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Salvador - Bahia
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Salvador - Bahia
2019
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………04
2. O TEMPO HISTÓRICO E O ESPAÇO NA CONSTRUÇÃO DAS COMPOSIÇÕES DOS
RACIONAIS MC’S ………………………………………………...…………….…….06
3. SAMPLES E REFERÊNCIAS C
OMO ELEMENTOS DE MEMÓRIA………………..08
4. A INFLUÊNCIA TRANSFORMADORA E EMANCIPATÓRIA DOS RACIONAIS
MC’S PARA A MENTALIDADE DO NEGRO BRASILEIRO………………………..10
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - INTRODUÇÃO:
O grupo Racionais MC’s foi fundado em 1988 por Mano Brown, Edi Rock, Ice
Blue e KL Jay, na cidade de São Paulo. Seu primeiro trabalho concreto foi o álbum de
estreia Holocausto Urbano, no ano de 1990. Pânico na Zona Sul, primeira faixa do disco
mencionado, já dá o tom da obra ao descrever o espaço no qual o eu lírico, que neste caso
pode ser entendido como o próprio autor da música, se encontra. Tal espaço refere-se a
realidade social a qual os compositores estavam sujeitos, sendo que esses buscam retratar
os problemas sociais deste espaço ao denunciar a violência cotidiana e a omissão estatal
para solucionar tal problema daquela localidade. Mano Brown, compositor e intérprete
dessa obra referida, viveu sua vida no bairro do Capão Redondo, que fica na Zona
Sudoeste da cidade de São Paulo. Em 1996, segundo uma matéria do jornal Folha De São
Paulo, publicada em 30 de janeiro de 1997, o bairro da cidade de São Paulo que teve o
maior índice de homicídios foi o Capão Redondo, recebendo o título de “bairro mais
violento da cidade em 1996”. Segundo a mesma matéria, a Delegacia Seccional do Sul,
responsável pela zona sul de São Paulo, foi a que apresentou o maior crescimento nos
índices de homicídio doloso entre 1996 e 1997. Tais informações se conectam ao espaço
descrito pelos Racionais MC’s em Pânico da Zona Sul.
Na música Fim de Semana no Parque, Mano Brown faz uma análise descritiva
acerca da problemática relativa à falta de opções de lazer e de espaços públicos ou
privados capazes de suprir tal demanda na periferia de São Paulo, mais precisamente na
Zona Sul da cidade. Mano Brown descreve como o uso de álcool e de drogas ilícitas como
a cocaína se tornam as opções recreativas dentro das comunidades periféricas da capital
paulista. Segundo matéria do jornal Folha de São Paulo, publicada em 4 de março de 1996,
a Zona Sul da capital estava à margem do desenvolvimento da cidade devido a violência
ali presente, de tal modo que o estigma da área retraiu os investimentos, fazendo com que
empresários não empreendessem naquele local. O problema do lazer nas periferias da
capital estava diretamente ligado ao problema da violência, sendo tais aspectos
fundamentais para a compreensão acerca daquela espaço naquele tempo histórico
determinado. Assim, o rapper Mano Brown busca mostrar as condições do seu espaço em
seu tempo histórico e estes se tornam elementos fundamentais em suas obras.
Compreender a produção artística dos Racionais MC’s e sua linguagem violenta e “crua”
só é possível quando se entende que os indivíduos são resultados de seu tempo e de seu
espaço. Le Goff, ao escrever o prefácio da Apologia da História, percebe claramente a
intenção de Marc Bloch ao afirmar que a história é a ciência que estuda os homens no
tempo, sendo os primeiros resultados do segundo e vice-versa. Para compreender a obra
importantíssima dos Racionais MC’s é necessário que exista uma compreensão acerca de
seu tempo e de seu espaço, não em um esforço de afirmar um determinismo geográfico,
mas no esforço de compreender que a consciência coletiva age acima do indivíduo e que
os fatos sociais de certa sociedade, que se encontra em certo espaço geográfico, coagem os
seres a se comportarem e enxergarem o mundo com determinada mentalidade, assim como
afirma a sociologia funcionalista de Durkheim. Para que a questão acerca da mentalidade e
da construção de um “novo tempo” por parte dos Racionais MC’s seja elucidada é
necessário compreender as fontes espaço-temporais do surgimento dessa mudança de
perspectiva causada por parte do grupo. Os arranjos instrumentais sombrios, a postura
agressiva, a seriedade com qual as temáticas são tratadas, a revolta presente nas letras e na
forma de cantar, ou seja, a mentalidade presente nas obras dos Racionais MC’s é fruto das
condições dadas por um espaço conturbado, violento e revoltante a qual os integrantes do
grupo estavam sujeitos naquele determinado tempo histórico.
“De vergonha, eu não morri, tô firmão, eis-me aqui”. Este verso de Mano Brown
está presente na faixa Negro Drama, que encontra-se no álbum Nada como um dia após o
outro dia, do ano de 2002. Este trecho representa uma máxima na mentalidade que os
Racionais MC’s construíram ao longo de sua trajetória, ao demonstrar que apesar de todas
as dificuldades, da violência presente nas periferias de São Paulo, da omissão estatal para
com os problemas dessas comunidades, do estresse constante de quem vive na maior
cidade do país e tem sua integridade física e moral ameaçada constantemente, apesar da
pobreza e da miséria, apesar da baixa estima causada pelo racismo estrutural e pela
dificuldade em acessar bens de consumo que representam a felicidade dentro de um
sistema consumista, apesar de todos esses problemas, os indivíduos são capazes de
superá-los, dia após dia.
“Juntei meus pedaços e eles não vieram pra arena”. Assim começa a música Apollo
de Amiri, rapper de São Paulo, l ançada em 2016 como single duplo de faixa única
sse verso é uma releitura do trecho “Nunca foi
juntamente com a música Rude Bwoy. E
fácil, junta seus pedaços e desce pra arena”, presente na faixa Sou Mais Você, d o disco
Nada como um dia após o outro dia, d os Racionais MC’s. Amiri era um rapper bastante
atuante no cenário musical até por volta de meados de 2014, quando começou a se tornar
ausente da cena do rap brasileiro devido à problemas de ordem psicológica por parte do
músico, diagnosticado com depressão. Sua volta em 2016 com o single duplo acima
mencionado representa uma mudança em sua postura em relação ao mundo. Sua letra é de
afirmação, como sujeito e como rapper, mostrando a influência que os Racionais MC’s
possuem na construção de sua autoestima.
“Deixa eu falar pro cê, tudo, tudo, tudo vai, tudo é fase, irmão, logo mais vamo
arrebentar no mundão”. Mano Brown, logo nas primeiras linhas de Vida Loka Parte II,
faixa do disco Nada como um dia após o outro dia, dá o tom do que se trata a trajetória da
construção de uma nova mentalidade e, assim, de um “novo tempo” na vida social dos
negros no Brasil. A perspectiva da possibilidade de ascensão social para um povo
historicamente oprimido e incapaz de se reconhecer como povo aqui é a ideia principal da
faixa. A identificação com as condições quais os autores estavam sujeitos foi um dos
fatores essenciais para o impacto do grupo em seu público. Essa identificação aliada com
um forte discurso político que questiona as mazelas do país e o descaso do aparato público
para com os recortes sociais historicamente subjugados foram fundamentais para legitimar
o discurso da necessidade de afirmação do negro como um sujeito histórico, capaz de criar
suas narrativas acerca de seu mundo e de expor suas visões sobre a realidade. A afirmação
do negro como elemento capaz de se tornar um participante ativo da realidade e não ser
mais apenas um mero objeto é o foco do debate em questão
“É que eu fui vida louca e meu filho vai ser vida ganha” afirma BK’ na faixa Vivos,
presente em seu álbum Gigantes, fazendo referência ao título de Vida Loka Parte II e a
perspectiva proposta por Mano Brown. A afirmação de uma ascensão social na música de
BK’ se dá através da possibilidade apresentada pelos Racionais MC’s em suas letras. A
sublimação das dificuldades mundanas em forma de músicas, que transmitem mensagens
que levam o ouvinte a lutar por seus objetivos, é essencial na forma como os Racionais
MC’s se tornaram o alicerce de um “novo tempo” para a mentalidade do povo negro
brasileiro. Na faixa Correria Remix, d o já mencionado álbum Gigantes, BK’ apresenta a
perspectiva de um sujeito que se afirma como um “correria”, ou seja, um ser humano
“batalhador” que corre atrás de seus objetivos e sonhos, comparando este à vários outros
indivíduos identificados por BK’ como “outros correria”, tomando de exemplo o jovem
estudante e o pedreiro. Tal ponto de vista se dá como resultado de um longo trabalho
fundamentado pelos Racionais MC’s e outros artistas do rap brasileiro com o intuito de
modificar a forma como o povo negro pode enxergar o mundo, agora não mais como um
objeto conformado com sua situação e sim como um sujeito ativo capaz de modificar sua
realidade.
O rapper mineiro Djonga é um dos principais músicos do rap atual no Brasil. Com
três álbuns de estúdio lançados entre 2017 e 2019 e milhões de visualizações no Youtube,
Djonga traz um forte discurso de autoafirmação, de autoestima e de ascensão em suas
letras de conteúdo ácido. O rapper começou a se destacar por volta do ano de 2016 em suas
participações em músicas de outros artistas, nas suas aparições em cyphers e nas músicas
de seu grupo de rap, o DV Tribo, qual ele faz parte junto com Hot, Oreia, FBC e Clara
Lima, sendo todos de Minas Gerais. Djonga participou como convidado da faixa Atletas do
Ano Remix, do duo MOB 79, junto com alguns outros rappers do atual cenário do gênero.
Um dos aspectos mais chamativos dessa música é a utilização do mesmo sample d a faixa
Vida Loka Parte II, d os Racionais MC’s. “Tô dando o papo de visão, como você se sente
vendo um preto em ascensão?” questiona Djonga na referida faixa, expondo mais uma vez
o resultado da construção de um “novo tempo” na mentalidade do povo negro brasileiro
brasileiro alicerçada pela obra musical do grupo Racionais MC’s. Djonga já afirmou em
várias entrevistas que o primeiro álbum de rap que ouviu foi o Sobrevivendo no Inferno,
disco dos Racionais MC’s produzido no ano de 1997, e a forte influência dos autores do
disco apresenta-se constantemente nas letras do rapper, chegando ao ponto de Mano
Brown participar do clipe da faixa Esquimó, presente no disco Heresia, lançado por
Djonga no ano de 2017. Nesta mesma faixa, o compositor recria um famoso verso de
Mano Brown ao dizer que “hoje somos risos, amanhã seremos choro”, sendo o original
presente na faixa Jesus Chorou c omo “chora agora, ri depois”, frase esta que também é o
subtítulo do disco Nada como um dia após o outro dia.
Tais fatores são dados que permitem a possibilidade de compreender a influência
transformadora e emancipatória da obra dos Racionais MC’s na construção de um “novo
tempo” para a mentalidade do povo negro do Brasil. O discurso forte, engajado e ao
mesmo tempo emocionante do grupo foi capaz de alavancar uma transformação
revolucionária real nas ações sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Racionais MC’s não é apenas um influente grupo de rap brasileiro, mas um dos
mais importantes acontecimentos artísticos da humanidade. Sua influência musical é
gigantesca, vide à quantidade de referências e releituras de sua obra, e sua influência social
é tão importante quanto a primeira. A forma como eles conseguiram transformar a própria
realidade, como tornaram-se fator de identificação, como trouxeram a tona a memória do
povo negro e como emanciparam todo um coletivo é de se espantar quando se observa que
o grupo jamais apareceu na TV aberta. O aspecto intrigante da forma como eles mudaram
as perspectivas de pessoas em condições indignas para um ser humano e como continuam
mudando é algo que nenhum trabalho acadêmico é capaz de botar no papel. Este artigo
tenta de forma humilde melhor compreender como se deu a construção de um “novo
tempo” emancipatório para a mentalidade do povo negro. Todavia a certos pontos da
subjetividade humana que são intangíveis com palavras.
Contudo, foi aqui feito o esforço possível para compreender as nuances da temática
usada como objeto de estudo. A problemática, aqui, apenas foi “arranhada” na sua
superfície, sendo um tema muito profundo que as ciências têm como possibilidade de
investigação. O “novo tempo” aqui proposto ainda está em andamento, e não é uma
realidade contundente (por enquanto). Os problemas causados pelo racismo estrutural,
como a violência, a omissão estatal, o preconceito, a perseguição policial e a desigualdade
socioeconômica são latentes nas realidades às quais o povo negro brasileiro ainda está
sujeito, sendo que há muito a se feito para reverter tal situação. Porém o esforço feito pelos
Racionais MC’s em participar ativamente da construção de uma nova mentalidade
impulsionadora, capaz de transformar a realidade das pessoas através da música, é mais do
que válido. “Amo minha raça, luto pela cor” é um grito desferido por Mano Brown em
Jesus Chorou q ue representa a tentativa de construção de um “novo tempo”. Tempo este
que só pode ser entendido a partir da visão de que a construção de uma perspectiva
filosófica, científica e, principalmente, histórica, ainda mais quando se fala de uma história
vista de baixo, como afirmou Jim Sharpe, só é possível em condições onde os indivíduos
são empoderados, tornando-se sujeitos ativos no mundo. “Novo tempo” significa “novo
poder”.
Analisando tais aspectos, é possível perceber a questão e dar um passo inicial rumo
ao entendimento da importância que os Racionais MC’s têm em relação ao povo deste
país. Os mesmos deram a possibilidade a um grupo excluído da sociedade de contar suas
histórias e de contar a sua História. A emancipação destes indivíduos se dá através das
portas que o maior grupo de rap do Brasil abriu. As portas das possibilidades desses de
serem sujeitos ativos no tempo e no espaço. Assim sendo, este povo se torna sujeito e
começa a falar por si próprio. Emicida foi um dos rappers mais influenciados pela obra dos
Racionais MC’s e em sua música mais recente AmarElo, apresenta um verso, interpretado
por Pabllo Vittar e Majur, que sintetiza a concepção dessa nova mentalidade, desse “novo
tempo” possibilitado por esse “novo poder”:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS