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PINTO, LEITÃO & CIA.

Adaptado para teatrUsema por Jorge Martins


De uma peça com o mesmo nome de
J. F. Marques e M. J. Valadão

PERSONAGENS: 5 (3 h e 2 m)

BARATINHA (recepcionista, cozinheira e emp, de limpeza de hotel)


VIOLETA ROSA AMOR PERFEITO (artista que não é solteira, nem casada nem viúva)
JOSÉ GALO SANTOS PINTO (actor que apesar de galo ainda é pinto)
JOÃO GAVIÃO LEITÃO (velho sebento, ensaiador da companhia)
CORDEIRO LOBO (lobo de nome, cordeiro de acções, velhote em busca de novidades)

Cenário: Largo de aldeia. Ao fundo, à esquerda porta com letreiro “Hotel do André – Petiscos”. Junto à porta
uma mesa e várias cadeiras sob um chapéu de sol.
Ao subir o pano, vê-se a Baratinha à porta do hotel

Baratinha – Não se vê ninguém, mais um dia sem clientes. (avança até à boca do
palco e fala para o público) Minhas senhoras e meus senhores, cá na
terra chamam-me Baratinha, não porque eu tenha o cheiro do bicho, mas
porque me chamo Maria Barata. Já tive muitas ocupações, mas
presentemente sou recepcionista, cozinheira e ainda empregada de
limpeza aqui8 no Hotel do André. Aqui a Barata anda às moscas, pois o
patrão não tem clientes. Esteve aqui hospedada uma companhia de teatro
chamada Pinto, Leitão & Cia., mas o patrão pô-los na rua porque não
pagavam. E aqui estou eu nesta pasmaceira. Eu que nasci para andar
numa roda viva… por falar em roda, ontem comprei uma cautela. Ah! Se
apanho a sorte grande, então é que a Barata se vende cara!
Bem, enquanto a minha sorte não chega, vou à cozinha virar o lombo do
porco e em seguida descansar o meu.
Pinto entra da plateia, ridiculamente pensativo. Pára no meio da cena.
Pinto (teatral) – Comer ou não comer… Eis a Questão.
Ingrata humanidade. Quem diria que o distinto artista José Galo dos
Santos Pinto, que, além de outros predicados tem o de ser pinto e galo ao
mesmo tempo, não come há dois dias… (acena com a cabeça) Pois é
verdade, o desalmado André, o dono desta espelunca, suspende-nos o
farnel e o lençol também.
Tira um cordel do bolso Vou enforcar-me! É fino, mas é comprido. Amanhã saberão que eu morri
pela garganta. Pela garganta não, pela barriga é que morro, porque morro
de fome. Daqui a pouco morre o Pinto e dentro de sete dias poderão
assistir à missa do galo. A humanidade perde um génio e eu a vida.
Põe o cordel à volta do pescoço E a minha Violeta? Oh violeta, a corda me acorda o teu amor… Vou
guardar o cordel antes que o confunda com esparguete e me tente a
comê-lo. Hoje só cá está a Baratinha. Vou chamá-la e quando ela vier aqui
à procura de clientes eu vou pelos fundos, à cozinha ver o que há para dar
ao dente.
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Bate na mesa e chama Oh da casa! Aí vem ela. E agora Baratinha dá passagem ao proscrito, que à
cozinha vai ver se há peixe frito.
Pinto vai para trás da casa e sai para EA quando Baratinha sai pela porta.
Baratinha – Temos lombo assado simples, lombo assado com batatas, batatas com
lombo guisado e… Não está cá ninguém! Julguei ouvir uma voz. Já sonho
com clientes! O melhor é voltar para a cozinha.
Baratinha sai para a porta do hotel. Entra Leitão vindo da plateia. Vem com roupa velha e remendada.
Leitão – Resolvi morrer, mas que ninguém chore a minha morte. Digo isto para que
poupem nos lenços. O mundo perde uma celebridade cómica… trágica,
lírica e coreográfica. Tudo porque o dono da casa resolveu pôr-nos na rua.
Quando chegares, André, encontrarás à tua porta, o cadáver da tua
vítima!
Tira uma faca velha sem bico Para pôr termo à vida arranjei esta faca. Foi a melhor que consegui
arranjar pelo preço; arranjei-a de graça. Eu sou muito económico, não
quero uma morte cara. A faca não tem ponta, mas é o mesmo. Nem
sempre a ponta aponta certeira ao coração.
Encosta a faca ao peito mas (voz esganiçada) Ah pai infame! Suspende o teu gesto. E a tua filha? A tua
Segura o braço com a outra mão filha Violeta? (voz normal) Deve ser a voz da consciência… Vou dar uma
volta para espairecer...
Sai para a DA. Aparece baratinha à porta do hotel.
Baratinha – Decididamente anda por aqui bicho. Ainda há pouco vim cá fora porque
pareceu-me ouvir um cliente e quando regressei à cozinha, o lombo
assado tinha desaparecido. Deve ter sido um gato. Deixa-me voltar antes
que desapareça também o guisado.
Entra Violeta da plateia. Vem com vestido muito colorido e chapéu com laçarotes. Sobe ao palco chama o
público como se fosse um pinto.
Violeta – Pitinho… pito… pitinho! (ao público) Não viram por aí o meu Pinto? O
Galo, o meu namorado? Ele tem um olho a menos mas vê perfeitamente
do outro. Vivemos os três, eu, meu pai e ele, na barraca em que damos
representações. Ele há pouco saiu da barraca como quem quer atentar
contra os seus dias. Tenho por ele um grande amor! Um não, dois: o amor
da arte e o da mulher.
Mas onde estará o meu Pinto? (ao público) Pito, pintinho, pitinho… Talvez
a Baratinha saiba. (volta-se para o hotel e chama) Olá! Ó da casa! Deve
estar na cozinha, vou pelos fundos (chama) Baratinha, Baratinha…
Vai a sair pela EA quando entra Lobo da plateia que a segue mas não sai. Aparece Baratinha à porta do
hotel
Baratinha – Temos lombo... (pára). Ninguém! Ora esta, pareceu-me ouvir chamar o
meu nome…
Lobo – Menina! Ó menina!
Baratinha (à parte) – Finalmente um cliente (alto) Temos lombo guisado com
batatas, o dito sem batatas, o dito assado e o dito com o dito…
Lobo – Está dito. Daqui a pouco ir-te-ei ao lombo!
Baratinha – O quê? Quer-me bater?
Lobo – Eu não... Vou-te ao lombo assado, mas mais daqui a bocado. Agora quero
uma informação…
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Baratinha – Ora! Eu a pensar que queria comer…


Lobo – Viste uma rapariga que saiu daqui ainda agora? Pequenina, linda como os
amores. Levava um chapéu com muitas fitas?
Baratinha – Não vi, mas por cá só há uma assim. É a Violeta.
Lobo (interrompendo) – Que lindo nome
Baratinha – Rosa…
Lobo – Mas é Violeta ou Rosa?
Baratinha – É as duas coisas! E não se admire porque o nome todo é Violeta, Rosa
do Amor perfeito.
Lobo (ar sonhador) – Três flores distintas para uma verdadeira!
Baratinha – Ah! Está apaixonado pela Violeta!
Lobo – Apaixonado! Apaixonadíssimo por todas as mulheres. – mas só uma de cada
vez – Eu nasci para o amor. Dentro de mim há um vulcão… Mas diz-me,
que tipo de mulher é ela? De que género?
Baratinha – É do género feminino.
Lobo – Não é isso… O que faz ela?
Baratinha – É actriz!
Lobo – Ah! É a mulher dos meus sonhos!... Queres ganhar uns cobres?
Baratinha – Isso nem se pergunta.
Lobo – Olha, eu sou de Lisboa, estou de passagem e não conheço nada por estas
bandas. Se me arranjares uma conversa com ela a sós, dou-te cinco
euros…
Baratinha – Cinco? Isso recebo eu de gorjeta por cada almoço…
Lobo – Bem, e se for vinte?
Baratinha – Está bem, eu faço isso… Não é grande paga mas eu aceito.
Lobo – Então mais logo eu volto.
Sai para DA saltitando e cantando
Lobo – Eu sou todo amor… todo amor…
Baratinha – Só me saem é duques… Agora também faço de casamenteira, mas pelo
menos, este emprego sempre me dá algum.
Violeta sai do hotel
Violeta – Pitinho… pitinho….
Baratinha – Estava no hotel? Por onde entrou?
Violeta – Pelos fundos. Fui à tua procura, mas como não te vi em lado nenhum, vim
embora.
Baratinha – Foi à minha procura? Que me quer?
Violeta – Ando à procura do Pinto, não o viste?
Baratinha – Eu nem sabia que tinha galinhas…
Violeta – Não é isso, falo-te do Galo!
Baratinha – Depressa cresceu, ainda há pouco era pinto e já é galo.

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Violeta – Às vezes parece que és atrasada. Ando à procura do meu Zé Pinto!


Baratinha – Ah ele é o seu Pinto?! (à parte) Já me estragou a gorjeta!
Violeta – Não sabias? Amo-o e ele a mim também. O pior é que ele tem uns
ciúmes…
Baratinha (à parte) – Ora bolas! Amam-se e ele é ciumento. De certeza que não vai
dar a entrevista ao outro. (alto) Ora, um tipo sem dinheiro. Um
pobretanas.
Violeta (declamando) – E o que vale a riqueza, quando o amor não nos prende os
corações?... (normal) Não sei o que quer dizer mas já ouvi isto no teatro.
Baratinha (à parte) – Teatro? Isso deu-me uma ideia. (alto) Ó menina Violeta, viu
um senhor que há pouco a seguiu?
Violeta – Sim, um velho mal vestido. Andou todo o dia a perseguir-me e a babar-se.
Baratinha – Não diga isso menina. Ele é um empresário teatral e veio de Lisboa para
a contratar. Deixe-se ficar aqui que ele não deve tardar. (à parte) Se ela
aceitar já tenho o dia ganho. Do que eles falarem já não é comigo.
Violeta – E o Pinto também é contratado?
Baratinha (à parte) Para que diabo quer ele o Pinto?! (alto) Deve querer a
companhia toda…
Violeta – Ó meu Deus, acabou-se a penúria! Baratinha vai então buscá-lo depressa.
Entra Pinto da DA
Violeta (declamando) – Estou pronta a segui-lo até ao fim do mundo!
Pinto – Não! Nem penses que vais! (declamando) Hei-de beber o seu sangue! (a
baratinha) Baratinha, não tens medo?
Baratinha – Eu tenho sangue de barata!
Pinto (declamando) – Oh fúrias! Oh furor! Ela me engana! Sinto o sangue a ferver!
Baratinha – Quer um refresco?
Pinto – Não, traz um copo de água
Baratinha – Com açúcar?
Pinto – Com rapidez
Baratinha – Ora bolas! Está a estragar-me o esquema todo!
Baratinha sai para o hotel.
Pinto – Mulher pura e fiel não há nem houve!
Pudesse uma só nau contê-las todas
E ias p´ró inferno junto com as outras
Muito teatral
Violeta – Pinto, meu Pinto, porque anseias tanto?
Tu queres que eu desate aqui em pranto?
Pinto – Violaste Violeta a fé jurada
Ponho-te o corpo numa salada!
Se foges te extermino a fogo e ferro.
Violeta – Que dizes Pinto?
Eu choro, eu grito, eu berro… (berra)
Muito teatral
Pinto – Berra para aí que não me embaças

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Afianço-te que a perna me não passas,


Mato-te antes que vás com o tal infame.
Violeta – E eu que à ceia te queria dar açorda e salame…
Pinto (serenado) – Açorda e salame ao jantar? Falas sério? Mas então a quem
estavas pronta a seguir até ao fim do mundo? Bem te ouvi dizê-lo à
Baratinha.
Violeta – É por isso que tens ciúmes? És muito tolo. Falava de um empresário de
teatro. Um velhote que veio expressamente de Lisboa para me contratar…
O que é a fama! Se ele nos contratar terás todos os dias o teu prato
favorito: Açorda!
Pinto – Açorda! Manjar do céu! Mulher formosa
E eu que há pouco te ia pondo furiosa.
Amo-te, anjo meu, de ti não zombo
Para provar-to, prova um pouco deste lombo.
Dá-lhe um pedaço de lombo assado. Violeta come um pouco.
Violeta – Onde achaste o petisco alma minha?
Pinto – A fome não olha a meios, furtei-o há pouco da cozinha. Muito teatral
Violeta – E furtaste-o para mim a quem adoras?
Pinto – Quando a pobre da barriga nos dá horas
Fazia falta, uma taça de vinho.
Violeta – Só tu, meu amor, meu Pintinho
É que enches o vazio deste meu peito.
Pinto – Minha Rosa, violeta, amor perfeito!
Junta os teus lábios aos meus.
Violeta abraça Pinto quando entra Leitão de DA
Leitão – Violeta? Que vais fazer?
Pinto – Não o sabias ó Leitão?
Que a trago no coração.
Leitão – Sabia, mas nunca o tinha visto.
Pinto – Pois agora já o viu!
Daqui mal não vem nem vai!
Leitão – Vá que a abrace, mas ao menos
Respeite as barbas do pai!
Violeta (ao público) – Para que tanto escarcéu?!
Ao barulho vou por fim
O abraço que me deu
Não vale tanto chinfrim!
(a Leitão) Pai eu amo-o
Por isso me queres punir?
Leitão (à parte) – Não sei se hei-de zangar-me
Ou se hei-de pôr-me a rir
(alto) Filha ingrata
Que a honra manchar-me quis!
Violeta – Ora adeus, praga não mata
Sou dona do meu nariz!
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Leitão – Vou ter que lhe perdoar.


Que mais hei-de eu fazer?
Não vale de nada brigar.
Eu nasci para sofrer!
Eu não sou um pai perverso
Tenho até alma bondosa.
Pinto – Já chega de falar em verso
Falemos agora em prosa.
Violeta – Pai, lembras-te quando tínhamos aquilo com que se compram os melões?
Leitão – Se me lembro. Naquele tempo não andava o Pinto tão depenado.
Pinto – Nem o leitão tão porco!
Violeta – Pois bem, essa vida vai voltar. Daqui a pouco um empresário do teatro
vem contratar-me e eu vou impor-lhe a condição de irmos todos.
Leitão – A sério filha?
Violeta – Muito a sério, meu pai.
Tira a faca do bolso e após olhar para ela atira-a fora
Leitão – Então espera… Vai-te faca assassina. Já não me quero matar.
Pinto tira o cordel do bolso e faz o mesmo que Leitão.
Pinto – E tu cordel ingrato, acompanha-a!
Violeta – Agora retirem-se os dois. O homem deve estar a chegar. Depois vem um
de cada vez mostrar as suas aptidões.
Pinto e Leitão saem para DA. A um tempo entra Lobo.
Lobo (à parte) – Lá está ela. Linda como uma flor, ou melhor três flores… (alto) A
empregada já lhe falou?
Violeta – Já me disse tudo e aqui estou eu às suas ordens?
Lobo (à parte) – Isto vai bem. Também não admira, bonito como sou… (alto) Então
a menina não tem compromissos?
Violeta – Actualmente não
Lobo (intrigado) – Actualmente?... É solteira?
Violeta (à parte) – Para que quer ele saber se sou solteira? (alto) Não senhor, sou
casada, mas estou separada do meu marido.
Lobo – Então deixou-o?
Violeta – Um marido impossível! Um vagabundo. Sabe que eu gosto muito de
música e ele não sabia tocar nada… Quer dizer, tocava… tocava o sino da
igreja lá da terra sempre que havia funerais.
Lobo (sem saber o que dizer) – Ai sim?!
Violeta – E eu não nasci para o casamento. Adoro a liberdade. Adoro correr no
campo atrás das borboletas, ouvir o zumbir dos insectos… tudo isso me
encanta. Agora vou mostrar-lhe as minhas aptidões.
Lobo (à parte) – Quer começar pelo fim. (alto) Deixemos isso para mais tarde…
Violeta – Não senhor. É já e aqui mesmo.

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Lobo (atrapalhado) – Aqui? No meio da rua?... A menina não tem vontade de


comer?
Violeta (à parte) – Se tenho. Até tenho a barriga a roncar. (alto) Pode ser, muito
obrigada
Lobo (dando uma palmada na mesa) – Ó da casa!
Entra baratinha do hotel e aproxima-se de Lobo
Baratinha – O que vai ser?
Lobo (baixo a baratinha, dando-lhe uma nota) – Aqui tem, como prometido. (alto)
Almoço para dois!
Violeta – Para dois não, para quatro.
Baratinha – Está a sair…
Baratinha sai para o hotel regressando pouco depois com toalha, pratos e copos
Lobo (à parte) – Almoço para quatro? Ela deve comer por três. Assim não me serve.
Violeta (à parte) – Comecemos pela tragédia. (alto) Conhece a Maria Antonieta,
rainha de França?
Lobo (à parte) – Como diabo quer ela que eu conheça a rainha de França. Ela deve
ser doida. França é uma república. (alto) Já vi em fotografia.
Violeta Pois bem. Eles querem roubar-lhe o Delfim e então ela (representa
exageradamente) Queres roubar-me o Delfim?
Lobo (abismado) Eu? Eu nem sequer o conheço! (à parte) É completamente doida!
Violeta (continuando a representar) – Mas treme da vingança de uma mãe
desesperada. Antes que o leves, matar-te-ei!
Lobo dá um salto da cadeira e afasta-se
Lobo – Que é isso? Deixa-me afastar.
Violeta – Aproxima-te se podes. Com esta faca (pega numa faca da mesa) hei-de
matar-te!
Lobo foge até ao hotel, ficando a espreitar à porta
Lobo – Socorro. Acudam, que me querem matar.
Violeta larga a faca e vai buscar Lobo.
Violeta – Agora sou Ofélia e estou doida…
Lobo – Ainda bem que reconhece.
Violeta (como louca) – Aqui estou meu príncipe, foge-me a razão. (rindo
convulsivamente) Ah! Ah! Ah!
Lobo (aterrorizado) – Ela é perigosa. Está com um ataque de fúria!
Violeta – também sou muito boa na comédia.
Lobo levanta-se Lobo – Acredito, acredito. Agora tenho que ir. (à parte) Safa! E eu que a queria
conquistar…
Violeta sai em corrida para DA. Lobo tenta sair para DA mas aparece Pinto que entra fazendo gestos
teatrais e empurrando-o. Lobo recua até se sentar
Pinto – Não vá ainda. Sente-se.
Sinto a alma atribulada
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Por quem não me quer amar


Da noitinha à alvorada
Passo sem olho pregar,
Pois a mulher adorada
Nem para mim quer olhar.
Lobo (à parte) – Será outro doido?
Pinto – Então que tal? Infelizmente hoje estou um pouco rouco.
Lobo (à parte) – Pode ser perigoso. O melhor é oferecer-lhe qualquer coisa. (alto)
Quer servir-se de um licor?
Pinto (à parte) Quer saber os meus vícios. (alto) Eu não bebo bebidas espirituosas,
nem outras alcoólicas. Eu só bebo água ardente.
Lobo – Ai sim? Pois, essa não é nada alcoólica.
Pinto – Vamos à tragédia. Gosta de Hamlet!
Logo – De omelete? Gosto sim, mas agora não quero. (à parte) Eu quero é sair
daqui!
Pinto – Ora, não seja tímido. O senhor é Ofélia.
Lobo – Não senhor, eu sou Cordeiro Lobo.
Pinto – (declamado dramaticamente)
Conheço e mais que muito o vosso fingimento
Adeus, fazei-vos freira… ide para um convento!
Então que diz?
Lobo – Então? Isso de me fazerem freira há-de ser muito difícil.
Pinto (à parte) – Mas que tapado. (alto) Agora a cena final (representa) Treme ó
rei! Hei-de vingar o meu pai! (normal) E agora me vou
Pinto sai para Da
Lobo – E eu também me vou
Lobo encaminha-se para DA mas entra Leitão que o empurra até que se senta novamente.
Leitão – Sente-se senhor que lhe falta admirar o melhor.
Lobo (à parte) – Outro! Mas nesta terra os doidos andam todos à solta?
Leitão – Comecemos com a tragédia. (declama) Quem é que se atreve a dizer que o
rei Afonso foi assassinado? (com voz cavernosa) Eu!
Lobo – Muito bem! (à parte) Ah paixão, a quanto obrigas!
Leitão – E para terminar, o que prefere?
Lobo – Eu prefiro um quarto…
Leitão – Um quarto? Refere-se a um quarteto. Nós somos só três, mas é o mesmo,
cantaremos os três. (chama) Violeta! Pinto!
Violeta e Pinto entram de DA
Lobo (assustado) – Meu Deus, agora estão todos juntos! É hoje que morro!
Entra Baratinha com o almoço que põe em cima da mesa. Os três avançam para a mesa e sentam-se a
comer.
Baratinha – Aqui está o almoço. (a Lobo) Então senhor Lobo? Nada?

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Lobo – Nado num mar de desespero. Porque não me preveniste que eles eram
doidos?!
Baratinha – Doidos? Não são nada. Esfomeados sim.
Lobo – Pois se eles chamaram-me Ofélia e queriam que eu entrasse para um
convento e me fizesse freira…
Baratinha (ri com vontade) – Ah Ah Ah… Eles estiveram a representar.
Lobo – A representar?
Baratinha – Como a pequena está apaixonada pelo zarolho tive que lhe dizer que o
senhor era um empresário de teatro para que ela aceitasse conversar
consigo.
Lobo – Então eles são actores? Tive uma ideia… Se os levar para Lisboa, talvez os
possa impingir como celebridades. (chama-os alto) Meus caros artistas!...
Mas será que não param de comer? Ou me ouvem ou perdem o contrato.
Os três param e ficam a olhar para Lobo
Lobo – os senhores são artistas dramáticos, não é assim?
Pinto – Pinto
Leitão – Leitão
Violeta – & Companhia… Já lhe mostrámos as nossas habilidades.
Lobo – Pois bem, se chegarmos a acordo, contrato-os a todos. Vamos para Lisboa e
lá tentarei arranjar o resto da companhia.
Baratinha – Não se esqueça de mim. Já trabalhei no teatro e tenho muito jeito.
Lobo – Não, não. Tu serás a minha secretária particular. Para já podes tomar nota
do que aqui se passou e que será assunto para uma comédia.
Baratinha – E que nome vai dar à peça?
Lobo – Pinto, leitão & Cia.
Pinto – Baratinha, vai buscar uma caixinha para levarmos o resto do almoço.
Aponta para a plateia Baratinha – Já vou, mas antes deixem-me despedir destes senhores.
Pinto – Alto lá! Isso compete-me a mim que sou o actor principal
Adeus! Adeus!
Não chorem não!
Que brevemente
Temos outra actuação!
FIM

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