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Quem vai atirar a primeira pedra?

“A Igreja [...] sente-se no dever de procurar e cuidar dos casais feridos com o óleo da aceitação
e da misericórdia”. Pequeno trecho da homilia do papa Francisco na abertura do Sínodo para
as famílias( 4 de outubro 15).

Muito se falou (e se fala ainda) nos sites, blogs, redes sociais a respeito das possíveis mudanças
e propostas para as famílias que poderão vir de Roma a partir do Sínodo. A grande maioria das
discussões tratam de questões morais – o uso de contraceptivos, aborto, casamento de
pessoas do mesmo sexo etc. Outras, que de fato foram bastante tratadas no Sínodo – o papel
da mulher na família, na sociedade e na Igreja; a violência doméstica; os desafios financeiros
das famílias; as perseguições religiosas; a crise de imigração etc. Um dos temas, entretanto,
está nos holofotes - a possibilidade da comunhão eucarística para os casais em segunda união.
O assunto é bastante polêmico (e muito importante, portanto). Penso em escrever sobre o
mesmo em uma outra oportunidade. Hoje, porém, quero me deter em uma palavra que o
papa oferece como um dever da Igreja para com as famílias – a misericórdia.

Bem, vejamos: a palavra “misericórdia” tem origem no latim = “misericordia”. Esta, é


elaborada a partir da junção de duas outras palavras “miser” (estado lastimoso, indigência,
penúria, avareza) e “cor -dis” (coração). Em uma aproximação temos que misericórdia significa
um coração que se volta para o que está na penúria, na indigência, na fraqueza. Atitude
daquele que se aproxima solidariamente do outro. Assemelha-se a outra palavra – empatia.

Aquilo que a Igreja ensina é o que Jesus mesmo ensinou e fez. Escolhi aqui um exemplo: A
mulher que havia sido pega em adultério (Evangelho de João, capítulo 8). De acordo com as
leis daquela época em Israel uma mulher que cometesse o pecado de adultério – seja ela
casada ou não – seria apedrejada até a sua morte. No trecho em questão lemos que a mulher
havia sido apanhada em flagrante adultério. Poderiam tê-la imediatamente apedrejado. Mas a
intenção dos fariseus era de apanhar Jesus em uma contradição – “autorizaria ele o
apedrejamento? Ou ele estaria contra a Lei?”. Bom, a saída de Jesus todos já conhecemos. Ele
diz: “aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Pronto. Isto bastou para que
todos saíssem dali e deixassem a mulher a salvo. Ponto para Jesus! Mas você deve então estar
se perguntando: “para Jesus não há problema nenhum o pecado da moça?” Também não é
assim – ao final da conversa Jesus adverte: “vá e não peques mais”. Que lição, portanto,
tiramos deste encontro tumultado? Jesus coloca a misericórdia à frente.

“A propósito, é muito significativo o apelo que Jesus faz ao texto do profeta Oseias: ‘Eu quero
a misericórdia e não os sacrifícios’ (Oseias 6, 6). Jesus afirma que, a partir de agora, a regra de
vida dos seus discípulos deverá ser aquela que prevê o primado da misericórdia, como Ele
mesmo dá testemunho partilhando a refeição com os pecadores”, escreveu o papa Francisco1.
Esta lição vale para nós e nossas famílias. Quantas vezes precisamos decidir como agir?
Sermos duros ou ternos? Rígidos ou flexíveis? Fortes ou suaves? Ser misericordioso implica em
acolhermos antes de advertir, abraçarmos antes de censurar. Isto não nos fará frouxos ou

1
Da Bula Misericordiae Vultus do Papa Francisco de 11 de abril de 2015.
sentimentalóides. Tenho quatro filhos e sei que as orientações que melhor serão aprendidas
são aquelas transmitidas com amor em um ambiente de respeito e acolhida. Isto, que vale nas
relações entre pais e filhos, vale também entre o casal, com outros familiares, no ambiente
escolar e profissional e, é claro, nas Igrejas. Vale lembrar aqui aquele antigo ditado latino –
“Fortiter in re, suaviter in modo”2 – Forte e duro nos objetivos, na ação, mas suave e manso no
modo, na maneira.

Ser misericordioso é, portanto, compreender o outro em suas limitações, sabendo que


também nós temos falhas. É reconhecer que somente o amor pode estabelecer vínculos
verdadeiros. É abaixar-se, não para apanhar pedras, mas para estar ao lado daquele ou
daquela que foi derrubado pelo peso de suas próprias fraquezas. Um gesto de misericórdia
poderá ser, então, a diferença entre a vida e a morte para quem está chão.

2
Esta frase é atribuída originalmente ao quinto superior da Companhia de Jesus (Jesuíta) Claudio
Acquaviva, padre italiano, falecido em 31 de janeiro de 1615. Feliz coincidência dele ter pertencido a
mesma congregação religiosa de nosso querido papa Francisco.

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