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A corrupção é ainda maior nas empresas

Lizandra Magon de Almeida and HSM | jun 16, 2016 | direto ao ponto | 0 Comentários

A corrupção das empresas no Brasil pode ser maior que a


relacionada com o governo, afirma a advogada Isabel Franco, perita
da ONG Transparência Internacional
5. Estamos vendo a corrupção no governo, envolvendo as empresas, vir a público na
Operação Lava-Jato. Quão corruptas são as empresas brasileiras?
A corrupção existe no setor privado na mesma medida ou até mais. Embora isso não
seja mensurado, percebe-se um enorme contingente de profissionais de empresas que
pagam uma propina particular comercial aqui ou dão presentes em troca de favores
acolá. Como não há uma legislação que proíba tais práticas, configurando-as como
fraude, isso não aparece. É uma pena, porque uma mudança na postura das empresas
em relação ao procedimento teria enorme impacto na sociedade. Os idealistas do
combate à corrupção no mundo atual, eu incluída, acreditam que começar na empresa
talvez seja o melhor caminho para se exterminar a corrupção em um país.
4. Há sinais exteriores de corrupção que servem de alerta para o CEO ou o conselho de
administração e costumam ser ignorados, quando não deveriam sê-lo?
Sim. Se um fornecedor pratica um preço que não é de mercado, alguma coisa errada
foi feita, pode ter certeza. Em vez de um executivo sênior achar que o gerente foi
eficiente em contratar alguém muito barato, por exemplo, ele deve questionar-se se
não há algo de “podre” nessa contratação –o mesmo vale para valores muito
superiores e para contratação de fornecedores sem expertise comprovada. Aliás, para
não haver surpresa com práticas ilegítimas de fornecedores, é fundamental ter um
relacionamento próximo com eles. É muito importante também que as empresas
estabeleçam metas razoáveis para seus profissionais e não criem expectativas tão
inatingíveis que se configurem em um convite a usar métodos pouco ortodoxos para
alcançá-las.
3. Muitos dizem que o brasileiro é culturalmente corrupto. Isso é verdade?
Brasileiro sempre acha que tudo aqui é pior que no resto do mundo e isso não
procede. Eu morei em vários países e posso dizer com segurança que a tendência à
corrupção existe em toda parte; ela precisa é ser contida.
Agora, nós, brasileiros, nascemos e crescemos engessados na burocracia que vem de
um Estado superdimensionado e que fiscaliza tudo o tempo todo. Nossa cultura nos diz
que somos culpados até que se prove o contrário e essa estrutura de fiscalização
superdimensionada cria mais oportunidades para a corrupção.
O regime militar talvez também tenha deixado como herança uma aversão às
denúncias, vistas como delação, o que dificulta o combate à corrupção, mas sou
otimista sobre a superação disso, porque cada vez mais sinto que há executivos
brasileiros bem-intencionados batalhando para erradicar a corrupção.
Aliás, isso fica claro até por como o Brasil é percebido no mundo, na medição da
Transparency International. O Brasil é percebido como o 76º país menos corrupto do
mundo, menos corrupto do que China (83º) e Rússia (119º), outras economias
emergentes, e empatado com a Índia [no ranking de 2015], para falar dos BRICs. Entre
os sul-americanos, está melhor do que Argentina (107º), Bolívia (99º), Equador (107º),
Colômbia (83º), Peru (88º), México (95º). No entanto, diga-se, em outro ranking da
Transparency International, o das empresas que mais pagam propina no exterior, feito
em 2011, o Brasil aparecer como o 14º maior corruptor.
2. Como é a relação custo–benefício de um programa de compliance em uma
empresa? Pagar propina não sai mais em conta, se você nos permite uma pergunta
amoral?
Muitas empresas veem os programas de compliance como um custo muito alto, e nós
temos de explicar que é um investimento, porque o que elas podem pagar de multas, a
perda da reputação, a queda no valor das ações são custos muito mais altos. Isso sem
contabilizar os valores absolutos das próprias propinas ou dos desfalques internos. E
um estudo que fizemos com a Ápis Investimentos provou que empresas com programa
de compliance têm um valor de mercado maior. Sabe o que acontece? Normalmente,
as empresas são vendidas pelo Ebitda [lucro antes dos impostos] multiplicado por um
um fator “x” e, nessa pesquisa, notamos que as empresas com governança corporativa
já consolidada conseguem um múltiplo “x” maior.
1. Uma empresa consegue de fato combater a corrupção? E um governo?
Sim. No caso da empresa, primeiro ela deve decidir só contratar pessoas que passem
pelo crivo da integridade. Então, realmente precisa monitorar seus funcionários,
fornecedores e parceiros e colocar ordem na casa. Por fim, deve fazer um programa de
compliance completo, que as ajudasse a ter uma reputação ilibada.
Um programa de compliance completo ajuda a empresa a criar códigos de conduta, de
ética e de boas práticas; avalia seu risco de exposição a autoridades do governo;
mapeia todos os relacionamentos com terceiros e organiza um grupo de funcionários
internos para monitorá-los; faz treinamentos que envolvem do presidente até o office-
boy para criar a consciência do que é a corrupção e de quão nociva ela é para as
empresas e para os cidadãos; explica a todos como é a legislação anticorrupção no
mundo inteiro etc. Um programa assim começa com um levantamento detalhado de
todo o funcionamento da empresa para entender suas vulnerabilidades, porque é
muito fácil esconder a corrupção de um funcionário em uma organização.
Do ponto de vista do governo, a Alemanha é um modelo interessantíssimo para o
Brasil. Até uns 15 anos atrás, mais ou menos, ela dava isenção fiscal ao pagamento de
propina no exterior –ou seja, corrupção era uma prática oficial e legítima para alemães
no exterior. Por volta de 2012, o governo tinha outra postura: processou uma empresa
tão tradicional quanto a Siemens por corrupção, que não apenas precisou pagar uma
fortuna em multas, como também teve presos membros de seu conselho de
administração. E vários acionistas estão processando a empresa pela queda do valor de
suas ações. O Japão é outro em que a prática de corromper era normal e conseguiu
acabar com isso, mudaram a mentalidade.
Então, por que a gente não conseguiria? Quando as pessoas se dispõem a fazer as
coisas, elas acontecem.

(Entrevista de Lizandra Magon de Almeida)

Essa matéria foi publicada originalmente na Edição 92 de maio-junho de 2012 da


revista HSM Management, e atualizada em junho de 2016.

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