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Tião Bocanegra

“As presepagens desse infeliz gozador”

Uma comédia de Grossi, o antigo

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Personagens envolvidos

Tião, o desbocado

Entrevistador, que dá a vaga

Tonhão, da banda

Waldir, autoridade no local

Transeuntes A, B,?

Dna Mãe, ou tia

Lico, um primo

Dominadora, a que enlaçou

Mano, o traído

Empregado 1, dois ou III

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 Parte 1.

[Começa com uma falação no balcão do

botequim. Vocês podem imaginar!]

TIÃO (Falando sem que receba muita

atenção dos outros.)

Minha garota me largou e cá estou de

volta ao bar, pra unir a cachaça e o pito
nessa brincadeira do destino! Corpo
fechado húuuuuuu-úh-úh! ê ê bebolê á,
vai dar merda!

TIÃO (Cont. Cantarolando,

desafinado.)

“Água do mar, água salgada, alivia meu

corpo, limpa minha mente e afasta as

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 angústias que eu posso ver agora.”
Segura essa lá do passadão!

TIÃO (Cont. Agora se voltando para o

outro lado do balcão.)

Ah, sim, não me condena, cara, eu voltei

a fazer piadinhas com os outros, sabe,
soltar a língua. Ai, ai ainn eu não tenho
pena de ninguém, nem mesmo eu sei o
porquê! A diferença é que agora tenho
um emprego FICHADOO! “Ah mas
você não vai debochar disso, tem é que
agradecer por ser mais um ferrado
quando arruma carteira assinada.” Seria
pra pagar pensão ou disfarçar a
tornozeleira? E fui mesmo! eu arranjei
sozinhoww. Nada de papai, mamãe,
quem indica. Apenas mais um quebra-
cabeças dessa lata com soldo, falo
diante de uma garrafa de cana!

Como o estacionamento do Hotel M

contratou logo a mim, isso é um
mistério da decisão deles. E vou contar
um pouco do que se passou naqueles
tempos entre aqueles frescos e

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 marginais, homens e bestas. Mas vamos
nos divertir sem pretensão, bora!

TIÃO (Cont. Fica de pé, se ajeita como

dá.)

Já sabem, tá ligado que... eu

TRABALHO MESMO! E NÃO SOU
BAJULADOR, MAS TAMBÉM NÃO SAÍ
ILESO!! Essa é uma descrição sumária
desse aqui, só mais um pobre
guardador de carros que vai de
bicicleta e ônibus ao serviço.

O estacionamento é um recanto cheio

de manias. E puxadores de sacos, tem
que frisar!!

[Ele anda e atravessa o cenário de sua

realidade, como se fosse de papel mesmo,
coisa teatral. Passa para a sala no setor de RH
do hotel.]

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 TIÃO (Anunciando o que virá.)

Se liga!!! Na entrevista de emprego

dentro da repartição, o carinha do RH
pergunta:

ENTREVISTADOR (Ainda imparcial.)

O senhor já sofreu algum acidente

grave?

[E deu pinta de sério. Por dentro Tião já

gastava!]

TIÃO (Disse, segurando o riso.)

Sim. Quando servia ao exército,

participei duma batalha simulada e um
tiro atingiu os meus tes..tículos. Ô Deus.
Tive que extraí-los! Aiii É difícil pra mim
mas tive que aguentar esse tipo de vida.

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 ENTREVISTADOR (Exclamou, sem
conseguir disfarçar a piedade e a
preferência.)

Meu Pai amado! Bem, o emprego é seu!

É isso, está feito. Nós chegamos sempre
às 8 da manhã, mas você pode chegar
às 10, se quiser. Tudo bem.

TIÃO (Modo fake.)

Mas por que eu vou ter esse privilégio,

senhor?

ENTREVISTADOR (Designado.)

É que, todos sabemos... então, é...

[E olha pro lado disfarçando o suor derretendo

a cara de asco. Continua do jeito que
consegue:]

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 ENTREVISTADOR

O pessoal fica sempre a pelar o saco

duas horas antes de começar a
trabalhar! Cafezinho vai, cafezinho vem.
Não faz diferença, só tem que manter a
ordem, tem mistério não.

TIÃO (Sorrizão bestado.)

Ah é, deixa comigo. Eu só coço o

bigode!

TIÃO (Cont. Para a plateia, sacana.)

Viram? Foi moleza. A gente até riu do

embaraço. Agora vamos conversar aqui
a gente.

TIÃO (Cont. Arejado.)

SOU EU SEU EMPREGADO, AI, MEU

SALÁRIO, QUE VALE REFEIÇÃO!
COMER TODO DIA!! Assim eu sou.
Que charada dá? Se na sequência para
cada palavra existisse uma letra, então

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 dá pra contar essa história também nos
eteceteras. Que seja tão mais real do
que a minha! Tenho que florear, te falar
que a minha é chata pra caralho!!! Pelo
menos eu acho algum troço. Vou
chamá-la de espelho desajustado. Ouvi
com uma música legal, feita por meus
ídolos — a INQUIETUDE fracassa no
refrão. Gostaria que fosse a trilha
sonora aqui na cabine, essa tal canção;
chamamos de Ogum baridão.
Saudaremos de novo, tomaremos mais
umas cervas e fumaremos cigarrins
menos vagabas. E assim que terminar,
vou olhar pro meu lado: lá vai tá
AQUILO QUE TUDO QUERO! Relaxa ô!
Tudo que é ímpar é mais simples!! “Ó
meu andar, rateando todo em poesia,
da pouco pedante, entretanto
benigna.”

TIÃO (Cont. Se fazendo de poético.)

Ahhhh, as velhas abobrinhas, os finais

conhecidos, ofícios. Espero muitas
vezes o inesperado, coisas que nem

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 podemos saber. Cara descorada, vou
dá uma guinada nessa parada. Quando
termina a atividade, o trabalho saúda o
ócio, bêbado de café. Mas eu sou o de
sempre: o cara do humor seco, o tímido
da zona pobre da Blumbléindblag. Ali
tem barriga roncando, sinfônica e
famigerada carência nas vitaminas.
Alguém aí já ouviu falar da minha
cidade?? Mas lá pertin das bandas de
chão de barro! Eu vou indo ô, e volto
todo santo dia. Castigo da porra! Mas é
isso ou a esmola, auxílio.

Devo dizer que Tião abaixa a cabeça

meio que zonzo, lascado pelos
drinques e tuuuuúmm

Talagada! E levanta algum copo, eu

vivo!

[Ele sorri mais leve depois de tanto externar.]

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 Parte II

[Andando e falando enquanto os cenários

acompanham as mudanças.]

TIÃO (Feliz, olhos brilhantes,

visivelmente breaco.)

Brilhou nova manhã, cantou um

canário, tomei meu café. Logo zanzei
até a portaria 3 pela corrente de sempre
e trabalhei do jeito que dava. Só por
esse dia fiz o sacrifício, quisera fosse
feliz! “Ando vivo. Meio que na pindaíba,
mas cafajeste.” Só quem fala essas
bobagens é os Zorratoral.

Eu vou contar essas histórias, agora vai!

São minhas e de todos, com certeza um
de vocês já se lascou nessa linha. A
soma dá sei lá o quê, o número um,

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 uma bosta! Ou melhor, a apresentação,
resumão da cola de tantas vidinhas. São
cenas de Blumbléindblag, esse lugar
que vai lá e cá e rodopia na ida ao
trampo. Balança a condução, vira geleia
nós tudo, transbooorda

TIÃO (Cont. Se fazendo de locutor.)

A) Veio de carroça o infeliz, veio da

ruela de terra batida, barro até as
canela. E gritou, a língua presa, meio
que como o Romário passando no
ponto de ônibus: “BLUMBLÉIN-
CENTRORIO 2REAU!!” Todos
desataram a rir do comédia. “Meu
buzunzum é o que nunca vem, eu gritei,
ônibus todo rebentado, lata de
sardinha na mão do Diabo, ô Ô!”

B) Jagunço cabeça oca brigando com

caçadora na entrada do centro
comercial; lance evangélico durante o
louvor do entusiasta pé de chinelo, o
pastor Seu Moacy. Quem tem razão? O
do livrinho ou o arrependidinho?

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 C) Contrabando e pirataria debaixo das
patas do menino-peixe queixoso. Lek
camelô, alguém quer a bananada dos
teus desejos?? Partiu comer lixo?

D) Marginais, imprudência, imperícia ou

negligência, a porra toda voltando pra
casa saídos da estação do terminal
Rodoviária, geral vindo do presídio da
Central do Brasil, esse que conduz as
almas pra outro dia no Jardim Paraíso.
Aqui é Nova Iguaçu, porraaa

E) Pipas cruzando, cortando-se no céu

do município descalço chei de
rachaduras nos pés, enquanto o
guardinha na frente da escola da
Prefeitura passa um trote no orelhão da
Telemar. De repente a plateia faliu e os
aplausos continuaram 🤑

F) Vanderlei, furúnculo da família,

meteu o bedelho na zona do
meretrício!! E arrumou filho lá mermo e
não pode mais sair, a pensão tá no app!

G) Caminhoneiros buzinando na
estrada pra adolescente feliz e
proeminente — ela no sol de 40 graus,

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 sensação térmica suando o bigodinho.
Tou chegando, tou passando.. o circo
dos doidos me acompanha, desfruto a
passagem. Sô um filho de
Blumbléindblag!! Crateras, buracos,
furos e desocupados que esqueceram
como se escreve o nome do Beco.
Ahhh.. um filho de bléindblag; índio
esmolando, índio vendendo miçanga
em Itacuruçá! Ô!! Aii.

Nisso, em meio a essa loucura,

relembro do Tonhão junto da minha tia,
minha ex, tudo bolado né, meu braço.
Quem lembra dele, do Tonhão chapa,
heim??? Porra, que tapa na cara e
bandão o safado levou!

[Entra TONHÃO, mais que apreensivo. Como

se fugindo de um capeta.]

TONHÃO

“QUAL FOI, TIO??”

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 TIÃO (De juiz. Mais lenha na fogueira!)

VEM JEQUE TCHAN, QUE BATALHA!

Waldir Vs. Tonhão. Waldir, o PM.
Tonhão, o delinquente... correndo pra
caceta, subindo a estação de trem pós
Tonhão ter metido o bedelho no
“celular” da Luzinete, aquele “cel”
maneiro. O objetivo do Tonhão é
chegar em Cosme, fugir pacas e chegar
na Vila. Waldir tá ventando.

[Chega WALDIR na maior correria.]

WALDIR (Berrando, gesticulando.)

Ô ELEMENTO!

TIÃO (Cruza os braços enquanto

narra.)

Tonhão mudo mas ofegante, correndo.

Súbito um trabalhador estica a perna e
Tonhão cai igual uma jaca velha, o visor
do celular trinca; Tonhão emputece

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 pacas e espatifa o aparelho no chão, a
merda voou por todos os lados. “Nem
fudendo..”, resmungou em
pensamentos. “Olha essa porra!” Nisso,
Waldir chega. Vem logo dando um tapa
na cara e um bandão, ao mesmo
tempo, coisa que nem Bruce Lee
sonhou em fazer. Tonhão
destrambelhou igual boneco de posto
de gasolina. E esquivou-se o que pôde!
Sim!! É milagre ô. E nem foi à lona, se
balançou do jeito que dava. Um misto
de riso e preocupação entre os que
esperavam na estação. “Alguém bota
no Face, vai.”

WALDIR (Gritou altão.)

CÊ É VALENTE, É?

WALDIR (Continuando com ênfase.)

BÓRA, CARAiii, DESEMBUCHA!!

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 TIÃO (A fala apagada pelos fatos.)

Tonhão ergueu o que tinha, corpo

cansado, depois tomou mais chuva de
saliva do guardinha. Nem percebeu se
pôs ou não a mão no rosto. Ofendido,
limpou a lata, só que leva mais um
bandão. As pessoas não paravam de
olhar. “Pra ficar esperto”, zoou o
trabalhador que ajudou o Waldir. “Esse
merda”, agora todos gritavam.

WALDIR (Falou mirando os olhos do

Tonhão.)

Ê, CIDADÃO!! GAROTO LEVADO,

ROUBOU, NÉ? TÁ FISGADO.

WALDIR (Completou, num tom mais

intimista porém ignorante.)

VAMO LEVAR UM LERO, LERO-LERO,

ENTENDEU???

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 WALDIR (Cont. Falou mais pro
sufocado Tonhão.)

CACHORRADA TUA, HEIM.

TIÃO (Carregado.)

Tonhão lascado. Atmosfera de

caçoação. Tonhão já se imaginou sendo
zoado, sacaneado na viatura, ou tudo
ao mesmo tempo.

TONHÃO (Sem esperança alguma.)

Vão me amaciar na viatura,

aiminossaseora.

TIÃO (Seco.)

Daí Waldir algemou o Tonhão na grade

e foi chamar o camburão. Não deu nem
tempo de reagir a nada e já tinham
formado um formigueiro duns 20 em
cima do Tonhão, todo mundo
fuxicando. Tudo embolado, um
batendo e saindo, um esbarrando no

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 outro, loucos pela oportunidade. Tinha
cachorro latindo e mordendo, feno,
poeira, velha jogando chinelo. O som
dos grunhidos rolando, e no meio disso
ouve-se um perdido gritar “Vô botar na
Net, rapá!!!” Pobre paçoquita humana,
nessas horas, suplica um abraço! Foi
fotografado de todas as formas
possíveis com tudo o que se via na
frente. Depois só se veriam câmeras e
mais postagens, sem ter tido ele
oportunidade de se defender na hora
da crucificação. Pipocavam no Zap.
Também levou chutes, socos, pauladas,
pedradas, e desmaiou. A loucura toda
ao mesmo tempo. Arrastaram,
cuspiram, mijaram, organizaram o ódio
que tinham que extravasar!!!!! Pena,
tem gente que parece que só tropeça
por esse mundo, nem desfruta dele, vira
chacota. Nunca se sabe o que se passa
nas estrelas, tá foda. “Esse rapaz teria
que ter acompanhamento psicológico,
depois, na cama”, refletia por ali uma
senhora que estudou, mas quem disse
que isso aqui é um conto de fadas, pô?
Vocês querem é o sangue dos outros.

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 TIÃO (Cont. Depois de uma
respiração.)

Bambambãs, os transeuntes, seguiram

sorrindo, papeando enquanto o trem
estacionava. Eu era um deles descendo
para ver a merda agarrando. Aquilo me
inspirou. Eu tava lendo até um pouco
desse “O Macaco e a Essência”; pensa
num livro chato, ah é. Mas aquela
confusão, Waldir, quieto, somente mais
um PM nem aí, o bocal do telefone
virando pro lado, todo acelerado. Ele
fala:

WALDIR (Meio sem fôlego.)

ESQUECE, REPITO, ESQUECE, MANDA

O SAMU, DEPOIS EU TENTO
EXPLICAR. VOU VER SE TÁ VIVO

[Tião coça a cabeça e meio que troca a chave

da sua atuação.]

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 TIÃO (Um tanto gaiato.)

A seguir eu falo junto da galera ali,

incitando “Ei, coé, mais uma dessa
daqui, um corpo cai.”

TRANSEUNTE (Perdidão, levantando a

vista.)

Um copo cai??

TIÃO (Fala e se mistura.)

Isso, preá. Tem uns burro

TRANSEUNTE (Sem graça.)

Ah tá, achei que não tinha na estante.

Carai, tendi foi nada

TRANSEUNTE B (Só dando uma

olhadinha.)

É que tem que virar a página, temos,

hunnf.

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 TRANSEUNTE C (Chamando mais
alguém.)

Eu hein. Fala troncho, já viu né. É teu

parente?

TRANSEUNTE D (Outra parte, assunto

paralelo.)

Na boa, já viu aquele filme, Dranquem

Maste? Esse aí tá igualzin

TRANSEUNTE E (Pegou bonde

andando.)

Macha o quê??? Sai fora, macho véi, te

respeita.

TRANSEUNTE F (Conhece o do
bonde.)

Caganomato, Bil

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 TRANSEUNTE D (Volta ao paralelo.)

É japoneso, tchaina partida ao

contrário? Só na tabaca

TIÃO (Também para os paralelos.)

Cê doido, mano ahahhaha. Embolou os

assunto, eu tô é vazando

[Depois a galera se dispersa quando acabam

as gracinhas, a coisa dá uma zerada. Até o
melhor cenário se molda às circunstâncias do
momento.]

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 Divide em III

TIÃO (A cabeça onírica.)

“Se eu já fui pobre, nunca nem lembro”,

né bacanado? Os lascados que se
enfiem nas latas, tá certo.

TIÃO (Cont. Descendo do ônibus.)

Engarrafamento de 2 horas desde o Joá

pra chegar do HM, depois e depois, sei
lá. Agora chega de falar de patrão; teu
chefe te mastiga e cospe na mesma
velocidade que coloca outro besta no
lugar, fica aí no meio termo!!!

Eu imagino é o Tonhão fugindo da

Polícia. Podia ser num momento desses
de deslize, com um pneu furado,
mensagem de áudio da patroa do
soldado. Tonhão sai pra ajudar e corre!

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 Dá certo? Porque se ficar enquadrado,
huu

TIÃO (Cont. Na grade de frente para

um mercado.)

O cerco tá fechando, assim como

fechou pro açúcar mascavo, no
passado, aniquilado pelo açúcar com
refino. Uma merda puxa a outra e
belisca a seriedade do lazer alheio; te
falar, se um dia a caça tá em pé, no
outro entra na bandeja e papel filme do
Guanabara – se liga nas remarcações e
etiquetas vermelhas, vai tomar volta.

TIÃO (Cont. Entrando na casa da mãe,

sacolas de compras na mão.)

Pra variar, agora eu posso ver na mente.

Peguei minha tia na cama com outro,
fazendo um malabarismo muito do
cabalístico, toda despenteada, durante
o jogo do FLA x FLU; não tinha mais
Tonhão, kkk, e descobri que sou filho
dela, é que temos uma pinta na nádega

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 esquerda, daí né. O lance é que
também descobri que ela é avoada.
Todo o tempo enganado, TUDO DE
CABEÇA PRA BAIXO NESSA ZONA,
PORRA DE SUSTO!!! É só pedrada essa
vidinha, todo dia é uma graça nova pra
lidar; seria isso o dedo zombeteiro da
Evolução me forçando a arriscar?! Existe
cirurgia pra trocar de genes? ?
Engambelado pelas evidências, resolvi
então me vingar.

TIÃO (Cont. Joga um monte de

alimentos no chão.)

Logo parti pra cima dela, me deixei

levar totalmente pela raiva enquanto
atacava. QUESTIONEI TUDO, QUERO
SABER DA MINHA ORIGEM!! Enquanto
isso o cara foge, claro. Valeu, padre, ela
vai te ligar!

Arriei minha mãezinha no chão, ela,

meretriz, mãe, mulher, ativa, mas e eu,
como fico???? A mãe dos outro vale
não, pô! Me abraça, me beija no rosto,
suplica que eu entenda o lado dela,

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 sinta teu suor. A saudade me consumiu
mermo! Era uma ausência de vida, as
aventuras alheias, o complô que tinha
sido essa tal de vidinha, esmolando
carinho que num vinha. Ator secundário
da minha estirpe, ahhh!!! Olhei em seus
olhos e dei o último presente: Disse
“tchau, padree”.

[Tião tropeça todo desajeitado em algum tipo

de brinquedo sexual que estava pelo chão da
casa, e daí inicia outra conversa, dessa vez com
a mãe já reposta.]

TIÃO (Com asco, forçando um vômito.)

Que merda, vai fazer isso no mato!

Uérc! 🤢

DNA MÃE (Tristinha por Tião ter

espantado o amante.)

Poxa, ele era um bom substituto. Enfiei

minha língua naquela boca sei lá por

Tião Bocanegra 28
 quê. Beijei paizinho até ele tombar,
hunnf

DNA MÃE (Cont. Já enfadada.)

Comeu meleca, ô doença? ? Olha, isso

de filho se metendo na minha vida, tsic

TIÃO (Enciumado depois da cena que

viu.)

Eu não, isso é pra tu ficar esperta com

essas muxiba aí.

DNA MÃE (Caçando um café na jarra.)

Te rasca daqui! A vida é minha

TIÃO (Achou outra xícara e coloca um

pingadinho.)

É... O progresso não pode parar, minha

Seora, só não se deixa no perigo.

Aí, Tonhão ficou todo amassado, foi

não? Ficou sabendo dele, né.

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 DNA MÃE (Rindo igual bruxa.)

Tive que passar a pomada no

estrupício. Rum! Mas me deixa, eu que
te fiz, já deu ruim.

TIÃO (Mais um de dinheiro de café.)

Eu brinco mas não tô diferente dele

não. Querem me encarcerar, dar prisão
domiciliar e me emputecer todos os
dias. É incrível como a imaginação das
populações se deturpa, como as
pessoas se tornam comediantes delas
mesmas. Personagens de si mesmos,
diria! Mas quem sabe quem eu sou???

DNA MÃE (Meio aérea.)

Fala difícil demais. Simplificada isso aí,

vai, meu fio

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 TIÃO (Assoprando o café.)

Quem vai me fazer pôr o rabinho entre

as pernas e me mandar? A última piada
é minha mesmo, assim como grátis.

DNA MÃE (Abrindo a janela de casa,

liga a TV.)

Taca o pau, doido.

DNA MÃE (Cont. Dá uma olhadinha

para ver se não tem nenhum vizinho na
espreita.)

De toda forma sempre é ruim, meu

filho, se você se oferece ou se come o
mundo, essas firulada por aí.

TIÃO (Animado, faz um pão com

mortadela.)

É sobre isso kkkkkkkk

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 DNA MÃE (Pura ironia.)

É nois ou os outro. #VazaMitinga

TIÃO (Cospe no susto um pouco do café de

tão engraçado que acha.)

Sua maluca! É cada uma

[Ela dá um tapinha no braço dele e os dois

caem em uma gargalhada cheia de
cumplicidade. Um ri mais estranho que o
outro!]

Tião Bocanegra 32
 NÚMERO IV

DNA MÃE (Indicando a saída para o

filho.)

Outra coisa, Tião, sossega o facho e fala

menos que tagarela tu é poeta!

[Ele acena enquanto caminha. O filho sai

zanzando pelas vielas do bairro.]

TIÃO (Confessional.)

Depois que passou a maré veio a

saudade, aquela caganeira fantasiosa...
lembrei de quando eu era menino e
fomos numa viagem de barco não sei
pra onde na Costa Verde, e eu, tonto,
sabe-se lá como, entrei debaixo da saia
de uma jovem a fim de me esconder. A

Tião Bocanegra 33
 saia era grandona e eu me enfiei lá,
abraçado à perna daquela moça. Era
tudo vermelho, huuumm. A visão, os
cheiros, não lembro bem. Lembro mais
de como aconteceu ligeiro. Parece até
sonho, e minha “mãezinha”, “tia”, não
sei ao certo, correndo atrás de mim,
envergonhada, pedindo desculpas a
todos. Por quê? Acho que a garota da
saia nem ligou, serin. Tava com cara de
que fosse pra igreja não! Não ia
demorar muito pra ficar de bikini na
praia; as pessoas se fazem de
pudoradas mas umas ficam secando as
outras na praia. A água sim é
democrática, e sensual, as pessoas
querem se ver na bagaça.

TIÃO (Cont. Encostado num muro

debaixo das quitinetes da favela.)

Assim de pileque, com o bafo de pinga

incomodando a galera, queria falar com
alguém real, esquecer tudo papeando.
“Vai ter que andar com olho nas costas”,
ecoava nas minhas feridas. As menina

Tião Bocanegra 34
 não perdoa! Depois de trucidar em
abraços e beijos de beliscões minha
mâmi, por que num esvaziei o
refrigerador que tenho ao lado da
churrasqueira e enfiei lá a maior
quantidade de mais cerva que se pode
comprar nos botequins da Existência?

TIÃO (Cont. Dando um tapa no varal

de roupas da casa de alguém. Joga
tudo no chão e sai como se nada
tivesse acontecido.)

Sorte que agora vivo sozinho, tipo um

papai que nos abandonou faz tempo,
os répteis fazem o mesmo, tá ligado né.

[Um grito de Aí meu varal! Tião sai rindo. Agora

é a vez de entrar em cena um primo seu, LICO,
morador pacato do mesmo bairro que
cresceram juntos. Fica sem jeito com as
besteiras que Tião diz.]

Tião Bocanegra 35
 TIÃO (Para o primo, liso.)

Fala, trouxa!! Te deram habeas corpus,

tava fedendo já na geladeira??

LICO (Sempre retrucando enquanto sai

mais de perto!)

É de família então, seu animal!

TIÃO (Sorriso aberto na situação.)

Bora, feipa, tu não é estranho não, só

não dá muito pra ficar perto.

LICO (Ainda tentando sair de fininho,

com medo de que alguém repare na
conversa dos dois.)

Então vai pra casa, tosco, fala comigo na

rua não que me envergonha.

TIÃO (De novo o inconveniente.)

Aí pegou lá o auxílio? ? Pessoal lá?

Tião Bocanegra 36
 LICO (Na maldade, elevando o
volume.)

Quer emprestado, vagal? Bicho sonso,

acomodado.

TIÃO (Sem se abalar.)

E tu, acamado de si?? ?

TIÃO (Cont. Sozinho ou se para

alguém que tivesse passando)

Meu primo é gente boa, ao ser

questionado pelo barbeiro como
queria o seu corte de cabelo,
respondeu “Em silêncio.” Mané
saudosista! E resignado fico eu também
relembrando toda essa lambança!!!

LICO (Para a plateia, mais amigável.)

Ele fala assim porque eu sou um cara

turras mesmo; se me perguntarem se
eu prático esportes vou dizer assim “Ah
claro, tenho duas pensões, nome sujo,

Tião Bocanegra 37
 contas bloqueadas pela patroa, vivo de
promoção relâmpago, é f***

[Tião ri do primo enquanto se dirige ao boteco

do Risca, não sem antes se despedirem
acenando com o dedo do meio!]

TIÃO (Assim que chega do outro lado

da rua. Para a plateia.)

Levanto mais uma vez o copo já que a

barriga ruge e desarma procurando o
que comer, pensando em como seria a
próxima vítima. Vou é lá no Risca.

TIÃO (Cont. Cumprimentos aos outros

frequentadores assíduos.)

O ambiente em si tinha a depressão pra

satisfazer, olha! 💩 Pelo menos não te
enchem o saco até você se atirar pra lá.
Numa dessas viradas então me deparei
com o inusitado, o que logo depois
apelidei artisticamente de “Ode na
Garrulitas “. Uhhh xaxahh, agora é sério,

Tião Bocanegra 38
 é porque uma ricona lá do hotel que
queria me comer tava bem ali secando
sem balde. Ah, a piada me escapa, opa,
ajuda aê, tá lisow!! Vou fazer que nem
pescador enrolando a rede tudo rápido
quando o peixe tá molhado e
escurrega.

TIÃO (Cont. Malicioso que só.)

Ela veio com aquele papinho,

começando por pedir uma informação
que eu nem entendi, ahhh tola, dessas
que se a pessoa parar pra pensar logo
descobre, mas precisa, PRECISA,
perguntar prum funcionário. Toma aqui
meu crachá. E ela gosta da criadagem
pra dindar, e eu faço parte da categoria.
Eram sutilezas. Dinda lelê, faca no meu
pescoço!!! Mas na hora de casar, ter os
filhotes, ela prefere pegar um ricaço
como ela, pra ficar tudo aguado na
estirpe. Ladra! Isso sim é uma ofensa
grave! Porque aqui no Brasil é tudo
misturado, tem isso de br@ncar não!

Tião Bocanegra 39
 TIÃO (Cont. Se gabando.)

Logo disso, a gente escapuliu pra casa

dela, chegamos de moto. Vou imitar
como, ó 🤪

Eu na sala, véiiii. Pelos miados de cio e

pela roupa que a dona chegou
exibindo, compreendi que se tratava de
uma dominadora, huhhh..

TIÃO (Cont. Para a DOMINADORA.)

Mas fala aí, oi, que disse mesmo?

DOMINADORA

É a música alta né, benhê.

DOMINADORA (Cont. Se
esgueirando.)

Isso, é, me excita de verdade!

Tião Bocanegra 40
 TIÃO (Para a plateia.)

A gente riu porque já tinha se ligado.

Nem sei se vou arrancar desse mundo
uma doida dessas, o ser humano
precisa, PRECISA, EU DISSE, DISSO Ó.
SE PEGARR. Levantou a saia e fez
aquela cara de gata miau, quase uma
caricatura dela merma, falando
sussurrando, arrastando por onde
conseguia. “O pecado é uma
invenção!!”

TIÃO (Cont. Danado.)

“Blau-blau” é o som da estocada.

DOMINADORA (Sensualizando.)

Ajustadinho, hãrran.

TIÃO

Que beleza tá fazendo aquee.

Tião Bocanegra 41
 TIÃO (Cont. Olhos nos olhos com ela.)

Huhhh, vestida toda de couro preto, o

elástico ao vácuo no corpo. Parou e se
entortou como fazem as modelos
quando chegam ao final da passarela
mostrando o quadril, e voltam,
rebolando. Linda, maravilhosa,
mandona. A pura mordomia. Uma
mulher de verdade, não os tribufus que
se encontram por aí. Acima de tudo, ela
tinha um tipo de classe, sabia o que
fazia e porquê para estarmos ali. Esse
tipo de mulher não perde tempo, me
encheu logo de cordas, eu parecia um
porquinho descontrolado que a
sociedade não pode ver livre, mas de
jeito nenhum. Só o carré! As coisas
foram controladas lá fora, vocês é que
não sabem.

TIÃO (Cont. Para a plateia enquanto a

Dominadora se ajeita toda se
querendo.)

Outra cena, eu tô com a cabeça

erguida, olho pra cima. “Eu decido as

Tião Bocanegra 42
 regras do jogo”, ela disse no meu
ouvido, rude, doidinha pra dá um cruza
chei de polêmicas. Só faltou eu babar,
hahahahah! Tava pronto pra latir e sair
correndo por aí despretensioso! Ahhh
toma

Me açoitou com chicotes e uma tal de

xibata, tamerda que me deixou foi o
corpo vermelho igual tomate da
estação. Zunia na minha fuça essas
verdades, e dói. Fica mais vermelho.

DOMINADORA (Os dentes trincando.)

Como pede perdão, benzinho? Fala pra

mim.

TIÃO (Enfático, caricato.)

Éééé

TIÃO (Cont. Abraçando ela por trás.)

Depois se banhou inteira de goma,

pintou e bordou comigo, uma melecasi

Tião Bocanegra 43
 boa — no outro dia veria chupões que se
formavam — ia ser notado pelos
funcionários do estacionamento, os
maluco perturba. Ahhh.. o M é um clube
de suingue pra todas as modalidades,
mas você ainda não sabe o detalhe! Eu
me sentia naqueles labirintos desses
clubes, KY pelo chão, mas nem tinha
saído do lugar, e já me deparava com as
pequenas surpresas que vinham sem
pedir, era só estar ali em cada buraco na
parede. O ambiente era saliente. As
coisas já foram mais fáceis, era só passar
a mão na barba e olhar através da
gente.

DOMINADORA (Manhosa com ele, se

derretendo.)

Eeeu sou uma dedicada, sem limites,

apenas prazer e dor. E você é escravo
rastejando.

Tião Bocanegra 44
 TIÃO (Cedendo para tudo.)

Quero. Era eu, leva na coleira, rumo à

cruz improvisada. Cacete, o que o
conchavo num paga, cara?

DOMINADORA

Shiii, eu na cruz de San Andrés, olha

porra!!

TIÃO (Surpreso, para a plateia.)

Como ela arrumou um troço desses

aqui???

DOMINADORA

É minha casa.

TIÃO

Saí mermo com uma dondoca. Tinha

que ser, realizando as taras da
presunçosa com o proletariado que na
terra dela NUNCA se misturaria.

Tião Bocanegra 45
 DOMINADORA

Anilingus ni mim!

TIÃO

Agora confirmo mesmo que esse

pardieiro é um clube sádico, masmorra
anti++cotidiano!

DOMINADORA

Você tá vendo. Vem cá, seu pobre!

TIÃO

Isso, ofende! Esse besta do sistema

[Ela tateia e acha uma caixa de fósforos, abre,

faz os movimentos.]

TIÃO

Acende logo isso, bafora na minha

caraa. Eu vou é perder a noção

Tião Bocanegra 46
 DOMINADORA (Assopra no rosto
dele.)

“Fuúuússsss”

[Um recurso visual demonstra como os dois

rodopiam na cama entorpecida. Um algo de
risos, relinchos e roncos!]

Tião Bocanegra 47
 Quinta da peça

[A partir daqui a coisa esquenta e a censura

pode se aplicada sem pena, algo quase
desnecessário. As luzes ficam tênues ou
exóticas.]

TIÃO (Anestesiado, na cama.)

Apaguei, vem cá amor.

TIÃO (Cont. Aos beijos. Ainda da

cama.)

Aí, vi quando FICOU ALUCINADA,

ARRANCOU AS ROUPAS, RETALHOS,
NÉ. ME TIROU DO CATIVEIRO E ME
OBRIGOU A TE ENCHER DE COSCA,
NÃO SEM ANTES ENFIAR

Tião Bocanegra 48
 RAPIDAMENTE NO CORPITCHO A
ROUPA DE ONÇINHA.

DOMINADORA

Abaixa essa bola, e o tom também!

TIÃO (Esvaziado.)

Esse troço era engraçado, é que além

do rabinho vinha com uma máscara de
raposa, como o olhar, má! Também não
entendi. Mas rimos demais, tava
valendo.

DOMINADORA

Tomei um negocinho que funcionou

mermo foi como um afrodisíaco pra
gente ahahaha

Tião Bocanegra 49
 TIÃO

Tá querendo tudo. Então é minha vez,

eu com o motor possante de jovem,
ahhh garoto!!!

DOMINADORA

Idiota. Sujo. Se empolga não se não vira

meme.

DOMINADORA (Cont.)

Manda aqui. Mostra como você não

tem respeito!

[“Glutiglépglép.” O som que prevalece não

deixa dúvidas: tirem as crianças de perto!]

TIÃO (Se gabando para a plateia.)

Pra coroar a noite dos deuses, ela pediu

o constrangimento na garganta.

Tião Bocanegra 50
 DOMINADORA (Revisando.)

Ah, deixa ele ser imoral, é o que mais

me atraiu. Não entra nessa de chamar
esse traste de misógino e difamar ele,
menos. Tem quem queira.

TIÃO (Esperando o consentimento

dela.)

Uma rainha merece o melhor!

DOMINADORA

Sou funda, sabe!?

TIÃO

Oxxi tô seco então. Precisava me

aditivar.

DOMINADORA

Depois peço comida chinesa pro meu

reacionário. Mas tudo fino. Vai precisar
repor o sangue aí.

Tião Bocanegra 51
 TIÃO (Ao melhor estilo apresentador
de TV, para a plateia.)

Alguém me ajuda a entender, porque

não é sempre assim?!

DOMINADORA (Rindo agora para a

plateia.)

Pega aqueles copos ali, vamos beber

mais.

[Eles bebem e ensaiam uma rápida passagem

de tempo.]

TIÃO (Para a plateia.)

Na segunda garrafa a gente ventava

muito.

TIÃO

Tô chumbado!!!

Tião Bocanegra 52
 DOMINADORA

Eu também, aqui ó, no caminho. Aaai

TIÃO

Passei aí, foi fóoo****

DOMINADORA

Hahhahaha, babava, babaca, ba-ba,

isso

TIÃO

Se liga, se o cachorro tivesse religião,

qual seria? Cão-domblé.

DOMINADORA

Comigo também.

Tião Bocanegra 53
 TIÃO (Para a plateia)

Ela senta no sofá, eu ainda estou de pé

zanzando. Tem que ver isso aí

TIÃO (Cont.)

Sabe, um anão pentelho queria me

vender bugigangas, na minha solidão
essa semana lá no HM, quetin, quetin,
enquanto tava querendo é ir na praia do
L. Me infernizou o moleque. Puxou
assunto, coisa que me mata, puxar
assunto assim sem mais nem menos.

DOMINADORA

“Nem te conheço, pou!” Ihhh, cuida pra

não te chamem de fascista.

DOMINADORA (Cont. Franzindo a

testa.)

Ele falou isso, né?

Tião Bocanegra 54
 TIÃO (Xoxo.)

Disse que era Idalécio, que a mãe gritou

“Menino, cuidado com a biciclet..”
PÁFT! e foi assim que ficou com aquela
cara torta e murcha e sem sal; disse
também que já foi pedreiro. E ria sei lá
de quê.

DOMINADORA (Mais sóbria,

pensando.)

Provável que tivesse se lamentando da

vida que tem, ou te sensibilizando.

TIÃO (Imitando o Idalécio)

Varaio, logo comigo??? Eu lá sou guru

do FB??

TIÃO (Cont. Se safando.)

MAS, PUTA JACA QUE ME PARIU,

TENHO EU CULPA DA SUA DÍVIDA???

Tião Bocanegra 55
 TIÃO (Cont. Cabreado.)

Pra você é fácil, só balançar que chove

macaco velho ostentando as notas.

DOMINADORA (Sarcástica,
caminhando.)

Eu faço o que dá. Se manter na

academia custa, tá, eu sou esforçada.

TIÃO

Eu vi, mas ouve. Os pobres coitados são

assim. Soma o fantasma do
consumismo de domingo, gringos
desavisados, e o cara mendiga na praia.
Quer que as pessoas ajudem
purificando eles os seus pecados. Dose
pra leão!

DOMINADORA (Na pilha.)

Ai, grosso. Adoroo. E tu fez o quê, fez o

difícil?

Tião Bocanegra 56
 TIÃO

Dei um berro mesmo também com

motivo, nem sei o que me deu.. Acho
que foi estresis, pode ser. Pura vaidade.
Hoje não teve glamour, foi só aquela
coisa “Uh!!! Grito abominável!” Hunf.
Onde foi, a hora, essas coisas de
detalhes, num vô revelar.

DOMINADORA

Papo de maluco. O bom sarro é um

mistério até o fim. Ou não? Ele fugiu?

TIÃO

Sim.

DOMINADORA (Com outro copo na

mão.)

A agitação denunciava o medo de

partir.

Tião Bocanegra 57
 TIÃO

Idalécio encheu os olhinhos, irrompeu a

choramingar; eu tava com saco plástico
do sacolão da esquina lá de casa,
aquela espelunca da dona Xepa.
Entreguei minhas compras do mês pro
menino e corri que nem queniano!
Silencioso e besta como um chifre de
boi na cabeça do maridão! Fiquei roxo,
zero fôlego. Sem o saco plástico, onde
vou colocar meus chinelos??

DOMINADORA

Cara, você tá muito doido. Que asco!

TIÃO

Achou que eu ia fazer isso? Foi a piada.

DOMINADORA

Que merda, aff.

Tião Bocanegra 58
 TIÃO

Eu vou continuar romantizando.

DOMINADORA

Vai, Rolando.

TIÃO

Boa!

DOMINADORA

Heh.

TIÃO (Mais realista do que já se

imaginou.)

As lembranças ficam nítidas na minha

cabeça. Eu me pulverizo, eles se
pulverizam. Só não queria ser
interrompido, só isso.

Incrível como, na hora, enquanto

executava as peripécias da fuga,

Tião Bocanegra 59
 lembrava toda hora da cena dum filme
podre em que um matuto lá, Zé da roça,
sei lá, cagava no mato e limpava o rego
com folha de espiga de milho.

Deve ser inconsciente, uma encrenca

por sermos subdesenvolvidos.

DOMINADORA

Hilário, foi a analogia do povo

brasileiro.

TIÃO

Sei lá, vai que mudam de postura.

DOMINADORA

Só nunca.

TIÃO

Enfim. Acho que era lá nos confins do

interior do Espírito Santo. Acontece
contigo? A bostalhada toda era

Tião Bocanegra 60
 siiiiiinistra, ops, falei foi palavrão
demais!!

DOMINADORA

Se lamenta não, já tô me alisando com

tudo isso. Tu curte uma visão escrota
né!

TIÃO

É meu lar, fiiia.

DOMINADORA

Vi também nessa mesma ocasião a

mosca varejeira dos meus sonhos
pousar na minha marmita, ahahah.
Gostou?

TIÃO

A mosquinha bailava na carne fresca e

retalhada que vai ficar verde. Foi-se o
orgulho do açougueiro!! As larvinhas

Tião Bocanegra 61
 logo crescerão fortes e desprezadas
pelas redes de supermercado.

DOMINADORA

Coloca no Insta.

TIÃO

O Idalécio? Pobre rapaz, vítima da

vontade pura e simples de viver e
trampar. Somos parecidos? Talvez. Que
loucura! Nem foi por maldade, cara, foi
porque aconteceu marromenos.

DOMINADORA

Esse guri era o mosquito dengue da

sociedade! Vesguinho da silva,
cegueta, mirolha, a porra toda mais.

TIÃO

Vai nessa. Um dia ele voa mais que a

gente.

Tião Bocanegra 62
 DOMINADORA

Nesse estado? Ah vai, pode ser. Quem

sabe se acerta numa live e vitaliza, é
mais prático que muito troço.

TIÃO

É. Saí pra andar e esfriar os miolos, fui

pra outro lado. Parecia como aquela vez
em que ganhei a aposta e fugi logo do
centro da cidade, queriam minha
cabeça na panela pra cozinhar, ia ter
nada que eu falasse pra suavizar não.

DOMINADORA

Devorar teus miolos no sábado.

DOMINADORA (Cont.)

Tá, mas já deu isso de discurso, volta

pra cama. Vamos rodar juntos. Só te
digo que a teimosia vem de família!

Tião Bocanegra 63
 TIÃO (Para a plateia)

Saem de cena aos beijos, uhhhh

[As luzes ficam densas. Pausa para o povo

reclamar ou ouvir um pagodinho enquanto o
cenário é trocado.]

Tião Bocanegra 64
 VI, O final

[Em algum ponto acima do vigésimo andar do

edifício, aqui no parapeito, ponto cego. Vento
e brisa para incitar os pensamentos.]

TIÃO (Juntinho da plateia.)

Pensei bem. A pegadinha causa!

Planejo agora uma viagem de férias pra
Bahia, é! Tá na hora de conhecer minha
família, os antepassados!!! Vou dá um
tempo longe, pra ter novas ideias. Pintei
e bordei pra caceta, ôxi.

TIÃO (Cont. Sorrisinho de lado.)

Olha só, eu sou um cara cheio de

manias. Uma delas é fazer coisas pra
mim que não sei direito se terão

Tião Bocanegra 65
 utilidade nem lucro real. Lembro é das
tarefas. Eu sou um especulador, mas
também posso trabalhar sendo
chamado de dedutor, ruum, tomara
que não estranhem essas coisas a mais
aí que eu digo. Estou a trabalho e isso é
o fim. Me tranquei em pensamentos e
cheguei a essa conclusão:

TIÃO (Cont. Teatral.)

“Na verdade, tudo o que fiz ou senti,

enquanto Ser — e, logo após, disse ou
registrei — é mero devaneio de não
saber nada, droga nenhuma acerca de
nada do mundo físico que me cerca,
nem do depois da morte. Aqui mesmo,
o que acabo de escrever é um chute —
inventemos mais, putada! —, na mesma
linha. Que ridículo, quem sabe quantos
antes de mim da mesma forma
chegaram a tal ponto?”

Gostei desse troço de disfarces.

Acabaram-se os meses de tortura,
doença desconhecida, alergia,
radiação, de monstro ocultado!! Uma

Tião Bocanegra 66
 pensão pro funcionário escondido e
observando!!!

TIÃO (Cont. Indo para o centro do

palco.)

Eu me largo dali, o parapeito, a visão da

queda, desço e chego ao vestiário pra
tirar esse uniforme; pra mim já deu. Da
minha baia ouço os outros caras da
firma:

[Estão em cena agora MANO e os demais

EMPREGADOS. Passam para um vestiário. No
começo suas vozes eram distantes, mas no
decorrer desse último ato há uma
cumplicidade boa entre eles, trabalhadores no
limite do expediente.]

MANO (Fala e ri de si.)

Tava uma coceira chata.

Tião Bocanegra 67
 EMPREGADO 2 (Querendo sacanear.)

Qual foi?

MANO (Revoltado, alto tom.)

ISSO É PRAGA DE EX-MULÉ, SÓ

PODE!!!!!!

EMPREGADO 1 (Olhando a reação dos

demais.)

Deu ruim aí, mano loco?

MANO (Inquieto.)

Digo isso porque, é, te falar hein, eu

peguei uns pélassaco

EMPREGADO 3 (Sem caçoar tanto.)

Compra aquela parada que vende no

trem, é, gincobiloba não....

Tião Bocanegra 68
 EMPREGADO 2 (Complacente.)

Arnica.

EMPREGADO 1

Ele não pega trem não, maluco é lá de

Itaguaí.

MANO

Manocu, tá osso. Bota chão nisso!

EMPREGADO 3 (Alfinetando.)

Foi por causa devida da impotência,

medo de mulher, nerlvoso pra num
falhar na hora H?

EMPREGADO 1 (Sem acreditar.)

Nada a ver isso. Terceiro período de

curso não dá pra diagnosticar.

Tião Bocanegra 69
 EMPREGADO 2 (Na brincadeira.)

É, trouxaa, te falano.

EMPREGADO 1 (Para o 2.)

Cara aqui é médico, aqui ele tá como

infiltrado, né não, detetive?

MANO (Para o 2.)

Tsic. Deixa que eu explico melhor:

comecei a sair com uma vendedora de
camisas de estampas de pagode tipo
Rassa Negra, Moleju, Catingueulê,
essas paradas.

EMPREGADO 3

Eita, tu é velho, tem uns pagode novo.

EMPREGADO 1 (Para o 3.)

Queeeto.

Tião Bocanegra 70
 MANO (Tentando se explicar.)

Na época em que eu me refugiei de

licença lá no morro do Dendê tinha essa
Eva, linda, colorida, estilosa, cheia de
tatuagens de estrelinhas e com um
sorriso macio, a ruivinha da farmácia do
Povo. Eva ela!

EMPREGADO 3 (No gás.)

As mina rabiscada é da hora!

EMPREGADO 2

Tamo ligado.

MANO (Passeando pelo vestiário.)

Eu tinha há pouco terminado um

relacionamento de três anos e varada e
queria mermo é me divertir, sair com
uma mulher que fosse mais viva,
agitada, sem não-me-toques e que não
ligasse.

Tião Bocanegra 71
 EMPREGADO 2

Como eu.

EMPREGADO 1

Quem te come?

MANO

Kkkkkkkkkk

EMPREGADO 1

É igual que eu, animal!

EMPREGADO 2

Pras trivialidade.

EMPREGADO 3

Vida é zoada mermo às vez.

Tião Bocanegra 72
 EMPREGADO 2 (Pro 3.)

Odeio velhinhas, sacou!

EMPREGADO 3

Parece as barraqueira lá da rua. Dá uns

tranco nos filho

EMPREGADO 1 (Para o 3.)

Hahahahah, Junio é muito engraçado.

MANO (Também para o 3.)

Teu nome é esse, é?

EMPREGADO 3 (Decepcionado.)

Ta de boberagi

MANO (De volta à narrativa.)

Ah tá. Aí, papo vai, papo vem, e chega

o momento de bimbarmos.

Tião Bocanegra 73
 EMPREGADO 3

Tá falando da recente?

MANO

É.

EMPREGADO 3

Claro hihihihii

MANO

O lance é que assim fazem os vivos, né.

Eu, com medo de me distrair, odiava
colocar camisinha, já que com esse
troço eu não sinto a pipa na carne, e
então num estimula o necessário.

EMPREGADO 2

Eu também, bagulho é na pele.

Tião Bocanegra 74
 EMPREGADO 1 (Fazendo uma
caricatura.)

Por isso tá ae com bicheira.

MANO

Daí, depois dos amassos, beijos,

mordidas, porrada de beliscadas

EMPREGADO 2

E dedadinhas!

EMPREGADO 3

Ahahahhahhahahh é um troglodita!

EMPREGADO 1

Guenta, ouve o Mano. Logo se vê que

Tião Bocanegra 75
 MANO (Meio que interrompendo
educadamente.)

Blz! Insisti, e ela, já cega de fogo e duma

mistura doida que eu fiz, vinho Canção
e uns lance.

EMPREGADO 2

Ah, o tinto suave.

MANO

Pronto. Coloquei vodca Natasha e

Montilla, chamei de licor de Petrói; quer
provar o licor de petról?? Porque dou
uma de barman de vez em quando. Eu
trago pra galera. Daí, ela roçou pra mim
na pele com pele, desenfreada.
Gozamos porrada de vez.

EMPREGADO 2

Horrores. Cavalo né, ahãm

Tião Bocanegra 76
 EMPREGADO 3

Hihihihihiii tu é um pepeca mermo.

MANO (Sem dar bola.)

Ainda que no começo tivesse é meia

bomba.

EMPREGADO 1

Te acalma, tonto.

MANO

Mas quem vai desconfiar que a minha,

ahhh menininha tava já infectada, sabe
lá como?

EMPREGADO 2

Onde será que passam essas gentes, ô

Deus?

Tião Bocanegra 77
 EMPREGADO 2

Atividade.

MANO

Logo ela, nem aparentava treco

nenhum.

EMPREGADO 2

E é isso. Quem se estrepa é os iludido.

EMPREGADO 1

Esquenta não, Mano, vai passar.

EMPREGADO 2

No ruim joga creolina.

MANO (Para o 2.)

Boa!

Tião Bocanegra 78
 EMPREGADO 1

Agora só dois caçadores rumo às

portas do inferno na Terra!

EMPREGADO 2 (Para o 1.)

Mas deve ter válido à pena, fala tu. Ia

não?

MANO (Relaxando com as

provocações.)

Coçamos o dia todo. Mas a gente num

tá nem aí

[“Purrummm, fóinn” Som miserável de um pum

vindo dali de perto, outra cabine talvez. O mais
que necessário para acabar com a graça dos
empregados.]

EMPREGADO 2 (Arrasado.)

Lazarento! Peidaram cagado da baia ali,

vai feder bem!

Tião Bocanegra 79
 EMPREGADO 3 (Balançando o ar.)

Tá ruim teus primos, Mano nem

terminou a frase. Pior que nem dá pra
ver o meliante.

EMPREGADO 1 (Tampando a boca

com a camisa.)

Vai empestear. Tampa os nariz e abaixa

a cabeça.......

EMPREGADO 2 (Já se saindo.)

Pó já deu a hora de passar o cartão, boa.

MANO

Já é, partiu.

EMPREGADO 3

Bora, seus chora no banhoow

Tião Bocanegra 80
 TIÃO (Para a plateia.)

Rala peito. E saem rapidamente, rindo

uns dos outros. Já ouviram falar de
peido alemão? Várias gaitada. Depois
que eles se mandam eu ainda dou uma
olhada nessa bosta de lugar, aqui tiram
os dias das pessoas! Já deu, tem só
ainda que esvaziar o meu armário. Eu
que apago as luzes, sefudeee

TIÃO (Cont. Desfazendo ele mesmo o

cenário.)

Saio pelo beco, tem uma garrafinha no

bolso, água com gás, cê é doido

Eu canto “Água de coco, uma maminha,

beira do laaaar.”

É isso, um brinde, dois brindes, dá-lhe!

Perdoem a confusão, smailey de riso
nas lágrimas 😂

[Ele reverência os presentes enquanto amassa

os painéis do cenário. E fim, cansa um pouco!]

Tião Bocanegra 81
Sobre o autor

Grossi é escritor e músico, publicou entre

outros títulos a novela “Obarro”, além do
argumento de “Desculpe, seu tempo acabou”.
Pela Poesia, lançou “Cura”, “Servidão”, “A
Conferência”. “Cabezada”, “Esencias”,
“Maneja” e “En las eras” são suas obras em
espanhol. Participou como guitarrista e
vocalista das bandas Alice, íO, Instrumental
Vox, Ummantra, SAEM e A ras del suelo

Tião Bocanegra 82
Colabore para que o autor tenha os meios
necessários para a produção de suas obras
literárias. Ao financiar, você recebe material
impresso ou algum dos títulos completos!
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Tião Bocanegra 83
Tiragem limitada de acordo com a demanda
2023 #EditorialPresente

Tião Bocanegra 84
Tião Bocanegra 85