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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

Centro de Apoio Operacional de


Defesa do Meio Ambiente

Laudo Técnico
Integrante dos Autos de ICP n.º 010/99

AVALIAÇÃO DO RUÍDO EM ZONA HABITACIONAL


CAUSADO POR BOATE NO SETOR MARISTA EM GOIÂNIA∗

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho realiza-se em cumprimento à requisição


do Dr. Geibson Cândido Martins Rezende, titular da 15a Promotoria
Especializada de Goiânia, tendo em vista instruir Autos de Inquérito
Civil Público Ambiental, supra-epigrafados, visando apurar denúncia
formalizada por moradores do Setor Marista, entre outros, residentes nos
condomínios do Edifício Tamboril, à Rua 1128, n.º 624; Edifício Ônix,
à Rua 1128, n.º 610 e Condomínio Serra do Mar, à Avenida 85, todos
localizados nesta capital.

As queixas dos moradores referem-se ao funcionamento da


boate "CANAL STREET CLIP BAR", à Avenida 85, n.º 2409, no
Setor Marista, que estaria emitindo ruídos causadores de incômodo e
quebra do sossego público.

Visando verificar a procedência e condições de ocorrência do


incômodo motivador da denúncia, o técnico pericial subscrito realizou
nos dias seis (6) e sete (7) do corrente mês e ano, no período
compreendido entre 10:00 horas da noite do dia anterior até as 3:00 da
madrugada do dia seguinte, medições e vistoria in loco, tanto na possível
fonte emissora de ruído, como nos edifícios dos moradores afetados.


O tempo gasto na elaboração deste laudo foi de 56 horas técnicas, definidas de acordo com
regulamento do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE) e calculadas
para jornada de 6 horas/dia com acréscimos de 25% para as horas excedentes; de 30% para serviços
efetuados em períodos noturnos, domingos ou feriados; e de 50% para trabalhos que exigem
conhecimentos técnicos especializados (cursos de pós-graduação ou de extensão).
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2. MEDIÇÕES DOS RUÍDOS NA HORA E LOCAL DE


OCORRÊNCIA

Na elaboração deste laudo seguiu-se a Resolução CONAMA


n.º 001 de 08 de março de 1990 que instituiu as normas técnicas
estabelecidas pela "NBR 10.151 - Avaliação do ruído em áreas
habitadas visando o conforto da comunidade" e pela "NBR 10.152 -
Níveis de ruído para conforto acústico", ambas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para que as entidades e órgãos
públicos, no uso do poder de polícia, possam compatibilizar o exercício
das atividades econômicas com a preservação da saúde e do sossego
público.

As medições dos níveis de ruído foram feitas no local e hora


de ocorrência do incômodo, na escala de compensação A, em decibéis
dB(A) e nível sonoro medido (LA), em resposta de leitura rápida (LF),
para ruídos de nível constante; ou, nível sonoro equivalente (Leq) para
ruídos de nível flutuante.

Foram utilizados os seguintes instrumentos de medição, de


fabricação CESVA: (i) Medidor de Nível Sonoro, modelo SC-20c, tipo
1, n.º de série T209772; (ii) Microfone Capacitivo, modelo C130, n.º de
série 5319; e (iii) Calibrador de Nível Sonoro, modelo CB-5, tipo 1L, n.º
de série 28099.

Todos os instrumentos utilizados estão devidamente


certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (INMETRO), de acordo com os Certificados de
Calibração de números 317, 324 e 330, emitidos em 1999, conforme
cópias em anexo.

Antes e após as medições, realizou-se a calibração do


Medidor de Nível Sonoro, ajustando-o de acordo com a referência
acústica de 94 dB(A) e de 104 dB(A) e de 1 kHz de freqüência.
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2.1. CONDIÇÕES DE MEDIÇÃO

Nas medições realizadas em ambiente externo, utilizou-se o


aparelho a 1,2 m acima do solo e, no mínimo, a 1,5 de superfícies
refletoras, e distância de no máximo 5m (cinco metros) da divisa do
imóvel onde se localiza a fonte emissora.

No interior dos edifícios, as medições foram efetuadas nos


pontos de maior nível de intensidade de ruídos do ambiente do
reclamante. Nos quartos de fundo para a boate, o microfone foi
direcionado para a fonte específica de ruído em questão, em frente a uma
janela aberta. Procurou-se evitar distorções oriundas de ondas
estacionárias, sobretudo os ruídos de baixa freqüência dos ambientes
interiores.

Procurou-se evitar interferência, nas medições realizadas, de


sons não desejados como ventos no microfone ou corrente elétrica.
Durante as medições não houve variação das condições climáticas,
inclusive de vento, que pudessem interferir no nível de ruído captado
pelo microfone do aparelho medidor.

2.2. OS NÍVEIS SONOROS MEDIDOS

Os níveis sonoros foram medidos na data, horário e


condições especificadas, em cinco (5) pontos:

 Ponto 1

Salão de jogos no pavimento térreo do Edifício Tamboril,


que limita ao fundo com a boate;

 Ponto 2

Apartamento n.º 302, do Ed. Tamboril, pertencente ao


Senhor FAUSTO JOSÉ PASSAGLIA JÚNIOR, C.I. n.º 523210 SSP/
GO, expedida em 4/8/82 e sua esposa Senhora SILVANA MARIA
RINCON GONÇALVES PASSAGLIA, C.I. 705664 SSP/GO,
expedida em 4/8/82, sendo as medições realizadas na posição da janela
do quarto de casal que limita aos fundos com a boate;
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 Ponto 3

Apartamento n.º 202, do Ed. Ônix, pertencente à Senhora


MARIA LIGIA LIMONGI FRANÇA COELHO, C.I. 5943232, SSP/
SP, expedida em 17/1/79, na janela do quarto de solteiro que faz divisa
de fundo com a boate;

 Ponto 4

No interior da boate, à Avenida 85;

 Ponto 5

Em frente a boate, na calçada da Avenida 85, a uma


distância máxima de 5m (cinco metros) da porta principal de entrada do
estabelecimento considerado.

A seguir, ilustra-se, com um "croqui", sem escala, os pontos


de medição dos ambientes dos reclamantes em relação com a possível
fonte emissora de ruídos.
Rua 1128
3 1e2
5B
4
5A Av. 85
6

Figura 1 - Esquema de localização dos ambientes dos reclamantes em relação com a


possível fonte de ruídos, onde: 1- Pavimto térreo do Ed. Tamboril; 2 - Apto. 302 do
Ed. Tamboril; 3 - Apto. 202 do Ed. Ônix; 4 - Interior da boate Canal St. Clip Bar; 5 -
Entradas da boate, sendo 5A - principal e 5B - de serviço; 6 - Cond. Serra do Mar.

Seguindo as recomendações da NBR 10.151, nos pontos 1,


2, 3 e 5 os níveis de som foram determinados na função Nível sonoro
A
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equivalente (Leq). Esta função foi usada porque a Avenida 85, de tráfego
intenso, determina uma variação de valores numa faixa muito extensa,
fazendo com que a emissão de ruídos ocorresse num nível flutuante. As
medições na função Level Fast (LF) são indicadas para ruídos de nível
constante, como no interior da boate.

O nível sonoro equivalente - Leq (eqivalent energy level) é o


nível de pressão sonora que mantido constante durante 1 segundo têm a
energia equivalente àquela acumulada durante toda a medição. Este
índice permite avaliar a poluição ambiental pela média dos níveis de
ruído, desconsiderando eventos curtos e esporádicos, pela fórmula:
Leq = L50 + (L10 - L90)²/56

De acordo com a NBR 10.151 e com o manual de instruções


do medidor SC-20c (CESVA, 1999)1, pode-se calcular Leq através da
fórmula baseada no princípio de igual energia, na função renovada a

Leq1' = 10. log 1/60 . 0∫ 60. p(t)²/ po² dt

cada minuto (Leq1'):


Sendo: Leq1' - nível de pressão sonora equivalente contínuo
durante 1 minuto; p(t) - pressão sonora instantânea; po - pressão sonora de
referência; dt - tempo de medição no intervalo de 0 a 60 segundos.

Os resultados das medições efetuadas nos ambientes dos


reclamantes são apresentados na tabela 1.

Tabela 1 - Resultados das medições dos níveis sonoros equivalentes (Leq1'), nos
ambientes dos reclamantes, nas proximidades da boate Canal St. Clip Bar, no Setor
Marista, em Goiânia, realizadas nos dias 6 e 7/1/00.
Valores Valores estatísticos*, dB(A)
Local da medição Horário encontrados,
L90 L50 L10
em dB(A)
Ponto 1 - Pavimto térreo
23:45 63,5 53,3 54,9 66,7
Ed. Tamboril
Ponto 2 - Apto 302
00:25 66,7 53,1 57,1 68,6
Ed. Tamboril

1
CESVA. Manual de instruções do medidor de nível sonoro SC-20c. São Paulo: dBTronics, 1999.
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Ponto 3 - Apto 202


01:05 57,8 46,1 51,2 53,1
Ed. Ônix
Média - 62,7 50,8 54,4 62,8
* são os níveis de pressão sonora que tenham superado 90%, 50% e 10% do tempo de
medição, fornecidos respectivamente pelos valores de L90, de L50 e de L10.
As medições do ruído no ambiente da fonte emissora
analisada, tanto no interior como de fronte à entrada principal, são
apresentadas na tabela 2.

Tabela 2 - Resultados das medições de níveis sonoros, dia 7/1/00, no


estabelecimento Canal St. Clip Bar, à Av. 85, n.º 2409, St. Marista, em Goiânia
Função Valor enc., Val's estat's, em dB(A)
Local da medição Horário
usada em dB(A) L90 L50 L10
Interior do salão LF 02:15 79,7 74,0 80,1 81,9
Frente entrada
Leq1' 02:30 62,4 52,4 57,2 64,8
principal

3. MÉTODO DE AVALIAÇÃO DO RUÍDO EM RELAÇÃO À


RESPOSTA DA COMUNIDADE

De uma maneira geral, o ruído é responsável pela


provocação de queixas sempre que o nível exceder de uma certa margem
o ruído de fundo preexistente ou quando atingir um certo nível absoluto.

De acordo com o item 3.3. da NBR 10.151, o método de


avaliação do ruído baseia-se numa comparação entre o "nível sonoro
corrigido" (Lc) com um "nível critério" (Lcr).

Para ruídos de nível flutuante, considerado neste caso, o


"nível sonoro corrigido" (Lc), conforme item 3.2.2.b da retrocitada
norma, é dado por:

Lc = Leq + 5 (1)

O "nível critério" (Lcr), por sua vez, leva em consideração


várias características do ambiente, como o zoneamento da cidade ou o
nível de fundo preexistente. Na avaliação do ruído em circunstâncias
especiais, como no presente estudo, de queixas sobre um ruído
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determinado num lugar específico, deve ser usado como critério o "ruído
de fundo" ou "ruído ambiente".

O "ruído ambiente" é a média dos níveis de som mínimos no


local e hora considerados, na ausência do ruído em questão. Quando se
emprega a análise estatística dos níveis sonoros, o "ruído ambiente" é
considerado como o nível que é superado em 90% do tempo de
observação. Temos, portanto, que:

L90 = Lcr = "ruído ambiente" (2)

A avaliação do ruído em relação à resposta da comunidade,


é feita pela comparação entre os valores de Lc (equação 1) com os de L90
(equação 2). O ruído poderá provocar uma resposta da comunidade
sempre que:

Lc > L90 (3)

Extraindo-se os dados médios da tabela 1, calculamos


que: Lc = 62,7 + 5 = 67,7 dB(A); e, L90 = 50,8 dB(A).

Comparando-se os dois níveis calculados, obtemos a


diferença:

Lc - L90 = 67,7 - 50,8 = 16,9 dB(A) (4)

De acordo com a NBR 10.151, pode-se fazer uma


estimativa da reação pública ao ruído em função da diferença
encontrada, como se vê na tabela 3.

Tabela 3 - Resposta estimada da comunidade ao ruído


Diferença (Lc - L90) Categoria Descrição
0 Nenhuma Não se observa reação
5 Pouca Queixas esporádicas
10 Média Queixas generalizadas
15 Enérgicas Ação comunitária
20 Muito enérgicas Ação comunitária vigorosa
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Fonte: ABNT. "Avaliação de ruídos em áreas habitadas visando o conforto


da comunidade - NBR 10151". Rio de Janeiro: dez. 1987. p. 7, tabela 4.

Constata-se, pois, que a diferença de 16,9 dB(A) enquadra-


se numa faixa de resposta "enérgica a muito enérgica, tendendo a uma
ação comunitária vigorosa na reação ao incômodo".

4. TRATAMENTO E VEDAÇÃO ACÚSTICA INADEQUADOS


DA ATIVIDADE ECONÔMICA EMISSORA DE RUÍDO

Na vistoria do estabelecimento Canal St. Clip Bar, o técnico


subscrito foi acompanhado pelo seu Gerente, Sr. LUIS HUMBERTO
EVANGELISTA VIEIRA, constatando-se o seguinte:

• O estabelecimento não possui estrutura acústica


suficiente para permitir o isolamento e vedação do som, apesar do salão
ser completamente fechado e possuir porta dupla na entrada principal;

• No entanto, a cobertura não oferece a isolação esperada


pois possui estrutura convencional, acrescida de forro de madeira com
isolamento de isopor;

• Observou-se que não há tratamento acústico com


material isolante como aglomerado de madeira, lã de vidro, vedação das
telhas com cobertura de tinta e jateamento com lux acústico e tecido para
acabamento;

As medições realizadas no ambiente dos reclamantes (vide


tabela 1) evidenciaram que ocorre vazamento e propagação do som
através do telhado da boate, alcançando os moradores dos apartamentos
dos edifícios localizados na divisa de fundo com a fonte de ruído.

Segundo Bellia & Bidone (1992)2, considerando a boate


como fonte emissora, a propagação do ruído apresenta um perfil cujo

2
BELLIA, V. & BIDONE, E. D. Rodovias, recursos naturais e meio ambiente. Niterói: EDUFF; [Rio
de Janeiro]: DNER, 1992. 288 p.
Figura 2 - Efeito esquemático do perfil da propagação do ruído, em 70 e 75 dB,
tendo como fonte emissora a boate Canal St. Clip Bar, afetando os moradores dos
Edifícios Ônix e Tamboril, no Setor Marista.
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impacto da pressão sonora exerce efeito direto nos moradores dos


Edifícios Ônix e Tamboril (fig. 2).
O desenvolvimento da atividade econômica em foco, nas
condições acima relatadas, converte-se portanto numa fonte poluidora,
responsável pelo desconforto da comunidade habitacional.

5. AVALIAÇÃO AMBIENTAL DO RUÍDO TENDO EM VISTA O


CONFORTO DA COMUNIDADE

Para Bellia & Bidone (op. cit.), as emissões do ruído de


tráfego, que são carregadas de energia e de curta duração, correspondem
ao índice L10 dos valores estatísticos da tabela 1.

Os índices L10 que afetam os moradores do Setor Marista


com residências nas proximidades da via 85, evoluem de 66,7 dB, às
23:45, com pico de 68,6 dB, à meia noite e meia, decaindo para 53,1 dB
no horário de 01:05. Nota-se, portanto, que em 10% do tempo do
período noturno, no qual exige-se repouso absoluto, as pessoas estão
submetidas a ruídos perturbadores do sono.

Além dos fenômenos acústicos gerados pelo tráfego


urbano, os resultados apresentados na tabela 1 mostram níveis médios
de energia acústica (Leq) de 62,7 decibéis (dB) no período noturno.

Ocorre, assim, uma atividade específica emissora de ruídos


que contribui para a elevação da poluição sonora em valores cujos níveis
ultrapassam o "ruído de fundo" ou "ruído ambiente" (L90 = 50,8 dB).

A Resolução CONAMA n.º 001/90, estabeleceu os padrões,


critérios e diretrizes necessários à saúde e ao sossego público,
considerando como limites aceitáveis aqueles estabelecidos pela "NBR
10.152 - Níveis de ruído para conforto acústico", da ABNT. Na tabela
4, estes valores são mostrados para residências, escolas e hospitais.

O índice Leq no período noturno, medido nesta região do


Setor Marista, de 62,7 dB, está acima dos valores, tanto aceitáveis como
de conforto acústico, recomendados pela ABNT para uma zona urbana
com residências, escolas e hospitais, como é o caso em foco.
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Tabela 4 - Valores para níveis sonoros aceitáveis


(limite superior) e de conforto acústico (limite inferior)
Locais dB(A)
Residências
Dormitórios 35-45
Salas de estar 40-50
Escolas
Bibliotecas 35-45
Salas de aula 30-40
Hospitais
Enferm., cent. cirurg. 35-45
Áreas para uso público 40-50
Fonte: ABNT. "Níveis de ruído para conforto acústico -
NBR 10.152". Rio de Janeiro: mar. 1987. p. 2, tab. 1.

6. OS EFEITOS DA POLUIÇÃO SONORA SOBRE A SAÚDE


PÚBLICA

Pimentel-Souza et al (1998)3 afirma que, verbis:

"O ruído atrapalha o sono e a saúde através do estresse ou


perturbação do ritmo biológico. Em vigília, o ruído de até 50
dB(A) pode perturbar, mas é adaptável. A partir de 55 dB(A)
provoca estresse leve, excitante, causando dependência e levando
a durável desconforto. O estresse dregadativo do organismo
começa a cerca de 65 dB(A) com o aumento de freqüência do
estresse provocando desequilíbrio bioquímico, aumentando o
risco de morte por todo tipo de doença degenerativa(...). Por
outro lado, o sono, a partir de 35 dB(A) vai ficando superficial, à
75 dB(A) atinge uma perda de 70% dos estágios profundos,
restauradores orgânicos e cerebrais (...)" (grifamos).

Os cientistas atestam que o sono é um fator fundamental na


qualidade de vida. Um dos efeitos perversos da poluição sonora é a
interrupção do sono, que conspira contra a saúde pública e contribui
como um dos fatores de degradação da qualidade de vida urbana.

3
PIMENTEL-SOUZA, F. & ÁLVARES, P. A. S. A poluição sonora urbana no trabalho e na saúde.
1º Prêmio Brasil-ANEST/92. Belo Horizonte: set. 1998 (mimeo.).
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Tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) como a


Organização Internacional do Trabalho (OIT), apud Pimentel-Souza et al
(op. cit.), afirmam que, simultaneamente aos efeitos sobre o sono, o
estresse auditivo, mantido em níveis acima de 55 dB, se torna crônico,
advindo as seguintes conseqüências:

 Efeitos psicológicos, ansiedade, instabilidade emocional,


irritabilidade, nervosismo;

 Distúrbios neuro-vegetativos, sonolência, insônia, perda


de apetite, redução da libido;

 Aumento da prevalência de úlcera, hipertensão,


distúrbios visuais, fadigas, perturbações labirínticas;

 Alto consumo de tranqüilizantes, aumento do número de


acidentes, de consultas médicas, do absenteísmo, etc.

Por ocasião da vistoria e medições realizadas, o perito infra-


escrito entrevistou moradores e se deparou com situações que
caracterizam uma situação de quebra do sossego público por distúrbio
acústico, podendo gerar os efeitos adversos retro-mencionados:

 A Senhora MARIA LIGIA L. F. COELHO, do


apartamento 202, do Ed. Ônix, mostrou caixas de
tranqüilizantes que passou a consumir, afirmando que
anteriormente não o fazia;

 A família do Senhor FAUSTO J. PASSAGLIA


JÚNIOR, do apartamento 302, do Ed. Tamboril, com
sua esposa e três filhos, sendo uma filha de dezessete
anos que se preparava para a segunda fase do vestibular
da UFG, e mais uma sobrinha de apenas 3 anos de idade,
estava acordada até altas horas da madrugada; a Senhora
SILVANA PASSAGLIA afirmou que usa a área de
serviço, de maior isolamento acústico do apartamento,
onde coloca uma colchão sobre o piso para conseguir
dormir;
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 O Senhor CARLOS DE MORAES E SILVA, C.I. n.º


27961 SSP/GO, expedida em 4/2/74, morador do
apartamento 101, do Ed. Ônix, com vista para a Rua
1128, mesmo não dando fundo para a boate, reclamou
das perturbações provocadas por alguns usuários da
boate quando:

"principalmente após as 3 horas da madrugada,


embriagados e às vezes drogados, promovem algazarra
perturbadora".

 O Senhor EURÍPEDES JOSÉ DE CARVALHO, C.I.


625237, 2ª Via, SSP/GO, expedida em 26/8/98, trabalha
há mais de 11 anos como Porteiro noturno do
"Condomínio Serra do Mar", que fica na Av. 85, em
frente ao estabelecimento em tela, afirmou que os
moradores do condomínio reclamam da maior
intensidade do barulho que:

" ocorre na Avenida 85, entre 3 e 4 horas da madrugada,


causado por algumas pessoas desordeiras que estão saindo da
boate".

Segundo os autores consultados, os principais fatores de


ruído urbano no Brasil são o trânsito de veículos automotores; as
atividades boêmias e semi-industriais nas zonas residenciais; a ausência
de normas mais rigorosas na fabricação de veículos, equipamentos e
máquinas menos poluentes; a falta de medidas nas áreas do urbanismo
(zoneamento, espaços livres, corredores de circulação das brisas
térmicas, barreiras acústicas vegetais, etc.); o deficiente desenvolvimento
urbano gerador da metropilização e megapolização; e o relativo atraso na
evolução tecnológica da engenharia e da arquitetura nacionais (materiais
construtivos e projetos de melhor acústica, etc.).

A gestão urbana deve levar em conta estes fatores visando


proporcionar mais conforto acústico aos cidadãos.
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7. LIMITES LEGAIS DE POLUIÇÃO SONORA

Além da legislação federal citada, - Resolução CONAMA


n.º 001/90 e Normas 10.151 e 10.152 da ABNT -, na qual este laudo se
fundamentou para ser elaborado, a legislação estadual de Goiás vem
reforçar os limites de poluição sonora aqui adotados.

De acordo com o Decreto n.º 1.745/79 - que regulamentou


a Lei n.º 8544/78 de Controle da Poluição no Estado de Goiás, - no
seu artigo 69, parágrafo único, estabeleceu que o nível máximo de som
ou ruído permitido para a zona urbana, é de 45 dB(A), no período
noturno e de 55 dB(A), no período diurno.

O Código de Posturas do Município de Goiânia (Lei


Complementar n.º 014/92) , no seu art. 46, proíbe a perturbação do
sossego e do bem-estar públicos ou da vizinhança com ruídos ou sons
de qualquer natureza, impondo aos estabelecimentos potencialmente
poluidores, a obtenção de licença prévia da Prefeitura.

Por sua vez, a Lei de Zoneamento do Município de


Goiânia (Lei Complementar n.º 031/94), nos seus artigos 1º e 2º,
estabeleceu como um dos fundamentos da propriedade urbana a sua
função social, atendida quando, entre outros requisitos, o seu uso é
compatível com as condições de preservação da qualidade do meio
ambiente e proporciona garantia de saúde dos seus usuários e da
vizinhança.

Em decorrência, a lei citada estabeleceu as zonas de uso do


solo compatíveis com estes preceitos de qualidade de vida. Pode se ver,
assim, que a localização do empreendimento Canal St. Clip Bar, nas
atuais condições de funcionamento, contraria estes dispositivos da Lei de
Zoneamento.
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8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Diante do exposto, podemos estabelecer as seguintes


conclusões:

 A atividade do estabelecimento Canal St. Clip Bar


contribui para que os níveis sonoros médios com ruído
de fundo, na região pesquisada, fiquem acima dos
limites máximos permitidos pela legislação federal e
estadual de controle da poluição sonora;

 A comunidade circunvizinha à boate está exposta a doses


diárias de ruídos, acima dos limites de tolerância
admitidos para a saúde humana;

• A boate localiza-se em área urbana, em zona de uso


residencial, o que gera um conflito com as normas, os
padrões e os parâmetros determinados pelo Plano
Diretor de Goiânia, pela Lei de Zoneamento da Cidade e
pelo Código de Posturas;

• A boate não dispõe de equipamentos de contenção


acústica adequados para a realização dos eventos
noturnos permitindo, assim, a emanação de ruídos acima
dos limites tolerados pela comunidade habitacional;

• São promovidas algazarras no entorno da boate, por


alguns freqüentadores da mesma, que contribuem para a
elevação nos níveis de ruído e para a poluição sonora.

Q.E.D., podemos recomendar:

• Iniciar os meios processuais necessários ao embargo da


referida atividade econômica, enquanto não forem
efetivadas as medidas de vedação acústica necessárias,
de acordo com projeto técnico a ser aprovado no ato do
licenciamento pelo órgão competente;
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• Requerer da boate a elaboração de um projeto de


contenção acústica, de acordo com as normas técnicas
recomendadas, a ser submetido à aprovação dos órgãos
ambientais competentes, para sua execução, como um
pré-requisito ao desenvolvimento da atividade enfocada;

• Requerer da Secretaria Municipal de Fiscalização e da


Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Goiânia -
SEMMA, nos seus respectivos campos de atuação, as
providências estabelecidas pela legislação ambiental
para o controle da poluição causada pela referida
atividade;

• Notificar o Município de Goiânia para que, através da


Secretaria de Fiscalização, realize a interdição do
estabelecimento enfocado, até a efetivação das medidas
necessárias de controle acústico.

S.M.J. este é o nosso parecer, elaborado, digitado e assinado


pelo técnico infra-escrito, no anverso de quinze (15) laudas, todas
rubricadas.

Goiânia, 10 de janeiro de 2000

Osmar Pires Martins Júnior4


Biol. CFB 4050, Eng. Agr. CREA/GO 3957/D
Assessor Técnico do Centro de Defesa do Meio Ambiente

4
Formado em Engenharia Agronômica (1985) e Bacharel em Biologia/Modalidade Ecologia (1980)
pela Universidade Federal de Goiás (UFG); e em Licenciatura em Biologia (1992) pela Universidade
Católica de Goiás (UCG); Especialista em Engenharia de Irrigação (1989) e Mestrando em Ecologia
(1998) pela UFG; Secretário Municipal do Meio Ambiente de Goiânia (1993-96); Membro dos
Conselhos de Defesa do Meio Ambiente do Município de Goiânia e do Estado de Goiás (1993-6);
Membro do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de Goiânia (1993-6);
Presidente da Fundação Museu de Ornitologia (1993-96); Diplomado pela União Brasileira dos
Escritores (UBE-Go) com o troféu Tiokô de Ecologia (1995-6); Autor do livro "Uma cidade
ecologicamente correta", AB Editora, 1996, 224 p.

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