciências Econômicas, sob a
orientação da Professor Ademar Ribeiro
Romeiro

Campinas

2015

2
Economia e Meio Ambiente: Economia Ambiental e
Economia Ecológica, Valoração e Belo Monte

THIAGO DE ALMEIDA TONUS

BANCA EXAMINADORA

Professor Orientador: Prof. Dr. Ademar Ribeiro

Professor Convidado: Prof. Dr. Sérgio Tosto

Monografia defendida em 10/01/2017

3
“Knowledge is knowing that a tomato is a fruit,
wisdom is not putting it in a fruit salad.”
Miles Kington

4
TONUS, Thiago de Almeida. Economia e meio ambiente: economia ambiental e
economia ecológica, valoração e belo monte. 2017. 70 pp. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação) – Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2017

RESUMO

A partir de críticas ao desenvolvimento econômico capitalista depois da segunda


guerra mundial o tema do meio ambiente é colocado fortemente na agenda
internacional e nacional. A teoria econômica incorpora as críticas ambientalista e
como é natural da ciência, paradigmas teóricos são construídos dando origem a
abordagens diferentes para a questão do “pensar crítico” de um desenvolvimento
econômico que seja sustentável. Nesse contexto duas correntes se destacam: a
Economia Ambientalista Neoliberal e a Economia Ecológica, e dão vida a um debate
rico, principalmente a partir da década de 80, sobre como encarar os recursos
naturais, o sistema econômico, o desenvolvimento e o crescimento econômico num
mundo (bioma) que aparentemente sofre com a atuação antrópica. Alguns aparatos
teóricos como os métodos de valoração monetária aparecem para melhorar as
análises, principalmente de temas controversos. Como o caso da construção de Belo
Monte. O presente trabalho tem o intuito de fazer uma revisão dos principais
conceitos da Economia Ambiental e Ecológica, o papel da valoração para as duas
vertentes e a aplicação no caso de Belo Monte.

Palavras Chave: Economia; Meio Ambiente; Desenvolvimento Sustentável;


Economia Ecológica; Economia Ambiental; Valoração; Geração; Belo Monte.

5
ABSTRACT

From critics to capitalist economic development after the Second World War the theme
of the environment is placed strongly on the international and national agenda.
Economic theory incorporates environmental criticism and, as is natural in science,
theoretical paradigms are constructed giving rise to different approaches to the issue of
"critical thinking" of sustainable economic development. In this context, two currents
stand out: the Neoliberal Environmental Economy and the Ecological Economy, and
they give life to a rich debate, mainly from the decade of the 80, on how to face the
natural resources, the economic system, the development and the economic growth in a
World (biome) that apparently suffers from anthropogenic action. Some theoretical
apparatuses such as monetary valuation methods appear to improve the analyzes, mainly
of controversial subjects. Like the case of the construction of Belo Monte. The present
work intends to review the main concepts of Environmental and Ecological Economics,
the role of valuation for both aspects and the application in the case of Belo Monte.

Keywords: Economics; Environment; Sustainable development; Ecological


Economics; Environmental Economics; Valuation; Generation; Belo Monte.

6
AGRADECIMENTO

Agradeço a toda minha família por todo apoio e incentivo para terminar esse trabalho,
principalmente meu pai, minha mãe e meu irmão. Agradeço imensamente toda ajuda e
compreensão do meu orientador, professor Ademar, que possibilitou tudo isso. Além
disso, agradeço a possibilidade de entrar em contato com esse tema e essa linha de
pesquisa que é a Economia Ecológica, mudou muito minha forma de enxergar muitas
outras coisas. Muitas lições aprendidas depois desse trabalho que com orgulho entrego.
Abrigado a todos que participaram de outras formas.

7
Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 10

Capitulo 1 – A problemática ambiental na economia e o debate entre Economia


Ambiental e Economia Ecológica ................................................................................ 12

1.1 A discussão do meio ambiente na Economia ............................................ 12

1.2 A discussão ambientalista e sua influência na economia ........................ 15

1.3 Diferenças entre Economia Ambiental e Ecológica ................................. 16

1.4 Considerações Finais do Capítulo ............................................................. 25

Capítulo 2 – Conceitos e Métodos de valoração econômica do meio ambiente ...... 26

2.1 Valor de Uso, Valor de Opção e Valor de Existência .............................. 26

2.2 Métodos de valoração monetária .............................................................. 28

2.2.1 Avaliação Contingente (DAP Direta) ..................................................... 30

2.2.2 Preços Hedônicos (DAP Indireta) .......................................................... 32

2.2.3 Custo de Viagem (DAP Indireta) ........................................................... 34

2.2.4 Produtividade marginal .......................................................................... 37

2.2.5 Mercado de bens substitutos ................................................................... 39

2.2.5.1 Custos evitados ...................................................................................... 40

2.2.6 Custos de controle .................................................................................... 41

2.2.7 Custos de reposição.................................................................................. 43

2.2.8 Custo de oportunidade ............................................................................ 44

Capítulo 3 – O caso da Usina de Belo Monte ............................................................. 45

3.1 Histórico da obra de Belo Monte ............................................................... 45

3.2 Análise do EIA- RIMA do projeto e dos principais impactos ................ 49

Capítulo 4 - Métodos de valoração possíveis de aplicação no caso Belo Monte ..... 63

4.1 Manual de Valoração Econômica da Eletrobrás ..................................... 63

8
4.3 Análise de Custo de Oportunidade Eólica e Solar a partir de dados
globais ................................................................................................................ 68

4.3 Considerações Finais .............................................................................................. 74

Bibliografia .................................................................................................................... 75

Anexo I: Tabela de Impactos EIA-RIMA (Por Etapa) ............................................. 79

9
Introdução

No decorrer do curso de graduação em economia raramente fazemos discussões sobre


como a teoria incorporou as críticas ambientais da década de 60 e 70. É claro que o
crescimento econômico é peça chave para o capitalismo que vivemos, assim como,
segundo a Teoria Neoclássica, a alocação dos fatores deve ser feita de forma eficiente.
No entanto, a partir das críticas de Georgescus – Roegen e da incorporação da
Termodinâmica na análise do sistema econômico, percebemos que o sistema econômico
criado e alimentado por nós é parte de uma grande outro sistema, o bioma. Dessa forma,
o sistema econômico depende do ecossistema terrestre e não pode crescer
indefinidamente. Mesmo com ganhos de eficiência e substituição dos fatores de
produção por capital, o planeta possui uma capacidade de carga e a análise dos impactos
devem ser mais realistas. Nesse contexto, a discussão que a Economia Ecológica faz é
de grande relevância. Além disso, os métodos de valoração monetária correntes são
importantes, mas não suficientes para ajudar a tomada de decisões em políticas públicas.
Um dos objetivos esclarecer a discussão do meio ambiente na economia, mostrar os
principais métodos de valoração correntes utilizados e sugerir possíveis aplicações e
análises no caso controverso de Belo Monte. Nesse caso em específico, uma análise
multidisciplinar e que levasse em conta não apenas os custos e benefícios monetários
poderiam ter sido relevantes para inviabilizar a construção. Outras alternativas
renováveis e com baixíssimo impacto ambiental como geração eólica e solar já
apareciam na época, porém não foram levadas em conta. O trabalho então é estruturado
de forma que na primeira parte fazemos uma revisão de como os recursos naturais ou a
natureza foi entendida pelos economistas nas mais diferentes abordagens, chegando até
a discussão entre Economia Ambiental e Economia Ecológica. Na segunda parte
fazemos uma recuperação dos conceitos de valor de uso, valor de opção e valor de
existência, bem como uma recuperação dos principais métodos correntes de valoração
econômica e seus principais vieses. Na terceira parte fazemos uma introdução de todas
as problemáticas da obra de Belo Monte através da recuperação dos principais fatos e
das críticas feitas ao Eia-Rima na época. E na quarta e última parte utilizamos os
conceitos e métodos discutidos para propor formas de valoração dos impactos para o
caso de Belo Monte, tentando também estabelecer um Custo de Oportunidade entre

10
Belo Monte e a Energia Eólica e Solar. O objetivo era chegar à resultados que poderiam
ter sido olhados com mais cuidado e talvez inviabilizassem a obra.

11
Capitulo 1 – A problemática ambiental na economia e o debate entre Economia
Ambiental e Economia Ecológica

1.1 A discussão do meio ambiente na Economia


Não é possível mais pensar na construção de uma sociedade produtiva, no
sentido de uma sociedade que se organiza entorno do trabalho e da produção, sem
pensar nas consequências da ação produtiva e do esquema de reprodução econômica de
bem-estar no ambiente que vivemos. Derretimento das calotas polares, poluição
atmosférica, efeito estufa, acidificação de oceanos e desastres naturais já dão alertas
para os efeitos da intervenção humana nos ecossistemas terrestres. A economia como
ciência tenta contribuir para esse debate, já que boa parte das discussões econômicas são
acerca de crescimento e desenvolvimento. De modo que é importante incorporar à
discussão do crescimento e desenvolvimento econômico uma agenda de
sustentabilidade. A primeira questão que surge é: como encarar metodologicamente a
inclusão do meio ambiente na análise econômica? Duas principais correntes se
destacam nessa tentativa, a Economia Ambiental de abordagem neoclássica e a
Economia Ecológica, com arcabouço interdisciplinar.
Historicamente, como salientam Gómez-Baggethun, Et. Al. (2009), pode-se
afirmar que a corrente Fisiocrata no desenvolvimento de sua teoria sobre a importância
das terras na geração de riqueza através da agricultura já considerava o meio ambiente
em seu esquema analítico, no entanto, ainda de forma incipiente e simplória, justamente
porque a terra aparecia apenas como um fator. François Quesnay (1758) e seus
discípulos entendiam que uma economia voltada à agricultura seria comodamente
taxada com mais facilidade, e em termos gerais, poderia ser organizada de modo mais
eficiente, considerando-se a novidade analítica do fluxo de pagamentos1. Quesnay
encarava o fluxo econômico como um sistema fechado vis-a-vis um corpo humano, pois
era médico de origem, e estava acostumado com essa abordagem. Desde essa concepção
a terra era um fator de importância para que o fluxo econômico fosse continuado. Os
primeiros teóricos da Economia Clássica como Adam Smith (1723-1790), David
Ricardo (1772-1823), Thomas Malthus (1766-1834) e John Stuart Mill (1806-1873)

1
Principal obra de Quesnay foi Tableau Economique ("Quadro Econômico") de 1758, na qual ele explica
como funcionaria o fluxo de pagamentos entre as classes da economia.
12
consideravam a terra como um fator de produção igualmente relevante ao fator trabalho.
Mas diferente dos Fisiocratas procuraram centrar suas análises no fator trabalho, por
dois motivos: primeiro, pela influência das primeiras discussões da teoria do valor-
trabalho e segundo, pela concepção que se tinha nessa época de que recursos naturais
deveriam ter um tratamento distinto do usual, pois os serviços oferecidos por ela não
tinham valor (Crocker, 1999). Isso posto, os economistas clássicos passam a entender a
terra como um fator restritivo de crescimento no sentido físico, com reflexos na lei de
retornos decrescentes da terra de Ricardo. A preocupação com o crescimento
populacional de Malthus e a previsão de Stuart Mill sobre o eventual atingimento de um
“stead state” econômico fazem parte desse entendimento. No entanto vale observar que
como a Ecologia ainda não existia nessa época, a natureza apenas aparece quando ligada
estritamente a alguma cadeia de valor, ou seja, ao processo produtivo.
No século XIX forças como o grande crescimento industrial, desenvolvimento
tecnológico sem precedentes e a aceleração do acumulo de capital preparam as bases
para uma mudança progressiva na direção de perda de espaço da natureza no tratamento
analítico da economia. As principais mudanças de acordo com Gómez-Baggethun, Et.
Al. (2009) foram: i) foco das análises nos fatores trabalho e capital, considerados na
curva de produção industrial como fatores a serem alocados de forma a maximizar a
produção e o lucros; ii) mudança do aspecto físico para o aspecto monetário, devido à
generalização da produção e do comercio, com operações financeiras ganhando
proporções maiores e iii) a mudança de foco do valor de uso para o valor de troca, no
sentido de que o que importam são as quantidades de mercadorias produzidas e como
elas podem ser trocadas umas pelas outras2. A partir da Revolução Marginalista e da
concentração cada vez maior da análise no valor de troca e por sua vez no circuito
monetário, a análise física e que leve em conta a natureza perde de vez seu espaço.
Como escreveu Pigou: “The one obvious instrument of measurement available in social
life is money. Hence, the range of our inquiry becomes restricted to that part of social
welfare that can be put directly or indirectly into relation with the measury rod of
money” (Pigou (1920), 2006, p.11). É justamente nessa época que autores como Carl
Menger (1840-1921), Leon Walras (1834-1910) e William Stanley Jevons (1835-1832)

2
“Como valores de uso, as mercadorias são, antes de tudo, de diversa qualidade; como valores de troca
apenas podem ser de diversa quantidade, não contendo, portanto, átomo algum de valor de uso” O
Capital, Página 1. Livro 1
13
ganham notoriedade com as suas obras que levavam o problema econômico à discussão
de alocação eficiente de recursos escassos, ou seja, um problema de escolhas eficientes.
Nesse mesmo período passa-se a discutir o papel da inovação tecnológica na alocação
eficiente de capital e trabalho, assim como de recursos naturais. Novos trabalhos
influenciados pelos anteriores passam a aparecer e importantes teorias de taxação e
políticas públicas são desenvolvidas, como nas obras de Arthur Cecil Pigou (1877-
1959), Alfred Marshall (1842-1924) e Lionel Robbins (1898-1984). Após a 2ª Guerra
Mundial há uma dominância no plano teórico de uma combinação entre microeconomia
neoclássica e macroeconomia keynesiana, que aprendemos como a Síntese Neoclássica,
um dos principais expoentes foi Paul Samuelson (1915-2009), sendo que essa síntese
dominou as discussões no século XX. Porém, com o fim da guerra mundial e o
estabelecimento da Guerra Fria, segundo Fusfeld (2001), a teoria neoclássica carecia de
uma teoria do crescimento que fosse compatível. Nesse sentido, a contribuição de
Robert Solow (1956-) foi completamente importante, ajudando a conciliar equilíbrio e
crescimento, levando em consideração a perfeita conversibilidade entre capital e
trabalho.
No entanto, Solow estabeleceu a pedra fundamental da visão neoclássica de que
recursos naturais podem ser facilmente substituídos por capital na função de produção,
exemplificando inclusive através do episódio do choque de petróleo, afirmando que os
mercados teriam a capacidade de se autorregular através do sistema de preços. Isso quer
dizer que quando um recurso particular se torna escasso seu preço sobe e obrigam os
consumidores a moverem-se para o consumo de outros bens (Solow, 1973). Nos anos
70 e anos posteriores a Solow a questão de Crescimento e Desenvolvimento passa a ser
discutida firmemente. Com a onda do moderno ambientalismo na segunda metade do
século XX algumas subdisciplinas econômicas especializadas passam a endereçar
pequenas mudanças na análise econômica dos problemas ambientais. Segundo Turner et
al., (1994) a primeira comunidade acadêmica voltada para esse assunto foi “Society of
Environmental and Resource Economics”, com origem nos anos 60. Eles ajudaram a
expandir o escopo da análise ortodoxa neoclássica desenvolvendo e aplicando métodos
de valoração e internalização de impactos econômicos no ambiente nas decisões dos
agentes. Essa corrente em sua origem afirmava que a negligencia da economia
neoclássica no tratamento da natureza estava no olhar restritivo que só dava importância

14
as funções e serviços ecossistêmicos que poderiam ser precificados. Destarte, a
sistemática subutilização da análise da dimensão ecológica nas decisões poderia ser
explicada em parte pelo fato de que os serviços providos por capital natural não são
quantificados em termos adequados e comparáveis com serviços econômicos e capital
manufatureiro. (Constanza et al. 1997).

1.2 A discussão ambientalista e sua influência na economia


Tendo em vista esse plano de desenvolvimento da teoria puramente econômica,
passemos a discussão ambientalista e como ela influenciou a discussão econômica. A
discussão do meio ambiente na economia ganha contornos mais definidos a partir da
década de 70 com o debate de desenvolvimento sustentável. Entre as décadas de 60 e 70
alguns acontecimentos incendiaram a discussão: o lançamento do livro de Rachel
Carson, “Silent Spring (Primavera Silenciosa)” que colocou tom alarmista sobre o
perigo do envenenamento por pesticidas sintéticos, questionando as benesses do
progresso técnico3, o naufrágio do petroleiro Torrey Canyon em 1967, no litoral Inglês,
e dois anos depois o derramamento de petróleo de Santa Barbara, no litoral californiano,
depois de uma explosão em uma plataforma em alto-mar4. Até então o esforço de
crítica ao modelo de desenvolvimento econômico era feito pelos ambientalistas e de
forma a opor crescimento econômico e preservação dos recursos ambientais, de forma
direta e sem cr´ticas mais profundas. A primeira tentativa de inserção da problemática
econômica, ou seja, considerar aspectos sociais e econômicos na discussão foi feita por
cientistas neomalthusianos relacionando crescimento populacional, crescimento
econômico e restrições ao desenvolvimento. Assim, a crítica ambientalista, surgida
inicialmente nos meios científicos e ambientalistas, vai progressivamente adentrando o
campo da ciência econômica, dado ser o funcionamento do sistema econômico o objeto
central da crítica. Neste processo, é de grande destaque o impacto do Clube de Roma,
com a publicação de "The Limits to Growth", o Relatório Meadows, de 1972. Tal
compilação dos estudos e discussões no relatório construiu um quadro catastrófico e

3
BURNIE, 2007.
4
Ainda que um dos maiores desastres e mais estudados seja o do vazamento de petróleo do Petroleiro
Exxon Valdez em 1989, no Alaska. Em 2010, no Golfo do México, houve mais um desastre das mesmas
proporções, resultante da explosão em uma plataforma de prospecção de petróleo da companhia inglesa
BP.
15
apontava para uma solução política de “crescimento zero”, capaz de reduzir os efeitos
do crescimento econômico5. A publicação desse ponto de vista foi a gênese da primeira
polarização quanto aos rumos do crescimento e desenvolvimento econômico levando
em consideração o meio ambiente no século XX. Opondo-se à visão do “crescimento
zero” criou-se o que ficou conhecido como desenvolvimentistas de "direito ao
crescimento" (defendida pelos países do terceiro mundo). Essa discussão ficou expressa
na Conferência da UNCED em Estocolmo em 1972. Nesta, como terceira-via,
desenvolve-se a tese do Ecodesenvolvimento6, segundo a qual desenvolvimento
econômico e preservação ambiental não são incompatíveis, mas, ao contrário, são
interdependentes para um efetivo de desenvolvimento. Esta tese vem a desenvolver-se
na proposição do Desenvolvimento Sustentável, que adquire sua forma mais
consolidada no Relatório Brundtland de 1987 (Our Common Future), segundo a qual o
Desenvolvimento deve ser entendido pela eficiência econômica, equilíbrio ambiental e
também pela equidade social7. Segundo Romeiro (2001), a proposta sobre “crescimento
zero” e desenvolvimento sustentável que emerge das discussões é uma “proposição
conciliadora, onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente relativiza os
limites ambientais, mas não os elimina e que o crescimento econômico é condição
necessária, mas não suficiente para a eliminação da pobreza e disparidades sociais” 8.
Além disso, o conceito de desenvolvimento sustentável que emerge da Conferência de
Estocolmo é pouco conclusivo - não responde a questões simples de forma clara como
qual a real amplitude e como ele transforma a aplicação de políticas públicas - e pode
ser questionado em seu significado9.

1.3 Diferenças entre Economia Ambiental e Ecológica


Levando em consideração toda essa evolução e contexto das discussões,
atualmente duas correntes se destacam no tratamento da questão do meio ambiente na
economia: a Economia Ambiental Neoclássica e a Economia Ecológica, representante
do grupo crítico. A primeira se desenvolveu ao longo do tempo incluindo conceitos e

5
McCormick, 1992; RIBEIRO, 2005.
6
SACHS, 2002; SACHS, 2007
7
Sociedade Brasileira de Economia Ecológica
8
Romeiro, 2001 pág. 08
9
“Desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a habilidade das futuras
gerações de satisfazer suas próprias necessidades” de acordo com WCDE, 1987.
16
paradigmas para dar conta da discussão ambiental. A principal defesa dessa corrente é a
de que no longo prazo o progresso técnico será capaz de proporcionar substituição de
insumos materiais e fazer com que a economia se mova suavemente, através de práticas
de mercado, de uma base de recursos naturais para outra. Esse esquema analítico traz
implícita a visão de que há infinidade dos recursos naturais, não havendo necessidade de
preocupação acerca da possibilidade de manutenção do ritmo de atividades produtivas.
Essa concepção foi criticada pioneiramente por Nicolas Georgescu-Roegen em The
Entropy Law and the Economic Process. Segundo Romeiro (2001), num primeiro
momento, os recursos naturais sequer eram considerados como fator de produção e
dessa forma não faziam parte da função de produção, conforme a função que segue:

Y=f(K,L) (1)
Sendo: Y=produto, K=capital, L=Trabalho

Com o passar do tempo os economistas entenderam que havia uma certa


incongruência nessa consideração teórica e passaram a incluir os recursos naturais, mas
apenas como fator de perfeita substituibilidade com os demais fatores de produção
(capital e trabalho), como se segue:

Y=f(K,L,N) (2)
Onde: Y=produto, K=capital, L=Trabalho, N=capital natural

Nessa abordagem o progresso científico é capaz de transformar a restrição por


escassez de recursos naturais em uma restrição relativa, pois conseguiria direcionar a
economia para utilização de novos recursos ao longo do tempo pelo processo de
substituição.

“Essa concepção ficou conhecida como sustentabilidade fraca, uma economia é


considerada “não sustentável” se a poupança total fica abaixo da depreciação
combinada dos ativos produzidos e não-produzidos, os últimos usualmente
restritos a recursos naturais. A idéia subjacente é a de que o investimento, isto é, a
substituição de capital natural (KN) por capital (K), compensa as gerações futuras

17
pelas perdas de ativos causadas pelo consumo e produção correntes” Gori &
Romeiro (2010)
A sustentabilidade forte (chamaremos apenas de sustentabilidade) por oposição
seria considerar que os recursos naturais são finitos e que podem facilmente impactar a
capacidade das gerações futuras de obter recursos naturais suficientes para a
manutenção da sociedade. Dito isso, é possível afirmar que a corrente neoclássica
entende o fluxo e o sistema econômico como o abaixo:
Figura 1: Sistema Econômico Isolado Convencional

Fonte: Elaboração Própria


Esse é o quadro geral do funcionamento econômico desenvolvido pela teoria
econômica clássica e neoclássica ao longo do tempo para explicar como se dá a relação
entre as famílias que consomem bens e serviços ofertados pelas empresas e são pagos na
medida em que também recebem sua remuneração por ser um fator produtivo. Ou seja,
nessa análise existem dois fluxos, o fluxo material de mercadorias e força de trabalho e
o fluxo monetário que são os pagamentos pelos bens e serviços e pagamento do fator
trabalho. Assim sendo, a corrente neoclássica entende que o que prepondera como
medida de tudo o que atravessa o fluxo são os preços correntes, incluindo os recursos

18
naturais. No entanto, o sistema de preços não consegue dar conta de toda a
complexidade que envolve o valor ecossistêmico dos recursos naturais como defende a
Economia Ecológica. Para a Economia Ambiental, no caso dos bens ambientais
transacionados no mercado (insumos materiais e energéticos), a escassez crescente de
um determinado bem se traduziria facilmente na elevação de seu preço, o que induziria
a introdução de inovações que permitem poupá-lo e, no limite, substituí-lo por outro
recurso mais abundante. Já para serviços ecossistêmicos, em geral não transacionados
no mercado por conta da natureza dos bens públicos (ar, água, ciclos bioquímicos
globais de sustentação da vida, capacidade de assimilação de rejeitos, etc.), há uma
falha de mercado considerada “externalidade negativa”, ou seja, a degradação ambiental
proveniente de determinada ação de um agente reflete em efeitos negativos para os
outros agentes econômicos. As soluções para esses problemas se reduzem a soluções de
mercado, e elas são duas: i) eliminar o caráter público desses bens e serviços através da
definição de direitos de propriedade sobre eles, o que implicaria privatizar recursos
como água, o ar, etc. esbarrando no elevado custo de transação decorrente de processos
de barganha que envolveriam centenas ou mesmo milhares de agentes, o que na prática
seria impossível; e ii) calcular o valor da escassez de um bem através de uma curva de
degradação ambiental, a qual levasse em consideração custos marginais de controle da
poluição e os custos marginais dos impactos ambientais provocados por suas atividades
produtivas. Obrigando a internalização através de uma taxa e chegando à um equilíbrio
representado com um “ponto ótimo de poluição” como mostrado no Gráfico 1.
Gráfico 1: Poluição Ótima

Fonte: Romeiro (2001), Elaboração Própria


19
Para a economia ambiental a precificação acaba sendo necessária e suficiente
como condição de política pública para resolver problemas ambientais. No entanto, a
abordagem não leva em conta que mesmo tendo os custos internalizados e a taxações
cubram custos imediatos da poluição ou alteração dos serviços ecossistêmicos o
impacto ambiental evolui de modo imprevisível devido a existência de efeitos
sinérgicos, de ‘tresholds’ e de reações defasadas Maia & Romeiro (2010).
Tendo em vista que quanto mais escasso o bem maior seu preço, a disposição a
apagar dos agentes diminui ao longo do tempo. Destarte, empiricamente teria sido
observado que existe uma relação entre o crescimento econômico, aumento da renda per
capita e menor tolerância à poluição. Pois há disposição a pagar pelo substituto mais
caro e com menos impacto. Configurando o que pode ser considerado uma curva de
Kuznets ambiental. A expressão curva de Kuznets ambiental tem sua origem num
trabalho de Kuznets onde este mostrava empiricamente a existência de uma curva com a
forma de U invertido correlacionando crescimento econômico e distribuição de renda10.
Nos anos 90 a versão ambiental se popularizou ao explicar que à medida que a renda per
capita se eleva com o crescimento econômico a degradação ambiental aumenta até certo
ponto, a partir do qual a qualidade ambiental começa a melhorar.
Gráfico 2: Curva Ambiental de Kuznets

Fonte: Romeiro (2001), Elaboração Própria

10Nos estágios iniciais do crescimento econômico de um países a desigualdade (medida, por exemplo,
pelo índice de GINI) vai aumentar. Isso acontece porque nessa fase do crescimento vai ocorrer um
aumento grande da demanda por mão de obra qualificada, elevando os salários dos trabalhadores
qualificados em detrimento dos não qualificados. A medida que o desenvolvimento econômico do país
progride vai haver ganhos de educação e as pessoas irão buscar mais qualificação, logo a proporção de
MDO qualificada/MDO não qualificada vai aumentar, reduzindo a desigualdade de renda.
20
Esse comportamento da curva pode ser explicado pelo comportamento dos
agentes, que com uma renda maior se preocupam mais com os efeitos colaterais do
desenvolvimento, e podem dispor de parte de sua renda em incremento e melhoria de
qualidade do meio ambiente. No entanto, a curva em sua versão ambiental recebe
algumas críticas, por exemplo quanto a emissão de gás carbônico, que na realidade
aumentou com o desenvolvimento dos países.
A Economia Ecológica, influenciada por uma linha de raciocínio crítico ao atual
processo de crescimento econômico com base nos princípios e conceitos biofísicos
ambientais e ecológicos envolvidos, dá importância em considerar o sistema econômico
um sistema aberto, derivando o conceito das Leis da Termodinâmica para a economia.
O resultado é a consideração do sistema econômico como dependente do sistema mais
amplo, o bioma terrestre, e por isso com crescimento limitado.

Em termos mais simples seus pilares básicos são:


i) Enxerga o sistema econômico com um subsistema de um todo maior que o
contém, impondo uma restrição absoluta à expansão;

ii) Entende que capital e recursos naturais são essencialmente complementares e


não substitutos na função de produção;

iii) Partilha com a corrente neoclássica a convicção de que é possível instituir uma
estrutura regulatória baseada em incentivos econômicos capaz de aumentar a
eficiência na utilização dos recursos naturais;

iv) Admite que no longo prazo o planeta possui uma capacidade de carga
determinada e por isso a sustentabilidade do sistema econômico não é
possível sem estabilização dos níveis de consumo per capita de acordo com a
capacidade de carga do planeta.

A Economia Ecológica parte do princípio de que, além de alocar de forma


eficiente os recursos, conforme defendido pela Economia Ambiental, um sistema
econômico deveria tratar da distribuição justa e da escala de utilização desses recursos.
A mesma reconhece a importância da existência dos mercados, mas não lhe atribui a
capacidade de refletir todos os desejos da sociedade. Defende também a ideia de que a
não regulação dos mercados seria inadequada para a alocação de bens e serviços
21
providos da natureza. Por conseguinte, a questão principal para a corrente ecológica é o
funcionamento da economia aceitando-se os limites impostos pela natureza. Diferente
da outra corrente, como assinala Daly (1996), os preços refletem a disponibilidade de
cada recurso independentemente do estoque total de recursos, o que impede que eles
possam servir para sinalizar um processo de extração ótima do ponto de vista da
sustentabilidade. Já sobre os serviços não transacionados no mercado devido a sua
natureza de bens públicos essa corrente defende que o método utilizado pela corrente
ambiental é uma solução econômica para um problema não econômico. Portanto a
alocação eficiente de investimentos em controle de poluição e pagamentos de taxas por
poluir, chegando a um nível de “poluição ótima” não resolve a perda irreversível para o
ambiente ao ser ultrapassada a capacidade de assimilação do ambiente, que é um
problema ecológico.
Uma das grandes inovações da Economia Ecológica é a proposição de que a
economia é um subsistema que faz parte de um ecossistema natural global fechado e
que há ocorrência de trocas de materiais e energia entre o subsistema e o sistema global
(que geram efeitos sobre ambos os componentes do sistema).

Figura 2: Sistema Econômico Aberto Dentro do Ecossistema (Visão Ecológica)

Fonte: Adaptado de Common e Stagl (2005, p. 2)

A caracterização da economia como um subsistema aberto – onde ocorrem


trocas de materiais e energia entre o subsistema e o sistema global - que faz parte de um
22
ecossistema natural global fechado, o que refuta a ideia da economia convencional de
que a economia seria o todo e a natureza apenas uma parte dele. Quando se dá esse
passo, evidencia-se que qualquer decisão de utilização dos recursos por esse subsistema
acarreta em perda para outra parte do sistema, ou seja, incorre-se em custos de
oportunidade. Assim, o processo decisório quanto a utilização ou não dos recursos
naturais se torna mais complexa, já que a utilização para um fim pode impedir o uso
futuro para outros fins. Tal proposição impõe a ideia de limites às trocas realizadas entre
esse subsistema e o ecossistema global, que é o responsável pela oferta dos recursos que
entram no subsistema econômico (material e energia) e capaz de absorver (ou não) os
resíduos liberados pelo mesmo. A relação complementar entre o ecossistema e a
economia torna-se evidente. Por isso, as dimensões da economia dependem dos limites
ecossistêmicos, revelando a necessidade de se estabelecer uma escala ótima de
produção, que levaria a uma escala ótima de utilização dos recursos naturais (seja como
matéria-prima ou serviços ecossistêmicos) (Daly e Farley, 2003).

Uma outra forma de enxergar é proposta por Daly e Farley (2003) e representam
através da Figura 3 como se pode observar:

Figura 3: “Mundo Vazio” e “Mundo Cheio”

23
O chamado “Mundo Vazio” representa uma economia de pequenas proporções,
que ainda pode se expandir, pois ainda há quantidades de recursos a serem utilizadas. Já
no “Mundo cheio”, a escala de utilização é elevada, o que faz com que o sistema
econômico esteja cada vez mais próximo do seu limite. Sendo assim, deve-se pensar na
viabilidade ou não da utilização dos recursos, já que a mesma será responsável por
maior through put (transumo11). A utilização dos recursos fornecidos pelo ecossistema
de forma irracional faz com que possa haver perdas e danos irreversíveis ao mesmo, o
que prejudicaria sua utilização presente e futura, tornando talvez as condições de
existência de algumas espécies impossíveis. Nesse contexto, torna-se imprescindível a
análise e a determinação de níveis ótimos de utilização dos recursos providos pelo
ecossistema (e da quantidade ótima de dejetos depositados no mesmo) sendo que, para
tanto, fatores econômicos, éticos, biológicos, tecnológicos e outros, devam ser levados
em conta. A função de produção das firmas deverá considerar as especificidades dos
recursos naturais, levando em conta a possibilidade de não haver substitutos para os
mesmos. Além da questão de escala – nível de utilização dos recursos – a economia

11
No original "throughput"; de acordo com Herman E. Daly, transumo ou processamento "é o fluxo
físico entrópico de matéria e energia proveniente de fontes naturais que passa pela economia humana e
regressa aos sumidouros da natureza (...)".
24
ecológica considera a questão alocativa e a questão distributiva quando da utilização dos
recursos. Dessa forma, devem ser consideradas as possíveis finalidades de uso dos
recursos, seja em benefício da geração presente ou das gerações futuras. Outra
consideração a ser feita refere-se à questão distributiva. A utilização dos recursos
naturais em prol da manutenção do consumo de uma parcela da população faz com que
o capital natural seja exaurido sem que toda a população seja beneficiada.

1.4 Considerações Finais do Capítulo


Tendo em vista as correntes teóricas por traz da análise econômica do ambiente,
percebemos que a valoração se torna importante, pois dá subsídios para as tomadas de
decisão quanto a políticas ambientais. No entanto, ainda quanto a utilização e
abrangência da valoração do meio ambiente é possível distinguir as abordagens da
Economia Ambiental em relação à Economia Ecológica. Para a Economia Ambiental a
análise de custo – benefício econômica simples é suficiente. No entanto, como
explicado nesse capítulo a análise deve ser muito mais complexa e os impactos de longo
prazo devem ser considerados. Nesse sentido, a valoração econômica surge como uma
técnica de incorporação de impactos socioambientais na análise. Porém, mesmo que
ainda não seja suficiente para determinar os reais custos de impactos socioambientais
com precisão. Nesse caso, a Economia Ecológica aceita e utiliza a valoração, mas
acredita que a técnica sempre precisa de complementaridades.

25
Capítulo 2 – Conceitos e Métodos de valoração econômica do meio ambiente
2.1 Valor de Uso, Valor de Opção e Valor de Existência
Para a economia ambiental neoclássica valorar o meio ambiente implica
exclusivamente a atribuição de um valor monetário aos recursos ambientais, muito em
parte porque para a aplicação de políticas públicas e tomada de decisão é apenas esse
fator que irá preponderar. O termo valor de um bem ou serviço ambiental é
compreendido como a expressão monetária dos benefícios obtidos de sua provisão do
ponto de vista individual. Esses benefícios podem ser advindos do uso direto e do uso
passivo de tais bens naturais e serviços ecossistêmicos. O valor que resulta do uso direto
é mensurado pelo valor de uso; já o valor que resulta do uso passivo é medido através
do valor de opção e do valor de existência (Pearce & Turner, 1990). Em resumo, os
recursos ambientais para a economia ambiental neoclássica possuem um valor
econômico decorrente da sua utilidade individual e aqueles recursos ambientais que não
possuem, pelo menos em primeira análise, um valor de uso, mas os agentes econômicos
ainda assim estão dispostos a pagar por eles, se considera que possuem um valor de
existência.
Figura 4: Valor do Meio Ambiente

Fonte: Adaptação, Maia & Romeiro (2010)


26
Da perspectiva econômico-ecológica, entretanto, os bens e serviços
ecossistêmicos possuem mais de uma dimensão de valor, além da econômica
(dimensões ecológica e socioambiental), as quais exigem metodologias específicas para
sua valoração, não redutíveis à métrica monetária. Maia & Romeiro (2010)
Desse modo, podemos observar a diferença notória entre a abordagem e
utilização da valoração econômica para a obtenção de resultados científicos satisfatórios
e de aplicação de políticas públicas que levem em consideração toda a complexidade
ecossistêmica. A economia ecológica, apesar das dificuldades inerentes do tema,
apresenta métodos alternativos na tentativa de avaliar os efeitos das ações humanas
sobre as outras espécies da natureza, como a complexidade ecológica, as considerações
de ordem social, a diversidade, a ética a curto e longo prazo. A evolução do tema da
valoração econômica ambiental tem revelado o interesse crescente no desenvolvimento
da literatura, especialmente sobre métodos com novas abordagens, a fim de quantificar
melhor a economia ecológica e suas interdependências (Costanza, Daly, &
Bartholomew, 1991). Como coloca (Amazonas, 2001) as diferentes abordagens em
economia ecológica, sucessivamente, revelam a importância econômica concreta das
relações materiais e energéticas, mas, contudo não avançam em lhes estabelecer, seja do
ponto de vista teórico ou do prático, seu correspondente conteúdo valorativo. E, se tais
relações materiais e energéticas biofísicas possuem papel estruturante no sistema
econômico, por definição elas possuem conteúdo valorativo e, portanto devem compor a
formação de seus valores econômicos.
Em termos gerais, os métodos de valoração baseados nesta abordagem utilizam
o montante total de energia capturada pelos ecossistemas como uma estimativa do seu
potencial para a realização do trabalho útil para a economia. Neste processo de
valoração, pode-se utilizar um método simplificado por meio do uso do conceito de
Produção Primária Bruta de um ecossistema12. A Produção Primária Bruta é uma
medida da energia solar utilizada pelas plantas para fixar carbono. Este índice de
energia solar capturada pelo sistema é convertido em equivalente de energia fóssil.
Posteriormente, faz-se a transformação deste equivalente em energia fóssil em unidades

12
A atividade de um ecossistema pode ser avaliada pela produtividade primária bruta (PPB),
que corresponde ao total de matéria orgânica produzida em gramas, durante certo tempo, em
uma certa área ambiental
27
monetárias, utilizando-se uma relação entre o Produto Interno Bruto e o total de energia
usada pela economia.
Outro método que adota, em termos gerais, os mesmos princípios, chama-se
análise emergética. Sua origem vem da Teoria do Valor-Energia de Howard Odum
(1971-1994). Analisando o conteúdo energético envolvido nas cadeias de transformação
material (sejam ecológicas ou econômico-produtivas), o autor identifica nestas um
processo de progressivo consumo de energia, convertendo a organização material e
energética em formas mais complexas, ou seja, com maior qualidade. Isto é, à medida
que em uma cadeia de transformação a energia é consumida em termos absolutos, ela
passa a estar incorporada (embodied) nas novas formas obtidas de melhor qualidade.
Assim, o “valor” de um elemento qualquer na natureza é definido em termos do
conteúdo energético que foi necessário ser mobilizado até sua obtenção, ou seja, o
conteúdo energético que nele se encontra “incorporado”, a sua emergia (emergy =
embodied-energy). Extrapolando a aplicação dessa teoria do valor-energia para além
dos “valores” dos elementos das cadeias ecológicas, alguns autores, como Costanza
(1980), compreendem que os próprios valores econômicos monetários deveriam em
teoria corresponder a tais conteúdos “emergéticos”, e se não o são é apenas em função
de imperfeições de mercado.

2.2 Métodos de valoração monetária


Os métodos existentes que captam a disposição a pagar dos agentes econômicos
podem ser classificados em duas categorias: (i) métodos que avaliam diretamente a
disposição a pagar (DAP) dos indivíduos por este ou aquele recurso natural e que se
dividem em dois subtipos: subtipo que avalia a DAP diretamente junto aos agentes
econômicos através de um mercado hipotético e subtipo (DAP Direta) e outro que
avalia a disposição a pagar através de mercados reais (DAP Indireta); (ii) métodos que
avaliam indiretamente a disposição a pagar dos indivíduos por um dado recurso natural
através do valor de mercado dos bens ou serviços ecossistêmicos por este produzidos
Os principais métodos e mais utilizados hoje para fazer a valoração econômica
são: Avaliação Contingente, Preços Hedônicos, Custos de Viagem, Produtividade
Marginal, Custos Evitados, Custos de Controle, Custos de Reposição e Custos de
Oportunidade.
28
Tabela 1: Métodos de Valoração Monetária
Método Tipos de Valores Característica Referências
2.2.1 Avaliação Contingente Uso direto e Indireto; Pesquisas para captar disposição Avaliação dos impactos ambientais
Opção; Existência direta a pagar por um bem ou causados pelo acidente com o navio
(DAP Direta)
serviço ambiental Exxon Valdez (Carson et al., 1992)

2.2.2 Preços Hedônicos Uso direto e indireto; Estabelece relação entre os atributos Benefícios econômicos da
Opção de um produto e seu preço no redução da poluição do ar na
(DAP Indireta)
mercado Índia (Murty et al., 2004)

2.2.3 Custos de Viagem Uso direto e indireto; Disposição adicional da população Avaliação econômica do Parque
Opção a pagar pelas visitas a um Nacional da Serra Geral (Maia &
(DAP Indireta)
patrimônio natural a partir de uma Romeiro, 2008)
função demanda que relaciona a
taxa de visitação ao custo de
viagem

2.2.4 Produtividade Marginal Uso direto e indireto Obtém o preço de um recurso a Benefícios econômicos da
partir de uma função exploração sustentável na
relacionando o nível de provisão Amazônia Peruana (Peters et al.,
do recurso ambiental (dose) e o 1989, apud Motta, 1998)
nível de produção de um produto
no mercado (resposta).

2.2.5 Mercado de Bens Uso direto e indireto Gastos para manter um produto Impactos econômicos da poluição
constante após variação do bem do ar em São Paulo (Miraglia &
Substitutos
ou serviço ambiental Böhn, 2005)

2.2.6 Custos de Controle Uso direto e indireto Gastos para evitar a variação do Custo-efetividade das técnicas de
bem ou serviço ambiental controle da poluição causada
pelos dejetos de suínos (Romeiro
et al., 2010)

2.2.7 Custos de Reposição Uso direto e indireto Gastos com substituto para repor Reposição do estuário de Mersey
perdas ambientais na Grã-Bretanha (Bickmore &
Willians, 1994)

2.2.8 Custo de Oportunidade Uso direto e indireto Renda sacrificada para manter Conservação da biodiversidade
bem ou serviço ambiental no seu no Quênia (Norton-Griffiths &
nível atual Southey, 1995)

Fonte: Adaptação, Maia & Romeiro (2010)

29
2.2.1 Avaliação Contingente (DAP Direta)
A valoração através da avaliação contingente utiliza-se de informações
coletadas em perguntas diretas as pessoas, através de pesquisas, ou seja, através da
simulação estatística e da constituição de um mercado hipotético, informando o
entrevistado sobre os atributos do recurso a ser avaliado (cenário) e interrogando sobre
sua disposição a pagar (DAP) para prevenir uma alteração em sua provisão. É um dos
métodos mais usados, principalmente para valores de não uso, e um dos mais
controversos. Considerando que se trata da simulação de um mercado hipotético para
um dado bem ou serviço ecossistêmico, a literatura sobre o método apresenta uma série
de recomendações para dar maior credibilidade à pesquisa. Entre estes procedimentos,
cabe ressaltar aqui a especificação dos cenários, isto é, as informações sobre os atributos
do bem ou serviço ecossistêmico que se quer avaliar que serão apresentados aos agentes
econômicos que individualmente responderão às perguntas.
O cenário deve, em princípio, ser claro e completo o suficiente para que o
respondente possa decidir de pleno conhecimento das características e funções
ecossistêmicas do recurso natural a ser valorado. No entanto, cenários muito complexos
são de difícil compreensão e, tecnicamente, muito dificilmente manejáveis pelos
entrevistadores tanto devido a suas limitações inerentes de não ecólogos bem como
devido ao tempo disponível para cada entrevista. Como consequência, o indivíduo
entrevistado forçosamente manifestará sua disposição a pagar baseado numa limitada
compreensão do ecossistema em avaliação. Esta é uma limitação estrutural do método,
não havendo possibilidade de superá-la. Existem ainda outras falhas descritas na Tabela
2.
Tabela 2: Limitações do Método
Problema Descrição
Comportamento estratégico o indivíduo não revela sua verdadeira DAP, subestimando o recurso com medo que
venha a ser realmente cobrado, ou superestimando o bem, ao captar o espírito
hipotético da pesquisa e tentando elevar a média dos pagamentos para viabilizar o
projeto
Viés de aceitabilidade a pessoa aceita uma DAP ofertada embora não esteja realmente disposta a pagar o
valor sugerido. Não se trata de uma atitude estratégica; a pessoa apenas não se
interessa em responder seriamente.

30
Viés de rejeição respostas negativas quando na verdade estariam dispostas a colaborar com o
projeto.
Viés de informação a qualidade das informações passadas ao entrevistado pode distorcer a DAP.
Viés warm-glow os valores altos e baixos correspondem, respectivamente, mais a uma aprovação ou
rejeição do projeto do que a DAP pelo recurso
Viés parte-todo a soma das contribuições parciais acaba excedendo o todo. O entrevistado valoriza
uma maior ou menor entidade que aquela que o pesquisador esta avaliando. Deriva
principalmente da dificuldade de se identificar separadamente os complexos
atributos ambientais e suas relações no ecossistema
Efeito ponto de partida o valor inicial de um formato referendo ou de um jogo de leilão pode influenciar a
valorização final, causando superestimação caso seja apresentado um valor muito
alto, ou subestimação caso o valor apresentado seja muito baixo
Viés de encrustamento contribuições maiores deveriam ser esperadas para programas mais amplos de
preservação, embora pesquisas constatem que a DAP não costuma ser sensível à
escala utilizada.
Viés de localização a distância do recurso ambiental tende a afetar a DAP da pessoa e,
conseqüentemente, a limitação da população contribuinte interferirá no resultado
final da valoração
Fonte: Adaptação, Maia & Romeiro (2010)

Os defensores do MAC argumentam que é possível evitar estes vieses através


do planejamento e execução cuidadosos da pesquisa e, desse modo, obter aproximações
confiáveis da disposição a pagar da população pela conservação de um dado recurso
natural. Nesse sentido, pode ser um instrumento valioso para a definição de políticas
ambientais, independentemente de o valor apurado ser mais ou menos próximo do que
realmente está em jogo em relação a um dado ecossistema.
O principal case e mais discutido é o do petroleiro Exxon Valdez. Em março de
1989, o petroleiro, carregando cerca de 200 milhões de litros de petróleo, encalhou e
rompeu seus tanques na baia de Prince William Sound, Alaska. O vazamento de
petróleo que se seguiu, mais de 40 milhões de litros, foi um dos maiores da história dos
EUA e um dos maiores acidentes ambientais de que se tem notícia. O óleo se espalhou
por mais de 26 mil km2 de água e contaminou mais de 2,6 mil km de praia, matando
milhares de animais selvagens. Seus impactos sobre o ambiente, muitos desconhecidos,
permaneceram por anos, afetando, entre outros: i) superfície da água e sedimentos; ii)
31
uso dos recursos naturais; iii) plantas marinhas e microorganismos; iv) peixes,
crustáceos e outros invertebrados marinhos; v) mamíferos marinhos, incluindo lontras e
focas; vi) aves marinhas.
Logo após o acidente, o estado do Alaska e os EUA empreenderam uma série
de estudos científicos para identificar danos causados ao ambiente. Uma ação foi
movida pelo estado do Alaska contra a Exxon Corporation exigindo indenização pelos
danos ambientais. O estado também se comprometeu a desenvolver estudos econômicos
para quantificar determinados tipos de perdas. A técnica de avaliação contingente foi
conduzida para mensurar as perdas de uso passivo (valores de existência).
A pesquisa do MAC fornecia aos entrevistados uma descrição dos danos
ambientais causados pelo Exxon Valdez, a qual incluía a natureza e magnitude dos
danos e o tempo estimado para recomposição natural. Após isso, os entrevistados
deparavam-se com os seguintes cenários e questões:
i) Uma detalhada descrição dos serviços avaliados.
Simulava-se um mercado através da oferta de um serviço de escolta dos
petroleiros capazes de evitar novos acidentes do gênero.
ii) Questões para captar a DAP dos entrevistados;
iii) Questões para captar as características socioeconômicas
dos entrevistados, as quais foram utilizadas no ajuste das funções de
valoração.
As entrevistas foram aplicadas a uma amostra de 1423 domicílios dos EUA.
Cerca de 90% dos entrevistados estavam cientes do acidente com o Exxon Valdez e a
disposição mediana a pagar encontrada foi de US$ 31 por domicílio. Considerando o
total de domicílios dos EUA, chegou a uma estimativa de US$ 2,8 bilhões, exclusivos
para os danos de uso passivo. Considerando outros US$ 2 bilhões de valores de uso
(pesca, turismo, lazer), a Exxon Corporation foi condenada a pagar um indenização de
quase US$ 5 bilhões ao estado do Alaska.
Quanto aos métodos que avaliam a disposição a pagar através de mercados
reais, existem dois: preços hedônicos e custo de viagem.

2.2.2 Preços Hedônicos (DAP Indireta)


O método de preços hedônicos estabelece uma relação entre os atributos de um
produto e seu preço de mercado. Pode ser aplicado a qualquer tipo de mercadoria,
32
embora seu uso seja mais frequente em preços de propriedades. Por exemplo, para se
avaliar o valor de um atributo ambiental associado à localização de um imóvel.
Estatisticamente, o método utiliza modelo econométrico para ajustar o preço da
residência às diversas características que possam inferir no seu valor. Farão parte do
modelo econométrico as características estruturais da residência (área construída,
cômodos, etc.), as características ambientais (índices de poluição, parques, etc), assim
como índices socioeconômicos da região (etnia, nível econômico, índices de
criminalidade, etc.).
Uma das principais limitações deste método está no fato de que, embora
seja necessário, é muito difícil determinar todas as características que possam
influenciar o preço da propriedade. Mesmo identificadas, algumas características podem
não ser quantificadas, como exige o modelo econométrico. A análise estatística
selecionará apenas as características significantes, ou seja, aquelas que apresentarem
alta correlação com o preço da propriedade. Assim, variáveis importantes poderão ser
excluídas do modelo caso passem despercebidas pelos proprietários ao expressarem o
valor para suas residências. Cuidado especial deve ser tomado para identificação de
multicolinearidade no modelo. Variáveis redundantes irão comprometer a precisão dos
parâmetros estimados. Há que se considerar também o pressuposto implícito de uma
igualdade de informações entre os indivíduos e a liberdade de escolha das residências
em todo o mercado. Isto não acontece na realidade, onde há assimetria de informações e
a restrição de compras de residências numa dada região. Apesar destas limitações, nos
casos em que a característica a ser avaliada seja quantificável e facilmente detectada
pelos proprietários, o método proporciona uma boa estimativa da disposição a pagar por
um atributo ambiental associado a um determinado bem.
O estudo analisou os benefícios da redução da poluição do ar nos domicílios
urbanos das cidades de Deli e Kolkata, India, a partir da metodologia de preços
hedônicos. O modelo econométrico utilizou dados primários coletados a partir de
entrevistas domiciliares. A amostra consistia de 1250 domicílios em cada município e
os questionários continham informações sobre as características dos domicílios e
condições socioeconômicas dos moradores. Informações detalhadas sobre o preço das
residências com os moradores também foram questionadas aos entrevistados, as quais
foram cruzadas com aquelas obtidas a partir de entrevistas com agentes imobiliários da

33
região. O modelo econométrico consistia em verificar de que forma o valor de aluguel
de uma propriedade seria afetado pelos seguintes fatores: i) área construída; ii) número
de cômodos; iii) banheiros; iv) distância do centro; v) distância de estradas; vi) distância
de favelas; vii) distância de indústrias; viii) distância de shopping center; ix) percepção
da poluição do ar; x) percepção da qualidade da água; xi) cobertura verde apropriada;
xii) concentração de material particulado; xiii) concentração de SO2; xiv) concentração
de NOx; xv) suprimento de água; xvi) bairro residencial ou comercial; xvii) educação;
xviii) renda.
De maneira geral, os resultados indicaram que, independente dos demais
fatores considerados, o valor da residência desvalorizaria, em média, 0,66% para cada
aumento percentual na contração de material particulado, 0,14% para cada aumento
percentual de SO2 e 0,27% para cada percentual na concentração de NOx. A partir
desses resultados, os pesquisadores estimaram os benefícios totais da redução da
poluição do ar do nível atual a níveis ambientalmente toleráveis, os quais giravam em
torno de 92 bilhões de rupees nas duas cidades.

2.2.3 Custo de Viagem (DAP Indireta)


Este é um dos mais antigos métodos de avaliação econômica ambiental, tendo
sido desenvolvido nos EUA para a valoração de patrimônios naturais de visitação
pública. O valor do recurso ambiental é determinado pelos gastos dos visitantes para se
deslocar ao patrimônio, incluindo transporte, tempo de viagem, taxa de entrada e outros
gastos complementares. O método estabelece uma função relacionando a taxa de
visitação às variáveis de custo de viagem, tempo, taxa de entrada, característica
socioeconômicas do visitante, e outras variáveis que possam explicar a visita ao
patrimônio natural. Os dados são obtidos através de questionários aplicados a uma
amostra da população no local de visitação.
As entrevistas devem respeitar os distintos períodos do ano (verão e
inverno, diurno e noturno) evitando um possível viés sazonal na amostra. A taxa de
visitação pode ser expressa em número de visitas pela população (por exemplo, visitas
para cada mil habitantes), ou visitas por indivíduo num determinado horizonte de tempo
(visitas para cada indivíduo durante um ano, por exemplo). Como a distância de uma
região ao patrimônio natural é um fator preponderante para determinação da taxa de

34
visitação dos moradores, é possível então melhorar a precisão das estimativas
classificando os indivíduos segundo sua zona de origem (bairro, cidade, país). Desse
modo, se reduz um possível viés de localidade ao mesmo tempo em que se facilita a
obtenção de variáveis comuns a cada região.
A função V, relacionando a taxa de visitação de um patrimônio p ao
custo de viagem de uma zona z, poderá ser expressa por:
Vzp = V (CVzp, TEp, SEz)
Onde,
Vzp = taxa de visitação da zona z ao patrimônio natural p
CVzp = custo de viagem da zona z ao patrimônio p
TEp = tarifa de entrada ao patrimônio p
SEz = características socioeconômicas da zona z.
A função de custo de viagem apenas capta valores de uso direto e
indireto dos recursos ambientais, pois somente aqueles que visitam o patrimônio natural
fazem parte do universo amostral. A função assume complementaridade fraca entre a
visita ao patrimônio e a disposição a pagar pelo recurso ambiental, ou seja, a disposição
a pagar do indivíduo será nula caso ele não visite o local ou, ainda, a utilidade marginal
do recurso ambiental será nula caso o número esperado de visitas seja também nulo.
A estimativa do custo de viagem não pode desconsiderar o tipo de
transporte utilizado pelo visitante. Ônibus, automóvel ou bicicleta, como exemplos,
apresentam diferenças significativas no custo de viagem que irão influenciar a
estimativa dos benefícios totais do patrimônio natural. Outro detalhe importante é a
definição dos custos a serem contabilizados: gastos diretos com combustível e pedágio,
e indiretos como alimentação, desgaste e depreciação do veículo. A diferença no valor
total tende a ser significativa dependendo do tipo de gasto considerado.
O tempo de viagem deve representar o custo de oportunidade do lazer da
pessoa, uma estimativa do valor de cada hora de viagem do indivíduo, evitando uma
possível colinearidade entre tempo e custo de viagem, já que estas variáveis tendem a
ser altamente correlacionadas. Enquanto alguns visitantes optam livremente entre hora
de trabalho ou lazer, pois possuem uma jornada flexível de trabalho, uma grande
maioria restringe suas atividades de lazer às horas vagas ou às férias anuais, pois
possuem uma jornada fixa de trabalho. Se a pessoa está abrindo mão de uma hora de
35
trabalho para visitar o patrimônio natural, a taxa salarial seria uma boa estimativa do
custo de oportunidade. O tempo de viagem seria então uma ponderação do valor da hora
de trabalho da pessoa. Entretanto, caso a visita esteja sendo feita durante as horas
disponíveis de lazer, o valor do tempo de viagem deve considerar apenas o custo de
oportunidade de outras atividades recreacionais disponíveis para a pessoa.
Outro cuidado a ser tomado é com a diferenciação entre os visitantes em
férias, que tendem a permanecer mais de um dia no local, e os visitantes diários, que
estão apenas de passagem. Se o turista permanecerá mais de um dia na região, seus
gastos não estarão apenas relacionados ao custo de transporte, mas principalmente
hospedagem e alimentação durante os dias de passeio. É muito difícil determinar quanto
da estadia e seus gastos referem-se a um local em particular. Uma das soluções adotadas
neste caso é a exclusão deste tipo de turista da amostra. O método não pode assumir
independência entre as diversas atividades recreacionais de uma região. Se estivermos
estudando a utilidade gerada pela visitação de um parque público, devemos considerar a
existência de outros patrimônios substitutos nas proximidades. Todos substitutos
visitados deverão ser considerados no modelo estatístico, e isto requer a construção de
um modelo múltiplo de estimação, onde a utilidade de cada recurso possa ser expressa
por uma variável que represente seu peso em relação às demais. A experiência tem
revelado que, desde que se observem os procedimentos acima mencionados, o método
proporciona uma boa medida da disposição a pagar dos agentes econômicos para fruir
dos benefícios percebidos de um dado patrimônio natural.
Localizado nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o Parque
Nacional da Serra Geral (PNSG) foi criado pelo IBAMA em 1992, como forma de
expansão da área de proteção do já existente Parque Nacional dos Aparados da Serra
(PNAS). A área de proteção atual totaliza 17.300 hectares e possui belezas cênicas
raras, com inúmeros canyons, cachoeiras e espécies ameaçadas da fauna e flora.
A valoração econômica foi um recurso da justiça durante processo de
desapropriação e indenização dos proprietários das terras. Dadas as peculiaridades do
objeto de estudo, o método de custo de viagem foi uma das propostas de avaliação
econômica apresentada à justiça, que decidiria por aquela mais apropriada ao processo
de indenização. Por ser um parque aberto à visitação pública, as estimativas do MCV

36
permitiriam uma estimativa indireta da disposição a pagar dos visitantes, baseando-se
em gastos efetivamente praticados por estes para visitar o patrimônio natural.
A pesquisa baseou-se em 335 questionários aplicados aos visitantes durante os
meses de abril a setembro de 2004, os quais correspondiam a 95 municípios distintos de
origem dos visitantes. Para estimar o custo do transporte, considerou-se uma estimativa
de R$ 0,66 por km rodado, o qual foi multiplicado pela distância de ida e volta até a
cidade sede do Parque, Cambará do Sul. Consideraram-se ainda os gastos com pedágio,
o salário hora como estimativa do custo de oportunidade daqueles que abriram mão de
dias de serviço para a visita (funcionários liberais) e a existência de múltiplos destinos
na viagem, ponderando as estimativas dos gastos totais pela proporção do tempo gasto
em cada localidade.
Os gastos efetivos médios observados no PNSG foram de R$ 459 com
transporte, R$ 77 com alimentação, R$ 131 com hospedagem e R$ 186 de custo de
oportunidade, totalizando um custo individual médio de R$ 854 reais. Considerando as
29 mil visitas anuais esperadas, há um gasto efetivo anual médio da ordem de R$ 25
milhões proporcionado pelo PNSG. A partir de um ajuste econométrico, foi possível
estimar a função demanda pelo PNSG para obter o valor do excedente do consumidor,
ou seja, o valor adicional que os visitantes estariam dispostos a pagar para vistiar o
parque, além dos gastos efetivos praticados. A estimativa do excedente do consumidor
foi de R$ 33 milhões por ano, o qual representaria o benefício líquido do PNSG para os
visitantes.
Tanto o método de preços hedônicos quanto o de custo de viagem sofrem
da limitação inevitável da percepção individual dos benefícios de um dado recurso
natural em toda sua complexidade. Mas, em relação aos atributos ambientais percebidos
pelos agentes, a disposição a pagar revelada não apresenta vieses.

2.2.4 Produtividade marginal


O método de produtividade marginal atribui um valor ao uso da
biodiversidade relacionando a quantidade, ou qualidade, de um recurso ambiental
diretamente à produção de outro produto com preço definido no mercado. O papel do
recurso ambiental no processo produtivo será representado por uma função dose
resposta, que relaciona o nível de provisão do recurso ambiental ao nível de produção

37
respectivo do produto no mercado. Esta função irá mensurar o impacto no sistema
produtivo da variação marginal na provisão do bem ou serviço ambiental e, a partir
desta variação, estimar o valor econômico de uso do recurso ambiental. Como exemplo
de função dose-resposta, pode ser citado o caso da queda na produção pesqueira em
resposta à dose de contaminação da água. Dose também pode ser a redução do número
de predadores naturais das pragas agrícolas, tendo como resposta a diminuição da
produtividade agrícola.
Entretanto, a função de produção pode não ser tão trivial caso as relações
biológicas e tecnológicas sejam demasiadamente complexas, como em geral é o caso. É
muito difícil precisar as relações causais ambientais, pois diversos benefícios tendem a
ser afetados pela queda da qualidade ambiental, não somente aqueles do processo
produtivo. Para conhecimento dos benefícios ou danos gerados, é necessário profundo
conhecimento dos processos biológicos, capacidades técnicas e suas interações com as
decisões dos produtores, e o efeito da produção no bem-estar da população. Assim, o
método de produtividade marginal acaba estimando apenas uma parcela dos serviços
ecossistêmicos e os valores tendem a ser subestimados.

Exploração sustentável na Amazônia Peruana (Peters et al., 1989, apud Motta, 1998)
Principais fontes de dados: Revisão da literatura (artigos acadêmicos e agências
ambientais locais) e pesquisa de campo

Os recursos extrativos das florestas tropicais costumam ser divididos em


dois grupos básicos: recursos madeireiros (madeira e celulose) e recursos não-
madeireiros (frutas comestíveis, óleos, látex, fibras e medicamentos). A maioria das
análises econômicas elaboradas para florestas tropicais concentram-se, entretanto, nos
recursos madeireiros, o que pode levar a resultados subestimados da receita líquida
proveniente de uma área florestal. Sendo assim, do ponto de vista puramente financeiro,
sugeririam a preferência por outros usos alternativos do solo.
Estudo realizado em área próxima à cidade de Iquitos, Peru, comparou os
benefícios madeireiros e não-madeireiros da exploração florestal. Para mensurar o valor
financeiro dos recursos não-madeireiros foram reunidos dados sobre o inventário
botânico, produção e valor corrente de mercado para todas as espécies de árvores

38
comerciais presentes em um hectare de floresta amazônica na região. Baseado nas
estimativas encontradas, chegou-se à conclusão que cada hectare de floresta na região
produz uma receita líquida (deduzindo custos de coleta e transporte) equivalentes a US$
400 de frutas por ano e US$ 22 de borracha.
Segundo os autores, seria ainda possível incorporar à exploração
sustentável da floresta a extração periódica de, aproximadamente, 30 m3/ha de madeira
a cada vinte anos, o que resultaria em uma receita líquida anual de US$ 310. Por sua
vez, caso fosse retirada toda a madeira de uma vez, a receita líquida total seria de US$
1.000 por hectare. Entretanto, uma operação dessa intensidade acarretaria,
inevitavelmente, danos às outras árvores na área e levaria a uma redução ou mesmo
eliminação das receitas futuras provenientes das frutas e do látex.
De maneira geral, os benefícios da exploração sustentável mais que
compensariam aqueles da extração insustentável da madeira. O valor presente do
benefício líquido da extração sustentável de frutas, látex e madeira seria de US$ 6.820
por hectare (horizonte temporal perpétuo, por considerar uma extração sustentável, com
taxa de desconto de 5%).

2.2.5 Mercado de bens substitutos

Quando não é possível obter diretamente o preço de um produto afetado


por uma alteração ambiental, pode ser possível estimá-lo por algum substituto existente
no mercado. A metodologia de mercado de bens substitutos parte do princípio de que a
perda de qualidade ou escassez do bem ou serviço ambiental irá aumentar a procura por
substitutos na tentativa de manter o mesmo nível de bem-estar da população. As
estimativas também são em geral subdimensionadas, pois tendem a considerar apenas
os valores de uso direto e indireto dos recursos ambientais, deixando de fora os valores
de opção (uso futuro). Além disso, há o fato de que para boa parte dos serviços
ecossistêmicos não há substitutos adequados.
A eficácia das estimativas dependerá sobretudo do objetivo da pesquisa,
sendo muitas vezes suficientes para garantir, por exemplo, o uso sustentável de um
recurso natural ou para evitar políticas de impactos ambientais. Existem várias técnicas

39
derivadas do mercado de bens substitutos, bastante conhecidas e de fácil aplicação. São
elas: custos evitados, custos de controle, custos de reposição e custos de oportunidade.

2.2.5.1 Custos evitados


Os custos evitados são muito utilizados em estudos de mortalidade e
morbidade humana. O método estima o valor de um recurso ambiental através dos
gastos com atividades defensivas substitutas ou complementares, que podem ser
consideradas uma aproximação monetária sobre as mudanças destes atributos
ambientais. Por exemplo, quando uma pessoa paga para ter acesso à água encanada, ou
compra água mineral em supermercados, supõe-se que esteja avaliando todos os
possíveis males da água poluída, e indiretamente valorando sua disposição a pagar pela
água descontaminada. Os investimentos feitos pela indústria automobilística em
acessórios para aumentar a segurança dos automóveis, como a utilização de airbags,
também refletem a preocupação dos compradores com a diminuição do risco de morte
em acidentes de trânsito, e podem gerar uma estimativa do valor dado à vida humana.
Em muitos estudos de mortalidade, o valor humano é estimado a partir
dos ganhos previstos ao longo da vida do indivíduo, observando sua produtividade
presente e sua expectativa de vida. Mesmo desconsiderando a falta de ética na valoração
da vida humana, estas estimativas apresentam algumas expressivas falhas latentes:
valores econômicos menores para os mais velhos e os mais pobres; valores nulos para
os desocupados e inativos; desconsideração das preferências dos consumidores.
As estimativas dos custos evitados tendem a ser subestimadas, pois
desconsideram uma série de fatores, como a existência de um comportamento altruísta
do indivíduo ao estimar o valor dado à vida ou à saúde alheia, além da falta de
informação sobre os reais benefícios do bem ou serviço ambiental.

Impactos da poluição do ar em São Paulo (Miraglia & Böhm, 2005)


Principais fontes de dados: série histórica sobre poluição do ar (CETESB) e
revisão da literatura para estimar impactos da poluição sobre saúde, índices de
mortalidade, morbidade e valor da vida humana

40
Os autores aplicaram o método de custos evitados para avaliar eventuais
benefícios da redução da poluição do ar em São Paulo. O pressuposto das análises é que
a redução da poluição do ar preveniria inúmeras consequências deletérias à saúde
humana e, acima de tudo, salvaria vidas. Embora reconheçam a complexidade ética de
atribuir valores monetários a vidas humanas, destacam a relevância da valoração como
um importante indicador da gravidade do problema.
Na primeira etapa, calcularam os anos de vida da população perdidos por
incapacidade devido à poluição do ar. Consideraram impactos apenas em crianças
(abaixo de 5 anos) e idosos (mais de 65 anos) devido a ausência de estudos relacionando
impactos da poluição do ar em jovens e adultos em São Paulo. Os cálculos basearam-se
no indicador DALY (Disability-Adjusted Life Years), indicador proposto pela
Organização Mundial da Saúde que considera dois tipos de componentes: i) anos de
vida perdidos devido a morte prematura; ii) anos de vida perdidos por incapacidade. Os
resultados indicaram uma perda total de 28.212 anos de vida para crianças (12.266) e
idosos (15.946) devido à poluição do ar em São Paulo.
A segunda etapa consiste em avaliar economicamente os custos da
poluição, baseando-se em estimativas da literatura para o valor de uma vida estatística,
valores de disposição a pagar para evitar mortes e doenças. Considerando a expectativa
de vida de um brasileiro residente na região sudeste (67,53 anos) e um valor da vida
estatística de US$ 7.714, estimam um custo total que poderia ser evitado com a redução
da poluição em São Paulo da ordem de US$ 3,2 milhões anualmente.

2.2.6 Custos de controle

Custos de controle representam os gastos necessários para evitar a


variação do bem ambiental e garantir a qualidade dos benefícios gerados à população. É
o caso do tratamento de esgoto para evitar a poluição dos rios e um sistema de controle
de emissão de poluentes de uma indústria para evitar a contaminação da atmosfera. Por
limitar o consumo presente do capital natural, o controle da degradação contribui para
manter um nível sustentável de exploração, permitindo o aproveitamento dos recursos
naturais pelas gerações futuras. As maiores dificuldades deste método estão

41
relacionadas à estimativa dos custos marginais de controle ambiental e dos benefícios
gerados pela preservação.
Os investimentos de controle ambiental tendem a gerar benefícios
diversos, sendo necessário um estudo muito rigoroso para determinação de todos estes.
Como não há também um consenso quanto ao nível adequado de sustentabilidade, as
pessoas encontram sérias dificuldades para ajustar os custos aos benefícios marginais e
determinar o nível ótimo de provisão do recurso natural.

Controle da poluição causada pelos dejetos de suínos (Romeiro et al., 2010)

Principais fontes de dados: revisão da literatura para obter normas da legislação


ambiental (IBAMA), técnicas de manejo dos dejetos e custos de controle (EMBRAPA).
Pesquisa com produtores para caracterização da produção e cruzamento das
informações.
O trabalho analisa a eficiência e os custos associados às principais propostas de
tratamento dos dejetos de suínos na região do oeste catarinense. O objetivo central é
chegar a uma proposta custo-efetiva de controle da poluição dos dejetos, ou seja, definir
um padrão eficiente de controle da poluição que considere a melhor tecnologia
disponível ao menor custo social.
Três propostas foram consideradas: i) o uso de esterqueiras para
armazenamento dos dejetos e a sua distribuição pelas pastagens ou áreas agrícolas; ii)
biodigestores, sistemas de tratamento capazes de transformar parte da biomassa dos
dejetos suínos em energia a partir do processo de digestão anaeróbia dos resíduos; iii)
sistemas integrados, compostos por biodigestor, sistema de armazenagem, lagoas de
aguapés e lagoas de piscicultura, que, além de reduzir substancialmente a carga
poluente, agregaria valores com a criação de peixes. Os custos estimados limitaram-se à
implantação dos sistemas de controle da poluição, sem considerar eventuais benefícios
indiretos provenientes da agregação de valores aos dejetos na forma de biofertilizante,
biogás, créditos de carbono ou ração para peixes.
Considerando a produção de suínos na região, o custo aproximado de
implementação das esterqueiras seria de 20 reais por cabeça. Dado seu baixo potencial
de redução da poluição orgânica, apenas 18% da DBO (Demanda Bioquímica de

42
Oxigênio), o custo marginal para redução de cada percentual de poluição seria
relativamente elevado, 1,13 reais por cabeça. Biodigestores e sistemas integrados, por
sua vez, apresentam custos totais mais elevados (65,4 e 80,6 por cabeça,
respectivamente), mas custos marginais de controle menores (0,82 e 0,81 por cabeça
para cada percentual, respectivamente), já que seus potenciais de redução da poluição
orgânica são substancialmente superiores.
O uso de biodigestores se mostrou a solução custo-efetiva, ou seja, o padrão
ambientalmente sustentável de menor custo social. Seu potencial redutor da carga
orgânica seria capaz de adequar a produção de dejetos de suínos vigente na região às
recomendações da legislação ambiental.

2.2.7 Custos de reposição


Com o método de custo de reposição, a estimativa dos benefícios gerados
por um recurso ambiental será dada pelos gastos necessários para reposição ou
reparação após o mesmo ser danificado. É o caso do reflorestamento em áreas
desmatadas e da fertilização para manutenção da produtividade agrícola em áreas onde
o solo foi degradado. O método é frequentemente utilizado como medida do dano
causado, sendo comum a estimativa do custo de restauração do ambiente danificado
após ocorrência do prejuízo. As estimativas baseiam-se em preços de mercado para
repor ou reparar o bem ou serviço danificado, partindo também do pressuposto que o
recurso ambiental possa ser devidamente substituído. Uma das desvantagens do método
é que, por maiores que sejam os gastos envolvidos na reposição, nem todas as
complexas propriedades de um atributo ambiental serão repostas pela simples
substituição do recurso. Em geral, o método tem sido aplicado com base em concepções
extremamente reducionistas dos ecossistemas, como no caso do solo erodido citado no
tópico anterior, produzindo valores fortemente subestimados.

Reposição do Estuário de Mersey na Grã-Bretanha (Bickmore & Williams, 1994,


apud Motta, 1998)
Principais fontes de dados: revisão da literatura e entrevistas com especialistas.

43
Preocupado com o impacto ambiental que seria gerado pela construção
de uma barragem na região do Estuário de Mersey e seu reflexo sobre a opinião pública,
o governo britânico encomendou uma análise de custo-benefício. Era conhecido que a
barragem alteraria o regime de marés do estuário, significando uma ameaça direta para a
população de aves selvagens e, em longo prazo, impactos importantes sobre as áreas de
alimentação localizadas na zona intertidal (entremarés). Algumas áreas próximas à
região foram examinadas e mostraram-se habitats naturalmente atrativos para um
grande número de aves selvagens. Porém, sem a realização de trabalhos adicionais, este
comportamento não deveria continuar no longo prazo.
O estudo considerou o potencial para a conservação criativa (reposição)
de quatro áreas próximas ao estuário. Uma vez que o objetivo da reposição era o de
atrair as aves selvagens, espécies particularmente mais ameaçadas, foram analisados
fatores específicos como: o potencial para inundação de inverno; o aumento do espelho
d’água, a inundação de água salobra, interesse ornitológico (existente e potencial),
tamanho da área, características das fronteiras, o nível de distúrbio humano e facilidade
de aquisição.
Os custos de reposição consideraram gastos iniciais e anuais, num
horizonte de 120 anos (previsão de funcionamento da barragens). Baseado nessas
considerações, estimou-se um valor presente líquido para a reposição de US$ 14
milhões. O estudo reconheceu, entretanto, que as medidas adotadas para a reposição, na
eventualidade da construção da barragem, não seriam capazes de repor todos os
atributos naturais, muitos desconhecidos, e teriam também que enfrentar a incerteza
quanto ao sucesso de tal empreitada.

2.2.8 Custo de oportunidade


Embora desejável do ponto de vista ambiental, a preservação gera um
custo social e econômico que deve ser compartido entre os diversos agentes que
usufruem dos benefícios da conservação. Toda conservação traz consigo um custo de
oportunidade das atividades econômicas que poderiam estar sendo desenvolvidas na
área de proteção, representando, portanto, as perdas econômicas da população em
virtude das restrições de uso dos recursos ambientais. No caso de um parque ou reserva

44
florestal com exploração restringida, o custo de oportunidade de sua preservação seria
dado pelos benefícios de uma possível atividade de exploração de madeira. Por outro
lado, os benefícios ecológicos da preservação poderiam ser expressos pela renda gerada
em atividades sustentáveis como o ecoturismo e a exploração de ervas medicinais.
Alguns cuidados especiais devem ser tomados na estimativa. Atividades insustentáveis
irão gerar danos irreversíveis e reduzir a oferta do bem ou serviço ambiental ao longo
do tempo, e este fato não pode ser desconsiderado na estimativa dos custos de
oportunidade dessas explorações.

Conservação da biodiversidade no Quênia (Norton-Griffiths & Southey, 1995, apud


Motta, 1998)
Principais fontes de dados: dados de instituto de estatísticas local para obter
dados sobre produção agropecuária das localidades e entrevistas com especialistas para
determinar receitas do turismo, custos e preços dos produtos comercializáveis.

O estudo analisa, numa ótica econômica, as implicações da conservação de


grandes áreas no território queniano. Nesse sentido, os autores buscam estimar os custos
de oportunidade associados à conservação da biodiversidade nestas áreas e, a partir
destas estimativas, fazer uma comparação com os benefícios líquidos gerados pelas
atividades compatíveis com a conservação. Mais de 10% do território queniano
encontra-se preservado de alguma forma, seja como parque nacional, reserva ou floresta
demarcada.
Segundo os resultados encontrados, o benefício líquido associado aos usos
diretos equivale a US$ 42 milhões, sendo US$ 27 milhões originários do turismo e os
outros US$ 15 milhões da silvicultura.

Capítulo 3 – O caso da Usina de Belo Monte


3.1 Histórico da obra de Belo Monte
Foram mais de 30 anos de discussão sobre a perspectiva de investimento e
construção de barragens no Rio Xingu até que o projeto de Belo Monte saísse do papel.
O período foi marcado por tensões, normal para uma grande obra com impactos sociais,

45
econômicos e ambientais consideráveis. Segundo o Movimento Xingu Vivo para
Sempre (MXVPS)13 o primeiro mapeamento da bacia do rio Xingu foi realizado ainda
em 1975 pelo Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A., integrante do
grupo Camargo Corrêa. Em 1980, concluíram-se os estudos de inventário14 e a
Eletronorte iniciou os estudos de viabilidade técnica e econômica do chamado
Complexo Hidrelétrico de Altamira (PA)15, que englobava as Usinas de Babaquara e
Kararaô (atual Belo Monte), na concepção originária era um projeto maior, com área de
inundação prevista maior do que é hoje (SWITKES & SEVA, 2005). Oito anos depois o
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) aprovou através da
Portaria DNAEE nº. 43, de 2 de agosto, os estudos de inventário do rio Xingu. Outra
portaria, Portaria MME (Ministério de Mina e Energia) nº. 1077, do Ministério de
Minas e Energia, autorizou a Eletronorte a realizar estudos de viabilidade específicos
para a construção de Belo Monte16. Em 1989 os primeiros estudos de viabilidade são
apresentados, porém geram muitas controversas, principalmente quanto a área alagada e
as alocações dos povos indígenas. Desse modo, em 1994 há uma primeira revisão das
propostas e estudos, no sentido de mitigar as tensões relativas justamente ao tamanho
das áreas alagadas e preservação das áreas indígenas.
Em dezembro de 2000, Eletrobrás e Eletronorte firmam acordo para conclusão
conjunta dos Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica e Ambiental da UHE (Usina
Hidrelétrica) Belo Monte. Assim, os Estudos de Viabilidade do AHE (Aproveitamento
Hidrelétrico) Belo Monte foram apresentados à ANEEL –Agência Nacional de Energia
Elétrica ainda no ano de 2002, mas não foram para frente por ordem judicial. O
Congresso Nacional autorizou, em 2005, a Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras
S/A – a completar e atualizar esses estudos. Nesse período teve início a elaboração do
EIA - Estudo de Impacto Ambiental, entregue em maio de 2009. Após visitas ao local
do empreendimento e de audiências públicas com a população, julgou-se a viabilidade

13
Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) é formado por diversas organizações e movimentos
sociais e ambientalistas contra a implementação do projeto da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu.
14
Estudos que identificam as possibilidades de locais para construção de barragens para geração de
energia hidrelétrica em uma determinada bacia hidrográfica.
15
Estudo para implantação de um empreendimento quando se define o projeto de engenharia levando em
consideração os resultados obtidos na Etapa de Estudos de Inventário.Durante os Estudos de Viabilidade
são definidas as obras de infraestrutura para apoio à construção, as estruturas que fazem parte do
empreendimento, o reservatório e também feitos os estudos ambientais das áreas de influência.
16
Fonte: Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do AHE Belo Monte e Nota Técnica nº. 260/2008 da
SGH/ANEEL
46
da obra do ponto de vista ambiental e se concedeu a Licença Prévia (LP) de Belo Monte
pelo Ibama em primeiro de fevereiro de 2010. Um dos requisitos era a realização de
audiências públicas, com participações de cerca de 5.000 pessoas. Na época o Ibama
concedeu a LP, porém com 40 condicionantes, abrangendo questões relativas à
qualidade da água, fauna, saneamento básico, população atingida, compensações sociais
e recuperação de áreas já degradadas, entre outras. As mais importantes foram as
exigências relativas ações antecipatórias que supririam o déficit de infraestrutura gerado
pela migração de população e a criação de unidades de conservação, para além das
contidas no Estudo de Impacto Ambiental: i) uma de uso sustentável para contemplar as
áreas de reprodução de quelônios, ii) outra também de uso sustentável para conservar o
ambiente de pedrais e iii) uma de proteção integral em área de relevante interesse
espeleológico. O projeto da Usina per se sofreu grandes alterações ao longo do processo
de licenciamento, a mais significativa delas foi a alteração na dimensão do espelho
d’água, previsto inicialmente para 1.225 km² e reduzido para cerca de 440 km².
Em vinte de abril de 2010 foi realizado o leilão de energia da Usina, o consórcio
Norte Energia foi o vencedor, formado por nove empresas: Companhia Hidro Elétrica
do São Francisco (CHESF), com 49,98%; Construtora Queiroz Galvão S/A, com
10,02%; Galvão Engenharia S/A, com 3,75%; Mendes Junior Trading Engenharia S/A,
com 3,75%; Serveng-Civilsan S/A, com 3,75%; J Malucelli Construtora de Obras S/A,
com 9,98%; Contern Construções e Comércio Ltda, com 3,75%; Cetenco Engenharia
S/A, com 5%; e Gaia Energia e Participações, com 10,02%. O preço final foi de R$
77,97 por MWh, 6,02% abaixo do preço-teto inicial de R$ 83/MWh. Ou seja, 49,9%
ficou com o Grupo Eletrobrás e o restante um grupo de empresas brasileiras privadas
(MME, 2011).
Em janeiro de 2011 é concedida a Licença de Instalação (LI) de Belo Monte, ou
seja, autorização do início da obra ou instalação do empreendimento. Na realidade
houve uma Licença de Instalação Provisória (anômalo segundo alguns críticos) em
Janeiro desse mesmo ano e uma definitiva em Junho depois do cumprimento de
algumas condições. O prazo para início da geração da primeira unidade, da casa de
força secundária, era de fevereiro de 2015. A data-limite para entrada em operação da
última máquina, na casa de força principal, é janeiro de 2019 e o contrato de concessão
foi estabelecido como sendo de 35 anos. Entre várias ações de greve, reivindicações de

47
grupos indígenas e reuniões, virando inclusive celeuma internacional17, a Licença de
Operação (LO) é concedida oficialmente em 24 de Novembro de 2015 pelo Ibama e
finalmente em Maio de 2016 foi inaugurada oficialmente por Dilma Roussef a Usina de
Belo Monte. No entanto, em agosto de 2016 a Justiça Federal no Pará, subseção de
Altamira, decidiu liminarmente pela suspensão da licença de operação da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte. De acordo com o Ministério Público Federal no Pará
(MPF/PA), a licença foi suspensa em virtude do não cumprimento das obras de
saneamento básico em Altamira, uma condição de viabilidade para a operação da usina.
No entanto, a Norte Energia ainda não tinha sido notificada e até a conclusão desse
trabalho não havia uma definição do Ministério Público Federal. É mister entender que
a construção da Usina continua gerando controvérsia e que as grandes questões ainda
discutidas são seus impactos sociais e ambientais, muitos ainda não resolvidos. Dessa
forma, cabe ainda analisar como avaliar todos esses impactos, e tendo os registros
acompanhar como eles vão evoluir.

Figura 5: Linha do Tempo Belo Monte

Fonte: Elaboração Própria

17
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/01/13/brasil-vai-responder-na-oea-por-
violacoes-de-direitos-humanos-em-belo-monte.htm
48
3.2 Análise do EIA- RIMA do projeto e dos principais impactos
O RIMA, para avaliação dos impactos ambientais do projeto de Belo Monte,
dividiu as diferentes áreas afetadas em 3 tipos:
i. Área de Influência Indireta: são as áreas mais distantes, que podem
sofrer modificações indiretas, a partir de alterações nas áreas vizinhas
ao empreendimento.

ii. Área de Influência Direta: são as áreas vizinhas que ficam em volta
de Belo Monte e do reservatório. É formada pelos locais onde será
construída a barragem, os vertedouros, as casas de força e o futuro
reservatório, além dos canteiros, estradas, alojamentos, botafora e
aqueles lugares vizinhos às obras que sofrerão efeitos diretos do
empreendimento.

iii. Áreas Diretamente Afetadas: são as áreas da obra que vão ser
ocupadas diretamente pelas estruturas principais por toda a
infraestrutura necessária à construção. É formada somente pelos
locais das obras principais (por exemplo, casas de força, barragem,
vertedouros) e da infraestrutura de apoio (por exemplo, botafora,
empréstimos, travessões), bem como pelos locais de inundação.

Os impactos ambientais consequentes da obra de Belo Monte são apresentados


no EIA-RIMA de acordo com as etapas do projeto. Como está evidenciado no Anexo I
na tabela do próprio EIA-RIMA.
Porém, para fins de uma análise mais simplificada decidimos por dividir os
impactos em Favoráveis, ou seja, com impactos positivos para a Região e para a
sociedade como um todo, e desfavoráveis, seguindo a mesma lógica, com impactos
negativos a curto, médio e longo prazo para a Região e para a sociedade como um todo.

49
A. Impactos favoráveis

1. Com a mobilização de mão de obra decorrente da construção da


hidrelétrica, haverá um aumento da demanda por mercadorias e serviços para
atender o enorme contingente de pessoas que chegam à região, ocasionando
maior movimentação da economia. Esse impacto é considerado positivo pelo
governo, pois a mobilização de mão de obra servirá de estímulo para que novas
atividades produtivas sejam criadas.

2. A etapa de construção de Belo Monte, por sua vez, ocasionará


um impacto positivo ao promover a abertura de novas estradas até as áreas de
construção de Belo Monte, facilitando o transporte de mercadorias e o acesso a
serviços públicos.

3. Na terceira etapa, relativa ao enchimento para formação dos


reservatórios, ocorrerá perda de jazidas de argila devido à formação do
Reservatório do Xingu. Nesse caso, porém, o EIA nos mostra que já foram
encontradas novas áreas para extração de argila em Altamira, que tem qualidade
melhor.

4. Nesta mesma etapa mencionada acima, haverá ainda mudanças


nas condições de navegação. Esse impacto é considerado positivo, pois gerará
uma nova opção de acesso a Altamira pelo conjunto dos dois reservatórios. Para
potencializar esses efeitos, o EIA propõe um Projeto de Recomposição da
Infraestrutura Viária.

5. A última etapa, por sua vez, na qual haverá a operação da obra,


resultará em um aumento da quantidade de energia a ser disponibilizada ao SIN,
além do benefício da cidade de Altamira e todas as áreas próximas em termos de
energia. Dessa forma, esse é um impacto positivo poderá ser sentido em todas as
regiões do país.

50
6. Ainda com a operação da obra, ocorrerá uma dinamização da
economia regional, que poderá utilizar-se do dinheiro arrecado com a medida
compensatória, chamada Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos
Hídricos para fins de Geração de Energia, para promover políticas de
desenvolvimento na região. A medida compensatória a ser paga a Altamira será
de 35 milhões de reais por ano. Com a liberação do hidrograma de vazões
mínimas para o trecho de vazão reduzida, algumas medidas foram garantidas
para evitar o prejuízo da população e para que o impacto positivo se mantenha.
São elas as seguintes:

 Para garantir a navegação no Trecho de Vazão Reduzida


durante o período de seca, o EIA mostra que não podem ser liberadas
pelo AHE Belo Monte, neste trecho, vazões menores que 700 metros
cúbicos por segundo. De outra forma, haveria interrupção da navegação
no rio Xingu nos períodos de seca.

 Para evitar a perda de ambientes para reprodução,


alimentação e abrigo de peixes e outros animais, foram definidos no EIA
dois valores mínimos de vazão para diminuir a perda de ambientes
(4.000 metros cúbicos por segundo) para os peixes que dependem dos
pedrais e (8.000 metros cúbicos por segundo) para peixes e outros
animais que dependem das planícies aluviais.

 Estabeleceu-se que não se devem manter no Trecho de


Vazão Reduzida, durante todo o ano, vazões muito baixas que façam
com que algumas poças se tornem permanentes, pois a formação de
poças gera ambientes para reprodução de mosquitos que transmitem
doenças.

51
B. Impactos desfavoráveis

1. Geração de expectativas, medo e insegurança, tanto na população


residente na região quanto nos indígenas. Esse impacto é considerado negativo,
embora também gere alguma expectativa com relação a geração de empregos.
Para lidar com essa situação, propõe-se o Plano de Relacionamento com a
População. Para a população indígena, propõe-se o Programa de Comunicação
com a População Indígena, o Plano de Fortalecimento Institucional e Direitos
Indígenas e um Plano de Sustentabilidade Econômica da População Indígena.

2. Aumento da população e consequente ocupação desordenada do


solo, dado que é previsto a chegada de 96 mil pessoas à região. Essa população
deverá se instalar na cidade de Altamira, próxima aos sítios de Belo Monte,
Pimental, Boa Vista e dos Canais.

3. Aumento da pressão sobre as terras indígenas, uma vez que as


populações necessitarão de espaços e recursos naturais. Este fato também coloca
os indígenas em maior contato com o alcoolismo, as drogas, a prostituição e
doenças sexualmente transmissíveis. Para isso, propõe-se como solução um
Projeto de Educação Ambiental, com ações de capacitação do agente ambiental
indígena e um Programa de Saúde Indígena, que deverá ser voltado para
capacitação de agentes de saúde indígenas. Os planos de Readequação do
Serviço de Educação para a População Indígena, o Melhoria das Habitações
Indígenas e o Programa de Segurança Territorial das TIs pretendem incentivar
os indígenas a continuar a morar nas TIs.

4. Impactos sobre a Vila de Santo Antônio, próximo ao local onde


será construída a casa de força principal do AHE Belo Monte, de modo que esta
deverá ser totalmente transferida. A mudança para outro local será discutida
com a população, para que a escolha esteja de acordo com a transparência do
Plano de Atendimento à População Atingida.

52
5. Perda de imóveis e benfeitorias e transferência da população da
área rural. Na parte rural da ADA, 2.822 pessoas que moram em 1.241 imóveis
serão afetadas. Na cidade de Altamira serão atingidas 4.747 imóveis onde
moram 16.420 pessoas. Serão afetados ainda 348 estabelecimentos comerciais,
233 serviços e 85 estabelecimentos industriais ou de atividades extrativistas.
Para mitigar os efeitos, é proposto um Programa de Acompanhamento Social,
com objetivo de acompanhar e monitorar as mudanças no modo de vida das
pessoas. Para a área rural é previsto um Programa de Negociação e Aquisição
de Terras e Benfeitorias e outro de Recomposição de Atividades Produtivas
Rurais. Para a área urbana estão previstos o Programa de Negociação e
Aquisição de Imóveis e Benfeitorias e o Programa de Recomposição de
Atividades Produtivas Urbanas.

6. Perda de atividades produtivas, entre elas o extrativismo vegetal,


o extrativismo mineral e a pesca. Dessa forma, as pessoas perdem sua fonte de
renda e sustento. Trata-se, pois, que será minimizado com o Plano de
Atendimento à População Atingida.

7. Mudança na paisagem, uma vez que para construção será


necessário o uso de áreas, pedreiras e jazidas de areia. Para esses impactos
negativos, o EIA propõe o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas,
parte do Plano Ambiental de Construção.

8. Perda de vegetação com mudanças na fauna, aumento do barulho


e da poeira, com consequente fuga de animais da região próxima as obras. Para
isso, propõem-se os Planos de Conservação dos Ecossistemas Terrestres e dos
Ecossistemas Aquáticos.

9. Mudanças no escoamento e na qualidade da água nos Igarapés do


Trecho do Reservatório dos Canais, em decorrência das erosões e deslizamento
de terras para os igarapés, afetando espécies aquáticas, com mesma morte de

53
peixes em alguns locais. Para esses impactos propõem-se: Programa de
Monitoramento da Estabilidade das Encostas Marginais e de Processos
Erosivos, o Programa de Monitoramento dos Igarapés Interceptados pelos
Diques e do Programa de Monitoramento Liminológico e da Qualidade da
Água, incluídos no Plano de Gestão de Recursos Hídricos e o Programa de
Conservação e Manejo de Habitats Aquáticos, que faz parte do Plano de
Conservação dos Ecossistemas Aquáticos.

10. Alterações nas condições de acesso das comunidades indígenas a


Altamira pelo Rio Xingu. Esse impacto é minimizado através do Plano
Ambiental de Construção, que fará a sinalização adequada próximo ao Sítio
Pimentel para permitir a navegação no rio durante as obras.

11. Alteração da qualidade da água do rio Xingu próximo ao Sítio


Pimentel e perda de fonte de renda e de sustento para as populações indígenas,
pois as águas ficarão mais escuras. Para esse dano sugere-se o Programa de
Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais e Subterrâneas. Está
previsto também um Programa de Garantia de Segurança Alimentar e
Nutricional da População Indígena.

12. Danos ao patrimônio arqueológico. O Plano de Valorização do


Patrimônio, através dos Programas de Prospecção e Salvamento Arqueológico,
deverá registrar os sítios arqueológicos, resgatá-los e encaminhar as peças
coletadas para museus ou instituições de pesquisa.

13. Interrupção temporária do escoamento da água no Canal da


Margem Esquerda do Xingu, no trecho entre a barragem principal e o Núcleo de
Referência Rural São Pedro. O empreendedor deverá garantir o abastecimento
de água e o acesso por terra, durante todo o período de duração da interrupção
do escoamento das águas, através do Plano Ambiental de Construção e o
Programa de Acompanhamento Social.

54
14. Perda de postos de trabalho e renda devido à diminuição do
número de empregos na etapa de desmobilização da mão de obra. Para o
problema do emprego e renda, existe o Plano de Articulação Institucional, com
o Programa de Incentivo à Capacitação Profissional e ao Desenvolvimento de
Atividades Produtivas, a fim de formar trabalhadores para a construção da usina
e preparar as pessoas através de cursos para que elas possam ter outros
empregos e fontes de renda. Há ainda o Programa Federal Territórios da
Cidadania, que investe no fortalecimento da economia agropecuária para fixar a
população na área rural. Outra ação é o Programa de Orientação e
Monitoramento da População Migrante, com objetivo de informar sobre o
andamento das obras e sobre outras oportunidades de emprego e renda que
poderão surgir na região onde será construído Belo Monte.

15. Aumento da pressão sobre as terras indígenas, pois a população


desempregada buscará se estabelecer próxima aos recursos naturais. Para
enfrentar esse impacto negativo há o Plano de Segurança Territorial das Terras
Indígenas.

16. Retirada da vegetação para limpeza das áreas do reservatório,


ocasionando perda de ambientes naturais e recursos extrativistas. Da área total
dos reservatórios, 42 por cento correspondem ao próprio rio Xingu e 24 por
cento são de florestas. Dentre as florestas, a que vai ser mais atingida é a
Floresta Aluvial, que é muito importante para peixes e repteis. O desmatamento
e a limpeza das áreas deverão ser feito de acordo com o Programa de
Desmatamento e Limpeza das Áreas dos Reservatórios, no qual os indígenas
poderão utilizar a madeira que for retirada. Para fazer frente ao impacto de
perda de recursos extrativistas, o EIA propõe o Projeto de Reestruturação do
Extrativismo Vegetal. Para os animais e a vegetação da Floresta de Terra Firme,
existe o Plano de Conservação dos Ecossistemas Terrestres. Para a Floresta
Aluvial e os animais que dela dependem, existe o Plano de Conservação do
Ecossistema Aquático. Mudanças na qualidade das águas devem continuar a ser
acompanhadas pelo do Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas.

55
17. Com o enchimento, ocorrerão mudanças na paisagem, com a
perda de áreas de lazer das praias, que também eram utilizadas como fonte de
atividades econômicas. Para minimizar esse impacto, o EIA propõe o Plano de
Atendimento a População Atingida, com o Programa de Recuperação das
Atividades de Turismo e Lazer.

18. Inundação permanente dos abrigos da gravura e assurini,


consequentemente, perda do patrimônio arqueológico. Para este impacto, o EIA
prevê ações voltadas para o registro e a valorização do patrimônio cultural, o
que será feito através do Plano de Valorização do Patrimônio e do Plano de
Relacionamento com a População.

19. Mudanças nas espécies de peixe e no tipo da pesca, pois o


reservatório favorecerá o desenvolvimento de algumas outras espécies de
peixes, como tucunaré, acará, pirarucu e a pescada. Para isto, o EIA propõe
ações de monitoramento de peixes nos reservatórios do Xingu e dos Canais,
como parte do Plano de Conservação dos Ecossistemas Aquáticos. E para
acelerar o processo de adaptação dos pescadores às novas condições é proposto
o Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável.

20. Alteração na qualidade das águas dos Igarapés de Altamira e no


Reservatório dos Canais, pois os níveis de água aumentarão em relação ao atual
e a velocidade da água nesses igarapés diminuirá. Para diminuir este impacto, o
EIA propõe o Programa de Intervenção em Altamira, com a implantação de rede
de saneamento básico nas áreas próximas aos igarapés. O Plano de Gestão dos
Recursos Hídricos também prevê o acompanhamento da qualidade da água. O
EIA propõe ainda que a vegetação às margens do Reservatório dos Canais, nas
Áreas de Preservação Permanente (APPs), seja enriquecida através do plantio
de espécies de reflorestamento.

56
21. Interrupção dos acessos viários pela formação do Reservatório
dos Canais. Para a sinalização adequada dos acessos, contribuindo, inclusive,
para evitar acidentes, será colocado em prática o Projeto de Segurança e Alerta.

22. Interrupção de acessos na cidade de Altamira. O será resolvido


com o Programa de Intervenção em Altamira, que faz parte do Plano de
Requalificação Urbana, onde está previsto a construção de novos acessos,
inclusive para que bairros da cidade de Altamira não corram o risco de ficarem
isolados.

3.3 Conclusões do EIA-RIMA


A partir dos estudos realizados com o EIA-RIMA de Belo Monte e a
identificação dos impactos, os responsáveis pela elaboração do documento concluem
pela viabilidade da obra na época. Isso porque foi possível elaborar uma série de Planos,
Programas e Projetos Ambientais, que estariam sob responsabilidade do empreendedor
e deveriam sanar os principais efeitos negativos da obra.
Com a efetivação da construção de Belo Monte, o futuro da região do Xingu foi
alterado, pois os programas apresentados com o projeto, descritos no EIA-RIMA,
buscaram promover o desenvolvimento sustentável na região. Dessa forma, a
construção da usina foi e ainda é uma oportunidade de desenvolvimento, com melhora
nas condições de vida de alguns segmentos da população da região, além de melhoria
em áreas urbanas e melhorias na infraestrutura rodoviária. No entanto,é importante
considerar que ainda hoje a Norte Energia não conseguiu colocar todos os planos em
prática e alguns condicionantes ainda não foram atendidos.
Além disso, como também colocado no EIA-RIMA, e vendo agora na prática o
preço da energia produzida na região é competitivo, e que o custo da energia produzida,
incluindo o pagamento do sistema de transmissão interligado, é inferior a R$ 80/MWh.
Desse modo, aparentemente Belo Monte ajuda a manter a posição do Brasil como uma
das matrizes energéticas mais limpas de todos os países industrializados, com 46% de
energia proveniente de fontes renováveis, e o projeto estaria em consonância com o
objetivo do país de assegurar o uso racional de recursos naturais e o desenvolvimento
sustentável.

57
3.2 Críticas ao projeto e ao EIA-RIMA
O EIA/RIMA de Belo Monte teve muita repercussão, por se tratar de um assunto
polêmico e que foi discutido nos diversos âmbitos da sociedade, desde a universidade
aos povos indígenas da região. Na mídia, surgiram diversos movimentos contrários à
construção da Usina de Belo Monte, destacando-se entre eles os movimentos Xingu
Vivo, Gota D’água, que teve um vídeo protagonizado inclusive por artistas da Globo,
veiculado na televisão. O tema também gerou movimentos a favor da construção da
usina, como um vídeo protagonizado por universitários da Universidade Estadual de
Campinas sobre coordenação do professor Sebastião Amorin. Essas manifestações
acaloradas foram provas de que a construção de uma usina hidrelétrica de tamanha
dimensão causa grandes controvérsias e precisa assim ser amplamente discutida em
todos os âmbitos da sociedade, embora isso não tenha sido levado a cabo pelo governo.
Vários pontos do EIA-RIMA e do projeto podem ser questionados.
O primeiro ponto de bastante discórdia com relação às obras diz respeito ao
custo de construção estimado. Este ponto é tratado com desconfiança porque até mesmo
a Empresa de Pesquisa Energética, órgão do governo, atualizou antes do leilão da obra o
valor inicial estimado pela Eletronorte em 2009, que era de US$ 16 bilhões e passou
para um valor de US$ 19 bilhões em 2010. A Norte Energia depois de ganhar o leilão
de energia ainda em 2010 fez mais uma revisão do valor para R$25 bilhões. Hoje o
valor atualizado de Belo Monte com valor de construção mais o custo de financiamento
gira em torno de R$30 bilhões segundo a Norte Energia.
Wilson Cabral de Souza Júnior (2010) realizou uma análise sócio-econômica-
ambiental dos custos e benefícios de Belo Monte, buscando atribuir valores aos custos
sociais não computados na análise privada. As externalidades consideradas na conta são
as seguintes: perdas na atividade pesqueira nacional; perdas na atividade de pesca
ornamental; custos de perdas na qualidade da água; perdas de atividades agropecuárias;
custos de emissão de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4); custos de perda da
água por evaporação; custos de perda por atividades turísticas. O cálculo feito pelo autor
apontou para um Valor Presente Líquido negativo na ordem do milhão, de modo que o
autor concluiu pela inviabilidade do empreendimento.

58
Outra controvérsia refere-se ao potencial disponível na Bacia do Xingu. A EPE
estimou que 14% do potencial inventariado do país se encontra nessa Sub-Bacia. A
partir de tamanha capacidade, e levando-se em consideração o histórico energético do
país, que valoriza as hidrelétricas, muitos críticos temem que isso leve à construção de
novas usinas, sendo Belo Monte apenas o início de um grande projeto de barragens da
bacia do Xingu.
Outra crítica ressaltada versa sobre o valor da energia firme, ou seja, capacidade
de produção constante de energia a ser gerada pela usina. A potência instalada na casa
de força principal, segundo estudos apresentados pela Eletronorte em 2009, seria de
11.000 MW. Já a usina complementar, que aproveitaria a vazão residual, teria potência
instalada de 181,3 MW. Isso permitiria uma energia firme de 4.637 MW médios na
usina principal e 77 MW na usina complementar. Wilson (2010), por sua vez, apresenta
que o valor da energia firme do complexo, sem considerar a presença de outros
empreendimentos à montante nem a interligação com o sistema nacional, seria de
apenas 1.172 MW médios. O valor seria decorrente da grande variabilidade das vazões
naturais e da limitação decorrente da falta de regularização promovida pelos grandes
reservatórios em montante. Essa questão relativa à oscilação das chuvas e da pouca
energia a ser gerada na época das secas na região da Bacia do Xingu é mencionada
brevemente nos estudos do governo, mas posteriormente o fato parece ser esquecido, de
modo que a média de 4,6 mil MW é considerada uma média baixa em termos de custo e
benefício da obra. A resposta do governo, por sua vez, é de que nas épocas de seca
outras usinas realizarão o fornecimento de energia, e nas épocas chuvosas Belo Monte
compensará, permitindo que os reservatórios de outras usinas se recuperem.
No que tange a estruturação metodológica do EIA, três críticas importantes são
feitas. A primeira foi elaborada por Sônia Magalhães, Rosa Marin e Edna Castro, no
Painel dos Especialistas (2009), e diz respeito à população atingida. Segundo elas, o
EIA ignora a bibliografia nacional e internacional existente sobre a região estudada, e,
em decorrência disso, estima uma população diretamente atingida na área rural de 2.822
pessoas, excluindo área de sequeiro da Volta Grande; lotes inviáveis; ausentes do
domicilio no momento da pesquisa; projeção de migrantes que potencialmente se
instalarão nessas áreas e, ademais, projeção da faixa etária no momento da pesquisa e na
efetivação do deslocamento compulsório. Por outro lado, Cecília Mello (Painel dos

59
Especialistas, 2009) critica a estruturação do EIA no sentido de que a categorização
feita no relatório em “área de influência direta”, “área de influência indireta” e “área
diretamente afetada” expõe os impactos sobre uma ótica do território em detrimento dos
impactos sobre a população, gerando nesta um efeito minimizador. Não se menciona em
nenhum momento o termo população atingida. Além disso, o RIMA faz uma breve
análise sobre a população que deverá deixar sua propriedade, sem, porém, considerar
em sua abordagem a relação intrínseca desse grupo com a terra, seus aspectos
simbólicos, morais e afetivos. Por fim, Ravena (Painel dos Especialistas, 2009)
complementa essas críticas mencionando que no EIA de Belo Monte possui ausências
de análises que o desqualificam cientificamente. As probabilidades acerca da alteração
dos modos de vida e vulnerabilidade hídrica deixam de ser elaboradas mesmo havendo
metodologia para que fossem feitas.
A Eletrobrás, porém, em parceria com os empreendedores, propôs um
documento de resposta a diversas críticas relativas à Belo Monte. Neste documento, eles
afirmam que os conceitos “área de influência direta”, “área de influência indireta” e
“área diretamente afetada” foram adotados de acordo com o estabelecido no Termo de
Referência do IBAMA. Além disso, as áreas de influência, segundo eles, são abordadas
considerando o território como expressam de processos históricos, sociais, culturais e
econômicos.
Outras críticas interessantes foram feitas em relação aos objetivos da obra e ao
futuro destino da energia elétrica a ser gerada. Mello (Painel dos Especialistas, 2009)
menciona que em nenhum momento do EIA-RIMA o assunto relativo às linhas de
transmissão da energia elétrica a ser produzida pela usina é tratado. De acordo com a
Abengoa responsável por uma das linhas de transmissão de Belo Monte, o projeto de
transmissão sofre hoje com licenças ambientais e pode atrasar o fornecimento de parte
da energia gerada em na usina18. Nos relatórios, entretanto, a Norte Energia propõe que
a energia fosse distribuída para os eixos norte, nordeste e sudeste do Brasil, mas não se
discutiu qual o uso será feito da energia produzida, segundo Philip M. Fearnside. Hoje
sabemos que a energia de Belo Monte vai para 27 empresas distribuidoras de 17

18
http://oglobo.globo.com/economia/petroleo-e-energia/maior-parte-da-energia-gerada-em-belo-monte-
nao-sera-usada-em-2016-18071765
60
Estados, porém não sabemos em qual mercado está sendo comercializada
majoritariamente, se no mercado cativo ou no mercado livre de energia.
No que tange aos principais impactos negativos decorrentes da usina de Belo
Monte, algumas críticas importantes também são feitas. Primeiramente está o chamado
desmatamento induzido pelo afluxo de pessoas para a obra e a construção e melhoria de
acessos rodoviários. Uma vez concluída a obra este contingente populacional e outros
atraídos pelas facilidades de acesso provocariam uma aceleração do desmatamento.
Serão cerca de 35 mil trabalhadores, grande parte dos quais, juntamente com a
população que será atraída indiretamente para a região, permanecerá próxima a Belo
Monte. Assim, os estudos desconsideram, segundo Edna Castro (Painel de
Especialistas, 2009), a pressão desta população por recursos naturais, terra, exploração
florestal, garimpo, agricultura e pecuária. A resposta da Eletrobrás a essa crítica foi a de
que o contingente estimado de cerca de 96.000 mil pessoas, considerando os empregos
diretos e indiretos, bem como familiares dos trabalhadores e outras pessoas atraídas pelo
empreendimento a região, serão acomodados segundo um modelo de geração de
empregos do BNDES. Seria preciso considerar ainda que nem todas essas pessoas
venham de outras regiões, de modo que a mão de obra local deve ser utilizada.
Ainda em relação aos impactos ambientais decorrentes de Belo Monte, outra
crítica refere-se a possíveis problemas de saúde pública. Segundo a Organização
Mundial da Saúde, hidrelétricas podem ocasionar aumento de doenças transmitidas por
vetores de diferentes espécies cuja reprodução é favorecida pelo desequilíbrio ecológico
trazido pela barragem (malária, leishimaniose, esquistossomose, etc.);
Outro ponto chave de crítica refere-se ao fato de que hidrelétricas também
podem ser poluentes ao meio ambiente, uma vez que emitem gás metano, um gás de
efeito estufa com 25 vezes mais impacto sobre o aquecimento global por tonelada de
gás do que o gás carbônico, de acordo com as atuais conversões do Painel
Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC). O EIA de Belo Monte apresenta
que as emissões de metano da hidrelétrica a ser construída são ínfimas, mas muitos
pesquisadores do meio acadêmico apontaram que esse dado se deve apenas da
consideração da emissão de metano da superfície do lago, omitindo a emissão
decorrente das águas que passam pelas turbinas e vertedouros. No caso de Belo Monte,
as emissões das turbinas são enormes, especialmente nos primeiros anos, e esse

61
conjunto de barragens levaria 41 anos para começar a ter um saldo positivo em termos
do efeito estufa, segundo Fearnside (Painel dos Especialistas, 2009).
Outros problemas também decorrentes das hidrelétricas são: acidentes; má
nutrição; desordens psicossociais e alteração do bem-estar social. Segundo Gomes
(2009, Painel de Especialistas) não podemos afirmar que o aumento da pressão sobre os
serviços de saúde somados ao aumento nos fluxos migratórios implicará na capacidade
de aumento do atendimento primário, considerando-se que os planos de saúde não
necessariamente contribuirão para o desenvolvimento da medicina nos municípios.
Além do mais, é visível a crise financeira que afeta o mundo e, em particular, o Pará,
sobretudo por se tratar de um país com uma economia exportadora de matéria prima.
Essa situação se agravará se considerarmos as previsões.
Os críticos de Belo Monte em geral têm consciência de que não basta criticar,
mas é preciso propor alternativas. Seria necessário investir de modo consistente em
energias solar, eólica e biomassa. Nesse contexto, novas estratégias energéticas têm de
ser adotadas, à medida que as fontes tradicionais passam a sofrer restrições. A maioria
das fontes alternativas, segundo Wilson (2006), ainda são pouco utilizadas, apesar da
tendência de aumentar sua participação na matriz energética. Por enquanto, a energia
solar tem sido utilizada em pouca escala no Brasil e em locais em que não é possível o
acesso de outras formas de energia. A biomassa, por sua vez, reúne vários tipos de
produção de energia, como carvão vegetal, processamento industrial de bagaço da cana
de açúcar, queima de madeira. Esta tem se mostrado uma potencial fonte competitiva de
energia, embora seu uso ainda seja restrito. A energia eólica, por fim, é a fonte
alternativa de maior taxa de crescimento do Brasil, segundo Wilson (2006).
Destas 3 opções, a solar não recebeu incentivos consistentes do governo para ser
mais competitiva. Hoje não representa nem 1% da potência instalada, mas tem 4% de
participação em potência nos novos empreendimentos de geração. Engenheiros apontam
que energia elétrica produzida por painéis solares ainda é muito cara e ineficiente, pois
gera pouca potência por unidade. Alguns tipos de células fotovoltaicas são mais
eficientes que outras, dos três tipos disponíveis hoje: células mono cristalino, poli
cristalinas e de silício amorfo, a primeira é a mais eficiente e também a mais cara. Até
então nenhuma empresa brasileira era capaz de fabricar integralmente essas células. A
energia eólica, embora seja competitiva, também possui restrições não somente quanto

62
ao seu potencial, mas também a aspectos ambientais como seu balanço energético
(emprega materiais derivados de petróleo na construção de suas pás, requer manutenção
constante), a necessidade de grandes áreas para gerar relativamente pouca energia, além
de produzir sons na faixa audível e no infrassom, causando danos a humanos e animais.

Capítulo 4 - Métodos de valoração possíveis de aplicação no caso Belo Monte

4.1 Manual de Valoração Econômica da Eletrobrás


A Eletrobrás possui um manual de valoração de externalidades ambientais da geração
hidrelétrica e termelétrica, com descrição de métodos de valoração e explicações de
aplicação publicado em 2000 no âmbito do Projeto de Interligação Elétrica Norte-Sul,
celebrado entre a Centrais Elétricas Brasileiras – ELETROBRÁS e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID. O manual contém os resultados do
desenvolvimento da atividade “Valoração Econômica dos Impactos Ambientais de
Alternativas de Expansão da Geração”, cujos objetivos principais eram os seguintes:

1. Identificar os indicadores de impacto ambiental mais apropriados para


subsidiar a tomada de decisões nos planos de expansão da geração segundo o
horizonte de planejamento de longo prazo;

2. Definir os procedimentos metodológicos requeridos para a construção


desses indicadores, caso a caso;

3. Indicar as metodologias disponíveis na literatura para a valoração desses


indicadores.

No entanto, não foi possível encontrar nenhum vestígio de utilização desse manual nos
estudos preliminares nem nas revisões feitas para o projeto de Belo Monte. O manual
sugere os seguintes métodos para os seguintes impactos desfavoráveis de obras de
geração hidrelétricas:

i. Aplicação da metodologia de valoração contingente para o dano causado às


espécies vegetais e animais pelas hidrelétricas;

ii. Aplicação da metodologia de valoração contingente para os danos causados


aos recursos históricos e culturais pela hidrelétrica;

iii. Aplicação da metodologia da produtividade marginal para a valoração dos


danos causados a produtos extrativos madeireiros e não madeireiros pela
hidrelétrica;

63
iv. Aplicação da metodologia de valoração econômica decorrente das perdas
de espécies vegetais que possam contribuir para a elaboração de novas drogas;

v. Aplicação da metodologia de valoração dos danos causados à


biodiversidade – funções ecossistêmicas: seqüestro de carbono;

vi. Aplicação da metodologia de produtividade marginal sobre os benefícios


provenientes do corpo receptor face à erosão do solo pela hidrelétrica;

vii. Aplicação da metodologia de valoração dos danos causados aos recursos


minerais pela hidrelétrica

No ponto (i) o manual alerta para os problemas com comportamentos


estratégicos dos entrevistados, possíveis vieses e efeitos negativos na tentativa de
chegar a uma Disposição a Pagar –DAP dos entrevistados pela conservação das espécies
vegetais e animais da Região. O manual ainda sugere que o meio de pagamento seja
através da conta de energia elétrica, já que se trata de um empreendimento do setor. No
ponto (ii) a sugestão é a utilização do mesmo método do ponto (i), porém com a
mudança do objeto a ser valorado. A principal questão do ponto (ii) é a salientada por
Andrade & Romeiro, 2009: “Nesta categoria incluem-se conhecimento estético,
recreação e (eco)turismo, inspiração cultural e artística, informação histórica e cultural,
além de informações culturais e científicas. Essas funções são profundamente ligadas
aos valores humanos, o que muitas vezes dificulta a sua correta definição e avaliação”.
No ponto (iii) o manual sugere a utilização de um método direto, buscando apresentar
estimativas relativas à capacidade de uma área de floresta tropical prover bens com
valor de mercado, através da utilização do método da produtividade marginal. Na
verdade, busca-se mensurar a magnitude do valor monetário que pode ser extraído da
venda de produtos gerados em uma área de floresta. Alguns problemas que o método
apresenta é a falta de conhecimento da diversidade da floresta amazônica, flutuação de
preços da madeira e ainda falta de informações sobre atividades extrativistas
secundárias, segundo o manual dificultariam na conclusão de um valor real de
produtividade. No caso do ponto (iv) podem haver algumas inconsistências na sua
aplicação, pois se trata de espécies que já são utilizadas hoje e espécies que podem vir a
ser usadas. O valor final é composto por receitas futuras trazidas a valor presente de
bioprospecção e royalty advindo das formulações. Segundo o próprio manual deve-se
tomar muito cuidado ao utilizar os parâmetros necessários para a projeção da receita
64
gerada pelos compostos, pois as variações nas premissas podem modificar
completamente os resultados. O caso de seqüestro de carbono utilizado no ponto (v) já é
amplamente utilizado em valoração, pois é um serviço ambiental específico das
florestas. Os procedimentos para esta valoração no manual foram baseados nos estudos
de Salati (1998) e Pearce et all. (1994). No ponto (vi) o manual volta a utilizar a
produtividade marginal como método, busca correlacionar os efeitos da erosão do solo a
montante com a produtividade das atividades econômicas localizadas à jusante do
reservatório. As atividades econômicas que sofreram impactos (erosão do solo)
decorrentes do alagamento do solo temos a irrigação, a pesca, a agricultura, a
abastecimento, etc. Assim como no ponto (iii) nesse caso não há uma análise específica
para a região estudada. Seria preciso uma taxa especifica da região de erosão dos solos
para um valor fidedigno, no entanto isso não impede a análise, pois, o manual sugere
identificar as taxas anuais de erosão a partir da Equação Universal de Perda de Solo
(Wischmeyer e Smith, 1961; citado por Iturri, 1975). E por fim, no ponto (vii) o método
utilizado acaba sendo o de custo de reposição, apesar do manual não fazer alusão
resume que o método “admite a possibilidade de que os recursos exauríveis, que são
ativos não-produzidos, venham a ser substituídos por ativos produzidos a fim de
garantir rendimentos para as gerações futuras.”. O manual trata das questões ambientais
de forma bem geral pois é uma forma de ser aplicável como linha mestra em qualquer
empreendimento, porém como vimos na sessão de avaliação dos impactos desfavoráveis
da obra constantes no EIA-RIMA questões especificas de perda de biodiversidade,
qualidade das águas, espécies ameaçadas e utilização do solo devem ser consideradas no
caso de Belo Monte. Além disso, o material em nenhum momento dá conta dos
impactos populacionais nas fases de mobilização e de desmobilização de trabalhadores,
das desapropriações de população ribeirinha e indígenas muito menos questões relativas
à saúde e saneamento básico. Isso o torna um pouco defasado e não se aplicaria
totalmente ao caso de Belo Monte.

4.2 Análise Conservation Strategy Fund


O Professor Wilson Cabral de Souza Júnior, como exposto no ponto anterior
realizou uma avaliação de Belo Monte para o Conservation Strategy Fund em termos de

65
custos e benefícios. Vamos procurar detalhar esse estudo nesse tópico. Primeiro houve a
organização dos custos em quatro grupos. O custo total associado ao empreendimento,
conforme elaborado pela Eletronorte na época compõe o primeiro grupo. O segundo é
constituído pelos custos associados a perdas em atividades atuais e potenciais
concorrentes ao empreendimento, analisados como custos de oportunidade. No terceiro
grupo temos a associação de custos dos impactos ambientais (biodiversidade,
ictiofauna, inundações de florestas etc.) e por fim, o quarto grupo, que aponta os
benefícios previstos com a construção do complexo (valor da produção energética). Ele
utiliza como base o custo global estimado pela Eletronorte de 2002, que era de R$ 7,51
bilhões. Esse valor, acrescido dos juros ao longo do período de construção (12% a.a) na
época subia para R$ 9,61bilhões. Não chega nem na metade do orçamento atual
divulgado de R$ 30 bilhões. De qualquer forma, o estudo já apontava que alguns
impactos importantes para a caracterização global do empreendimento não haviam sido
considerados. Trata-se das “externalidades” do empreendimento, segundo o estudo.
Seguem os principais pontos:

i. Custos de perdas na atividade pesqueira – cATP (Produtividade


Marginal)
ii. Custos de perdas na qualidade da água – cÁGUA (Custos Evitados)
iii. Custos por inundação de remanescentes de floresta – cFLOR (Valoração
Contingente)
iv. Perda de atividades agropecuárias – cAGR (Custo de Oportunidade)
v. Custos de perda na ictiofauna migratória – cICT (Valoração Contingente)
vi. Custos de emissão de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4)
(Sequestro de Carbono)
vii. Custos de perdas de água por evaporação – cH2O
viii. Custos de perdas por atividades turísticas – cTUR (Custo de
Oportunidade)
ix. Custos de perdas da biodiversidade – cBIO (Valoração Contingente)
x. Custos de perdas de recreação – cREC (Valoração Contingente)

66
Essa publicação foi feita em 2006 e não há detalhamento dos métodos utilizados
na valoração. Então, entre parênteses está o método que pode ter sido utilizado para
chegar aos valores, levando em consideração os métodos correntes e as sugestões do
manual da Eletrobrás do ponto anterior. No entanto é interessante considerar os dados
dos 3 cenários rodados pelo estudo: No cenário (1), foram considerados os benefícios e
custos do empreendimento, sem externalidades. No cenário (2), foram consideradas
algumas externalidades relacionadas aos impactos socioambientais do projeto: perdas
associadas ao setor de turismo, qualidade e quantidade de água, pesca profissional e
ornamental na região, e impactos dos resíduos e efluentes gerados na obra. No cenário
3, foram consideradas as mesmas externalidades do cenário 2, além de estimar-se os
benefícios sobre o valor de energia firme determinado pelo modelo HydroSim19,
desenvolvido na Unicamp, o qual aponta uma geração de energia firme bem menor que
o modelo tradicionalmente utilizado pelo setor elétrico. Desse modo os resultados estão
sintetizados na tabela abaixo:

Tabela 3: Indicadores de Viabilidade


Parâmetros Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
VPL (USD) 1.624.880.117 1.436.159.306 -3.558.796.969
TIR 14.86% 14.53% 3.87%
Fonte: Adaptado, Junior (2006)

Como salientado no estudo: “Nos cenários 1 e 2, o empreendimento apresenta


indicadores favoráveis quanto à viabilidade do projeto. Cabe reiterar que diversas
externalidades não foram consideradas na análise, por falta de dados confiáveis, além
de que alguns impactos considerados foram reconhecidamente sub-valorados.”. Ou
seja, na mudança do cenário 1 para o 2 não há grandes diferenças, porém no cenário três
com uma perspectiva de vazão mais realista e todos os custos socioambientais
calculados, o prejuízo é consideravel e inviabilizaria a obra.
Em 2010 o Professor Wilson Cabral de Souza Júnior realizou uma atualização
desse trabalho, porém apenas com 2 cenários: No Cenário (1) foram considerados os
benefícios e custos do empreendimento, sem qualquer externalidade. No cenário (2),

19
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/201pag09.pdf
67
foram consideradas algumas das externalidades socioambientais também presentes no
estudo de 2006 que gerariam custos:

i. Custos de perdas na atividade pesqueira (pesqueira e ornamental) – cATP


ii. Custos de perdas na qualidade da água – cÁGUA
iii. Perda de atividades agropecuárias – cAGR
iv. Custos de emissão de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4)
v. Custos de perdas de água por evaporação – cH2O
vi. Custos de perdas por atividades turísticas – cTUR

Nessa atualização do estudo os valores da obra também foram atualizados, o


estudo passou a considerar o valor apresentado pela Empresa de Pesquisa Energética –
EPE foi de US$8,26 bilhões em 2010. Por outro lado, profissionais do setor de
construção de grandes usinas hidrelétricas na época apontavam valores de até US$17
bilhões. Montantes que, no entanto, estão muito aquém dos R$30 bilhões atuais. Os
resultados estão sintetizados na Tabela 4.
Tabela 4: Indicadores de Viabilidade 2010
Parâmetros Cenário 1 Cenário 2
VPL (USD) -7.739.283,56 -6.936.010.096,19
Custo Socioambiental Total
565.784.458,50
(USD)
Fonte: Adaptado, Junior (2010)

Segundo os novos dados, os resultados apontam a completa inviabilidade do


empreendimento, considerados os parâmetros analisados.

4.3 Análise de Custo de Oportunidade Eólica e Solar a partir de dados globais


Para fazer a análise de Custo de Oportunidade é preciso retomar o que já foi
exposto no Capitulo 3. Embora desejável do ponto de vista ambiental, a preservação
gera um custo social e econômico que deve ser compartilhado entre os diversos agentes
que usufruem dos benefícios da conservação. Desse modo, podemos pensar que em vez
de investir quase R$30 bilhões nos 4,5 MW de energia firme que serão disponibilizados
por Belo Monte, poderíamos ter investindo em outras formas de produção de energia,
68
com menos impactos socioambientais. No curto e no médio prazo as tecnologias mais
sustentáveis podem ser mais caras. No entanto, no longo prazo pode ser que esse custo
mais que compense com os impactos socioambientais evitados. Para fazer essa
avaliação decidiu-se por usar os custos de energia produzida de geração Eólica e Solar,
pois constituem as formas mais limpas e sustentáveis disponíveis atualmente, e mais
utilizadas internacionalmente. E por isso a tendência de cair os custos de geração são
vertiginosos, como mostra a Tabela 5.
Tabela 5: Custos e Fator de Capacidade Globais 2015 - 2025

Fonte: “Power To Change: Solar and Wind Cost Reduction Potencial to 2025” da International
Renewable Energy Agency (IRENA)
4.3.1 Eólica
As usinas eólicas produzem hoje, segundo a ANEEL, 6,73% da energia do país.
Dos novos empreendimentos que entrarão em operação no país correspondem a
36,94%, caracterizando-se pela forma de geração que mais crescerá no Brasil nos
próximos anos. Segundo também a ANEEL, a maior usina eólica da América Latina é o
Complexo Eólico do Alto Sertão, divido em Alto Sertão I e II. Juntos os dois complexos
são capazes de gerar 680,5 MW firmes. Segundo o relatório “Power To Change: Solar
and Wind Cost Reduction Potencial to 2025” da International Renewable Energy
Agency (IRENA) o custo médio da energia Eólica gerada no mundo alcançou em 2015
o valor de USD 1 560/kW (Figura 6). A IRENA utiliza os custos totais de projetos
eólicos em 12 diferentes países20, entre eles o Brasil. O valor para 2015 citado se

20
Brasil, Canadá, China, Dinamarca, França, Alemanha, India, Italia, Spanha, Suécia, Inglaterra e
Estados Unidos.
69
aproxima de BRL 5000/kW21. Segundo a própria agência, em consonância com dados
da ANEEL o Brasil foi um dos países que mais adicional capacidade de geração Eólica
em 2015, 5% do total mundial, atrás apenas de China com 51%, Estados Unidos (13%)
e Alemanha (6%).
Figura 6: Gráfico custo total de projetos eólicos por país, 1983-2014

Fonte: “Power To Change: Solar and Wind Cost Reduction Potencial to 2025” da
International Renewable Energy Agency (IRENA)
Segundo a IRENA a taxa de redução dos custos de empreendimentos de geração
de energia solar fotovoltaica até 2025 serão de 12% e segundo o Lawrence Berkeley
National Laboratory (Berkeley Lab) até 2050, em um cenário otimista o preço total se
reduziria em 41%. Isso Quer dizer que se os preços acompanharem essa redução
poderemos saber o custo de oportunidade da geração eólica em relação à energia gerada
de Belo Monte. Os preços praticados nos últimos leilões de energia no Brasil pela
ANEEL22 foram fixados em R$ 247,00/MWh para eólica e Belo Monte vende 70% de

21
Utilizada última cotação do dólar em 2016:
http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao
22
http://www.aneel.gov.br/sala-de-imprensa-exibicao/-/asset_publisher/XGPXSqdMFHrE/content/aneel-
aprova-edital-do-2-leilao-de-energia-de-reserva-de-2016/656877?inheritRedirect=false
70
sua geração à R$ 77,97/MWh e os 30% restante foi autorizado pelo governo a vender
como energia nova à R$115,57/MWh23. Assim na realidade, o preço real por MWh de
Belo Monte com a ponderação é de R$89,25. Desse modo, o cenário para eólica aparece
como em 2050 estaremos pagando em torno de 60% mais do que a energia de Belo
Monte. Provavelmente, porque o mundo tem diminuído o investimento nesse tipo e
migrado para solar.
Figura 7: Gráfico custo de oportunidade e redução de preços

Fonte: IRENA, Berkeley Lab, Elaboração Própria


4.3.2 Solar
A maior usina fotovoltaica do Brasil foi inaugurada em 2014 e gera apenas 4
MW de energia firme, é a Usina Fotovoltaica Cidade Azul no Estado de Santa Catarina
na cidade de Tubarão. O Projeto foi construído pela Tractebel Energia em conjunto com
a Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e custou R$30 milhões. A geração
solar no Brasil, tanto para usinas como para geração distribuída ainda parece incipiente,
principalmente pelos custos da tecnologia atual vis a vis sua eficiência. A questão não
parece ser exclusividade nacional, apenas China e Alemanha resolveram as limitações
tecnológicas com políticas de investimento e incentivos e hoje conseguem um preço de
USD 500/kW quase metade do que a Índia consegue, que é o terceiro país com menor
custo.

23
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1755245-usina-de-belo-monte-podera-vender-sobra-
de-energia-150-mais-cara.shtml
71
Figura 8: Gráfico custo total de projetos Fotovoltaicos por componente

Fonte: “Power To Change: Solar and Wind Cost Reduction Potencial to 2025” da International
Renewable Energy Agency (IRENA)
É preciso ter em perspectiva que não apenas a tecnologia de fabricação de
painéis mais eficientes, como o gerenciamento e ligação das plantas de geração
fotovoltaicas (PV plants) ao sistema necessitam de desenvolvimento. É o que a IRENA
chama de “hardware” e “soft costs”. Desse modo a IRENA em seu relatório sobre
energias sustentáveis faz um recorte por contribuição dos componentes na redução do
custo da energia fotovoltaica em 12 países e chega que em 2015 o custo médio global
para energia solar fotovoltaica seria de USD 1800/kW como no Gráfico 8.
Figura 9: Gráfico custo de projetos de energia fotovoltaica e contribuição
dos componentes

72
Fonte: “Power To Change: Solar and Wind Cost Reduction Potencial to 2025” da International Renewable
Energy Agency (IRENA)
Segundo a IRENA a taxa de redução dos custos de empreendimentos de geração
de energia solar fotovoltaica até 2025 serão de 57% e segundo a empresa de pesquisas
energéticas Agora Energiewende24 até 2050, em um cenário otimista o preço total se
reduziria em 73%. Isso Quer dizer que se os preços acompanharem essa redução
poderemos saber o custo de oportunidade da geração eólica em relação à energia gerada
de Belo Monte. Como citado no ponto anterior Belo Monte vende 70% de sua geração à
R$ 77,97/MWh e os 30% restante foi autorizado pelo governo a vender como energia
nova à R$115,57/MWh25. Assim na realidade, o preço real por MWh de Belo Monte
com a ponderação é de R$89,25. Já o preço da solar foi fixado em R$ 320,00/MWh.
Desse modo, estaríamos pagando na energia solar se essa fosse uma opção 42% a mais
até 2025 e 3% menos em 2050. Esse seria o custo de geração solar ao invés de geração
de Belo Monte.
Figura 10: Gráfico custo de oportunidade e redução de preços

Fonte: IRENA, Agora Energiewende, Elaboração Própria

24
https://www.agora-energiewende.de/fileadmin/Projekte/2014/Kosten-Photovoltaik-
2050/AgoraEnergiewende_Current_and_Future_Cost_of_PV_Feb2015_web.pdf
25
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1755245-usina-de-belo-monte-podera-vender-sobra-
de-energia-150-mais-cara.shtml
73
4.3 Considerações Finais
Não só grandes obras de Usinas Hidrelétricas, mas todas as intervenções
humanas com grandes impactos ambientais, econômicos e sociais devem ser pensadas
com cautela e de forma estratégica. A Usina de Belo Monte, mesmo depois da
consumação da construção e operação merece estudo, pois se tornou um caso com
lições aprendidas importantes. É preciso ter em vista que os R$30 bilhões utilizados em
Belo Monte foram investidos para uma potência instalada de 11.223 MW, porém por
mudanças estruturais do projeto e por conta da tentativa de adequação às pressões socias
e ambientais, como vimos no trabalho, a usina utiliza reservatório à fio dágua. Desse
modo, gerará apenas 4,5 MW de energia firme e comercializavel. Isso representa 0,04%
da potência instalada.
No que tange a discussão entre Economia Ambiental e Ecológica vemos que a
avaliação de custo e benefício não deve ser considerada suficiente para esse tipo de
análise, além disso, os métodos de valoração diversos não devem ser apenas monetários.
Para a Economia Ecológica existem outros fatores, como salientado no Capítulo 2
(dimensões ecológica e socioambiental) que precisam ser considerados. Além disso,
questões como as sociais advindas de remoção de indígenas e ribeirinhos tocam não só
no valor da terra para essas pessoas, mas também na cultura indígena e ribeirinha que
dificilmente pode ser valorada aos olhos de qualquer analista. E não foi considerada
adequadamente em nenhuma das análises que entrei em contato. De uma perspectiva do
Princípio da Precaução26 os estudos e as avaliações de uma grande obra como Usinas
Hidrelétricas deveriam considerar custos para a sociedade, em âmbito nacional e
mundial, além de uma discussão estratégica com todos os grupos de interesse e afetados
para garantir a viabilidade ou não do empreendimento. Nesse sentido, podemos ver que
os custos de oportunidade de geração em outras modalidades poderiam compensar a
dúvida que temos sobre os impactos gerados por esse tipo de empreendimento. Não
obstante, fazer a opção pela não construção da Usina e optar por outras formas de
geração poderiam evitar custos socioambientais desnecessários, custos esses que apenas
as gerações futuras sentirão os efeitos.

26 Atuação cautelosa e preventiva em relação a intervenções no meio ambiente. Essa é a essência


do princípio da precaução: na dúvida, deve-se decidir em favor do meio ambiente, não do lucro imediato.
74
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Anexo I: Tabela de Impactos EIA-RIMA (Por Etapa)

79
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