Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
vernáculos não faltem, pensador da política mais inusitado do que Fernando Pessoa.
Pensar a política nunca foi sua vocação principal, mas seu pensamento expressa a
à modernidade política das mais astutas e provocantes. Mas que lições pode um poeta
virtudes?
característica muito particular do seu pensamento político. Ele pensa e reflete sobre o
Portugal enquanto civilização, e seu ceticismo e pessimismo quanto ao futuro dela são
evidentes, seja nos momentos em que enxerga um futuro político mais imediato para o
país, como durante o curto governo de Sidônio Pais, seja quando teme por aquele futuro,
curiosamente constrói uma imagem de uma outra civilização, para ele desejável,
enunciada na forma de uma utopia enrustida, que para nós talvez sirva como um ponto de
experiência lusitana.
1
O Brasil é surpreendentemente ausente das reflexões políticas de Pessoa, bem
como os pensadores brasileiros, até mesmo aqueles que circulavam pela Europa do
começo do século vinte. Ricardo Reis o árcade parnasiano bucólico. Mas há naquelas
Colingwood
Foram muitos os pensadores sociais brasileiros que refletiram sobre esta temática,
sempre em busca das especificidades de nossa experiência histórica e como ela nos
permitiu uma outro tipo de inserção no curso da modernidade, mas poucos foram aqueles
que se debruçaram sobre o tema utilizando como veículo o conceito de civilização. Uma
das raras (e gratas) exceções é Affonso Arinos, cujo capítulo inicial de Conceito de
2
4. “A caracteristica differencial que separao processo cultural do processo civilisador
é que o primeiro tende para aquillo a que creio podermos chamar a ‘naturalisação
do homem’, emquanto o segundo realisa precisamente o inverso, isto é: a
‘humanisação da natureza’” (29) Na cultura, homem submete o mundo por meio
da “revelação e do conhecimento do mundo” (filosofia, ciênciam religião, arte,
literatura) enquanto que na civilização esta submissão se dá pelo “aproveitamento
do mundo” (técnica, expressa nas organizações políticas, economicas, sociais, no
direito, ciências aplicadas, e geografia humana).
5. Cultura – realização dos valores vitais. Civilização – realização dos valores culturais,
que contém uma teoria da vida social (36-7)
6. Características da civilização brasileira: “a salvação pelo acaso” (157ff.)
Antônio Quadros, pela Ed. Europa-América, na coleção Livros de Bolso), o poeta Fernando
política adotada por cada estrato. Segundo Pessoa, são em número de três os grupos
do sentimento social.
pretendem o progresso político através de alterações sociais dentro dos moldes políticos
alteração dos moldes políticos vigentes. Racionalistas, calculistas, sabem o mundo que
3
querem e de que precisam, mas herdeiros que são da tradição da liberdade, impõem
progresso e inalterada, e aceitam o uso da força e da violência para estes fins. Sua miopia
consiste em não enxergar “ser coerente é uma doença” e que a lógica social requer, antes
e acima de mais nada, a disposição adaptativa para a mudança. À miopia dos reacionários
corresponde o estrabismo dos radicais, que querem transformar tudo in toto, até mesmo
Fernando Pessoa anuncia que tem “uma saudade imensa de um futuro melhor”.
desenvolvimento de uma civilização que já houve, pelo menos nos tempos de Bandarra e
do Rei Encoberto. Portugal havia abandonado a sua trajetória gloriosa, e perdido portanto
passado; onde a vitalidade nacional reside na continuidade histórica com aquele ponto. O
nacionalismo português dos que depuseram Sidônio Pais também não era integral, pois
não estava definido por certos atributos psíquicos e pela sua imanência e permanência.
Portugal, para Pessoa, era um país sem conflitos culturais, onde apropriava-se
4
civilização, para ele, são precisamente estes conflitos culturais, que permitem a formação
encontrado expressão em um Brasil que ele não pôde testemunhar, pois encontrava-se
tempos à frente. Em nosso país, o jogo civilizacional e os conflitos culturais que o definem,
são uma constante, e não é à toa somos que singulares por isto. Fosse Pessoa leitor de
nosso pensamento social, teria encontrado dicas neste sentido em Nabuco, por exemplo.
Leu Comte, no entanto, e irritou-se com o conceito de ordem por ele elaborado. Para
desordem. Era natural que tivesse surgido na França, sociedade tomada de uma doença
civilizacional. Aqui, recusamos conferir à politica, à religião e até mesmo a vida social o
estatuto de locus privilegiado para o desenvolvimento deste jogo. Isto seria conferir a
nossa nacionalidade o seu primeiro traço de ordenação imperativa. Aqui, sabemos, como
sabia Pessoa, que estas esferas são apenas lugares que competem pelo privilégio de inibir
os nossos instintos. “Quando é que despertaremos para a justa noção de que a política,
religião e vida social são apenas graus inferiores e plebeus da estética – a estética dos que
ainda a não podem ter?”, pergunta o poeta. A guerra é o lugar onde florescem os instintos;
5
a civilização é onde eles devem ser inibidos. Mas sua reclusão a uma esfera particular os
E assim é também a religião; portanto, nem a política, nem a religião, e nem a vida social
(como um todo orgânico) são capazes de comportar este jogo civilizacional. Neles não
pode florescer a estética “dos que ainda a não podem ter”; neles frui a estética dos que já
a tem.
No Brasil, outorgamos somente aos lugares onde pode crescer uma cultura política
popular o privilégio de gerarem a estética “dos que ainda a não podem ter”. A nossa
que assim permaneça, como nos lembra Maria Alice Rezende de Carvalho. (elaborar)
Aqui, desde os tempos em que Pessoa pensava sua tipologia de grupos sociais,
um povo civil, na classificação dos três povos feita por José Murilo de Carvalho, “ignorante,
analfabeto, doente, um Jeca Tatu”, filho bastardo de um liberalismo caboclo e que jamais
6
marginalmente, sempre defendendo movimentos reformistas com maior ou menor vigor,
desde que permitam a nossa “modernização sem mudança”. O lado positivo da ação social
dos nossos desequilibrados, por sua vez, aqueles a quem José Murilo de Carvalho chama
pelos pensadores da nossa sociedade; afinal, em nosso país, a lógica do jogo civilizatório
sempre esteve nas mãos de gente equilibrada, mesmo em seus momentos mais violentes
instituições democráticas não são consolidadas; mas isto não é porque somos
jogo da civlização brasileira tenha regras sempre abertas, passíveis de revisão, e não
permitiremos que a política, a religião, nem mesmo a vida social como um todo, colonize
este jogo. Segundo Pessoa, mais uma vez, “o grande mal dos modernos é ter perdido o
senso comum sem terem aprendido a raciocinar.” A razão que viria suplantar aquele senso
comum nunca se consumou, e ficaram os povos do Norte sem uma coisa nem outra. No
Brasil, peo contrário, não perdemos o senso comum nem abdicamos de aprender a
raciocinar. Aqui sabemos muito bem que, para reter o senso comum, precisamos nunca
nos deixar iludir pela idéia de que já aprendemos a raciocinar. Operamos com um
presente. Aqui, não esperamos pelo retorno do Encoberto, nem pelo novo profeta que
7
dirá quando ele virá. Aqui, desencobrimos todos os reis e denunciamos todos os profetas,
e escrevemos assim, a nossa história do futuro. Nossa sabedoria maior é uma “saudade
Saudade – o que significa substituir uma esperança de futuro melhor por uma saudade de
futuro melhor?
Saudade opera no registro das paixões também, mas não é convertida em operação da
8
Solidão - repouso/recuo – interrupção do curso de ação e reconstrução de uma
diálogo interno com o tempo ou espaço distante antes de um novo ato (realizável ou não)
cujo principal atributo é ser apaixonado. Se não realizado (o ato), saudade ou gera
se sobrepõe a tristeza, e saudade gera salvação, mas nem sempre acompanhada de saúde.
um dialogo interno com algo que ainda não há mas que se deseja. Se não segue uma ação,
reconstrução da tradição, opera como moderadora das projeções para o futuro. A alegria
se sobrepõe à tristeza, e a saudade gera saúde mas não necessariamente salvação, pois
enquanto que no caso da saudade do passado, este reside prisoneiro de uma reconstrução
na memória do sujeito que o permite a salvação solitária, ainda que capaz de produzir dor,
salvação que, neste caso, reside em um mundo em que a solidão não é capaz de produzir
9
10