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Novos caminhos para profissionais da educação

Rodrigo Vinícius Sartori

Código Logístico

57140

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6351-2

9 788538 763512
Novos caminhos
para profissionais da
educação

Rodrigo Vinícius Sartori

IESDE BRASIL S/A


2018
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S26n Sartori, Rodrigo Vinícius
Novos caminhos para profissionais da educação / Rodrigo
Vinícius Sartori. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018.
156 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6351-2

1. Professores - Formação. 2. Prática do ensino. I. Título.


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Rodrigo Vinícius Sartori
Doutorando em Administração na Universidade Positivo (UP). Mestre em Engenharia da
Produção, especialista em Gestão do Conhecimento nas Organizações e engenheiro industrial elé-
trico pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor, pesquisador e con-
sultor sênior de gestão nas áreas de Qualidade e Inovação, com vivência internacional (EUA e
Espanha). Desenvolve trabalhos acadêmicos e empresariais em todo o Brasil.
Sumário

Apresentação 7

1 Ser professor no século XXI 9


1.1 Os desafios do mundo contemporâneo 9
1.2 Ser professor na atualidade 12
1.3 Múltiplas competências para o novo educador 15

2 Repensando a formação docente 21


2.1 A formação continuada 21
2.2 O pesquisador autodidata 25
2.3 O professor aluno 29

3 Novas possibilidades de atuação docente 35


3.1 Planejando a carreira 35
3.2 O professor empreendedor 39
3.3 Marketing pessoal e network 45

4 Novas possibilidades de atuação docente 51


4.1 A nova comunicação professor-aluno 51
4.2 A internet na sala de aula 55
4.3 Tecnologia como recurso didático 58

5 Novidades tecnológicas na sala de aula 65


5.1 EaD e Mooc 65
5.2 Realidade virtual 69
5.3 Realidade aumentada 73

6 Inovações na educação 79
6.1 Jogos educacionais 79
6.2 Aula invertida e ensino híbrido 84
6.3 Convivência com dispositivos móveis 87
7 Novas competências comportamentais 93
7.1 Liderança 93
7.2 Relacionamento interpessoal 97
7.3 Motivação 101

8 Noções de gestão para o professor 107


8.1 Qualidade e produtividade 107
8.2 Gestão de projetos 111
8.3 Gestão de conflitos 114

9 Tópicos especiais para o professor 121


9.1 A carreira internacional do professor 121
9.2 O papel do professor nos ecossistemas de inovação 126
9.3 O professor como agente político 129

10 A excelência docente 135
10.1 Leitura crítica 135
10.2 Maestria na escrita 140
10.3 Domínio da oratória 142

Gabarito 149
7

Apresentação

Há algo em comum entre professores experientes e novatos, concursados com carreira es-
tável em instituições públicas e ocasionais prestadores de serviço em instituições privadas, líderes
acadêmicos e empreendedores educacionais: neste momento histórico vivenciado, de início do
século XXI, todos, em absoluto, são demandados a serem menos especialistas e mais generalistas.
O cenário atual impõe cada vez mais funções agregadas ao papel de professor, que vê sua profissão
passar por uma rápida e firme transformação.

Diante dessa turbulência no campo profissional, abrem-se, ao mesmo tempo, diversas novas
possibilidades de atuação do educador na sociedade atual, tema que é exaustivamente debatido
neste livro. Novos caminhos esses que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional, se
bem aproveitados - o primeiro passo, naturalmente, é compreender o que ocorre com o mundo e
com o trabalho do professor.

É nesse sentido que o Capítulo 1 introduz essa reflexão sobre o que é ser professor no novo
milênio: os desafios do mundo contemporâneo, ser professor na atualidade e as múltiplas compe-
tências para o novo educador.

O objetivo do Capítulo 2 é repensar a formação docente. Por isso, uma análise crítica é reali-
zada a respeito da formação continuada, do pesquisador autodidata e do professor-aluno.

Com um teor bastante prático, o Capítulo 3 descreve as novas possibilidades de atuação docen-
te, em termos de planejamento de carreira, de empreendedorismo, de marketing pessoal e networking.

No Capítulo 4, analisando-se a nova comunicação professor-aluno, a internet na sala de aula


e a tecnologia como recurso didático, realiza-se, enfim, uma avaliação do grau de contribuição das
tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a educação.

As novidades tecnológicas na sala de aula são o foco do Capítulo 5, que apresenta aspectos
como EaD, Mooc, realidade virtual e realidade aumentada.

O Capítulo 6 se ocupa de algumas inovações específicas no campo da educação, como os


jogos educacionais, a aula invertida, o ensino híbrido e a convivência com dispositivos móveis.

O propósito do Capítulo 7 é explorar as novas competências comportamentais necessárias


ao educador da atualidade: liderança, relacionamento interpessoal e motivação.

No Capítulo 8, são apresentadas as noções essenciais de gestão para o professor, com foco nos
elementos de qualidade, produtividade, gerenciamento de projetos e gerenciamento de conflitos.

Reserva-se, no Capítulo 9, espaço para alguns tópicos especiais, que podem conduzir a car-
reira do professor à elevada distinção: a carreira internacional do professor, o papel do educador
nos ecossistemas de inovação e a agência política desse profissional.
Por fim, no Capítulo 10, descrevem-se atributos primordiais para o atingimento da excelên-
cia docente - a capacidade avançada na leitura, escrita e oratória.

A expectativa é que essa obra possa contribuir com a formação de professores diferenciados,
ainda mais competentes e que aproveitem todas as novas oportunidades ao seu alcance.

Bons estudos!
1
Ser professor no século XXI

Por que algumas pessoas se tornam professores? Ou, ainda mais importante, por que
alguns profissionais resolvem de maneira resoluta continuar sendo professores? Afinal, defi-
nitivamente essa não é uma ocupação para qualquer um, sobretudo no panorama atual (seja
no Brasil, seja mundo afora). A vocação para a educação é examinada pelas lentes das oportu-
nidades que se apresentam nos dias atuais, carregadas, todavia, de desafios à altura. Uma das
mais formidáveis carreiras profissionais é, aqui, cuidadosamente analisada, em conjunto com
as múltiplas competências a ela associadas. Afinal, uma sociedade em acelerado processo de
transformação, em todas as instâncias, exige mais do que nunca uma geração de educadores
de classe mundial.

1.1 Os desafios do mundo contemporâneo


De que forma mais desoladora um livro como este poderia iniciar, senão suscitando que
máquinas inteligentes podem substituir de maneira completa os professores em sala de aula?
Ao menos esse é o cenário anunciado por Anthony Seldon (SELDON, 2018), um dos dirigentes
da Universidade de Buckingham, historiador que escreveu biografias de grandes nomes (como
David Cameron e Tony Blair) e um grande estudioso da educação. Para ele, esse movimento é
irreversível e se inicia até 2030, como parte de um novo paradigma de modelo educacional “um
para um” – o máximo grau de personalização ou individualização do processo de aprendiza-
gem, com base no impressionante avanço da tecnologia de inteligência artificial.
Seldon (2018), que se diz “desesperadamente triste por isso”, mas receoso de estar certo,
acredita que se vive o momento por ele denominado de Quarta Revolução Educacional.
O pesquisador entende que a primeira grande revolução se caracterizou pela humanidade
aprendendo os conceitos básicos de sobrevivência, tais como cultivar alimentos, caçar e construir
abrigos – ou seja, uma proto-educação que garante minimamente estar vivo. O compartilhamento
organizado do conhecimento, mediante a elaboração dos sistemas de linguagem, constitui a
segunda revolução desse campo e, finalmente, a terceira revolução é marcada pela célebre invenção
de Johannes Gutenberg em 1450, a prensa móvel, que proporcionaria a escrita como elemento
central da cultura humana. A nova era educacional, que apenas se esboça no momento presente,
é a utilização massiva de máquinas inteligentes em sala de aula – embora a implicação seja tão
disruptiva que o próprio conceito de “sala de aula” é desconstruído.
Essa é uma visão que muitos podem acusar de pretensamente alarmista, enquanto outros
podem taxá-la de excessivamente fantasiosa. De todo modo, serve apenas como uma singela
amostra do que é tratado, afinal, quando se evoca a análise dos desafios do mundo contempo-
râneo – em suma, não são poucos e são altamente perturbadores.
10 Novos caminhos para os profissionais da educação

Seldon (2018) pode não estar completamente correto em suas assertivas – e ele mesmo ain-
da procura nutrir alguma fé que tenta tranquilizá-lo nesse sentido. Independentemente disso, o
cenário proposto é bastante útil para uma análise que conduza a repensar o papel do educador nos
tempos atuais. Ao menos uma característica é essencialmente verdadeira quanto ao futuro: ele está
aberto, podendo ser direcionado para onde for, conforme os esforços que se conduzam desde o
presente. Talvez o ponto de inflexão educacional proposto por Seldon (2018) não ocorra por volta
de 2030 – é verdade que soaria como um apocalipse tecnológico imaginar que seja muito antes
disso, mas provavelmente o que pode acontecer é que esse momento se manifeste décadas à frente.
O mundo real absorve cada vez mais as plenas possibilidades que outrora só poderiam ser
especuladas no campo da ficção. Talvez um dia uma “pílula do conhecimento instantâneo”, ou algo
do gênero, faça com que discutir educação como um processo perca todo o sentido. Quiçá um dia
professores artificiais façam o trabalho com uma maestria tal que sequer se cogite a possibilidade
de uma pessoa de carne e osso assumir novamente essa ocupação. Mas nada disso invalida a dis-
cussão acerca de uma melhor preparação dos professores para o futuro mais imediato (um hori-
zonte que cobre, ao menos, os próximos dez anos).
Voltando a frisar, o futuro está aberto, e há muito o que ser percorrido. Comparemos: na
astronomia, é sabido que o destino de toda estrela é tornar-se uma supernova, algo que inevitavel-
mente ocorrerá com o Sol, crescendo a ponto de engolir a Terra. Todavia, trata-se de um evento
para daqui a alguns bilhões de anos, prazo mais que suficiente para a humanidade trabalhar, com
toda folga, para procurar uma acomodação mais adequada Universo afora. Essa analogia propõe
que o pior dos cenários, o mais cataclísmico deles, é, ainda assim, uma motivação para reinventar-se
para seguir adiante. Por isso, o campo educacional como um todo não pode se restringir a uma
expectativa niilista, como alguém que adentra uma aguda crise existencial perguntando a si mesmo
“para que viver, se afinal a morte é certa” e, assim, desista de manter qualquer propósito.
Desde 2016, quando o Fórum Econômico Mundial trouxe à tona o tema Quarta Revolução
Industrial (ou Indústria 4.0), muito sem tem discutido sobre a automação, em geral, dos empregos
em todas as áreas imagináveis. O impacto sobre a educação é frontal – a começar pelo indicativo de
que a maior parte das crianças de hoje, ao chegar ao mercado de trabalho, irá ocupar empregos que
simplesmente não existem atualmente. Isso significa que a escola trabalha na atualidade conheci-
mentos que não terão adesão na realidade futura. Como consequência, não haverá outro caminho
senão a educação em regime permanente.
Alguns poderiam, então, se perguntar, com toda legitimidade: se o professor humano perde-
rá seu emprego para uma máquina, afinal o que é que se ensinará aos estudantes? Não fará sentido
que a inteligência artificial os prepare para serem médicos, engenheiros, advogados, administrado-
res ou qualquer outro tipo de emprego tradicional, uma vez que essa mesma tecnologia que ameaça
o protagonismo humano na docência causa semelhante impacto em todas as outras profissões.
Caso previsões como as postuladas por Kurzweil (2005) e Schwab (2017) se materializem
quanto a um possível futuro em que simplesmente máquinas trabalharão e pessoas não – e não ca-
bendo preocupação com “desemprego” porque as máquinas existirão para servir à humanidade em
todas as suas necessidades –, a educação certamente caminhará do atual dominante direcionamento
Ser professor no século XXI 11

tecnológico para uma pauta mais humanística e filosófica, por exemplo, aprimorando a competên-
cia das pessoas para o autoconhecimento, o relacionamento interpessoal, a caridade e a convivên-
cia com a diversidade.
Curiosamente, talvez se alcance o momento em que uma pessoa não ministre mais aulas –
mas seja, para todos os efeitos, professor. É preciso ter em mente que, na perspectiva da função do
educador, dar aulas é apenas uma das inúmeras atividades inerentes a essa atividade profissional,
algo, aliás, que este livro se ocupa de examinar exaustivamente, ao oferecer uma análise pormeno-
rizada da atuação do professor no mundo contemporâneo.
Não se trata, portanto, de discutir uma mera estratégia de máximo aproveitamento humano
enquanto a automação silenciosamente prepara caminho para um implacável descarte das pessoas.
No que se refere a novas tecnologias educacionais, os educadores dispõem da oportunidade de
liderarem a transformação da educação, com discernimento para priorizar o que seja necessário
e apontar as direções que precisam ser percorridas. A equação que mescla o social, o tecnológico,
o econômico e o ético é de difícil resolução, demandando o talento humano por excelência – ao
menos, ainda por um bom tempo, suficiente para que os profissionais da educação se mobilizem
pela sua própria capacitação e desenvolvimento de alto nível.
Se os desafios da contemporaneidade no que tange à tecnologia são vultuosos, precisamos
nos lembrar de que a variável tecnológica é apenas uma entre vários outros aspectos: o lado cultural
também é preocupante.
É fato incontestável que tal formação cultural não está relacionada à condição econômica
de um indivíduo, como provam as inúmeras “celebridades” expostas quase 24 horas por dia nas
mídias de comunicação – quanto mais se expõem, mais demonstram publicamente a natureza de
miséria cultural que detêm. Ter dinheiro para poder mandar um filho estudar no exterior, em uma
tentativa de redenção familiar, não serve de muita coisa: a carência cultural que envolve a formação
universitária não é um fenômeno unicamente brasileiro, mas um tanto quanto uniforme no mun-
do atual. É verdade que algumas instituições do mais alto quilate em nível internacional – como
o célebre Ivy League, grupo constituído por oito das universidades mais prestigiadas dos Estados
Unidos: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton, Universidade da Pensilvânia
e Yale – realizam um trabalho extraordinário, principalmente na formação de empreendedores e
executivos de alto nível de desempenho. Contudo, preparar alguém para a melhor posição possível
no mercado de trabalho ainda está a meio caminho de torná-lo um cidadão na plenitude do con-
ceito. Mas, levando em consideração a realidade de formação das universidades e faculdades de
desempenho mais mediano, da população em geral, com o típico dilema de ou trabalhar ou estu-
dar, e especialmente no Brasil, com as dificuldades inerentes a um país subdesenvolvido, o cenário
mostra-se desalentador – pobreza cultural extrema torna-se alienação social das mais perigosas.
De todo modo, a aversão que a população em geral demonstra por alta cultura não é um fenômeno
isolado neste momento histórico, mas algo que atravessa as gerações.
Não parece haver nessa exclusão injustiça ou perseguição. Um país que almeje alta cultura
precisa, primeiramente, compreender o que significa tal expressão. Mas, no Brasil, a Constituição
Federal atualmente vigente (promulgada em 1988) define cultura como aquilo que dá testemunho
12 Novos caminhos para os profissionais da educação

do modo de ser de um povo, o que é, no mínimo, fortemente questionável: afinal, tal modo de ser
carrega só virtudes? É evidente que não, e os exemplos vexatórios que são admitidos certamente
dispensam enunciação.
Em suma, ser professor implica conviver, nos dias atuais, com desafios constantes, severos e
que colocam verdadeiramente à prova a vocação para esse trabalho: há de se concordar com quem
diga que ser professor é para quem nasceu para isso. O panorama tecnológico e o cultural, juntos,
embora não representem a totalidade dos aspectos envolvidos, têm hoje um peso tal que acabam
quase por ofuscar os demais (como valorização da profissão, mercado de trabalho, qualidade de
vida etc.).
Todas as pessoas já tiveram ao menos um professor que ficou marcado na memória por
um bom motivo, e a razão disso não é o conteúdo programático oficial que foi repassado em uma
aula, mas, sim, uma frase colocada de modo oportuno, um posicionamento preciso diante de um
problema ou um incentivo para que o aluno enfrentasse determinada situação da vida. Quando um
professor se vê diante de uma turma, nunca sabe quem dali se tornará um empresário de sucesso,
um governante ou um especialista consagrado em alguma área do conhecimento – ou, não menos
importante, um cidadão de moral ilibada. Por vezes, o impulso decisivo na realização ou não das
potencialidades de uma pessoa depende da sorte de contar com o professor certo, na hora certa.

1.2 Ser professor na atualidade


Se o discurso politicamente correto é o de que “ser professor é a mais nobre das profissões”,
os momentos de intensa crise de desemprego são úteis para escancarar, na prática, infelizmente,
o menosprezo pela função docente. Em 2016, um jornal de circulação nacional no Brasil causou
polêmica com uma reportagem cujo título era “Professores e garçons estão entre os bicos mais bus-
cados”, completado pelo subtítulo: “Chance. Quantidade de trabalhadores informais cresceu de 668
mil para 746 mil, aponta a Acic. Medida é saída para o desemprego”. Embora o teor da reportagem
tenha se referido mais precisamente à função de professor particular, a forma como a chamada da
matéria foi estabelecida foi suficiente para uma reação incendiária à época, principalmente nas
redes sociais. No ano seguinte, ocorreu nova polêmica, e dessa vez com razões bem mais justas: um
grande grupo educacional brasileiro, recrutando uma das celebridades televisivas do momento,
lançou seu curso de formação pedagógica na modalidade EaD (educação a distância) com a cha-
mada: “Segunda graduação: torne-se um professor e aumente sua renda! Não precisa de vestibular”.
Como se fosse pouco constrangimento, aconteceu ainda de um grupo concorrente plagiar a peça
publicitária, lançando sua propaganda com exatamente os mesmos termos – trocando apenas a
celebridade por outra de mesmo apelo popular.
De todo modo, embora o contingente de docentes no Brasil seja formado por todo tipo
de perfil, desde os que sempre sonharam lecionar até os que adotaram assumidamente a estra-
tégia “se tudo mais der errado, eu me torno professor”, não se pode desprezar os profissionais
que tenham entrado na função, mesmo pelas razões mais erráticas possíveis, por uma única
razão: a solução para o problema passa fundamentalmente pelo aperfeiçoamento individual.
É de um em um que se desperta a consciência de quanto é necessário assumir a responsabilidade
Ser professor no século XXI 13

pelo próprio aprimoramento como educador, de construir sua própria jornada para a excelên-
cia na nobre ocupação, que acabará por resultar em um quadro social profundamente diferen-
te do vivido atualmente.
Mundo afora, conforme explicam Bacila (2016) e Ball (2017), o exercício da atividade profis-
sional na educação se distingue em muitos aspectos. Em Portugal, por exemplo, existe um estatuto
docente, desenvolvido pelo Ministério da Educação, que conduz as políticas referentes ao sistema
educacional. Além disso, a categoria é calçada por uma estrutura sindical forte, que contribui para
que profissionais contem com a progressão de carreira. Estados Unidos e Inglaterra são alguns dos
países em que o título profissional de professor só é alcançado após o doutoramento do educador.
Para Evans (2016), a atualidade impõe seus desafios à atividade docente, cabendo refletir
sobre os caminhos a seguir no que diz respeito ao propósito dos professores no século XXI. É de se
admitir que, hoje, a evolução das carreiras e dos papéis acadêmicos tenha atingido um ponto crítico.
A esse ponto, estaria o título de professor ameaçado de extinção? Há quem critique esse título
como estritamente anacrônico, argumentando que não se cumpre mais seu propósito tradicional.
Afinal, com a proliferação que se vê do professorado no mercado de trabalho, é difícil argumentar
que o rótulo “professor” continua a sustentar a distinção que ele já fez por merecer um dia.
De acordo com o mesmo autor, as instituições de ensino têm sido fundamentais no que se
refere a ampliar os parâmetros do que a profissão de professor implica, em termos de propósito
docente. Visando melhor aproveitar as habilidades e talentos de seus acadêmicos mais antigos – e
talvez até mesmo justificando salários e status desses educadores experientes – os espaços univer-
sitários parecem ter reinventado o conceito de docência, em um movimento voltado a apoiar o
cumprimento dos seus objetivos institucionais e a promulgação de suas estratégias organizacionais.
Nesses termos, papéis que vem sendo agregados à atividade docente incluem zelar pela melho-
ria do status institucional, a função de embaixador da instituição junto à comunidade externa,
o de informante público, o de repositório de conhecimento especializado, de mentoria, de geração de
receita (ativo econômico), gestão e, não obstante, o termo “coringa” (muitas vezes, genérico e abstra-
to) no qual todas essas e possíveis outras funções podem ser agregadas: a liderança acadêmica.
Para justificar a reinvenção do papel docente, as altas lideranças e gerências das instituições
de ensino usualmente se valem do argumento de que os dias do acadêmico “monofoco” desapa-
receram: assim, todos os professores devem agora se esforçar para responder ao desafio de uma
adaptação ao ambiente dinâmico e modificado que é a academia do século XXI. Fazê-lo envolve
expandir o repertório de habilidades e ampliar os parâmetros de seus domínios de conhecimento,
aumentando, assim, o leque do que pode e deve ser coberto. Desse cenário, emerge que a pressão é
um componente típico, por assim dizer, parte integrante de um ambiente de trabalho tão dinâmico.
Na prática, isso pode denotar um fato inequívoco: nos dias atuais, se um professor não se sentir,
de forma geral, estressado com seus afazeres no dia a dia, isso poderia ser interpretado como um
alarme no que diz respeito à continuidade no emprego ou progressão de sua carreira profissional
(EVANS, 2016).
Segundo Evans (2016), essa tão bem quista adaptabilidade para os dias atuais é, por certo,
um valor de difícil contestação. A dificuldade também se impõe sobre a tentativa de se observar
14 Novos caminhos para os profissionais da educação

e concluir com segurança acerca da direção ante a qual os ventos da mudança estão soprando e
seguindo seu curso. Os professores mais antigos, atuantes, por exemplo, na época das décadas de
1970 e 1980, podem testemunhar sobre a grande importância dos resultados de pesquisa científica
como parâmetro para evolução na carreira – notadamente, a quantidade de artigos publicados
em periódicos científicos renomados. Contudo, nos dias atuais, já se torna necessário incluir uma
lista consideravelmente mais longa de indicadores de desempenho docente – mesmo no tocante à
pesquisa, outros fatores se tornam mais significativos, como, por exemplo, liderança de grupos de
pesquisa e orientação de outros pesquisadores (como mestrandos e doutorandos). Dessa forma, re-
presentando uma adaptabilidade consumada ao ambiente atual, as promoções e acesso às melhores
oportunidades na carreira docente vão exigindo foco, interesses e expertise mais amplos.
A evidente vastidão e difusão do que seus titulares parecem aceitar como realidade do papel
docente na academia do século XXI é uma questão que as instituições de ensino precisam levar a
sério. Afinal, existe o risco de diluir o entendimento daquilo que é consensualmente reconhecido
como objetivo principal dos professores: o comprometimento prioritário com pesquisas e estudos
do mais alto nível, visando produzir e disseminar o estado da arte do conhecimento. Cumpre ob-
servar que, etimologicamente, “professor” é quem professa algo, e esse algo é, em última análise, a
integridade do conhecimento.
Ainda para Evans (2016), o impacto dessa diluição das atribuições já parece ser evidente:
por sinal, estudantes que demonstram habilidades alternativas ou compensatórias ante aquilo que
as instituições de ensino nos dias atuais valorizam bastante – como capacidade de garantir finan-
ciamento para pesquisas, pensar estrategicamente, realizar apresentações públicas convincentes
e bem articuladas, ou mesmo inspirar e motivar os outros –são facilmente encaminhados à do-
cência. Vive-se, nos dias atuais, uma democratização do professorado – contudo, há que se levar
em consideração que tal movimento é alinhado às necessidades atuais das instituições de ensino,
tratando-se, pois, de uma democratização muito mais baseada em habilidades do que em termos
de base social.
Não obstante, a democratização abre portas até então fechadas, ampliando o acesso à pro-
fissão. Evidentemente, quanto mais acesso, maior é o número de participantes; e quanto maior o
número de participantes, melhor diversidade é conseguida, implicando, inevitavelmente, em uma
amplitude muito maior de competências docentes das mais diversas naturezas. Assim, percebendo
uma necessidade ou aplicação para um conjunto de habilidades mais amplo entre os professores do
que era historicamente prevalente, as instituições de ensino parecem ter estendido gradualmente
os parâmetros dos papéis do professor, refazendo os propósitos desse profissional de acordo com
as agendas institucionais pautadas na produtividade.
Para Evans (2016), não resta dúvida que extrair o melhor proveito do professorado passa
por reavaliar o propósito e o papel desse profissional. Ao menos duas perspectivas apresentam
algumas maneiras possíveis de abordar essa questão fundamental. A primeira reconhece o pro-
pósito dos professores de envolver-se exclusivamente em atividades acadêmicas intelectualmente
notáveis, gerando conhecimento inovador para o benefício intrínseco da disciplina e, por exten-
são, para o benefício extrínseco da própria instituição de ensino. Esse propósito envolveria, pois,
Ser professor no século XXI 15

um papel único, não ambíguo e sem complicações – o de ilustre pesquisador (um cientista, para
todos os efeitos) – e impediria a incorporação de quaisquer responsabilidades adicionais ou su-
plementares que o desviassem, tornando os professores essencialmente profissionais especialistas.
Isso, claro, transparece um retrocesso no redesenho da profissão imposto pelo mundo contempo-
râneo. Por sua vez, a outra perspectiva reconhece que, diante da crescente pressão para expandir
suas próprias competências e seus propósitos, as instituições de ensino devem ampliar o foco e
repertório de atividades de seus professores.
Em suma, ponderando vantagens e desvantagens, a carreira docente se mostra um funil:
muitos a experimentam pelos mais variados motivos, mas poucos se consolidam. Não há outro
caminho para evoluir como professor senão desenvolver continuamente a competência para o
exercício profissional – aliás, tantas são as atividades da profissão e tão diversos são os desafios
associados que a prática acaba por exigir múltiplas competências simultâneas.

1.3 Múltiplas competências para o novo educador


Trabalhar como professor não se resume simplesmente a “dar aulas”. Para Wilkerson
(1999) e Arends (2014), o educador atua em quatro frentes de trabalho, quase sempre simul-
tâneas: ensino, pesquisa, gestão e extensão. Portanto, o conjunto das inúmeras competências
as quais o profissional precisa desenvolver está distribuído entre essas quatro dimensões, pois
cada uma possui peculiaridades.
A começar pelo mais óbvio, o ensino corresponde ao ato de lecionar, ou seja, a tudo o que
envolve o trabalho em sala de aula, ao relacionamento direto entre professor e aluno. Aqui, cabem
a abordagem tradicional, do encontro em sala de aula, e também as novas modalidades virtuais que
a tecnologia passou a possibilitar – tanto aquelas em que professor e aluno mantêm um relaciona-
mento tão estreito semelhante ao regime presencial, apesar da distância geográfica, quanto aquelas
em que o professor não conhece as características individuais de seu aluno (apenas um perfil geral
a respeito da turma) – mas, mesmo sendo abordagens diferentes, o professor deve sempre aprimo-
rar sua prática para garantir o conhecimento programado para determinado curso.
A pesquisa é o campo de produção científica do professor. Mediante a restrita aplicação
de métodos qualitativos e quantitativos homologados pela comunidade científica, problemas de
pesquisa são estudados e equacionados, e soluções são propostas, tudo de forma documentada em
artigos científicos, publicados em veículos especializados conhecidos como periódicos científicos
(ou journals). A rigor, conhecimento é produzido pela pesquisa científica. Naturalmente, como
uma das possibilidades cobertas metodologicamente, aquilo que é discutido e trabalhado em sala
de aula (no ensino) pode, muitas vezes, ser útil para a produção de conhecimento – mas todo esse
trabalho precisa ser aplicado com o rigor metodológico necessário. Por esse motivo, a ideia de que
conhecimento também é gerado na interação entre professor e aluno tem a justa ressalva anotada.
Por atividades de gestão, entendem-se todas as atribuições de liderança executiva no meio
acadêmico. Exemplos são a coordenação de um curso, de um grupo de pesquisas, de um programa
de graduação ou pós-graduação, a chefia de um departamento acadêmico ou até mesmo a direção
de uma instituição de ensino.
16 Novos caminhos para os profissionais da educação

Por fim, as atividades de extensão são aquelas que não se caracterizam essencialmente como
ensino, pesquisa ou gestão. Trabalhar em uma revista científica, no papel de revisor ou editor, por
exemplo, é uma possibilidade. Outras alternativas podem ser divulgação científica na internet, ser
um consultor educacional, entre tantas outras inúmeras possibilidades.
Sem dúvida, algo marcante na profissão de educador é a crescente complexidade das respon-
sabilidades que se vão acumulando. Portanto, o primeiro exercício proposto a um professor que
está se questionando o quanto sua carreira parece “parada”, ou “andando de lado”, é diagnosticar
como está a distribuição de trabalho nas dimensões ensino, pesquisa, gestão e extensão. É claro
que ninguém consegue balancear com perfeição essas quatro frentes estratégicas – as demandas
vão surgindo conforme ditadas pelo mercado de atuação. Contudo, é imprescindível ficar alerta ao
fato de que a nulidade de atividades em qualquer um dos quatro campos faz com que o professor
seja menos valorizado. Esse monitoramento da própria carreira, em busca de autodiagnostico, é,
obviamente, uma necessidade para a vida toda – assim como dirigir um carro nunca dispensará
acompanhar o velocímetro ou o indicador de combustível.
Quanto ao conjunto de competências necessárias para êxito profissional na atividade
docente no século XXI, a atual dinâmica social talvez possa levar alguém a arriscar um diagnóstico:
o professor tem de se atualizar, pois ninguém aguenta mais aula tradicional. Os alunos mudaram,
eles estão conectados com a informação e não querem mais receber conteúdo pronto. Então, o
professor tem mais é que se reinventar, ser criativo, propor desafios, aliar-se à tecnologia, saber
trabalhar com projetos e tornar-se, efetivamente, um mediador, e não um fornecedor de conteúdo
– afinal, não é para isso que existe a internet?
Sim, em partes. O professor deve ser hábil para dosar inteligentemente o apelo à novidade
(que não pode ser meramente uma “mudança pela mudança”) e o procedimento didático-pedagógico
clássico que educou em alto nível e por várias gerações pessoas realmente bem-sucedidas na vida
(economicamente e/ou moralmente). Então, a despeito de todas as novas necessidades que surgem
com a evolução da sociedade, não é verdade que ninguém mais aguenta aula tradicional: o que nin-
guém nunca suportou é aula ruim. Mais uma vez, recorrendo à memória individual, todos podem se
lembrar ao menos de um professor em sua vida que tornou cada encontro com a turma um momento
inesquecível, por mais tradicional que fosse seu sistema de ensino. Por outro lado, a explosão dos
cursos on-line e os mais variados recursos eletrônicos presentes hoje em dia confirmam a velha má-
xima de que quantidade não é qualidade, pois não é difícil encontrar aulas oferecidas com tecnologia
de ponta e conteúdo paupérrimo.
Uma aula clássica ou tradicional e uma aula arcaica não são a mesma coisa. A última signifi-
ca um total descompasso, uma inadequação insustentável entre o que e como se propõe a ensinar,
de um lado, e aquilo que é necessário aprender, de outro. O que as novas tecnologias no campo da
educação estão trazendo não é uma denúncia ou condenação do modelo clássico, mas, sim, maior
produtividade por meio da potencialização de elementos que justamente residem no clássico: a
figura do professor, a figura do aluno, o conteúdo sistematizado de conhecimento, as fontes extras
de leitura, as formas de avaliação, os mecanismos de feedback etc.
Ser professor no século XXI 17

Que os alunos mudaram é verdade. Há muito se discute, ou se procura entender, o im-


pacto do “choque de gerações” na educação, mais especificamente na relação professor e alu-
no. O professor, via de regra, sempre será mais velho ao menos uma geração que os estudantes
sob sua tutela e poderia, assim, estar em desvantagem em relação às pretensas novas aptidões
e características dos alunos. Interessados nesse tema, Buckingham e Willett (2013) conduzi-
ram um estudo que procurou entender a fundo o fenômeno da “geração digital” representada
pelos novos alunos que adentram as instituições de ensino. Entre suas conclusões, está a óbvia
constatação de que, realmente, os jovens possuem uma invejável desenvoltura natural com
as novidades tecnológicas – afinal, são nativos digitais, e não imigrantes digitais como quase
todos os seus professores. Por outro lado, um dos grandes achados do estudo foi revelar que, a
despeito de tanta novidade high-tech que os rodeia, os estudantes possuem características em
comum com seus colegas de gerações passadas: o anseio e a necessidade pelo conhecimento e
a expectativa de serem atendidos por um educador que lhes mostre que é possível contornar
os obstáculos e desafios de sua jornada em busca desse conhecimento.
Uma vez que existe a internet, professor precisa prover conteúdo? Sem dúvida alguma,
encontrar qualquer tipo de informação na grande rede, de forma absolutamente instantânea, é
muito fácil. Avaliar a qualidade e a credibilidade da fonte acessada e do material disponibilizado,
por outro lado, é bem mais difícil. Principalmente em uma época que recebe o constrangedor
rótulo de “Era da Pós-Verdade”, imersa em fake news e “viralização” dos boatos (hoax) mais
infundados, portanto, existe uma necessidade imperativa de o professor intervir no processo de
livre acesso à informação que qualquer aluno do Ensino Fundamental com seu celular em mãos
acredita ter. Não se trata, claro, de restringir o trabalho de pesquisa simplesmente fornecendo
os endereços previamente homologados como websites críveis: é preciso deixar o aluno, em um
primeiro momento, trazer o resultado de suas buscas espontâneas, mas logo em seguida mostrar a
ele como qualificar a informação acessada, saber julgar as fontes, identificar discursos ideológicos
eventualmente incorporados, entre outros critérios. Um aluno precisa de suporte direto do
professor para, por exemplo, saber que uma informação presente em livro tende a ser muito menos
atualizada e mais opinativa do que em um artigo científico publicado ou que, se contradições são
encontradas entre conteúdos de dois artigos científicos, um publicado em periódico de classificação
Qualis A1 e outro em Qualis B5, ao primeiro é que se deve dar mais crédito. Além disso, ainda mais
importante, o aluno precisa do professor para compreender o porquê disso tudo.
Está fora de discussão que o professor deve, sim, usar as tecnologias disponíveis como alia-
das no processo de ensino e aprendizagem. As possibilidades de enriquecimento da experiência
de aula com o uso de aparatos tecnológicos são vastíssimas – desde que devidamente orientadas.
Assim como é sem sentido deixar um livro em mãos de uma criança iletrada esperando que isso
a torne alfabetizada, como em um passe de mágica. Logo, de nada adianta abarrotar a sala de aula
com todo tipo de geringonça eletrônica se o professor não orquestrar a atividade que seus alunos
precisam desempenhar, estabelecendo um propósito e as “regras do jogo” propriamente ditas, sem
os quais a aula tende a desvirtuar para uma reles experimentação de curiosidades tecnológicas.
18 Novos caminhos para os profissionais da educação

Como demonstrado por Mishra e Koehler (2006), o professor de alto desempenho é aque-
le que consegue integrar três conjuntos de saberes: o do conteúdo propriamente dito (sua área
de expertise), o pedagógico e o tecnológico. E, principalmente no caso do domínio tecnológico,
um período de desatenção, no sentido de deixar de acompanhar as novidades da indústria, pode
ser suficiente para o educador ficar em perigosa desvantagem no seu mercado de trabalho, visto
que a evolução tecnológica se caracteriza por ser implacavelmente acelerada. E isso independe do
quão tecnológica é a área de conteúdo especializado do docente seja ele professor de Letras, de
Tecnologia da Informação, de Gastronomia, de Engenharia ou de qualquer ramo do conhecimento
– sem estar versado nas tecnologias educacionais (as quais, conforme será demonstrado ao longo
deste livro, não são apenas as digitais), sua empregabilidade é cada vez mais ameaçada.

Considerações finais
Um dos motivos que levam os professores a desenvolver e acumular competências de forma
vitalícia é a evolução da sociedade: um conjunto específico de saberes pode até ter sido responsável
pelo sucesso que um professor teve no passado, mas ao mesmo tempo pode não significar nada
para seu futuro.
Diante da missão – desafio maior, aliás – de tentar harmonizar o progresso tecnológico com
a recuperação da alta cultura, o professor precisa ser primeiramente sensibilizado quanto à ne-
cessidade de investir em sua própria formação, para só então começar a desenhar a estratégia que
possibilita alcançar o alto desempenho na função docente, o que é possível por meio de inúmeras e
diversificadas competências, integrando o conhecimento especializado, o pedagógico e o tecnoló-
gico nas quatro frentes de atuação de seu ofício, que são o ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão.

Atividades
1. Quais são alguns dos maiores desafios do mundo contemporâneo no que se refere à atividade
de professor?

2. Qual o risco de permitir que a cultura seja interpretada como “aquilo que dá testemunho do
modo de ser de um povo”, assim como consta na Constituição brasileira?

3. De acordo com o conteúdo abordado, um profissional que circunstancialmente tenha se


tornado professor como um “bico” tem futuro nessa carreira? Explique.

4. Qual é a estratégia geral para se tornar um docente de alto desempenho?

Referências
ARENDS, R. Learning to Teach. Columbus: McGraw-Hill Education, 2014.

BACILA, C. Nos bastidores da sala de aula. Curitiba: Intersaberes, 2016.


Ser professor no século XXI 19

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BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new media. Florence:
Routledge, 2013.

EVANS, L. The Purpose of Professors: professionalism, pressures and performance. Stimulus paper.
Leadership Foundation for Higher Education, 2016.

KURZWEIL, R. The Singularity is Near: when humans transcend biology. New York: Viking Press, 2005.

LOUZANO, P. et al. Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação do docente no Brasil. Estudos
em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 21, n. 47, p. 543-568, set./dez. 2010. Disponível em: <http://www.fcc.
org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

MISHRA, P., KOEHLER, M. Technological pedagogical content knowledge: a framework for teacher
knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006. Disponível em:
<http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

SCHWAB, K. The Fourth Industrial Revolution. New York: Crown Business, 2017.

SELDON, A. The Fourth Education Revolution: how artificial intelligence is changing the face of learning.
Milton Keynes: The University of Buckingham Press, 2018.

WILKERSON, J. On research relevance, professors’ “real world” experience, and management development:
are we closing the gap? Journal of Management Development, Bingley, 18, n. 7, p. 598-613, 1999.
2
Repensando a formação docente

Uma vez que apresentamos no primeiro capítulo as razões pelas quais o professor precisa
se aprimorar e investir na sua formação, buscando ampliar seus horizontes como profissional,
a questão que se reponde neste segundo capítulo é como fazê-lo. Afinal, o professor que estu-
da continuamente é, sobretudo, um exemplo e uma inspiração para seus alunos. Felizmente,
as novas tecnologias facilitam muito a capacitação exigida, tanto na prática, como um processo
para a vida toda. Se antigamente uma formação de alto nível era exclusividade para os mais
abastados, o que se dispõe hoje é de uma gama de opções para todos os perfis socioeconômicos.

2.1 A formação continuada


Para que possa estar permanentemente capacitado, o professor deve considerar duas
perspectivas de formação continuada, que não se excluem mutuamente: o programa stricto
sensu e as formações complementares. Essas constituem a espinha dorsal do currículo pessoal
do docente. O primeiro caso diz respeito ao mestrado e ao doutorado e o segundo, às virtual-
mente infinitas capacitações e certificações agregadas. É possível fazer uma analogia, ainda que
rasa, com um atleta de alto nível, que precisa mesclar maratonas e olimpíadas (stricto sensu)
com a frequência assídua e praticamente cotidiana à academia de ginástica para que possa
manter a forma física (formações complementares).
Analisando a formação stricto sensu e concordando com Louzano et al. (2010), o fato é
que o professor (principalmente do Ensino Superior) precisa considerar a obrigatoriedade de
progredir seu nível acadêmico: se ainda não é mestre, precisa pensar em sê-lo. Se ainda não é
doutor, vale a pena pensar na possibilidade. E mesmo para quem já alcançou o doutorado, o
pós-doc pode estar no seu radar pessoal.
Nesse aspecto, algumas considerações precisam ser feitas em relação à profissão de pro-
fessor diante de todas as demais. O que ocorre é que qualquer pessoa com curso superior
pode fazer um mestrado (dois anos de formação) ou mesmo um doutorado (quatro anos de
formação). Em tese, todas essas pessoas estão legalmente habilitadas a se candidatar, pois pos-
suem o requisito mínimo (a graduação completa). Na prática, principalmente no Brasil, dada
a alta concorrência por essas posições como mestrando ou doutorando nos programas de pós-
-graduação de todas as instituições de ensino, públicas ou privadas, o que se vê como regra
geral é que dificilmente pessoas sem um curso de especialização lato sensu conseguem êxito
para ingressar no mestrado – da mesma forma, muito raramente se vê um doutorando que
ainda não seja mestre. Então, se o objetivo é, no médio ou longo prazo, um doutoramento, cer-
tamente são necessárias etapas intermediárias de formação para lograr êxito nessa empreitada.
Para os profissionais em geral, como um fisioterapeuta, um proprietário de um pequeno
comércio, um artista plástico ou um contador, o mestrado e o doutorado são cenários bastante
22 Novos caminhos para os profissionais da educação

alternativos que eles podem considerar para suas carreiras – quando procuram esse caminho, é
porque alguma inclinação existe, ainda que latente, para trabalhar no meio acadêmico. O fato
é que, em última análise, até mesmo o curso de graduação básica, que permite a alguém dizer que
“tem Ensino Superior” não é, efetivamente, uma necessidade primordial: muitas pessoas, depen-
dendo de sua ocupação, valores pessoais e estilo de vida, podem viver perfeitamente bem, inclusive
com pleno exercício da cidadania, sem ter um curso universitário. Não há motivo que justifique
impor educação superior às pessoas, o que se precisa assegurar é o pleno direito de acesso a quem
se interessar.
Já um cenário completamente diferente se apresenta a quem escolheu ser professor uni-
versitário. Nesse caso, em seu plano de carreira, deve-se ter por objetivo sempre o próximo grau
acadêmico a ser conquistado. Dependendo das circunstâncias de cada caso, pode ser um plano
para curto, médio ou longo prazo, mas precisa ser um objetivo priorizado. Somente uma geração
de intelectuais capacitados será capaz de estabelecer condições estruturantes para mudar o quadro
cultural no Brasil. Não se pode esperar que da atual mentalidade de políticos, empresários e tecno-
cratas quaisquer emerja a liderança para essa transformação, enquanto professores permanecem
enclausurados em departamentos acadêmicos. Nesse campo, não há meia solução: estacionar no
progresso acadêmico, em uma zona de conforto que meramente garanta seu sustento familiar por
algum tempo, conflita com a função social que o professor assumiu (consciente ou não disso).
A situação ideal pode até não se realizar por um ou outro fator incidental, mas é
importante que seja perseguida com todo vigor: que todos os professores do Brasil possam se
tornar doutores! A nação ganha muito com isso. E, então, que eles se vejam sempre envolvidos
nas atividades de pós-doutoramento. Cumpre esclarecer que, diferente do que o senso comum
possa imaginar, pós-doc não é um título que se conquiste ou um curso que se realize, como
são o mestrado e o doutorado. O pós-doutoramento é uma atividade destinada, em geral,
a recém-doutores (para todos os efeitos, com menos de dez anos desde a defesa da tese).
Não envolve cursar disciplinas e tampouco defender uma tese. O foco, é primordialmente,
a pesquisa, com vistas à resolução de algum problema complexo, o que implica, na prática,
produzir publicações científicas mais amadurecidas (criar genuinamente conhecimento) ou
mesmo o desenvolvimento de tecnologia de ponta. Por isso, nesse regime de intensa pesquisa,
a dedicação ao ensino, à gestão e à extensão é momentaneamente suprimida.
Então, para começar a percorrer seu caminho stricto sensu, os professores precisam planejar
seu mestrado e doutorado. Os cursos são oferecidos pelos programas de pós-graduação de
faculdades, centros universitários e universidades públicos e privados. Não há outra alternativa
senão pesquisar, em função de sua área de predileção, o professor encontra nos websites das
respectivas instituições as informações gerais sobre as ofertas de mestrado e doutorado. Ao entrar
na página de uma instituição de ensino, o que se deve fazer é procurar pela subpágina específica
dos programas de pós-graduação stricto sensu e lá navegar para obter as informações desejadas.
Os mecanismos de busca mais populares possuem alta precisão, de tal forma que se pode seguir
pelo atalho de procurar por palavras-chave como “mestrado pedagogia PUC-MG” ou “mestrado
Repensando a formação docente 23

biologia USP”, o resultado será o link direto às páginas dos respectivos programas de pós-graduação
ou mesmo de subpáginas dedicadas àquele mestrado ou doutorado.
Nas instituições privadas, os cursos de mestrado e doutorado costumam ser substancial-
mente caros, considerando o poder aquisitivo médio do brasileiro. Assim, é importante ficar alerta
a ofertas que costumam surgir de instituições privadas oferecendo cursos gratuitos: muitas vezes,
fazem isso por alguma política de subsídio ou como uma estratégia para conseguirem uma “massa
crítica” de alunos formados naquela instituição, o que ajuda no estabelecimento dela como uma
marca presente no mercado. Há de se considerar, claro, que cursos gratuitos são muito mais con-
corridos que os pagos, como ocorre nas universidades e institutos federais.
Dada a concorrência, um bom projeto de pesquisa é decisivo para ser aprovado como aluno
de mestrado ou doutorado, de acordo com as linhas de pesquisa da instituição em que se disputa
uma vaga. Quem fracassa no processo seletivo muitas vezes peca nesse aspecto: não é suficiente
que o interesse particular de pesquisa do candidato tenha sido impecavelmente documentado em
uma proposta de projeto – torna-se imprescindível também que tal proposta tenha adesão temática
ao que é trabalhado naquele programa de pós-graduação. Por isso, o candidato precisa ser estra-
tegista. Uma vez identificado determinado programa de pós-graduação como alvo, é necessário
conhecer a respeito da linha de pesquisa e dos projetos atualmente em andamento na instituição
– o que é possível levantar conversando diretamente com os professores do respectivo programa.
Os docentes dos programas de pós-graduação stricto sensu, em geral, são acessíveis e solícitos a
pedidos de reunião feitos por candidatos.
Uma vez que tenha sido aprovado como mestrando ou doutorando, uma possibilidade que
ajuda a arcar com os custos (diretos e indiretos) são as bolsas de estudo. Na maioria dos casos, o
valor não é alto, mas ajuda sobremaneira o estudante a suportar a fase de sacrifício financeiro ine-
rente a essa etapa da vida – a contrapartida costuma ser a exigência de permanência do estudante
nas instituições. Ou seja, um mestrando ou doutorando bolsista acaba, na prática, por não se au-
sentar da instituição de ensino, visto que quando não está em curso, está imerso em diversas outras
atividades demandadas, principalmente as relacionadas aos grupos de pesquisa dos programas de
pós-graduação. No Brasil, as bolsas de estudo são concedidas pelas agências governamentais Capes
e CNPq, dependendo do edital, o repasse pode ser direto ao pós-graduando ou ser intermedia-
do pelo próprio programa de pós-graduação da instituição, que recebe a verba governamental e
seleciona, internamente, seus bolsistas. Assim, monitorar permanentemente editais e chamadas é
estritamente necessário.
Finalmente, no que se refere à formação stricto sensu, o professor deve considerar ainda as
possibilidades criadas pelas novas tecnologias: a novidade é que existem mestrados e doutorados
na modalidade EaD. No Brasil, o Ministério da Educação homologou o Parecer n. 462/20171, do
Conselho Nacional de Educação, que autoriza esse tipo de oferta.

1 Ver <portal.mec.gov.br/docman/outubro-2017-pdf/73971-pces462-17-pdf/file>. Acesso em: 30 abr. 2018.


24 Novos caminhos para os profissionais da educação

Já as formações complementares, por sua vez, são bem diferentes dos mestrados e doutora-
dos: enquanto estes exigem um longo, intenso e rigoroso período de dedicação (de dois a quatro
anos, sem contar o eventual tempo de preparo antecipado), aquelas são curtas e, dependendo do
caso, podem ocorrer em questão de meses, semanas, dias ou mesmo horas. Como há muito mais
liberdade envolvida, em alguns casos sequer é concedida certificação, mas quem procura cursos de
formação complementar quase sempre o faz muito mais em função do conhecimento especializado
que pode ser conquistado do que de títulos a acumular.
Na busca de aprimoramento profissional, é natural que o professor opte por formações
rápidas, gratuitas ou de baixo custo. Isso passa pelos convencionais minicursos e palestras que os
professores podem frequentar em regime presencial, na sua própria instituição de trabalho ou pelo
que o mercado dispõe. Contudo, mais recentemente, as plataformas ao estilo massive open on-line
courses (Mooc) ou cursos on-line abertos e massivos mostraram-se como inovação de estrondoso
sucesso para fins de capacitação continuada. Uma dessas plataformas é a brasileira Veduca2, uma
ótima alternativa para os professores que buscam aprofundar conhecimentos em sua área específica
de formação e/ou em tecnologia, embora não sejam encontradas ofertas de conteúdo pedagógico,
como cursos voltados à educação3.
O Coursera4 é uma das principais referências em Mooc de nível internacional. Ele possui um
respeitável portfólio de cursos livres voltados à capacitação continuada de educadores – incluindo
conhecimento pedagógico.
Contudo, ao procurar cursos de qualquer natureza (área de especialização, tecnológica ou
pedagógica) sem ficar restrito unicamente aos oferecidos com opção de legenda em português, o
portfólio se torna quase que infindável. Isso conduz a um dos mais importantes aspectos estraté-
gicos relacionados à formação continuada dos educadores: é imprescindível saber inglês – algo
que precisa ser priorizado na vida de um professor universitário, considerando ainda que dominar
uma língua estrangeira é mais uma daquelas competências cuja aquisição não é instantânea, mas
trabalhada e aprofundada em regime permanente.
Comprovando a limitação que é ficar restrito ao português, o exercício de procurar no
Google por “Mooc for educators” ou termos afins resulta em uma listagem interminável de op-
ções para capacitação docente nas mais diversas frentes. Vale muito a pena conhecer, em especial,
as opções ofertadas por plataformas como Udemy, edX, Udacity, Codeacademy, Khan Academy,
FutureLearn e Pluralsight, apenas para citar algumas das mais em evidência. Em suma, talvez a
grande dificuldade da formação continuada nos dias atuais é fazer uma escolha, dada a explosão
de ofertas absolutamente acessíveis a que se está submetido.

2 Ver <https://veduca.org>. Acesso em: 30 abr. 2018.


3 Ao menos até o catálogo oferecido em fevereiro de 2018.
4 Ver <https://www.coursera.org>. Acesso em: 30 abr. 2018.
Repensando a formação docente 25

2.2 O pesquisador autodidata


Existe ainda um forte componente de autoformação na função de professor. É o aproveitamento
da competência de saber aprender, a fim de se adquirir mais competências complementares. Afinal,
se o aparato tecnológico atual faz com que qualquer criança recém-alfabetizada consiga encontrar
instantaneamente informações sobre um termo qualquer na internet, os professores minimamente
capacitados dispõem de aptidões cognitivas que servem de filtro e juízo crítico ao que encontram,
além de uma estrutura dialética básica que lhes permite transitar pelo conhecimento mediante o
que Hegel (1998) denomina de tese, antítese e síntese.
Certamente, uma das maiores evidências de quão desastroso é o desalinhamento entre alta
tecnologia e alta cultura seja o fato de que, hoje, desfruta-se o estado mais avançado que o mundo
já conheceu em relação às tecnologias em geral ao mesmo tempo que a sociedade é obrigada a
conviver com terraplanistas. Paradoxalmente, parece que nunca antes na história da humanidade o terraplanistas:
indivíduos que acre-
mais profundo conhecimento conviveu com a mais pura ignorância, tal como ocorre na atualidade. ditam que a Terra
é plana
Essa é a importância da pesquisa como competência a ser desenvolvida e permanentemente
aprimorada. Todo professor precisa pesquisar, ora para produzir o conteúdo para suas aulas, para
suas atividades de extensão, ora para a produção de seus próprios artigos científicos. Mas não exis-
te a menor possibilidade de uma seriedade moral no desempenho da função de professor se não há
sequer seriedade no pensamento – a integridade intelectual é a base de toda conduta docente, seja
em suas práticas em sala de aula, seja nos seus estudos. Wilson Martins (2010), jornalista, historia-
dor e crítico literário, relata que praticamente a totalidade das ocupações intelectuais daqueles que
precederam a sociedade brasileira, desde a época do descobrimento, consiste de futilidades que
em nada contribuem para a alta cultura: cinco séculos de produção intelectual no país mostram-se
simplesmente irrelevantes na produção mundial de conhecimento. Resultado: ao longo das dé-
cadas mais recentes, os artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros aumentaram
em quantidade e diminuíram em qualidade – atualmente, o país está abaixo da Argentina, Chile e
Colômbia em rankings internacionais5.
Sendo um fato objetivo, isso fica imune a qualquer discussão de natureza ideológica ou apelo
nacionalista. Portanto, já citada a obrigatoriedade de dominar o inglês como uma das competências
centrais do professor da atualidade, outra competência a ela associada se torna evidente: resistir à tenta-
ção de buscar conhecimento relevante (atualizado, de alto nível) nos materiais disponíveis em português
só porque é “mais fácil”. Quando muito, o que se encontrará são meras traduções (nunca se sabe com
que qualidade) das fontes originais que deveriam, essas sim, ser buscadas com prioridade.
Quem ainda não domina suficientemente o idioma e precisa dar andamento às suas pes-
quisas enquanto resolve essa questão (afinal, proficiência em novo idioma é trabalho para alguns

5 Ver: <www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/10/1927163-brasil-aumenta-producao-cientifica-mas-impacto-dos-
trabalhos-diminui.shtml>. Acesso em: 30 abr. 2018.
26 Novos caminhos para os profissionais da educação

anos de dedicação) pode considerar a utilidade dos tradutores on-line, como o Google Tradutor6.
Obviamente, não é a solução ideal, porque o atual estado da tecnologia ainda não é impecável na
tradução, mas já fornece uma base para a compreensão. O professor pode copiar e colar um texto
na janela do Google Tradutor para obter tradução instantânea (mas não perfeita), como também
usar alguns recursos avançados que podem passar despercebidos para pessoas que não estejam tão
familiarizadas com a ferramenta: digitar o endereço de um website para que ele seja traduzido por
completo ou até mesmo fazer o upload de um documento para que o serviço do Google realize a
tradução na íntegra.
Fontes básicas para o professor fazer suas pesquisas, os artigos científicos publicados em
periódicos internacionais são mais facilmente identificados e acessados por buscadores especiali-
zados. O Google oferece uma excelente ferramenta para essa finalidade, que é o Google Scholar7.
Uma dica importante é procurar usar sempre a opção de busca avançada, pois ela permite uma
pesquisa bem mais dirigida, visto que, é possível buscar palavras-chave associadas a um autor
específico, a um determinado periódico e até mesmo restringir as buscas para um dado interva-
lo de datas (por exemplo, artigos publicados a partir de 2018 ou entre 1990 e 1994). Os resulta-
dos das buscas são apresentados com os links, tanto para o endereço do periódico quanto para,
se disponível, o arquivo PDF com o artigo em questão. Qualquer pessoa que já tenha experimen-
tado um pouco essa ferramenta percebe que nem todos os links trazem o respectivo arquivo para
acesso direto. O motivo é que, em função dos modelos de negócio dos periódicos, nem todos ofe-
recem gratuitamente o acesso, aos artigos e, infelizmente, o preço não costuma ser barato.
Outras bases de dados organizados por periódicos científicos que são de uso recorrente
de pesquisadores acadêmicos são SciELO, PubMed, Medline, Redalyc, Web of Science, Scopus,
Science Direct, entre inúmeras outras. Na prática, qualquer pesquisador com pretensão de alcan-
çar alguma relevância com seu trabalho precisa investir algum tempo para se familiarizar com as
bases de dados científicas, entender seu mecanismo de funcionamento e as funções possibilitadas.
Afinal, uma das competências centrais de um pesquisador sério é a bibliometria, isto é, a capacida-
de de quantificar e qualificar as fontes escritas de informação. Isso envolve identificar tendências e
crescimento do conhecimento em uma determinada área do conhecimento. Na prática, isso signi-
fica que, quando um pesquisador precisa, por exemplo, encontrar informações sobre o movimento
sindical no início do século XX, o mecanismo funcional das mitocôndrias ou a dinâmica do mer-
cado de derivativos financeiros, sua primeira aptidão é a de ter um senso de relevância, ou seja,
conseguir identificar quem são os respectivos autores mais citados nesses temas e quais periódicos
reproduzem seus artigos. Por isso, um pesquisador acadêmico de alto nível (uma competência que
se adquire com alguns anos de prática) é aquele que é capaz de estudar a dispersão e as obsolescên-
cias dos campos científicos, medir o impacto das publicações e dos seus serviços de disseminação
da informação, estimar a cobertura das revistas científicas e identificar os autores e instituições
mais produtivos, bem como as revistas do núcleo de cada disciplina.

6 Ver: <translate.google.com>. Acesso em: 30 abr. 2018.


7 Ver: <scholar.google.com.br>. Acesso em: 30 abr. 2018.
Repensando a formação docente 27

Naturalmente, outras fontes de informação podem ser consideradas pelo pesquisador, mas
em um nível absolutamente secundário de importância e prioridade com relação aos artigos cientí-
ficos: livros, revistas não científicas, jornais e canais de informação em geral disponíveis na internet.
Uma fonte realmente formidável para se buscar conhecimento (das qualidades mais varia-
das possíveis) na atualidade é o YouTube, que funciona como o maior repositório on-line de vídeos
do mundo. O volume de conteúdo disponível na plataforma é espantosamente gigante, crescendo
cada vez mais: segundo dados de 20188, mais de 400 horas de vídeo são acrescentadas a cada mi-
nuto no YouTube e a base de usuários é de mais de 1 bilhão, o que resulta em mais de 1 bilhão de
horas de conteúdo vistas diariamente.
Quando um determinado conteudista posta seus vídeos no YouTube, eles ficam agrupados
em uma estrutura que é conhecida como canal. Assim, os canais do YouTube são as coleções de
vídeos dos respectivos geradores de conteúdo e do conteúdo absolutamente universal de temas
que se encontram na plataforma. Existem muitos canais dedicados à filosofia, educação, ciência,
tecnologia e inovação.
É importante que os professores tenham o YouTube como um importante aliado para suas
pesquisas. Para isso, a estratégia é inscrever-se nos canais de interesse. Esse registro faz com que a
plataforma notifique o usuário cada vez que novos vídeos sejam lançados naqueles canais. “Curtir”
e compartilhar os vídeos são ações que ajudam bastante tais canais a ganharem relevância na co-
munidade de usuários, fazendo com que eles passem a ser sugeridos para outras pessoas com
preferências similares às do pesquisador, assim como a plataforma também passe a sugerir, a esse
pesquisador, vídeos e canais alternativos de temática próxima. Além disso, existe uma política de
monetização:
monetização: o YouTube paga aos responsáveis pelos canais de maior audiência uma ajuda de custo transformar algo em
originada dos anunciantes que fazem publicidade na plataforma. Por isso, atualmente existem os dinheiro; converter
lucro.
chamados youtubers, pessoas que se dedicam profissionalmente (muitos em tempo integral) para
manter seus canais com uma audiência fiel.
A maioria dos youtubers, evidentemente, por não serem os campeões de audiência, mantém
outras ocupações profissionais que lhes servem de principal fonte de renda – e é interessante obser-
var a grande quantidade de professores e pesquisadores que atuam, entre tantas outras atividades
inerentes à profissão, como youtubers. Ao pesquisador autônomo, é altamente recomendável que
crie seu respectivo canal, principalmente para divulgar os resultados de seus trabalhos – o que é
gratuito. É um trabalho que potencializa as publicações científicas: enquanto os artigos em perió-
dicos científicos alcançam uma audiência formada pela comunidade acadêmica, o uso do YouTube
ajuda na divulgação para a sociedade em geral, fazendo com que o fruto daquele trabalho tenha
maior apelo com o público e relevância social em geral – não se pode ignorar tal estratégia como
algo que também favorece pleitear financiamento (público ou privado) para futuras pesquisas.
Aliás, a presença de conteúdo educacional no YouTube é tão forte que foi criado, em 2013,
o YouTube Edu9, fruto de uma parceria do Google (proprietário do YouTube) com o Instituto
Lemann. Com essa iniciativa, o Brasil tornou-se o segundo país a participar do projeto que mantém

8 Ver: <www.youtube.com/yt/about/press/>. Acesso em: 30 abr. 2018.


9 Ver: <www.youtube.com/channel/UCs_n045yHUiC-CR2s8AjIwg>. Acesso em: 30 abr. 2018.
28 Novos caminhos para os profissionais da educação

um canal exclusivo de conteúdo educativo, depois dos EUA. De início, foram selecionados 8 mil
vídeos de professores brasileiros, já reconhecidos na plataforma e com canal próprio, e assim o
YouTube Edu foi dividido por áreas, como biologia, matemática, língua portuguesa, física e quími-
ca, com foco principalmente no Ensino Médio. Mas o projeto está permanentemente aberto para
novos colaboradores: professores que mantêm seus próprios canais são convidados a se inscrever10
para, após aprovação na curadoria da plataforma, seus conteúdos serem potencializados para um
público muito maior que seus canais individuais (em fevereiro de 2018, o YouTube Edu contava
com uma base de mais de 300 mil inscritos).
Dada sua qualidade, alguns conteúdos do YouTube são de conhecimento praticamente
obrigatório para os professores. No Brasil, é preciso destacar o trabalho relevante mantido pelo
ScienceVlogs Brasil: de forma pioneira no cenário de divulgação científica no país, alguns dos mais
influentes canais brasileiros se reuniram a fim de criar um selo de qualidade para reconhecer o tra-
balho de conteudistas que divulgam a ciência com seriedade. Afinal, em um meio onde a propaga-
ção de desinformação e a pseudociência são igualmente difundidas rapidamente, alimentadas por
desonestidade e ignorância, é importante que haja alguma forma de facilitar o acesso do público a
fontes críveis de conhecimento.
Uma iniciativa semelhante é o canal BláBláLogia, que reúne conteúdo de vários conteudistas
de excelente qualidade nas áreas da educação e da ciência – como seus canais individuais não pos-
suem uma audiência tão massiva, sua estratégia é divulgar seus trabalhos também por esse “canal
em comum”, que proporciona um alcance muito maior, trazendo-lhes mais visibilidade junto ao
público e, claro, contribuindo para que seus canais individuais ganhem mais visibilidade.
Em nível internacional, a qualidade e a audiência são, evidentemente, de mais alto pata-
mar. É preciso destacar a organização TED11que possui, uma enorme coletânea de vídeos com
curtas palestras (máximo de 18 minutos) sobre diversos temas (ciências, negócios, problemas
globais etc.). Esses vídeos estão disponíves no seu canal do YouTube que já conta com mais de
9 milhões de inscritos. Quanto à eventual barreira que o idioma possa representar para parte
dos professores, o YouTube conta com um recurso de legendas para todos os seus vídeos: é
possível acionar a função para, por exemplo, acompanhar um vídeo narrado em inglês com
legenda em inglês (altamente recomendável) ou mesmo com legenda traduzida automatica-
mente para português (o que, às vezes, perde um pouco de qualidade devido à acuracidade da
inteligência artificial empregada para essa tradução). Em suma, dado todo o conjunto de seus
recursos e características, o YouTube é indispensável para o professor do século XXI, tanto
como consumidor quanto como gerador de conteúdo na plataforma.
Finalmente, fruto da atual tecnologia digital, uma opção de pesquisa que nenhum profes-
sor pode deixar de conhecer e de experimentar são os passeios virtuais nos principais museus

10 Você poderá ser inscrever neste link: <yt-edu-br.withgoogle.com/joinYouTubeEdu>. Acesso em: 30 abr. 2018.
11 Disponível em: <https://www.ted.com/>. Acesso em: 30 abr. 2018.
Repensando a formação docente 29

do mundo12. Instituições como Louvre, Solomon Guggenheim, British Museum, Smithsonian,


Vaticano, entre tantas outras mantêm websites com riquíssimo conteúdo, oferecendo uma excur-
são praticamente similar a uma visita presencial e a custo zero – a dica é que vale muito a pena
proceder a visita digital munido de óculos de realidade virtual, o que potencializa magistralmente
a experiência. Os museus virtuais são um esplêndido exemplo do que a humanidade pode alcançar
alinhando alta tecnologia com alta cultura.

2.3 O professor aluno


Por definição, todo professor também é aluno. Afinal, o conhecimento não é estático e
todo já pré-determinado, situação que poderia admitir que alguns só o fornecessem e outros só o
adquirissem. O conhecimento está em eterna expansão, como sugeriu Isaac Newton em sua célebre
frase: “O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano”.
A perspectiva aqui analisada não é a da evidente condição formal dos professores como
estudantes efetivamente matriculados em cursos de mestrado, doutorado ou qualquer curso
complementar acessório; embora seja pertinente destacar que a experiência de sentar novamente na
carteira de aluno, em qualquer que seja o curso, faz com que todo professor estudante imediatamente
reflita sobre o quanto dessa experiência pode ser considerado em suas próprias aulas ministradas. É
inevitável: quando um aluno é, coincidentemente, também um profissional docente, ele sempre fará
essa reflexão visando a seu autoaprimoramento.
Por outro lado, cabe uma ponderação sobre a máxima de que “quem ensina aprende
ao ensinar”, pois, assim como em toda ideia politicamente correta, tal mantra pode beirar à
falácia se aceito e reproduzido cegamente sem a devida racionalização. Afinal, se durante o
exercício de seu ofício o professor também aprende, ele aprende exatamente o quê? O próprio
conteúdo que é ministrado?
Conforme muito bem delineado por Mishra e Koehler (2006), a competência para o ensino
de alto desempenho reside na qualidade da integração entre três distintos domínios do conheci-
mento: o pedagógico, o tecnológico e o de conteúdo (que é a área de expertise do professor). Assim,
quando leciona, talvez o que menos o professor aprenda seja aquilo que diz respeito ao conteúdo.
Isso dependente da natureza do conhecimento em questão, ou seja, da disciplina ministrada: é
evidente que “aprender lecionando”, no que diz respeito ao conhecimento do “conteúdo”, faz muito
mais sentido em história da arte ou fenomenologia política do que em alfabetização elementar e
matemática básica.
Quanto a aprender conteúdo enquanto o ministra, é inegável que os entusiastas de uma
nova forma de educação há décadas se sustentam na Pirâmide da Aprendizagem (ou Cone da
Aprendizagem), seja na versão de William Glasser, da National Training Laboratories; na de Edgar
Dale ou na de qualquer outra das inúmeras que proliferam mundo afora (NUNES; BESSA, 2017).
A pirâmide de Glasser sustenta a tese de que as pessoas aprendem do seguinte modo:

12 Ver seleção em: <mentalfloss.com/article/75809/12-world-class-museums-you-can-visit-online>. Acesso em: 30


abr. 2018.
30 Novos caminhos para os profissionais da educação

Figura 1 – Pirâmide da Aprendizagem de William Glasser

10 % - quando leem.

20 % - quando ouvem.

30 % - quando veem.

50 % - quando veem e ouvem.

70 % - quando discutem com os outros.

80 % - quando fazem ou experimentam


(filosofia do learning by doing ou
“aprender fazendo”.
90 % - quando ensinam.

Fonte: Adaptado de Glasser, 1986.

Isso, por si só, parece mais do que suficiente para condenar todo o modelo clássico de en-
sino ao devido ostracismo e instaurar a supremacia da revolucionária didática do novo milênio,
dispensando qualquer necessidade de debater pormenores dessa mudança. É, admitamos, tão
agradável ficar sabendo de tais índices percentuais de retenção de conhecimento ou aprendizado
efetivo, é tão politicamente correto bradá-los nos cursos de formação de educadores que um não
tão mero detalhe passou incólume ao longo das décadas: a pirâmide é falsa. Ao menos, no que diz
respeito aos valores percentuais expressos, conforme denuncia com todo fundamento analítico
Letrud (2012). Não há fundamentação empírica nesses números e a própria National Training
Laboratories, quando inquirida sobre as fontes que originaram a apresentação da pirâmide, con-
fessa não as ter, pois “são muito antigas”.
Convém esclarecer que isso não significa não admitir o valor de ensinar o que se aprende
como alguma forma válida de aprendizado. É preciso, porém, deixar as coisas no seu devido lugar:
na falta de um estudo científico sério, sem viés de confirmação, o que se tem, por ora, é a sensação
empírica de que tal prática do “professor aluno” deva produzir algum efeito benéfico a quem ensi-
na, no tocante ao domínio do conhecimento. Ao mesmo tempo, sabendo que os mágicos números
da pirâmide são tão reais quanto a mágica per se, o real aprendizado oferecido dessa análise é a pru-
dência: talvez o clássico não seja tão ruim assim, e provavelmente as novas abordagens demandem
mais aprofundamento científico para serem devidamente incorporadas ao sistema educacional.
Essas são as considerações quanto a aprender enquanto se ensina, no quesito conteúdo.
Quanto a aprender nos quesitos pedagógico e tecnológico, o cenário é totalmente outro: é evidente
que isso ocorre continuamente.
No tocante ao aspecto tecnológico, a constatação é bastante objetiva: quase sempre o pro-
fessor é de ao menos uma geração anterior aos alunos da sua turma de trabalho. Buckingham e
Willett (2013) explicam sobre as diferenças entre os nativos digitais e os imigrantes digitais: quanto
às novas tecnologias, é óbvio que, quanto mais cedo haja seu manuseio, maior será seu domínio.
Dessa forma, é bastante natural que, assim que uma novidade tecnológica seja lançada no mercado,
Repensando a formação docente 31

pode-se esperar que seja o aluno, e não o professor, que adentre o ambiente escolar com aquele
novo dispositivo e/ou serviço inovador.
Os alunos tendem a ser nativos em novas tecnologias, e os professores, imigrantes, ten-
do de se adaptarem à medida que as novidades em questão se mostrem úteis e relevantes para o
processo de ensino e aprendizagem. E, pela interação direta que ocorre entre professor e aluno,
principalmente no regime presencial de ensino, o professor usufrui da conveniente vantagem de
poder aprender com seus alunos a respeito das características, recursos e funcionalidades do que é
trazido para sala de aula. Por isso, nos tempos atuais, embora disciplina seja um valor inegociável
no tocante ao bom comportamento em sala de aula e esteja à cargo do professor manter a turma
disciplinada, é especialmente conveniente que o docente seja receptivo ao uso de equipamentos
tecnológicos trazidos por seus alunos para a aula.
Afinal, principalmente nos níveis mais básicos de cursos escolares, como Ensino Médio
e graduação, quando o estudante traz espontaneamente seu smartphone para a sala de aula,
por exemplo, provavelmente o faz por motivos não tão didáticos. Mas há opção além da inflexível
rigidez de proibir (e até de apreender) o aparelho quando percebido em sala de aula: eis ali um
ponto de acesso à internet, que pode ser usufruído para fins mais nobres. Principalmente quando
o conteúdo da aula versa sobre informações altamente dinâmicas, como o valor de mercado de
determinada empresa, nesse caso, por exemplo, a oportunidade de consultar a informação em
tempo real é bastante interessante. Assim, um professor que esteja expondo, por exemplo, que o
Facebook é uma empresa que vale “centenas de bilhões de dólares” no mercado, pode aferir esse
número com a colaboração de seus alunos, pedindo a um deles para checar pelo smartphone o
valor exato naquela data específica em que se realiza a aula – iniciativa que torna a atividade mais
envolvente e dinâmica, impactando diretamente na motivação e na atenção da turma.
Ainda explorando um pouco mais esse mesmo exemplo, os alunos podem perguntar
onde exatamente na internet se busca essa informação sobre valor de mercado de uma
empresa. Surgirão várias fontes e é uma oportunidade para que o próprio professor aprenda
(ou, ao menos, atualize-se): se ele incentivar que os alunos busquem diferentes fontes de
informação e as confrontem – certamente, alguns dos resultados serão fontes que o professor
até então desconhecia, principalmente quando se trata de temas tão dinâmicos e inovadores
quanto discutir a “uberização”13 das empresas, o potencial do blockchain na área de serviços de
saúde ou o people analytics como nova competência de gestores de RH. É importante orientar
os alunos para sites confiáveis, como de universidades, bibliotecas, sites do Ministério da
Educação etc. e orientá-los para evitar a Wikipédia e blogues, por exemplo.
Finalmente, quanto a aprender conhecimentos de natureza pedagógica enquanto se dá aula,
é, certamente, o fato mais óbvio envolvendo a formação docente: nesse quesito, experiência conta
sobremaneira. Por mais leitura, preparação, cursos e experiências, mesmo que em âmbito inter-
nacional, que um candidato a professor realize, ele não se tornará um docente sênior senão pelo
tempo de atividade na função, e isso pela mais evidente das razões: quanto mais se dá aula, mais

13 O termo “uberização”, inspirado no conteito do aplicativo de transporte Uber, refere-se a uma nova forma de negó-
cio, na qual coloca-se o produtor e o consumidor em contato direto, deixando os intermediários em segundo plano.
32 Novos caminhos para os profissionais da educação

próximo da excelência se chega na profissão. Isso, claro, vale para qualquer atividade humana:
ninguém aprende a nadar, por exemplo, apenas lendo manuais e tutoriais a respeito de natação, é
preciso cair na água!
Nonaka e Takeuchi (1995), pesquisadores consagrados mundialmente na área de gestão do
conhecimento, explicam que existe conhecimento explícito, facilmente documentável e quase que
instantaneamente transmissível, e também existe conhecimento tácito, aquele know-how que uma
pessoa detém, forjado com o tempo dedicado à atividade, que é impossível de traduzir em um
manual e um procedimento, sendo que a única maneira de o transmitir com alguma eficácia é pela
existência de um aprendiz que se lance à imitação e à prática.
Assim, como reconhece Ball (2017), quanto mais tempo acumulado de aulas dadas, maior
a probabilidade de que um professor se deparar com os mais distintos perfis comportamentais e
cognitivos de seus alunos, assim como maior se torna sua capacidade de improviso ante a algumas
situações inesperadas, com base em experiências similares anteriores. Por isso, um professor mais
experiente é, sobretudo, um professor mais seguro, com maior envergadura pedagógica para lidar
bem com quase todo tipo de situação – algo que os alunos, conscientemente ou não, percebem na
prática e, assim, dão o devido reconhecimento.
Outro expediente usado com alguma frequência em instituições de ensino é fazer com que
a prática da docência se inicie com o novato auxiliando um professor titular. Assim, algumas dis-
ciplinas são conduzidas por dois professores: às vezes, ambos estão presentes em sala de aula (fi-
cando um deles até mesmo no papel objetivo de aluno junto à turma); em outras, eles se revezam,
seguindo uma programação voltada a dar ao professor em formação as condições mínimas para ele
dirigir sozinho as futuras aulas em que atuar como titular.
Em suma, várias são as formas de se aprender enquanto se ensina, mas muito mais nos
campos da didática e da tecnologia do que no conteúdo propriamente dito, embora nesse último
também se admita um aprimoramento acessório ao longo da prática docente.

Considerações finais
A jornada que o docente precisa percorrer visando se manter competitivo no mercado de
trabalho (e intelectualmente íntegro, o que felizmente é um benefício quase mútuo) passa concre-
tamente por alguns primeiros passos, verdadeiramente essenciais: assumir a formação contínua
como inerente à sua condição de professor, o papel de pesquisador autodidata e o aprendizado
que se conquista pela prática do ensino. Se a ocupação de docente tem seus dilemas e desafios de
magnitude tal que poucas pessoas consideram suportáveis, é verdade também que o momento
atual que se vive traz, sobretudo pelo desenvolvimento tecnológico, oportunidades ímpares para
alcançar a maestria na profissão a quem decida pagar o preço (não só monetário) da busca pela
excelência. Contudo, mesmo com pouca disponibilidade financeira, como visto ao longo deste
capítulo, é plenamente possível estabelecer e seguir um plano de formação que transforme profes-
sores novatos em profissionais sêniores e, esses últimos, em lideranças intelectuais aptas a restaurar
a tão necessária alta cultura na sociedade.
Repensando a formação docente 33

Atividades
1. Quais são as duas perspectivas de formação continuada que o professor deve considerar?

2. O que é o YouTube Edu?

3. O que, objetivamente, um professor pode aprender enquanto ensina?

4. Qual é a crítica mais séria que se faz à Pirâmide da Aprendizagem, teoria que preconiza que
se aprende somente 10% do que se lê e 95% ou mais do que se ensina?

Referências
BALL, S. J. The Education Debate. Bristol: Policy Press, 2017.

BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new media. Florence:
Routledge, 2013.

HEGEL, G. W. F. Phenomenology of Spirit. New Delhi: Motilal Banarsidass, 1998.

GLASSER, W. Control Theory in the Classroom. New York: Harper & Row, 1986.

LETRUD, K. A rebuttal of NTL Institute’s learning pyramid. Education, v. 133, n. 1, p. 114-124, 2012.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/285798853_A_rebuttal_of_NTL_Institute’s_
learning_pyramid>. Acesso em: 30 abr. 2018.

LOUZANO, P. et al. Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação do docente no Brasil. Estudos
em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 21, n. 47, p. 543-568, set./dez. 2010. Disponível em: <http://www.fcc.
org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

MARTINS, W. História da inteligência brasileira. Ponta Grossa: UEPG, 2010.

MISHRA, P.; KOEHLER, M. J. Technological pedagogical content knowledge: a framework for teacher
knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006. Disponível em:
<http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The Knowledge-Creating Company: how japanese companies create the
dynamics of innovation. New York: Oxford University Press, 1995.

NUNES, V.; BESSA, R. Metodologias ativas apoiadas por recursos digitais: usando os aplicativos Prezi e Plickers.
In: CHALLENGES, 10., 2017, Braga. Anais... Braga: Universidade do Minho, 2017. Disponível em: <http://
www.nonio.uminho.pt/challenges/wp-content/uploads/2017/06/atas_chalenges_2017_978-989-97374-5-7.
pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

PLETSCH, M. D. A formação de professores para a educação inclusiva: legislação, diretrizes políticas e resul-
tados de pesquisas. Educar em Revista, Curitiba, n. 33, p. 143-156, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/er/n33/10.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.
3
Novas possibilidades de atuação docente

Como visto nos capítulos anteriores, as quatro frentes de trabalho do professor


universitário são: o ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão. Nessas categorias, há infindáveis
formas de atuação docente – sem dúvida, vive-se nos dias atuais a mais rica de todas as épocas
para explorar diferentes atividades que aproveitam as competências do professor, graças ao
desenvolvimento tecnológico e às inúmeras demandas da sociedade. Muitas delas, aliás, podem
ser simultâneas, potencializando a produtividade e, claro, o ganho financeiro do professor.
Para isso, é necessária mais uma competência central: desenvolver o tino estrategista, que é o
que permite planejar inteligentemente a carreira, empreender e desenvolver o próprio mercado
(ou seja, gerar demanda para seus serviços).

3.1 Planejando a carreira


As ferramentas clássicas de planejamento estratégico empresarial servem perfeitamente
para a elaboração de um plano de carreira profissional (FERREIRA, 2008; NECK, MANZ,
2012). Se para os professores que dominam o conteúdo da gestão empresarial isso parece bas-
tante evidente, cabe recuperar os preceitos fundamentais envolvidos para que os docentes de
outros ramos do conhecimento tenham a oportunidade de concretizar seu plano de carreira,
para uma jornada profissional completa ao longo da vida, o que é muito diferente de um plano
de carreira institucionalizado de determinada organização, como o da instituição de ensino
na qual o professor é funcionário, que serve, evidentemente, apenas para sua permanência
naquela companhia.
Para Campos (2013), tanto em âmbito organizacional quanto pessoal, planejar (formal-
mente) o futuro é um importante meio de atingir aquilo que se pretende: de outra forma, ocupar
toda a energia do dia a dia apenas em responder a demandas que vão aparecendo fortuitamente
faz com que o caminho de desenvolvimento seja errático – muitas empresas e profissionais sem
um norte para seguir no médio e longo prazos parecem andar aleatoriamente, ou em círculos,
quando se leva em conta a distância entre os que sonham e os que de fato conquistam.
Uma definição bastante pragmática de estratégia é a que a enuncia como a arte de
selecionar e posicionar recursos de forma tal que objetivos e metas possam ser atingidos
(WHITTINGTON, 1996). Portanto, é função do planejamento definir metas e métodos.
Contudo, no jargão do mundo da gestão, é comum que as pessoas confundam os conceitos:
até mesmo entre aqueles que se graduaram em Administração, o que mais se encontra é quem
misture completamente o entendimento entre objetivo, meta e método.
Objetivo e meta são a mesma coisa? Sim... e não. Sim, no sentido de que ambos represen-
tam a pretensão almejada, o resultado a ser conquistado. Contudo, eis a importante diferença:
objetivo é sempre qualitativo; meta é sempre algo quantitativo. Meta é valor, número – sempre
36 Novos caminhos para os profissionais da educação

(CAMPOS, 2013). É importante frisar que mesmo a ambição mais subjetiva pode ser expressa em
números, afinal, uma data, um prazo para determinada realização, é um número. Por exemplo,
“fazer um mestrado em educação” é um objetivo vazio se não for acompanhado de uma meta que
defina se é algo, por exemplo, para os próximos 2, 4 ou 10 anos. “Garantir um overall band score de
no mínimo 7.0 no próximo exame IELTS de proficiência em inglês1”; “fazer o curso de como rea-
lizar apresentações de alto nível até dezembro de 2019”; “realizar a capacitação no sistema Moodle
de EaD até junho de 2020” são bons exemplos de que objetivos e metas sempre coexistem – falhar
na especificação do quantitativo ou do qualitativo compromete definitivamente o planejamento.
Portanto, eis o primeiro passo para a definição do plano de carreira docente: estabelecer
concretamente seus objetivos e metas (NECK; MANZ, 2012). Para isso, convém traçar um hori-
zonte de planejamento, isto é, o número de anos à frente que estarão sob estrito acompanhamento
da evolução da carreira. Um horizonte de planejamento muito curto, como 6 meses ou 1 ano,
é demasiado míope para uma estratégia de carreira – o risco de andar em círculos é muito grande;
por outro lado, a pretensão de se exercer absoluto controle dos próximos 20 ou 30 anos é, deveras,
fantasiosa – à medida que o futuro se alonga, o imponderável predomina, minando a coerência de
qualquer plano (CAMPOS, 2013). Assim, é bastante típico (e recomendável) se fixar a um horizon-
te dos próximos 5 ou 10 anos: evidentemente, cada ano que se vai percorrendo faz com que esses
próximos 5 ou 10 anos sempre avancem progressivamente (plano 2018 a 2022 se atualiza no plano
2019 a 2023, depois 2020 a 2024 e assim por diante).
Para Campos (2013), todo planejamento estratégico começa com uma questão provocadora
para mexer nos brios: qual o estado desejado para a posição profissional daqui a 5 anos? Todo pro-
fissional tem seu próprio nível de ambição, uns podem almejar viver e lecionar no exterior, outros
podem querer talvez apenas uma progressão salarial ou mais autoconfiança diante dos alunos.
Mas o importante é que a questão-chave já é suficientemente perturbadora para acabar com qual-
quer zona de conforto em que o professor eventualmente esteja.
É essa visão de futuro que norteia o estabelecimento dos objetivos e metas para o horizonte
de planejamento (CAMPOS, 2013). Por isso, faz todo sentido que o desdobramento de objetivos
e metas seja feito de trás para frente: se o horizonte de planejamento é de 5 anos, inicia-se pelos
“grandes números” almejados para o ano 5 e metas intermediárias vão sendo trazidas até o ano 1.
Isso faz com que o plano tenda a ser mais visionário – do contrário (expandir do ano 1 até o ano 5)
faz com que o plano seja mais conformista com a situação atual. Obviamente, o equilíbrio entre o
arrojo e o conservadorismo é uma competência que o planejador só adquire com a prática, ou seja,
só se aprende a fazer bons planos planejando e acumulando essas experiências, que servirão de
subsídio para os próximos ciclos de planejamento.

1 O International English Language Testing System (IELTS) é um teste que avalia se uma pessoa tem condições de
estudar, como também estagiar, mantendo comunicação em língua inglesa. Por meio dele, é testada a capacidade do
indivíduo de ouvir, ler, escrever, falar e compreender inglês em um ambiente acadêmico ou de treinamento.
Novas possibilidades de atuação docente 37

Assim, é preciso ficar atento a algumas considerações relevantes sobre objetivos e metas:
• O horizonte de planejamento pode fixar um mesmo objetivo, variando apenas a meta ano
a ano. Por exemplo, se o objetivo for “aumentar a popularidade entre os alunos”, as metas
podem ser “mínimo de 80% de alunos satisfeitos em pesquisa de opinião sobre o profes-
sor” para o ano 1, evoluindo para “mínimo de 82%” para o ano 2, “mínimo de 84%” para
o ano 3, “mínimo de 86%” para o ano 4 e “mínimo de 88%” para o ano 5.
• Uma quantidade muito pequena de objetivos torna o esforço de planejamento muito
superficial. Por exemplo, um objetivo único de “tornar-se um professor melhor” precisa ser
traduzido ou desdobrado em pretensões mais objetivas. Por outro lado, uma quantidade
muito grande de objetivos, como 10, 12 ou mais, pulveriza os esforços estratégicos,
comprometendo o foco no atingimento daquela visão declarada de carreira. Por isso,
principalmente em um primeiro ciclo de planejamento de carreira, um bom número de
objetivos a se considerar é algo em torno de 4 a 6.
Segundo Campos (2013), uma vez definidos os objetivos e metas (o que conquistar), segue-
-se para a definição dos métodos (como conquistar). Ou seja, os métodos dizem respeito às ações
concretas e objetivas que precisam ser executadas para ser possível se aproximar das metas defini-
das. Por assim dizer, meta é a linha de chegada e método é o caminho que leva até a meta.
Da mesma forma, há algumas considerações importantes sobre métodos a serem observadas:
• Apesar de o horizonte de planejamento enxergar os próximos anos (5, 10 etc.), a
proposição de ações concretas deve se restringir ao ano mais imediato – principalmente
em se tratando de um primeiro ciclo de planejamento. Isso permite foco e assertividade
na definição das ações, bem como maior comprometimento com sua realização, fazendo
com que os números projetados para os anos à frente sirvam de inspiração (sempre
precisa ser relembrada a “meta maior” para o final daquele horizonte de planejamento).
• Um mesmo par de objetivo e meta pode envolver mais de uma ação para sua consecu-
ção. Por exemplo, se o objetivo e a meta são “coordenar a pós-graduação em inteligência
competitiva na faculdade X em 2020”, várias ações, com prazos distintos, precisam ser
encadeadas para que, uma vez cumpridas em sua totalidade, tal ambição seja conquistada.
• Os métodos devem incluir, sempre que possível, uma estimativa de orçamento para a
realização daquelas ações, afinal, investir na carreira significa, na prática, despender
dinheiro – e nada mais frustrante do que ficar impossibilitado de realizar uma dada
ação em determinado momento porque, apesar de ter sido claramente planejada, não
se reservou recurso financeiro para aquela ocasião.
A Figura 1 apresenta uma sugestão de estrutura de plano de carreira docente, que pode ser
ajustado conforme as necessidades e características de cada profissional.
38 Novos caminhos para os profissionais da educação

Figura 1 – Modelo de plano de autogestão de carreira docente

Horizonte de planejamento
Plano de desenvolvimento profissional
2019 a 2023

Visão para 2023:


__________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________

Meta
Objetivo
2019 2020 2021 2022 2023

(1) ___________________________________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________

(2) ___________________________________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________

(3) ___________________________________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________

(4) ___________________________________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________

(5) ___________________________________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________

Meta Ação Orçamento Prazo Status

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(1) ___________________________________ _______________________________ _________ __/__/__ _____

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(2) ___________________________________ _______________________________ _________ __/__/__ _____

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(3) ___________________________________ _______________________________ _________ __/__/__ _____

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(4) ___________________________________ _______________________________ _________ __/__/__ _____

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(5) ___________________________________ _______________________________ _________ __/__/__ _____

_______________________________ _________ __/__/__ _____


Fonte: Elaborada pelo autor.

Em suma, um plano de autogestão de carreira, seja para a docência ou para qualquer outra
ocupação profissional, envolve uma visão de futuro (NECK; MANZ, 2012): primeiramente, é ne-
cessário saber o que se quer e, depois, traçar ações concretas que permitam alcançar esse estado
desejado futuro.
Novas possibilidades de atuação docente 39

Visto que é altamente recomendável concentrar em poucos objetivos e metas para o desen-
volvimento da carreira, é importante ter um senso de priorização para que se invista naquilo que
realmente é estratégico.
Para isso, é necessário refletir a respeito de alguns aspectos que podem ser realmente decisi-
vos para a carreira docente, levando em consideração concretizar a visão de futuro:
• Como está o nível de domínio do inglês? Que outras línguas estrangeiras podem
ser necessárias?
• Como está o nível de competência tecnológica? Quais novas tecnologias precisam ser
monitoradas e aprendidas?
• Como está o nível de competência didática? Como tem sido o desempenho pedagógico?
• Como está o nível de competência da área de conhecimento especializado? Existem novi-
dades no segmento que precisam ser melhor acompanhadas?
• Como está o nível de produção científica? Quantos artigos próprios já foram publicados?
Qual o fator de impacto ou Qualis dos periódicos correspondentes?
• Quão fácil ou difícil tem sido conquistar fontes públicas e privadas de financiamento para
pesquisa? O que precisa ser melhorado nesse aspecto?
• Quais têm sido os empreendimentos próprios para que o sustento financeiro não depen-
da exclusivamente de prestação de serviços (independentemente de forma de vínculo) a
instituições de ensino?
• Como está a rede de relacionamento para que mais oportunidades sejam fomentadas,
tanto como prestador de serviços para instituições quanto para empreitadas próprias?
Cabe destacar que, visando responder adequadamente tais questionamentos, não se pode
depender apenas de autoavaliação pelo risco de trazer uma visão enviesada da realidade – a opi-
nião alheia, nesse caso, importa muito.

3.2 O professor empreendedor


Poucos profissionais reúnem tanto potencial para o empreendedorismo quanto os profes-
sores. Contudo, no mundo do empreendedorismo, não se pode esperar convites ou incentivos
externos. O docente precisa despertar em si esse ímpeto, o que, felizmente, é bastante fácil quando
se começa a delinear seu plano de autogestão de carreira (NECK; MANZ, 2012), pois ser visionário
é uma característica de qualquer empreendedor (COLLINS; PORRAS, 2005).
Para Jackson e Brown (1979), a possibilidade mais óbvia de desenvolver os próprios negó-
cios é a consultoria especializada – vender conhecimento: afinal, via de regra, a mesma expertise
que faz um professor ser referência para seus alunos é bastante apreciada pelo mercado em geral,
seja de clientes corporativos, seja de pessoas físicas. Por exemplo, um professor de finanças ou mar-
keting pode desenvolver clientes corporativos em empresas de qualquer ramo e porte; professores
de língua portuguesa e geografia, embora sem tanto espaço nas corporações industriais, podem
vender o serviço de aula particular (que é, sim, uma consultoria na perspectiva comercial).
40 Novos caminhos para os profissionais da educação

Pensar na concorrência nesse tipo de serviço pode aparentemente ser desanimador, assim, a
saída costuma ser a inovação, pois iniciativas criativas podem ajudar a desenvolver clientes (KIM;
MAUBORGE, 2014). Por exemplo, os chamados mercados de nicho2 se revelam como oportunida-
des formidáveis: finanças para cooperativas ou food trucks, marketing para empresas de impressão
3-D ou casas de câmbio, aulas de reforço escolar para crianças com necessidades cognitivas espe-
ciais, entre tantos outros exemplos.
Na prática, algo que inibe os professores de fornecerem mais serviços especializados às em-
presas é o fato de que muitas delas, pela estrita observância das boas práticas fiscais e contábeis, só
podem contratar fornecedores legalizados como pessoa jurídica, ou seja, que emitem nota fiscal.
E muitos docentes têm a falsa impressão de que abrir uma empresa (ou seja, ter seu próprio CNPJ)
é algo demasiadamente caro, que pode ficar inviável se o nível de fornecimento de serviço ao mer-
cado for muito baixo ou mesmo ocasional.
Contudo, na atualidade, vale muito a pena que o professor formalize seu negócio para poder
aproveitar as demandas corporativas. Para Silva et al. (2016), a maior conveniência oferecida no
Brasil é o regime conhecido como Microempreendedor Individual (MEI), essa é a melhor forma
para que um profissional da educação abra sua empresa com o mínimo de burocracia e com custos
de manutenção realmente irrisórios.
O custo para manter uma pessoa jurídica MEI, que se aproveita do regime tributário do
Simples Nacional, na modalidade de serviços oferecidos por um professor, é bastante atrativo.
Para o processo de abertura, o custo é zero e, para a manutenção da empresa, não é necessário
pagar contador, sendo que a tributação se resume a um valor fixo mensal (SILVA et al., 2016).
Para referência, em 2018, o custo dessa tributação é de R$ 52,70 mensais, para um faturamento de
até R$ 81 mil por ano, há de se admitir que, na melhor condição possível, que é a de R$ 81 mil de
faturamento acumulado no ano, pagando R$ 632,40 de impostos, isso equivale a ser tributado em
0,78% do faturamento, o que é um sonho para qualquer empreendedor brasileiro. Mesmo que se
fature, na prática, muito menos que R$ 81 mil por ano, essa tributação (que seja na ordem de 3%,
4% ou 5% do faturamento bruto, efetivamente) continua sendo atrativa.
Ao pagar o valor fixo de R$ 52,70 ao mês por meio do Documento de Arrecadação do
Simples (DAS), o empreendedor está recolhendo, mais precisamente, R$ 47,70 de INSS (Previdência
Social) e R$ 5,00 de ISS (imposto municipal), não havendo incidência de ICMS (imposto estadual).
Ou seja, como resume Silva et al. (2016), além de manter um negócio com custo fixo substan-
cialmente baixo, ainda há a vantagem de contribuir com o INSS, o que assegura os direitos previ-
denciários associados (aposentadoria regular, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade,
auxílio-doença, pensão por morte etc.).
Para faturamentos superiores a R$ 81 mil, existem outros regimes de enquadramento das
empresas, que não são pelo MEI e pelo Simples Nacional, para os quais a carga tributária propor-
cional é muito maior. Contudo, se para boa parte dos professores a formalização como empresa é
uma opção ainda não exercida, por puro desconhecimento dos benefícios associados, essa faixa de

2 Nichos de mercado são segmentos de mercado (grupos de consumidores com necessidades específicas) pouco
explorados que representam vantagem competitiva, pois poucas empresas focam nesses segmentos.
Novas possibilidades de atuação docente 41

até R$ 81 mil de faturamento ao ano pode ser aproveitada mesmo em atividades profissionais que
não são as principais. Nada impede que um funcionário empregado pela CLT em uma instituição
seja, simultaneamente, sócio de uma pessoa jurídica MEI: assim, o professor pode ter sua fonte de
renda principal como assalariado e aproveitar as fontes secundárias de rendimento, como presta-
dor de serviço, por meio dessa modalidade (SILVA et al., 2016).
Para abrir uma pessoa jurídica MEI e conquistar sua cidadania empresarial, basta ao pro-
fessor preencher um formulário eletrônico no Portal MEI3. A concessão do CNPJ é instantânea.
O quesito essencial é que o CPF do professor não esteja relacionado à sociedade de qualquer outra
empresa registrada na Receita Federal.
Obviamente, o portal não está configurado para um atendimento personalizado ao perfil de
professores, uma vez que o MEI abarca inúmeras categorias profissionais. Por isso, as dicas a seguir
são especialmente úteis para que um professor formalize seu empreendimento corretamente:
• Não há liberdade para definir a razão social: no MEI, ela sempre será imposta pelo siste-
ma com uma formação dada pelo nome completo do empreendedor mais seu CPF. Assim,
o nome empresarial será sempre algo como “João Cabral de Melo Neto 63771912431”.
A liberdade que se tem é para registrar o nome fantasia, que pode ser trabalhado poste-
riormente como uma marca comercial.
• Será necessário declarar o capital social da empresa. No caso do professor, o que pode ser
considerado, na prática, é o valor equivalente ao patrimônio utilizado diretamente em suas
atividades profissionais. Assim, pode ser registrado, por exemplo, R$ 3 mil, a título de um
notebook e um smartphone (típicos), não havendo necessidade de comprovar com notas fiscais.
É necessário indicar quais são as atividades da empresa, a partir de uma lista bastante ampla
de alternativas. Para o professor que pretende aproveitar ao máximo as possibilidades empreen-
dedoras em ensino, pesquisa, gestão e extensão, as opções apresentadas na Figura 2 devem ser
priorizadas (lembrando que é uma mera declaração, a título de prévia autorização, sem posterior
necessidade de comprovar que se está de fato com negócios ativos nesses itens):
Figura 2 – Atividades para registro do professor no MEI

85.99-6/03 Treinamento em informática

85.99-6/04 Treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial

Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão não espe-


59.12-0/99
cificadas anteriormente

Preparação de documentos e serviços especializados de apoio administrativo não especifica-


82.19-9/99
dos anteriormente

63.99-2/00 Outras atividades de prestação de serviços de informação não especificadas anteriormente

82.11-3/00 Serviços combinados de escritório e apoio administrativo

58.19-1/00 Edição de cadastros, listas e de outros produtos gráficos

85.93-7/00 Ensino de idiomas

85.99-6/99 Outras atividades de ensino não especificadas anteriormente

Fonte: Elaborada pelo autor, com base em CNAE, 2018.

3 Acesse: <www.portaldoempreendedor.gov.br>. Acesso em: 30 abr. 2018.


42 Novos caminhos para os profissionais da educação

• Finalmente, é preciso indicar uma única dessas atividades como a principal, sendo as de-
mais deixadas como secundárias. Convém que se estime por qual atividade haverá, prova-
velmente, a maior parte do faturamento para, então, indicá-la como principal. Na prática,
há de se considerar que boa parte das instituições de ensino brasileiras, quando contratam
serviços de professores por pessoa jurídica, requisitam que o faturamento seja feito pela
atividade “85.99-6/99 – Outras atividades de ensino não especificadas anteriormente”.
Nas principais cidades brasileiras, a emissão da nota fiscal eletrônica se dá por portais on-li-
ne específicos do município de sede da empresa (normalmente, o próprio endereço residencial do
professor). Não há custo para o uso desse sistema ou, mais precisamente, já está pago por meio do
recolhimento mensal fixo de R$ 5 de ISS.
É comum que os profissionais que desconhecem os benefícios do MEI recebam por seus tra-
balhos autônomos como professores e/ou consultores pela modalidade de Recibo para Autônomo
(RPA), que é a saída encontrada pelas empresas (instituições de ensino ou de qualquer outro ramo)
para poder pagar diretamente a pessoas físicas. No entanto, entre todas as alternativas, o professor
precisa estar ciente de que essa é a pior, pois implica uma tributação da ordem de 20% a 30% do
rendimento bruto. Em suma, o planejamento tributário correto do professor é um dos primeiros
passos para viabilizar financeiramente suas iniciativas empreendedoras: na prática, o professor
deve sempre explorar com o contratante de seus serviços a possibilidade de receber por nota fiscal,
pois não pode esperar que o cliente tome a iniciativa de lembrá-lo disso. Grande parte das empre-
sas que contrata professores já emite automaticamente o RPA se não forem solicitadas do contrário,
por estarem acostumadas ao fato de que a maioria dos docentes simplesmente ignora a existência
de cenário mais favorável.
O ramo de consultoria, principalmente quando devidamente formalizado como pessoa ju-
rídica, abre um campo gigantesco de oportunidades no mercado corporativo. Em especial, os pro-
fessores precisam ficar conscientes de que, já com um simples MEI, podem atender inclusive o
poder público, participando dos respectivos editais e licitações (SILVA et al., 2016). Por exemplo,
o cadastro corporativo de fornecedores de bens e serviços da Petrobras precisa estar no radar de
oportunidades de negócio de todo professor/consultor que formalizou sua empresa – e pouquíssi-
mos o fazem! São centenas de itens de serviço4 para os quais a empresa pública precisa manter for-
necedores cadastrados e homologados para poder abrir a participação nos processos licitatórios.
Há, inclusive, dispositivos legais que são aplicados para que uma licitação envolvendo empresas de
diferentes portes favoreça o MEI, ou seja, uma empresa de grande porte pode perder a disputa para
um MEI mesmo oferecendo um preço menor.
Outra possibilidade merece especial atenção dos docentes: ajudar as empresas a estrutu-
rarem suas universidades corporativas, que é um campo de atuação da pedagogia empresarial.
A iniciativa, que não é uma universidade no sentido estrito do termo, visa criar e manter uma es-
trutura dedicada para treinamento e capacitação interna nas organizações – normalmente, as de
médio e grande portes, que costumam exigir de novos funcionários um conjunto de conhecimentos

4 Ver: <www.petronect.com.br/irj/go/km/docs/pccshrcontent/Site%20Content%20(Legacy)/Portal2018/pt/Cadastro_
ListaFornecimento.html>. Acesso em: 30 abr. 2018.
Novas possibilidades de atuação docente 43

específicos de seus sistemas internos, como ocorre, por exemplo, no ambiente da indústria auto-
motiva e da indústria de telecomunicações, em que dificilmente um candidato do mercado de
trabalho já está pronto para assumir uma posição que exige domínio de técnicas e de sistemas que
só existem naquelas empresas (NEVES; BORBA; LOCATELLI, 2017).
Outras iniciativas empreendedoras paralelas, além de complementar o rendimento finan-
ceiro do profissional, podem, inclusive, favorecer o desenvolvimento de mercado para as próprias
atividades responsáveis pela renda principal. Por exemplo: ser um youtuber. Hoje em dia, não há
razão que justifique um professor de alto nível, ou que vise sê-lo, não dispor de seu próprio canal na
plataforma mundial de vídeos (SEMICH; COPPER, 2017). A monetização não deve ser a principal
motivação nessa empreitada: afinal, conforme visto no Capítulo 2, apenas canais com grande au-
diência conseguem um montante financeiro em tal nível que justifique cogitar dedicação exclusiva
à atividade. Além disso, nem todos os professores no YouTube conseguem fazer parte da iniciativa
YouTube Edu, embora todos devessem considerar seriamente se candidatar a isso. Como estraté-
gia, o importante na rede é produzir vídeos não demasiadamente curtos, com relativa frequência
de novas postagens e com qualidade – felizmente, as tecnologias disponíveis hoje permitem a qual-
quer pessoa aprender rapidamente a usar recursos poderosos e gratuitos para essa finalidade.
Para sua distinção no mercado, e também como um legado à sociedade, todo professor de-
veria considerar a possibilidade de escrever livros. Essa empreitada pode ser conduzida por duas
possibilidades: procurar constantemente as editoras para verificar quais são os projetos de interesse
delas (eventualmente, o perfil do professor é exatamente o que se busca no mercado) e também
contatá-las para oferecer os projetos de livro que tenha em mente (muitas vezes, embora não seja
um projeto já considerado pela editora, a oportunidade pode ser desenvolvida ao se comprovar
que um tema é inédito ou precisa ser atualizado para determinado público-alvo). A própria pro-
dução científica do professor, na forma de seus artigos, dissertações e teses, pode servir de base
para a redação de livros, um trabalho que envolve a adaptação da linguagem científica para uma
linguagem mais popular (embora ainda com abordagem educacional). A perspectiva financeira
não deve ser a principal motivação do docente para esse tipo de empreendimento: como modelo de
negócio, normalmente as editoras compram os direitos autorais por um valor não tão expressivo.
Contudo, dispor em seu currículo de livros lançados é uma estratégia que precisa ser considerada
(e o sucesso em um primeiro título sempre favorece demandas subsequentes). Tal marca, de ser um
professor autor de livros, é bastante explorada em processos seletivos em instituições de ensino e
até mesmo para potencializar as palestras que o docente pode realizar.
Vender cursos na internet é outra possibilidade empreendedora interessante para os docen-
tes. É verdade que é um tanto quanto difícil conseguir fazê-lo diretamente em grandes plataformas
Mooc, como Coursera e Veduca, pois essas já possuem estreito relacionamento com uma série de
universidades ao redor do mundo que lhes servem de conteudistas. Contudo, o atual estágio da
tecnologia digital permite que qualquer pessoa disponha de sua própria plataforma de cursos, que
pode ser comprada/assinada por um preço bastante acessível. É como o caso das plataformas de
lojas virtuais que são comercializadas por grandes provedores de internet, por preços tão baixos
como R$ 25 por mês (embora as estruturas mais profissionais costumem custar cerca de dez vezes
44 Novos caminhos para os profissionais da educação

mais) e das lojas virtuais “grátis” (o preço, na verdade, é submeter-se a ter anúncios comerciais
de terceiros divulgados no portal). Atualmente, não faz sentido que um professor se disponha a
programar sua própria plataforma (ou contratar um programador para isso), sua energia deve ser
concentrada no conteúdo a desenvolver e oferecer, enquanto a plataforma já pronta é oferecida de
forma muito acessível no mercado.
Muitas vezes, as empreitadas lideradas pelo professor se dão por uma triangulação entre
professor, empresa parceira e fontes alternativas de financiamento (públicas ou privadas).
Por exemplo, cabe monitorar editais públicos não tão bem divulgados, como o caso do Programa
RHAE (Recursos Humanos Avançados na Empresa)5, mantido pelo CNPq: Trata-se de uma forma
de inserir mestres e doutores em empresas privadas, com remuneração paga 100% com recurso
público – desde que as atividades envolvam pesquisa científica e tecnológica. Já no aspecto de
financiamento privado, o crowdfunding (financiamento coletivo junto à sociedade civil) pode ser
o fator decisivo para viabilizar projetos propostos por professores a empresas – e, nesse sentido,
vale a pena avaliar desde os tradicionais sites de natureza generalista (como os consagrados
Kickstarter, Catarse e Vakinha) até os que mais recentemente têm surgido especificamente para
fins de financiamento científico (como é o caso do Entropia Coletiva6).
Na administração de seu portfólio de empreendimentos, o professor também precisa con-
siderar a estratégia freemium (a junção do “free”, gratuito, e do “premium”, pago): isso consiste em
ofertar alguns serviços sem custo que sirvam de propaganda para outros que são pagos (HSU;
TSAI, 2017). Por exemplo: uma palestra gratuita sobre um tema específico de um livro recém-
-lançado pode promover as vendas desse livro; um vídeo no YouTube explicando determinado
conceito pode favorecer a divulgação de cursos comercializados em alguma plataforma específica
e assim por diante.
Ainda há de se considerar que nem todo empreendimento promovido por um docente seja
motivado por lucro financeiro e/ou status acadêmico – seu conhecimento pode ser aproveitado
para projetos sociais. Assim, é uma opção também que o professor abra sua própria organização
não governamental (ONG) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), uma
pessoa jurídica sem fins lucrativos no chamado Terceiro Setor. É importante esclarecer que esse
tipo de iniciativa não necessariamente precisa trabalhar apenas com voluntariados: profissionais
podem ser normalmente contratados e pagos, de forma assalariada, nas instituições do Terceiro
Setor. Evidentemente, essas organizações trabalham com dinheiro (seja por doações, seja por clien-
tes que pagam por produtos e/ou serviços) e precisam ter, sim, lucro nas operações (excedente de
caixa). A distinção é que não existe o ato de distribuição de lucro como dividendo a acionistas: todo
o lucro é reinvestido na manutenção da organização. Logo, Terceiro Setor não significa, necessaria-
mente, filantropia: principalmente no caso de organizações estruturadas por docentes, é comum
que algumas sejam prestadores de serviços técnicos especializados – e muitas se aproveitam de
benesses legais para vender serviços a empresas públicas, inclusive com contratos sem licitação,
algo que é justificado e legalizado (SZAZI, 2006).

5 Ver: <cnpq.br/apresentacao-rhae>. Acesso em: 30 abr. 2018.


6 Ver: <https://entropiacoletiva.com/>. Acesso em: 30 abr. 2018.
Novas possibilidades de atuação docente 45

3.3 Marketing pessoal e network


A máxima do marketing de que “quem não é visto não é lembrado” é algo que nenhum do-
cente deve ignorar. Afinal, o professor deve entender que seu nome é sua marca e, como tal, precisa
ser trabalhada com eficientes táticas de branding, o conjunto de atividades que se destinam exclu-
sivamente à gestão de uma marca (TEMPLE, 2006).
Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que precisa ser realizada de
forma simpática, constante e com alta qualidade. As redes sociais digitais favorecem sobremaneira
essa tarefa. O que elas promovem é um salto em termos de exposição e interatividade se comparadas
aos blogues7 pessoais clássicos, possíveis de criar com ferramentas como Wordpress e Webnode.
O que acabou ocorrendo foi uma natural integração das principais redes sociais, tais como Facebook,
YouTube, Twitter, LinkedIn e Instagram, às páginas dos blogues, grande parte da audiência acompanha
as novidades dos blogues não pelo acesso direto à sua página, mas por links reproduzidos nas redes
sociais. A propósito, o YouTube é o que se costuma denominar de vlog – abreviação de videoblog, ou
seja, um tipo de blogue em que os conteúdos predominantes são os vídeos.
Muitos docentes, na verdade, abdicam de ter uma página de blogue como conteúdo central,
dedicando-se a manter as próprias páginas nas redes sociais como principais canais de divulgação
de suas postagens. Há quem adote uma política de separar as coisas, usando Facebook para posta-
gens pessoais e LinkedIn para as profissionais – outros reproduzem conteúdo técnico em todas as
suas mídias sociais. Como a quantidade de redes sociais é grande e ficar manualmente gerenciando
as publicações de uma em uma demanda muito tempo, os professores podem considerar soluções
interessantes do mercado, como o Hootsuite8 e similares, sistemas capazes de reproduzir automa-
ticamente uma única postagem em todas as redes sociais, deixando o trabalho de marketing do
professor muito mais produtivo.
Fora do ambiente digital, algumas iniciativas simples são altamente eficientes para manter
uma boa imagem do professor perante seu mercado de atuação (sejam clientes atuais, sejam poten-
ciais clientes). Visitas de cortesia e lembranças em datas comemorativas (como aniversário e Natal)
são algumas dessas medidas. Fundamentalmente, boa parte das práticas de marketing pessoal é
amparada no network do profissional, ou seja, na rede de relacionamentos profissionais que ele
mantém. Esse círculo de contatos corresponde a um ativo importante e precisa ser devidamente
gerenciado para que cresça em quantidade e qualidade – o resultado natural é uma maior demanda
de trabalhos para o professor, pois muitas decisões corporativas no tocante à seleção de professores
prezam pelo relacionamento estabelecido. É uma óbvia questão inerente à credibilidade: antes de
buscar desconhecidos, melhor confiar trabalho a quem já se conhece (BARREIRA, 2010).
Além do mais, não se pode deixar o aluno de fora do escopo de relacionamento profissional:
embora popularidade não seja um quesito essencial para um professor se manter no cargo, eviden-
temente isso favorece a decisão por sua manutenção por parte das instituições de ensino. Ser tão

7 Um blogue (em inglês blog, palavra formada pela contração dos termos web e log que significa “diário da rede”) é um
tipo de website cuja estrutura permite a atualização rápida por meio de postagens. Geralmente, o conteúdo é organizado
de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blogue, podendo até mesmo ser escrito por um
número variável de pessoas.
8 Ver: <hootsuite.com/pt/>. Acesso em: 30 abr. 2018.
46 Novos caminhos para os profissionais da educação

firme quanto a disciplina em sala de aula exige, ao mesmo tempo que se nutre uma empatia junto à
turma de estudantes, é uma virtude apreciável no docente (ATAMIAN; GANGULI, 1993).
Barreira (2010) e Berg (2014) concordam que relacionamento é a aptidão que faz decolar a
profissão, embora muitos profissionais ignorem isso. Berg (2014) relata que o Instituto Dale Carnegie,
dos Estados Unidos, efetuou uma pesquisa com 10 mil pessoas, chegando a um resultado surpreen-
dente: apenas 15% do sucesso das pessoas estava relacionado com competência técnica e habilidade
no trabalho – os outros 85% do sucesso eram fundamentados na personalidade e, sobretudo, na ha-
bilidade de saber se relacionar com pessoas. Existem vários outros estudos feitos nos Estados Unidos
e em outras partes do mundo que confirmam esses índices. Mesmo de maneira empírica, é possível
constatar o fenômeno: as pessoas bem-sucedidas que se conhece não são superdotadas ou muito mais
inteligentes do que os outros. Uma análise atenta mostra que a maioria delas, acima mesmo de suas
competências profissionais, sabe se relacionar com os demais, dialogar e ser convincente no trato
com as pessoas. Ao mesmo tempo, uma das grandes dificuldades que os profissionais apresentam são
problemas nas relações humanas, e eles parecem ainda não perceber que muitos dos seus fracassos
surgem por não saberem se relacionar apropriadamente com os outros.
Berg (2014) propõe um instrumento de autodiagnóstico dessa competência de relaciona-
mento social, na forma de um questionário (Figura 3). Para respondê-lo, é importante ter em conta
como se age normalmente, e não uma visão idealizada de como gostaria ou deveria ser (S = sim, N
= não, AV = às vezes).
Figura 3 – Autodiagnóstico da capacidade de relacionamento social

1. Sou uma pessoa fácil de me relacionar com outros. S N AV

2. Eu genuinamente me interesso pelas pessoas e pelos seus problemas. S N AV

3. É comum eu ver defeitos no meu chefe e nos meus colegas de trabalho. S N AV

4. Escuto atentamente quando as pessoas falam comigo e demonstro isso. S N AV

5. Tenho facilidade de conversar e trocar ideias com as pessoas. S N AV

6. Trato sempre de ver algo de bom nas pessoas, mesmo que não goste de alguém. S N AV

7. Dou sempre às outras pessoas o crédito pelo trabalho que elas fizeram. S N AV

8. Tenho o hábito de elogiar as pessoas por algo de bom que fizeram. S N AV

9. Às vezes piso no amor-próprio da outra pessoa. S N AV

10. Invariavelmente trato os outros do jeito que quero ser tratado. S N AV

11. Sempre trato as pessoas com educação e gentileza. S N AV

12. Mantenho a calma mesmo que alguém seja grosseiro comigo. S N AV

13. Mesmo que eu discorde de alguém, respeito o seu ponto de vista. S N AV

14. Digo o que penso de uma pessoa mesmo que isso possa ofendê-la. S N AV

15. Sou colaborativo e habitualmente ajudo meus colegas no trabalho. S N AV

16. As pessoas costumam me procurar quando estão em dificuldades. S N AV

17. Sou impaciente com as pessoas. S N AV

18. Contribuo ativamente para a tranquilidade e harmonia da equipe de trabalho. S N AV

(Continua)
Novas possibilidades de atuação docente 47

19. Detesto boatos e fofocas e não os espalho. S N AV

20. Mantenho sempre a conversação em um clima positivo. S N AV

21. Guardo mágoas por ofensas que recebi. S N AV

22. Sou impulsivo e, às vezes, digo coisas das quais me arrependo. S N AV

23. Se eu tiver que criticar ou chamar a atenção de alguém no trabalho, faço-o com respeito e educada-
S N AV
mente, sem ofender ou humilhar.

24. Sou normalmente bem-humorado. S N AV

25. Aceito críticas sem me ofender. S N AV

Fonte: Adaptada de Berg (2014, p. 18).

Berg (2014) instrui a fazer a contagem de pontos e interpretar seu resultado, com base nesses
critérios: marcar um ponto para cada resposta “sim” dadas às afirmações 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11,
12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 23, 24, 25; marcar um ponto para cada resposta “não” dada às afirmações
3, 9, 14, 17, 21, 22; e marcar meio ponto para cada resposta “às vezes”.
Somando-se os pontos, o diagnóstico é (BERG, 2014):
• De 21 a 25 pontos: ótimo – o profissional domina os princípios e técnicas das relações
humanas e sabe como utilizá-los positivamente; demonstra interesse e respeito pelas pes-
soas. Convém manter esse espírito e continuar a desenvolver as capacidades de relaciona-
mento interpessoal, visando colher ainda mais frutos no futuro.
• De 17 a 20,5 pontos: bom – o profissional conhece os fundamentos que norteiam o bom
relacionamento, dá valor a isso e o demonstra pelo seu comportamento. Pode, entretanto,
melhorar em alguns pontos. Convém observar as afirmações que não pontuou, pois elas
podem dar indicações do que é necessário melhorar.
• De 13 a 16,5 pontos: razoável – o profissional apresenta alguns pontos onde vai bem e
outros onde não vai muito bem. Isso, esporadicamente, pode implicar algumas dificul-
dades de relacionamento. Por isso, precisa melhorar alguns itens: é importante rever as
afirmações em que não pontuou ou obteve meio ponto, que fornecem um quadro do que
precisa ser aprimorado.
• Abaixo de 13 pontos: insuficiente – é preciso melhorar a habilidade de relacionamento
interpessoal. Provavelmente, o profissional não se interessa ou não dá muita abertura para
interagir com pessoas. Urge rever as afirmações onde não pontuou ou obteve meio ponto,
analisando o que se pode fazer para interagir mais e melhor com as pessoas.
Para Berg (2014), o profissional que se dispõe a ser realmente bem-sucedido nas relações
humanas precisa aprender a ganhar o coração das pessoas – mais do que suas mentes. Afinal, é pre-
ciso reconhecer que o sucesso e prosperidade de uma pessoa depende, em grande parte, de outros
indivíduos. Isso é válido tanto para viabilizar novas empreitadas quanto para manter os trabalhos
atuais, sendo essencial, portanto, para a efetiva progressão na carreira docente planejada.
Berg (2014) sintetiza dois pontos fundamentais das relações humanas. Um deles é que, no
convívio com pessoas, todos querem alguma coisa uns dos outros. O chefe quer lealdade e produ-
tividade dos subordinados e os subordinados querem reconhecimento e segurança na empresa; os
48 Novos caminhos para os profissionais da educação

pais querem que os filhos obedeçam e os filhos querem que os pais os amem e protejam; os casais
querem afeto e amor mútuos; o vendedor quer que os clientes comprem e os clientes desejam sa-
tisfação com a compra e assim por diante. De tal modo, não é difícil constatar que ter sucesso nas
relações humanas significa dar ao outro algo que ele deseja em troca do que é desejado para si: isso
é uma visão lúcida e inteligente que expressa a essência da arte de saber conviver e aprender com
as pessoas. O outro ponto fundamental das relações humanas é que todos possuem em abundância
várias coisas que as outras pessoas precisam ou gostariam de ter. Assim, ao se proporcionar a elas
essas coisas, a reciprocidade será natural. Portanto, cabe ao docente se aperfeiçoar e se aprimo-
rar, pessoal e profissionalmente, para que tenha muito o que contribuir com as outras pessoas.
Frisamos que uma pessoa próspera tem maior possibilidade de beneficiar os outros do que um
indivíduo fracassado; da mesma forma, uma pessoa feliz tem muito mais chances de disseminar
felicidade do que um indivíduo infeliz – eis aí uma justa visão de futuro para um professor.

Considerações finais
Não se terceiriza a gestão de uma carreira. Se alguns educadores talvez pensem que, por
se dedicarem a uma área especializada de conhecimento, não são as pessoas certas para plane-
jar e executar os passos de desenvolvimento de sua própria jornada profissional, isso precisa ser
corrigido de imediato. Professores que investem em sua capacitação na área de conhecimento es-
pecializado, bem como em prática pedagógica e domínio de novas tecnologias, possuem todas as
possibilidades de construir ativamente seu próprio futuro, o que envolve também dirigir seus em-
preendimentos e desenvolver os próprios mercados em que prestarão seus serviços educacionais,
científicos e tecnológicos.

Atividades
1. Quais questionamentos o docente deve fazer para ter uma visão de futuro em relação ao seu
plano de carreira.

2. Quais são as conveniências para um professor que abra uma pessoa jurídica na categoria
Microempreendedor Individual (MEI)?

3. Como se dá a estratégia freemium para professores?

4. Quais as principais ações de branding (gestão da marca) do professor?

Referências
ATAMIAN, R.; GANGULI, G. Teacher popularity and teaching effectiveness: viewpoint of accounting stu-
dents. Journal of Education for Business, Abingdon, v. 68, n. 3, p. 163-169, 1993.
BARREIRA, V. A. Business networking: as necessidades de aquisição de competências dos executivos em
Portugal. Dissertação (Mestrado em Marketing.) – Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2010.
Novas possibilidades de atuação docente 49

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2014.
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4
Novas possibilidades de atuação docente

A expressão tecnologias de informação e comunicação (TIC) é bastante abrangente, de


forma proporcional ao amplo significado da palavra tecnologia (o conjunto de conhecimentos
aplicados à resolução prática de algum dado problema ou demanda da sociedade). Assim, no
que se refere à perspectiva da informação e da comunicação, se óculos de realidade virtual
são TIC, os tradicionais livros e cadernos nada informatizados também o são. Este capítulo
se ocupa de examinar o papel das TIC no aprimoramento da comunicação entre professor e
estudantes, com a devida ênfase que os atuais processos e recursos digitalizados naturalmente
merecem no campo da educação.

4.1 A nova comunicação professor-aluno


As novas TIC, tão bem caracterizadas por seu formato digital, revelam-se ferramentas
com múltiplas capacidades e utilidades para o processo de ensino e aprendizagem. A atual
disponibilidade de recursos educacionais digitais é tão ampla que já excede em muito a mera
discussão sobre o uso de computador em sala de aula que, assim como um smartphone, é apenas
um item entre tantos outros elementos das TIC educacionais (CHICKERING; EHRMANN,
1996). Por sinal, muito do que se acessa em sala de aula é remoto, a visualização pode até
ocorrer nos aparelhos dentro da escola, mas o processamento e a armazenagem ocorrem fora
dali, naquilo que tão bem caracteriza o paradigma computacional da “nuvem” possibilitado
pela internet (RITTINGHOUSE; RANSOME, 2016).
Qualquer estratégia instrucional pode ser amparada por diversas tecnologias, muitas
vezes contrastantes (entre as novas e as clássicas), bem como qualquer dada tecnologia pode
ser empregada para viabilizar diferentes estratégias instrucionais. De todo modo, o fato é que,
para uma dada estratégia instrucional, algumas tecnologias são mais apropriadas que ou-
tras: em uma útil analogia, é melhor apertar um parafuso com uma chave de fenda em vez de
usar um martelo para isso. Até mesmo uma moedinha pode servir para, no improviso, aper-
tar um parafuso, mas é inegável que a chave de fenda seja a tecnologia ideal para tal situação
(CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Portanto, na perspectiva da boa comunicação professor-aluno (competência indispen-
sável para qualquer docente), é possível traçar algumas observações sobre o uso da informá-
tica, levando em consideração aspectos como relação custo-benefício e adequação – para
Chickering e Ehrmann (1996), existem alguns elementos decisivos para esse tipo de análise.
Primeiramente, há de se considerar que algumas boas práticas melhoram o relaciona-
mento entre alunos e professores. De fato, o contato frequente entre eles, dentro e fora da es-
cola, é um fator importante para motivação e engajamento dos estudantes. Algo que se espera
de bons professores é que eles ajudem seus alunos no enfrentamento dos inevitáveis percalços
52 Novos caminhos para os profissionais da educação

ao longo do curso, a fim de que se possa seguir trabalhando para concluir os estudos com sucesso.
Quando os estudantes têm um relacionamento mais estreito com alguns de seus professores, isso
favorece o compromisso intelectual desses alunos, encorajando-os a refletirem sobre seus próprios
valores e planos (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Portanto, as tecnologias de comunicação, ao ampliarem o acesso dos estudantes ao corpo
docente, ajudam os professores a compartilharem recursos úteis, que se disponham à resolução
conjunta de problemas e que democratizem o aprendizado. Dessa forma, há um consequente
aumento também na interação presencial, dentro e fora da escola. Ao oferecem uma fonte de
informação mais “distante”, tais tecnologias tendem a fortalecer a interação entre professores e
alunos – servindo ainda, muito convenientemente, aos mais tímidos estudantes, que frequentemente
relutam em se manifestar em sala de aula para refutar alguma informação proferida publicamente
ou até para fazer uma simples pergunta. Em algumas situações, é mais fácil discutir por escrito
valores e preocupações pessoais do que conversar a respeito. Além de que algo frequentemente
subjugado na prática – que é o fato de sempre existirem alunos que acabam cumprindo uma
jornada parcial das aulas em função de compromissos profissionais e familiares (saindo mais cedo
ou faltando em muitos encontros) – consegue ser melhor administrado com as possibilidades
proporcionadas pelas TIC (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Algo que as TIC trouxeram ao campo da educação foi o melhor aproveitamento da comu-
nicação assíncrona. Essa comunicação se caracteriza por não ter os interlocutores dialogando em
tempo real – é aquela disposição em que um fala ou escreve quando pode e outro escuta ou lê
também quando puder, portanto, em momentos distintos. No feedback (retorno) da comunicação,
novamente ocorre esse assincronismo, invertendo-se, nos interlocutores, os papéis de quem trans-
mite e de quem recebe a informação (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Muito antes da era informatizada, isso já ocorria no campo da educação, tradicionalmente,
essa modalidade de comunicação professor-aluno sempre se deu pelo artifício do “dever de casa”.
Essa comunicação assíncrona pode ser entendida como uma forma mais empobrecida de conver-
sa, tipicamente limitada a três estágios: o professor faz uma pergunta ou solicita uma tarefa (1), o
aluno responde, fazendo sua “lição de casa” (2), o professor responde algum tempo depois com a
“correção”, trazendo os comentários e uma nota (3). Normalmente, a conversação se limita a isso e,
no momento em que nota e comentários são recebidos, o aluno já está com sua atenção desviada a
um novo tópico do curso (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Em tempos de alta informatização, a comunicação assíncrona entre professor e aluno ganha
muito mais qualidade. Seja por e-mail, seja por chat, websites de disciplinas, entre tantas outras
possibilidades, há uma proliferação de oportunidades de contato direto entre estudantes e corpo
docente para conversar (formal e informalmente) muito mais rapidamente do que antes. O ganho
não é só na velocidade, mas também no nível mais aprofundado de discussão e até mesmo de for-
ma mais “segura”, se comparado à interação presencial direta em sala de aula ou em qualquer ou-
tro ambiente escolar. É, portanto, uma nova realidade de comunicação que desperta nos estudan-
tes uma percepção de aprendizado muito mais efetivo e muito mais motivador (CHICKERING;
EHRMANN, 1996).
Novas possibilidades de atuação docente 53

Algumas boas práticas também servem para desenvolver a reciprocidade e a cooperação


entre os estudantes. O aprendizado é potencializado muito mais quando é fruto de um trabalho em
equipe do que de uma jornada solitária. Estudar é uma forma de trabalho humano e, como todo
bom trabalho, atinge melhores resultados com iniciativas colaborativas e sociais, mais que compe-
tição e individualismo. O fato é que trabalhar com outras pessoas normalmente aumenta o com-
prometimento e o envolvimento no aprendizado. Compartilhar ideias com colegas e responder às
ideias alheias melhora o pensamento crítico, com consequente aprofundamento do entendimento
(CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Por tais razões, os professores precisam incentivar e permitir tanto quanto seja possível que
os seus estudantes se engajem em atividades coletivas nos cursos – a melhoria da comunicação
entre eles se correlaciona com a própria comunicação entre a turma e o professor. Felizmente,
as ferramentas informatizadas facilitam substancialmente práticas como grupos de estudo e pesquisa,
aprendizado colaborativo, resolução de problemas em grupo e discussão coletiva da apresentação das
tarefas dos alunos (CHICKERING; EHRMANN, 1996). Não por acaso, os atuais softwares e aplica-
tivos educativos parecem se render cada vez mais à “mentalidade de rede social digital” das funções
curtir, comentar e compartilhar.
Chickering e Ehrmann (1996) consideram que a extensão na qual as ferramentas computa-
dorizadas encorajaram a colaboração espontânea dos estudantes foi uma das primeiras boas sur-
presas a respeito da informática. Não resta dúvida quanto ao papel primordial das mais recentes
TIC para a mundialização do processo de ensino e aprendizagem: muito diferente do cenário de
até bem poucas décadas atrás, hoje é plenamente possível que um aluno selecione os mais adequa-
dos cursos e professores ao seu interesse de aprendizado – independentemente de onde no plane-
ta estejam esses professores, e não importando nem mesmo a língua que o professor estrangeiro
adote. Por exemplo, se um estudante brasileiro resolver assistir a uma determinada aula que só é
ministrada em russo e/ou se precisar interagir com um colega chinês para uma dada atividade em
grupo, a eventual falta do domínio na língua deixou de ser barreira intransponível diante de pos-
sibilidades como a da nova função do Skype de tradução simultânea de conversas em tempo real
(SANDRELLI; JEREZ, 2007).
Na atualidade, as boas práticas de ensino fazem uso de metodologias ativas. Afinal, não
se garante aprendizado com um aluno meramente “de corpo presente” em sala de aula, sentado,
quieto, apenas escutando aquilo que o professor tenta transmitir. Os estudantes precisam falar a
respeito do que estão aprendendo, escrever reflexivamente sobre isso, relacionar novos conheci-
mentos com experiências práticas já vivenciadas, para que o que foi transmitido em sala de aula
seja passível de ser aplicado no dia a dia do aluno. Em suma, os estudantes devem fazer com que
aquilo que foi aprendido se torne parte deles mesmos (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
E é realmente surpreendente a gama de novas tecnologias que incentivam a aprendizagem
ativa. Basicamente, as inúmeras opções do mercado (entre gratuitas e pagas) se encaixam em três
categorias: ferramentas e recursos para o learn by doing (aprender fazendo, na tradução para o
português), comunicação assíncrona e conversa em tempo real. É interessante observar que não
necessariamente precisam ser softwares ou aplicativos dedicados ou construídos especificamente
54 Novos caminhos para os profissionais da educação

para o ambiente educacional, pois existe uma vasta gama de aplicações genéricas (chamadas, al-
gumas vezes, de worldware), ou seja, softwares (tais como como processadores de texto, planilhas
eletrônicas e apresentação de conteúdo) originalmente desenvolvidos para outros fins, mas que
acabam por incorporar tantas funções avançadas e úteis que podem ser perfeitamente utilizados
no campo da instrução de pessoas (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
A crescente digitalização do ensino e da aprendizagem acarreta também maior prontidão
de feedback. Afinal, saber exatamente o que se conhece e o que não se conhece dá maior foco ao
aprendizado. No início dos estudos, os alunos precisam, naturalmente, de suporte para que se
deem conta de seus atuais limites de conhecimento e de competências, a partir dos quais as aulas
servirão de aprimoramento do saber. E assim, nas aulas, os estudantes precisarão dispor de várias
oportunidades para dar e receber feedbacks. São muitos os momentos durante o curso, além do
próprio evento de sua conclusão, em que os alunos precisam refletir sobre o que aprenderam, o
que ainda precisam ganhar de conhecimento e como eles podem se autoavaliar a esse respeito
(CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Há diversos meios pelos quais as TIC podem prover feedbacks – alguns são bastante óbvios;
outros, mais sutis. Uma ferramenta como o e-mail é especialmente útil, por exemplo, para um
processo mais formal e individual de feedback entre professor e aluno. Já o uso de comunicadores
instantâneos (como WhatsApp, Facebook, Messenger e afins) parece adequado para situações mais
informais de comunicação entre discentes e docentes (CHICKERING; EHRMANN, 1996). É pre-
ciso reconhecer, ainda, que os recursos computacionais têm tido papel cada vez mais relevante na
gravação e na análise de desempenho pessoal e profissional. Então, no geral, por meio do aparato
tecnológico, os professores podem registrar observações críticas para um aprendiz – por exemplo,
o vídeo é altamente pertinente de ser utilizado quando houver a necessidade de avaliar um profes-
sor assistente, um ator ou um atleta – aliado ao fato de que a tecnologia lhes serve igualmente bem
para suas próprias autoavaliações (CHICKERING; EHRMANN, 1996).
Uma situação bastante corriqueira no ensino e na pesquisa é a produção textual (por exem-
plo, artigos acadêmicos). Nos processadores de texto, existe o útil recurso de anotações e comen-
tários de revisores (que podem ser, por exemplo, colegas de curso e/ou o próprio professor) – tais
observações adicionais ao texto original podem ter sua visualização facilmente ativada ou desa-
tivada, de modo que o autor original disponha de sua versão “limpa” e da versão com comentá-
rios para prosseguir com seu trabalho (CHICKERING; EHRMANN, 1996). Nos sistemas mais
modernos, baseados em computação em nuvem (por exemplo o Google Docs), não existe mais a
antiga restrição de um acesso de edição por vez (quem tentasse também editar ao mesmo tempo
aquele arquivo recebia a autorização de “somente leitura” para acessar o documento): a edição
pode ser simultânea, com o trabalho de diversos editores e revisores operando em tempo real com
o autor original do documento, o que favorece um grande salto em produtividade (ISHTAIWA;
ABUREZEQ, 2015).
Finalmente, não se pode deixar de reconhecer a especial utilidade das novas TIC em outros
aspectos também cruciais na comunicação entre professor e aluno, como no gerenciamento do
tempo alocado nas atividades, a diversidade de perfis cognitivos e comportamentais em uma dada
Novas possibilidades de atuação docente 55

turma de alunos e a própria questão da inclusão, com melhores possibilidades de aproveitamento


de alunos com deficiências físicas e/ou intelectuais (CHICKERING; EHRMANN, 1996).

4.2 A internet na sala de aula


Uma vez que se tenha acesso à internet na sala de aula, o professor evidentemente não tem
mais o controle absoluto da atenção de seus alunos – e há de se discutir sobre o lado bom e o lado
ruim dessa realidade onipresente nos dias atuais. Sem dúvida, uma competência apreciável do
professor contemporâneo é saber como lidar da melhor maneira com o fato de que os alunos estão
permanentemente conectados (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).
Apesar de o uso de notebooks e smartphones aumentarem cada vez mais em sala de aula, a
percepção dos professores não é uníssona quanto ao nível de distração e prejuízo ao aprendizado
que esses dispositivos proporcionam. Evidentemente, o que se discute é o uso não acadêmico que
se faz da internet, pois por mais que existam sites específicos e recursos determinados a serem uti-
lizados conforme o plano de aula, a grande rede de computadores é uma porta aberta a qualquer
tipo de conteúdo que algum aluno se proponha a acessar (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).
Entre aqueles docentes que são mais tolerantes quanto aos acessos à internet durante suas
aulas, há os que cogitam que os alunos, muitos deles expoentes da geração digital, seriam natural-
mente mais multitarefas, a ponto de conseguir transitar bem entre, por exemplo, acompanhar o
conteúdo da aula, responder a mensagens em WhatsApp e acompanhar postagens em redes sociais
(RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).
Estudos mostram que o advento da tecnologia dos dispositivos móveis, como tablets e
smartphones, impactou drasticamente a realidade do ambiente de sala de aula – mais de 60% dos
estudantes confessam que utilizam os meios eletrônicos para propósitos não acadêmicos enquanto
conduzem suas atividades dentro da escola ou mesmo nas tarefas de casa, evidenciando um estilo
de estudo que mescla interrupções e distrações frequentes. A quase totalidade dos alunos leva para
a sala de aula seus próprios celulares e quase um terço deles costuma frequentar aulas com note-
books particulares (JACOBSEN, FORSTE, 2011; AGUILAR-ROCA, WILLIAMS, O’DOWD, 2012;
TINDELL, BOHLANDER, 2012; RAVIZZA, HAMBRICK, FENN, 2014).
Os mesmos estudos têm concluído que os dispositivos de acesso à internet presentes em
sala de aula trazem tanto aspectos favoráveis quanto desfavoráveis. Do lado positivo, evidencia-se
um maior engajamento e participação dos alunos nas atividades de classe, principalmente quando
munidos de notebook. Até mesmo melhores notas são obtidas, dentro de um ambiente de ensino
com parâmetros muito bem planejados para o direcionamento do uso da internet. Contudo, sem
a devida supervisão, as desvantagens podem superar em muito os benefícios potenciais: os dispo-
sitivos móveis podem servir de maior fonte de distração se usados de modo descontrolado e sem
um direcionamento contextual bem definido – direcionamento esse que cabe, naturalmente, ao
professor, como o responsável maior pelo que ocorre em sala de aula (RAVIZZA; HAMBRICK;
FENN, 2014).
Os dispositivos móveis facilitam sobremaneira que os alunos enviem e recebam mensagens
– com a mesma facilidade, eles podem se envolver em atividades alheias à programação didática,
56 Novos caminhos para os profissionais da educação

tais como fazer uso de jogos eletrônicos, comprar pela internet, ler notícias, acessar redes sociais,
assistir a transmissões esportivas e conferir e-mail (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).
Pensar em uma solução como implantar um firewall1 ou medida semelhante, que permita
apenas acesso a conteúdo previamente autorizado, tornou-se, na atualidade, uma medida inócua,
pois cada vez mais, o acesso “clandestino” à internet não se dá pelo Wi-fi local da instituição de en-
sino, mas pela conexão particular 3G/4G do próprio dispositivo móvel do aluno. Assim, admitindo
que praticamente todos eles carregam o próprio celular em sala de aula, cada estudante é um virtual
ponto de conexão, independentemente da internet via Wi-fi – longe do alcance de qualquer filtro
que a área de TI da instituição possa tentar aplicar. Os dispositivos móveis dos alunos convivem à
hotspot: ponto de revelia da rede administrada pela TI local. Além do mais, com a função de hotspot que os moder-
acesso Wi-Fi.
nos smartphones possuem, na prática é necessário apenas um celular com conexão móvel própria
para que, uma vez assim configurado, sirva de ponto de acesso para todos os demais dispositivos
em sala de aula – inclusive notebooks (CHARTRAND, 2016).
Portanto, estando irremediavelmente o aluno conectado o tempo todo à internet,
independentemente, nesse aspecto, de qualquer ação de seu professor, cabe ao docente gerir a
situação para que, com seu poder de influência e empatia junto aos estudantes, possa atenuar as
aplicações não acadêmicas da rede e concentrar seu uso para os propósitos da aula que está sendo
ministrada. O que as pesquisas mais recentes têm demonstrado é que, dentro das variações de
perfis mais cinestésicos, mais auditivos ou mais visuais na população e diante dos vários graus de
inteligência distribuídos entre os alunos em uma classe, para uma dada aula, sempre haverá aquela
parcela de estudantes que acompanhará visualmente cada movimento do professor na sala e aqueles
que precisam se certificar de que entenderam cada palavra que é pronunciada – ao mesmo tempo
que existem outros que, seja por empáfia, seja por dislexia estarão parcial ou totalmente distraídos
com a primeira oportunidade que aparecer, recorrendo, naturalmente, ao que têm no bolso ou
às mãos (celular ou outro dispositivo eletrônico) (FONSECA, 2009; RAVIZZA, HAMBRICK,
FENN, 2014).
Os estudos (JACOBSEN, FORSTE, 2011; AGUILAR-ROCA, WILLIAMS, O’DOWD, 2012;
TINDELL, BOHLANDER, 2012; CARVALHO, 2013; RAVIZZA, HAMBRICK, FENN, 2014) mos-
tram que, apesar de realmente existir uma parcela de alunos que mereça a alcunha de multitarefas
(podendo, em tese, acompanhar razoavelmente uma aula enquanto transita por Facebook, Twitter
e YouTube, por exemplo), a excessiva tolerância com eles pode resultar em má influência para
os demais, sem tanto traquejo multitarefas assim, sendo esses severamente prejudicados em sua
aprendizagem. Contudo, segundo os mesmos estudos, até os mais desenvoltos alunos, que conse-
guem realizar uma série de atividades ao mesmo tempo (estudar, inclusive), poderiam apresentar
um rendimento intelectual muito maior caso fossem mais focados em uma única tarefa de cada
vez. Nesse aspecto, é importante o professor ter em mente que mais importante do que garantir que
um aluno atinja a nota mínima para mera aprovação na disciplina (nota essa que é a mesma para
toda a turma), uma das mais nobres funções da educação é extrair o melhor de cada indivíduo,

1 Firewall: Função programável em uma rede de computadores visando aplicar uma política de segurança a determi-
nados pontos da rede, servindo como filtro do que se pode ou não acessar por parte dos computadores conectados a
essa rede.
Novas possibilidades de atuação docente 57

para que esse alcance a mais plena evolução intelectual e cultural. Tal oportunidade arrisca ser des-
perdiçada caso o professor “nivele por baixo” seus melhores alunos, ao não lhes fornecer desafios
cognitivos à altura.
Assim, o problema não se resume a uma mera questão de ordem disciplinar. Com efeito, estu-
dantes mais jovens, como crianças, necessitam de maior imposição de controle de comportamento
em sala de aula, o que muitas vezes se traduz em um monitoramento em regime permanente. Mas
é equivocado pensar que, em um ambiente mais adulto, como no ensino superior, o professor pode
abrir mão dessa preocupação, as distrações trazidas pelos dispositivos móveis continuam existin-
do, mudando talvez apenas sua natureza, de motivações mais pueris para os problemas práticos
que as pessoas enfrentam no dia a dia (contas a pagar, cobranças profissionais, conflitos familiares,
problemas de saúde, angústia por sair mais cedo para poder pegar filho pequeno na escola etc.).
Sensível a essa realidade, cabe também a esse professor conduzir suas aulas com alguma desenvol-
tura para o bom aproveitamento da internet (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).
Contudo, para alguns estudiosos do fenômeno da internet em sala de aula, à medida que as
gerações se sucedem, os nativos digitais vêm provando que fazem, de fato, cada vez mais uso res-
ponsável dos dispositivos móveis em ambiente escolar. Isso significa que, mesmo sem solicitação
do professor para fazê-lo, mais e mais estudantes tomam a iniciativa de consultar seus equipamen-
tos para acesso à informação relacionada ao conteúdo ministrado. Por exemplo, em uma aula sobre
cultura bizantina, é justamente o grande interesse que o professor pode despertar no aluno que o
levará, eventualmente, a procurar vídeos no YouTube ou fotos no Google Imagens para contextua-
lizar a informação, compartilhando com a turma um material que se destaque ou que gere alguma
dúvida pertinente ao assunto – uma ótima oportunidade de o professor garantir ainda mais aten-
ção à disciplina. Em outro exemplo, em uma aula sobre economia ou finanças, o professor pode
pedir que os alunos que estejam conectados levantem informações em tempo real (por exemplo,
cotação do dólar ou índice da bolsa de valores) para melhor contextualização do conteúdo (SONG;
KONG, 2016).
Diante da realidade da internet em sala de aula, instituições de ensino mais vanguardis-
tas vêm promovendo a política que, no mundo corporativo em geral (em escolas ou qualquer
tipo de empreendimento), ganhou o nome de Bring Your Own Device (Byod) ou “traga seu
próprio dispositivo”, em tradução livre para o português. Trata-se de uma diretriz que não se
resume apenas aos alunos, mas também aos professores e demais funcionários das instituições
de ensino que são estimulados ou incentivados a levarem para o local seus próprios disposi-
tivos móveis. Apesar de alguns desafios de natureza operacional que essa medida representa
para os departamentos de TI das instituições (responsáveis, naturalmente, pelo uso e desem-
penho da rede de informática no ambiente organizacional), os benefícios trazidos pela medida
são a maior justificativa para esse tipo de política (SONG; KONG, 2016).
A mais evidente vantagem da política Byod é potencializar ao máximo a comunicação den-
tro e fora do ambiente escolar. Com efeito, os docentes passam a dispor também de canais de
comunicação com seus estudantes, seja em sistemas genéricos como as diversas redes sociais (por
exemplo, YouTube), seja nos ambientes virtuais de aprendizagem (por exemplo, Moodle) – a qual-
quer tempo e em qualquer lugar (SONG; KONG, 2016).
58 Novos caminhos para os profissionais da educação

Como visto na seção anterior, é bastante interessante que o professor fomente o uso de meto-
dologias ativas, dentre as quais uma ganha um formidável campo de aplicação com as TIC: trata-se
da aprendizagem baseada em problemas, a metodologia PBL (Problem Based Learning) (SONG;
KONG, 2016).
Como garantir uma participação efetiva dos alunos em eventos de apresentações de grande
porte, como palestras, aulas magnas e outros tipos de atividades especiais? Afinal, da forma tradi-
cional, é difícil para o instrutor garantir pessoalmente a atenção uniforme de um público grande,
como 100 ou 200 pessoas presentes. Contudo, com recursos como comunicadores instantâneos e
afins, há maior possibilidade de gerir mais adequadamente essa audiência (SONG; KONG, 2016).
Em modelos de ensino a distância, e também nas modalidades híbridas, é sempre impor-
tante uma meta de diminuição do descompasso que pode haver entre aulas e tutorias. A aplicação
de respostas on-line coletadas dos alunos, via levantamentos eletrônicos, consegue conduzir a um
melhor aproveitamento, na forma de refinar discussões e debates nos tutoriais, melhorando o nível
das aulas (SONG; KONG, 2016).
No geral, as TIC são recursos cada vez mais imprescindíveis para o efetivo monitoramento
do aprendizado dos estudantes dentro e fora da sala de aula, qualquer que seja a modalidade de
educação: as respostas on-line guiam os ajustes pedagógicos eventualmente necessários, de forma
mais tempestiva (SONG; KONG, 2016).
Há de se enaltecer o importante aspecto da motivação dos alunos para o aprendizado: com
as TIC, os docentes dispõem de mais opções para motivar seus estudantes. Isso pode ocorrer, por
exemplo, ao se permitir que eles usem seus aplicativos favoritos para fins de experimentação, cons-
trução, criação e demonstração dos resultados das atividades acadêmicas que lhes foram deman-
dadas. Além dessa liberdade de sistemas que o próprio aluno pode escolher, também convém que
o professor planeje atividades colaborativas de mais alto nível, usando, por exemplo, o sistema
prescrito pelo instrutor, como o Google Forms ou similar, mas deixando que cada aluno o faça com
o dispositivo que achar mais adequado (SONG; KONG, 2016).

4.3 Tecnologia como recurso didático


As possibilidades de aplicação das TIC no meio educacional são virtualmente ilimitadas.
Contudo, é possível reconhecer algumas boas práticas que podem levar um professor ao notório
reconhecimento e destaque junto aos seus alunos e à sua própria instituição de trabalho, entre elas,
a capacidade de deixar suas aulas com uma roupagem tecnológica atualizada e inovadora. Não se
trata aqui, evidentemente, da mera utilização dos sistemas informatizados oficiais impostos pela
instituição de ensino, mas, sim, do “algo a mais” que depende da criatividade e do conhecimento
do próprio profissional, que dispõe, na prática, de um amplo arsenal de ferramentas de TIC –
algumas de custo muito acessível e outras completamente gratuitas (SANDRELLI, JEREZ, 2007;
ISHTAIWA, ABUREZEQ, 2015; SONG, KONG, 2016).
Criar e manter um website para uma disciplina é uma dessas possibilidades, o que pode
ser feito totalmente sem custo e sem que o professor precise de conhecimentos específicos de
Novas possibilidades de atuação docente 59

linguagem de programação de computadores. Um website específico da disciplina de trabalho do


professor pode representar uma excelente conveniência aos alunos (e ao próprio docente) ao servir
de canal de comunicação centralizado das informações mais importantes daquela disciplina. Além
dos dados básicos de identificação (nome da disciplina, nome do professor, instituição de ensino
etc.), essas informações podem reunir, por exemplo, os materiais de apresentação das aulas (como
os arquivos de PowerPoint e similares), textos de materiais complementares para leitura, links para
outros websites de interesse da disciplina, calendário de eventos, controle de frequência e notas
dos alunos, repositório de trabalhos encaminhados pelos alunos, plano de aula, listagem de biblio-
grafia geral e complementar, correção de provas/gabarito, entre outras informações de interesse
(ISHTAIWA; ABUREZEQ, 2015).
A vantagem de se construir um website específico para a disciplina é a total liberdade de
moldá-lo ao gosto do docente, tanto em termos de formato quanto de conteúdo. Quando são usa-
dos sistemas já existentes, como as páginas das instituições de ensino ou as ferramentas de redes
sociais, as restrições são muito maiores, especialmente no quesito de formato empregado. Entre as
opções gratuitas, que são várias, uma das mais difundidas é a ferramenta Google Sites, que é uma
parte da suíte de aplicações G Suite (anteriormente conhecido como Google Apps). Assim como
qualquer pessoa pode manter, gratuitamente, uma conta de e-mail do Google, o mesmo ocorre
para os demais serviços associados a essa conta, como é o caso do Google Sites.
As etapas operacionais para um professor criar um site para sua disciplina no Google Sites
são bastante intuitivas e o básico pode ser sintetizado nos passos a seguir:
1) Acessar sites.google.com (e “logar” com a conta do Google, que pode ser criada na
hora, se necessário).
2) Clicar em “criar” (Figura 1).
Figura 1 – Passo 2 para criar um site no Google Sites

Fonte: GOOGLE. Divulgação.

3) Dentre as duas opções oferecidas (“no Google Sites clássico” e “no novo Google Sites”),
dar preferência à primeira delas. Apesar de ser a mais antiga (e, por isso, oferecer um
visual mais rústico), há funções exclusivas disponibilizadas, como recursos de múltiplas
60 Novos caminhos para os profissionais da educação

subpáginas para o site, que não se encontram no novo Google Sites (esse, por sua vez, tem
um visual mais bem elaborado, contudo menos funcional). Para aplicações como portais
de disciplinas acadêmicas e múltiplas subpáginas, mostram-se recursos bastante valiosos.
4) Na página seguinte, o professor atribui um nome ao seu site (por exemplo, “Cálculo II –
Prof. Cristóvão”, escolhe seu próprio endereço na internet (que será um complemento de
<https://sites.google.com/site/>). Quanto ao modelo (template) a ser empregado, há total
liberdade para escolher uma das centenas de opções oferecidas pelo Google ou come-
çar com um modelo em branco, que é totalmente adequado principalmente para quem
está pela primeira vez experimentando esse tipo de serviço on-line. Após as seleções do
modelo, nome e endereço do site, assinalar a opção “não sou um robô”, clicar no botão
vermelho “criar” que executa a construção, em poucos segundos, e já se dá a imediata
disponibilização on-line.
Figura 2 – Passos 3 e 4 para criar um site no Google Sites

Fonte: GOOGLE. Divulgação.

5) Uma vez com o site já criado e disponível on-line, o professor tem a liberdade de editá-lo a
qualquer momento, quantas vezes forem necessárias. Para tanto, convém observar as fer-
ramentas básicas de gestão, que ficam no canto superior direito da tela. O primeiro ícone
( ) ativa ou desativa o modo de edição. Uma vez ativado, o que for escrito no teclado é
reproduzido no site. Desativado, o que se visualiza é o que os terceiros (por exemplo, os
alunos) irão enxergar ao acessá-lo. O segundo ícone ( ) permite a criação de uma subpá-
gina. Usando o Google Sites clássico, a conveniência é que se pode estruturar subpáginas
dentro de subpáginas, com tantos níveis quanto o professor julgar necessário. O terceiro
ícone ( ) é o das configurações gerais do site, em que é possível, por exemplo, reno-
meá-lo, mudar de modelo (template), apagar subpáginas, permitir que terceiros (alunos)
Novas possibilidades de atuação docente 61

postem comentários no site, habilitar visualização de arquivos em anexo, entre diversas


outras funções de grande versatilidade para a personalização que o professor precisar.
Finalmente, o quarto ícone ( ) edita as opções de compartilhamento do site. Por
padrão, assim que o site é criado, ele é público (qualquer pessoa no mundo pode acessá-
-lo). O professor pode aplicar a restrição de deixá-lo privado (somente seu proprietário
o acessa) ou, então, fazer com que apenas as pessoas que conhecerem o endereço do site
possam acessá-lo (ele não fica visível nos mecanismos de busca da internet, sendo a opção
frequentemente adotada pelos professores, que usualmente divulgam o endereço do site
apenas aos seus alunos).
Enfim, a ferramenta do Google Sites é apenas uma entre tantas outras disponíveis na internet
que permitem, de forma gratuita, que um website com funcionalidade de uma verdadeira intranet2
seja disponibilizado para a disciplina de trabalho do professor – por isso, é bastante recomendável
que os professores explorem e conheçam mais esse tipo de opção de TIC.
Por outro lado, dada sua relevância e impacto na sociedade em geral, algo que pode ser
chamado de um fenômeno à parte na internet, nos dias atuais, são as redes sociais – também espe-
cialmente úteis para aplicações no campo da educação (ALKHATHLAN; AL-DARAISEH, 2017).
Esses ambientes virtuais são serviços on-line que oferecem às pessoas a construção de um
perfil público. O usuário pode optar pela exposição total ou parcial de seus dados pessoais para
terceiros (outros utilizadores da rede social). De fato, cada perfil criado se associa a uma lista de
outros perfis (demais usuários). A denominação de “rede social” é justamente pelo critério de as
associações demandarem um compartilhamento de conexão, com base em determinada afinidade
social (familiares, colegas, amigos etc.). No que diz respeito ao emprego de redes sociais digitais
para finalidade educacional, é possível identificar dois tipos de sistemas: as redes sociais padrão (de
genérico ou universal) e as intencionalmente construídas para suporte ao ensino e aprendizagem
(ALKHATHLAN; AL-DARAISEH, 2017).
Fenômeno curioso, os sistemas originalmente concebidos como comunicadores pessoais,
como Skype, Telegram, Viber e WhatsApp, acabaram, com o tempo, sendo aprimorados e inte-
grando novas funcionalidades, por exemplo o recurso de grupos. Assim, passaram a também ser
opções de redes sociais. Especialmente no Brasil, o WhatsApp acabou ganhando uma enorme difu-
são, de tal modo que é bem corriqueiro que seus usuários mantenham a prática de estabelecer gru-
pos para família, trabalho e de escola. Nessa última categoria, professores e alunos costumam ser
membros, resultando, assim, em mais um canal, mesmo que informal, de comunicação entre eles.
Não é comum que uma rede social “genérica” seja utilizada como o canal principal de rela-
cionamento entre os corpos docente e discente. De todo modo, há certa predileção dos alunos por
buscarem informações nos portais mais frequentados na internet: por isso, os websites oficiais aca-
dêmicos tendem a ter menos visitas que as correspondentes páginas nas redes sociais. Boa parte do
fenômeno se explica em função de que, na mais consagrada das redes sociais, o Facebook, existe o

2 Intranet: conteúdo on-line acessado pelos navegadores de internet, porém com acesso restrito a um grupo
pré-determinado de usuários.
62 Novos caminhos para os profissionais da educação

conveniente recurso de criação de páginas temáticas. No cenário acadêmico, é bastante recorrente


o hábito de se manter páginas oficiais das instituições de ensino ou mesmo de disciplinas ou cursos
específicos, o que estabelece, então, comunidades virtuais em torno delas. De fato, pode-se men-
surar a qualidade ou a reputação das instituições de ensino muito pelo que divulgam nesses canais
– afinal, as páginas são públicas e os comentários (favoráveis ou desfavoráveis) circulam livremente
nesses domínios. Convém lembrar que a prática de uma instituição de ensino apagar comentários
negativos na sua página, mantendo apenas o que for elogioso, é algo muito malvisto pela sociedade
em geral, que adotou como prática moral o repúdio a esse tipo de censura.
Contudo, de especial interesse para os professores, um recurso do Facebook que merece
atenção são os grupos: versáteis, podem ser configurados como públicos ou restritos, permitindo
ainda que se anexem e compartilhem arquivos de qualquer formato. É essa razão que faz com que
os grupos do Facebook também sejam empregados como canal de comunicação entre os profes-
sores e seus alunos. Usualmente, o moderador do grupo é o professor, atuando como um curador
dos conteúdos que ali transitam. Funções adicionais do Facebook, como o calendário de eventos,
tornam essa rede bastante interessante para fins acadêmicos.
O Twitter é outra rede social de grande popularidade, que se mantém no formato de um
microblogue, permitindo postagens com no máximo 280 caracteres. Um dos destaques do serviço
é a associação de palavras com o símbolo hashtag (#), mecanismo pelo qual os trending topics
(assuntos mais comentados) são acompanhados em nível nacional e internacional. O professor tem
à sua disposição diferentes estratégias criativas para o uso do Twitter nas atividades acadêmicas.
Por exemplo, ele pode pedir a seus alunos práticas como sintetizar conteúdos (atendendo ao
limite de caracteres aplicado pelo sistema), pesquisar na rede determinada hashtag de assunto
abordado em aula e, claro, pode usar o canal como mais um meio de propagar seus comunicados
e informações da disciplina.
Por sua vez, a outra categoria de redes sociais digitais trata daqueles sistemas que foram
construídos para aplicações específicas. Esses sistemas são mais recentes na indústria e se inspiram,
em seu conceito, nas funcionalidades mais populares das redes genéricas, como YouTube, Facebook,
WhatsApp e Twitter. Assim, da mesma forma que existe o LinkedIn como a rede social dos
profissionais em geral, no campo da educação figuram nomes como Passei Direto, Academia.edu,
Edmodo e GoConqr – nomes que devem estar no radar de “tecnologias a conhecer” dos professores
atuantes no século XXI.
Em suma, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem, as redes sociais digitais
cativam professores e alunos em função de seu poder de interatividade. Além de terem um apelo
democrático, permitem que os próprios estudantes criem e compartilhem informações. É preciso
reconhecer que muitos alunos podem se sentir desmotivados ou desconfortáveis com os sistemas
mais tradicionais, que impõem um fluxo unilateral, em que somente os docentes têm permissão de
postar seus conteúdos oficiais – algo que não se deve mais ignorar no relacionamento com as novas
gerações (ALKHATHLAN; AL-DARAISEH, 2017).
Novas possibilidades de atuação docente 63

Considerações finais
A informática é uma excelente mediadora operacional do processo de ensino e aprendiza-
gem. Como o docente é o mediador de mais alto nível, sendo o estrategista, que conduz de forma
diligente as atividades em sala de aula, as TIC se apresentam como poderosas ferramentas de apoio,
voltadas à melhoria da produtividade e à qualidade das práticas acadêmicas. O professor do século
XXI, para ser bem-sucedido em sua carreira, não pode jamais perder de vista a evolução que as fer-
ramentas digitais apresentam – e elas evoluem de forma contínua graças aos avanços tecnológicos
–, pois assim poderá ter sucesso longevo em suas práticas profissionais.

Atividades
1. Qual a importância das metodologias ativas no processo de comunicação entre professor e
aluno? Explique.

2. Por qual motivo o acesso à internet em sala de aula é praticamente inevitável? Explique.

3. Quais são as vantagens de uma política “traga seu próprio dispositivo (Byod)” no ambiente
escolar? Explique.

4. Descreva algumas formas de o professor empregar o Twitter em suas aulas.

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5
Novidades tecnológicas na sala de aula

A onda de digitalização da sociedade impactou, inevitavelmente, o campo da educação


e com bastante ênfase o trabalho dos professores. Tecnologias de ponta surgem para modificar
drasticamente a rotina do dia a dia do docente, redefinindo o conceito de sua atividade profis-
sional. Entre as tecnologias disruptivas que deram uma nova roupagem ao processo de ensino e
aprendizagem, serão discutidos, neste capítulo, a educação a distância (EaD), os Moocs (cursos
abertos on-line massivos), a realidade virtual e a realidade aumentada. Dominar essas novas
tecnologias faz com que o professor encontre mais e melhores oportunidades de atuação em
seu mercado de trabalho no século XXI.

5.1 EaD e Mooc


Desde meados da década de 1990, observam-se mudanças expressivas na área de EaD,
em função dos avanços da tecnologia da informação. É preciso levar em consideração que a
tecnologia da EaD é muito mais antiga que a computação: ela remonta aos tempos do ensino
via correspondência, posteriormente alcançando rádio e TV. Então, gradativamente, as ins-
tituições que trabalham essa modalidade mudaram de um modo de entrega impresso (meio
físico em papel) para a entrega on-line, caracterizada pelo uso de ambientes virtuais de apren-
dizagem (AVA) e da grande variedade das tecnologias web (ARINTO, 2013).
Portanto, são a flexibilidade e a adaptabilidade do design instrucional que distinguem
a EaD do século XXI dos equivalentes sistemas mais antigos do ensino e aprendizado a dis-
tância. Com efeito, as sucessivas revoluções industriais, que convergem na atualidade para a
Indústria 4.0, tendem a deixar os procedimentos de criação e entrega dos conteúdos de EaD
cada vez mais padronizados, normatizados e formalizados. Contudo, ao mesmo tempo, a EaD
em ambiente on-line também se caracteriza por seus limites cada vez mais indefinidos entre o
desenvolvimento e a entrega dos cursos. As atividades de aprendizado on-line são organizadas
em torno dos recursos web, integrando discussões on-line que tornam o conteúdo do curso
mais fluído e dinâmico, em virtude de ser criado durante atividades colaborativas síncronas
(em tempo real) e assíncronas (momentos distintos). Por assim dizer, o muitas vezes imprevi-
sível direcionamento de uma discussão em fórum on-line é, com toda legitimidade, conteúdo
do respectivo curso (SHANA, 2009; ARINTO, 2013).
Com o ensino digital, agrega-se ao docente a indispensável função do tutor a distância
– com todo o seu conjunto de competências específicas (KLIMOVA; POULOVA, 2011). Mas o
que as pesquisas têm mostrado é que a seletividade da tecnologia é responsável por modificar
ainda mais o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem. Em alguns casos é dada
grande ênfase ou são ampliadas algumas competências, enquanto em outros, competências são
inibidas, limitadas ou mesmo excluídas. O papel de criação de atividades, por exemplo, é algo
66 Novos caminhos para os profissionais da educação

potencializado na EaD. É claro que esse tipo de atribuição é uma característica comum na docência
em geral; no entanto, no e-learning, a necessidade do design instrucional se torna muito mais óbvia
e premente. Enquanto na modalidade presencial as abordagens podem certamente ser ajustadas
de imediato para atender às necessidades pontuais dos alunos (e avaliadas diretamente no desem-
penho deles), na EaD as atividades aparentemente triviais, como agrupar alunos, fazer perguntas,
disponibilizar recursos e outras tarefas típicas de sala de aula demandam uma capacidade muito
maior de planejamento e antecipação de situações (ARINTO, 2013).
Ao mesmo tempo que se caracteriza por tais desafios, a EaD da atualidade conta com as
vantagens de operar sob novas tecnologias digitais, que vêm possibilitando o “design de curso
sob demanda”. Assim, a tendência é que cada vez menos os cursos nessa modalidade sejam pré-
-determinados e muito mais que eles sejam definidos ou atualizados a cada momento em que
precisem ser ministrados, principalmente em função das discussões e atividades que acontecem
no AVA (ARINTO, 2013).
Arinto (2013) propõe um quadro de desenvolvimento de competências docentes para tuto-
res do ensino on-line, em que busca refletir melhor sobre o atual paradigma de ensino aberto e a
distância, conforme descrito no Quadro 1. Divididas entre os níveis de desenvolvimento básico,
intermediário e avançado, as áreas de competências são o desenvolvimento de conteúdo, o plane-
jamento de atividades de aprendizado, as estratégias de ensino e a avaliação.
Quadro 1 – Desenvolvimento de competências em ensino aberto e a distância

Nível de desenvolvimento
Área
Básico Intermediário Avançado

• Atualizar conteúdos usando • Selecionar recursos web • Selecionar recursos web


recursos web. em todo tipo de mídia. para atender a diferentes
perfis de alunos.

• Selecionar recursos web • Incluir recursos para • Produzir recursos


tendo em mente resultados estudo complementar operacionais abertos.
Desenvolvimento de aprendizado. (paralelos aos recursos
de conteúdo principais).

• Escrever guias de estudo. • Usar repositórios de recur-


sos educacionais abertos.

• Respeitar direitos autorais,


explorando suas exceções.

• Criar atividades de aprendi- • Criar atividades de apren- • Criar atividades de


zado on-line para engajar os dizado on-line para promo- aprendizado de geração
Planejamento alunos e facilitar a com- ver diálogo e investigação. de conhecimento
de atividades de preensão do conteúdo. colaborativo on-line.
aprendizado
• Escrever guias de estudo.
• Prover recursos e ferramentas.
(Continua)
Novidades tecnológicas na sala de aula 67

Nível de desenvolvimento
Área
Básico Intermediário Avançado

• Diferenciar os papéis do pro- • Estabelecer a presença • Adotar pedagogias de


fessor on-line e do professor docente. participação (alunos
presencial. como cocriadores).
Estratégias
• Prover instrução direta on-line. • Desempenhar “novos” • Ensinar com os outros
de ensino papéis de ensino on-line. (ensinar em rede).

• Gerenciar as tarefas do site • Organizar e conduzir dis-


do curso. cussões on-line.

• Criar avaliações somativas. • Criar avaliações formativas. • Criar avaliações flexíveis.

• Escrever guias de avaliação • Assegurar equilíbrio e


(incluindo critério para mar- coerência entre avaliações
cação de respostas). sumativas e formativas.
Avaliação

• Prover feedback construtivo e • Usar avaliação alternativa,


em tempo hábil. incluindo autoavaliação
pelo aluno e avaliação por
pares/colegas.

Fonte: Adaptado de Arinto, 2013.

Seguindo o princípio defendido por Mishra e Koehler (2006) de que fazer uso eficiente da
tecnologia no processo de ensino e aprendizagem requer a plena integração dos conhecimentos de
conteúdo, de pedagogia e de tecnologia, o Quadro 1 de Arinto (2013) não discrimina separada-
mente as competências tecnológicas das pedagógicas e de conteúdo. Ao contrário, as competências
indicadas para cada uma das quatro áreas em determinado nível de desenvolvimento são as com-
petências integradas. Por exemplo, a seleção de recursos da web tendo em mente os resultados de
aprendizagem (em desenvolvimento de conteúdo básico) requerem que um designer instrucional
integre o conhecimento de um curso ou disciplina específico e seus resultados de aprendizado
em um programa de estudo com o conhecimento de como o curso é melhor ensinado e/ou como
melhores resultados de aprendizagem são alcançados (conhecimento pedagógico). Essas questões
devem estar aliadas ao conhecimento de como identificar e acessar recursos da web (conhecimento
tecnológico, em particular, habilidades de internet), avaliando sua relevância para o propósito de
ensino, bem como sua utilidade no que diz respeito a ajudar os estudantes a atingirem os resultados
de aprendizagem desejados (ARINTO, 2013).
Os níveis de especialização (básico, intermediário e avançado) indicam os graus de comple-
xidade do conhecimento e das habilidades necessárias para cada área. Todas as competências lista-
das para as quatro áreas no nível básico compreendem as competências mínimas para o ensino de
um curso on-line de educação a distância. Assim, qualquer docente que seja designado a produzir
conteúdo para EaD deve levar em consideração essas competências mínimas. Deve-se notar, ainda,
que a estrutura apresenta apenas as principais habilidades, que podem ser expandidas conforme
cada situação (ARINTO, 2013).
68 Novos caminhos para os profissionais da educação

Mas se, em termos gerais, as competências docentes são mais desafiadoras na EaD do que
na modalidade tradicional presencial, no Mooc o panorama é igualmente árduo – senão mais.
Atualmente, proliferam ofertas desse tipo de proposta no Brasil e no mundo, em que as marcas mais
famosas são nomes como Coursera, FutureLearn, edX e Udacity. Nesse tipo de produto, o alcance
de número de alunos costuma ser bem maior, e não raro acontece de cursos serem acompanhados
simultaneamente por dezenas de milhares de estudantes (DANIEL; CANO; CERVERA, 2015).
É exagero pensar que o formato Mooc viva, hoje em dia, seu momento de crise: a adesão
do mercado a que se destina (alunos com interesse em estudar a um custo muito baixo ou mesmo
a custo zero) é cada vez maior. Dados de 2014 contabilizam mais de 4 mil produtos desse tipo
no mercado. Contudo, o grande questionamento que se faz é em relação à sua proposta original:
o Mooc foi criado para ser gratuito, mas na prática as grandes marcas do mercado vêm trabalhando
na estratégia “freemium” (free + premium), que consiste, essencialmente, em oferecer dois modelos
de produto no mercado, um gratuito, com recursos limitados, e outro pago, com recursos comple-
tos. Então, um dos grandes desafios é que as ofertas gratuitas tenham o mínimo de qualidade que
um produto educacional deve garantir. Nesses termos, o trabalho do professor conteudista/tutor a
distância ganha um requisito adicional: o da viabilidade comercial, que precisa ser alinhada, evi-
dentemente, com a instituição responsável pela oferta do curso na modalidade Mooc (GODWIN-
JONES, 2014; DANIEL, CANO, CERVERA, 2015).
Em suma, o formato Mooc passa, nos dias atuais, por um processo de validação de mercado,
que pode resultar em ajustes ou, até mesmo, em abandono de sua proposta de pretender ser algo
à parte do conceito de EaD digital convencional. Como ironiza Godwin-Jones (2014), em muitas
circunstâncias, é importante comercialmente “repaginar” um curso tradicional e vendê-lo como
Mooc – embora possa não ser nem aberto nem massivo. Críticos avaliam que, na prática, muitos
Moocs são ofertados como uma mera coleção de vídeos on-line que dispõem de fórum para con-
centrar a interação dos alunos, mesclando, assim, alguns dos tradicionais elementos dos modelos de
EaD, contudo, sem promover um aprendizado adaptativo ou personalizado. Inequivocadamente,
há uma tendência natural de que, quanto mais massificado é um produto, menor é a possibilidade
de oferecer personalização no seu uso. Por isso, tais características, em conjunto com a percepção
da qualidade do ensino proporcionada pelos Moocs, representam os principais desafios para os
próximos anos (SHANA, 2009; DANIEL, CANO, CERVERA, 2015).
Esse tipo de curso certamente pode ter um papel formativo na educação superior, não
apenas nos países em que os Moocs já são um produto ofertado (caso do Brasil), mas também
nos países muito menos desenvolvidos. Fruto da filosofia da educação aberta, os Moocs fo-
ram criados, originalmente, para contemplar um papel social, de ser mais um meio de levar
a educação aos locais em que ela nunca havia chegado. Então, para que tal caráter formativo
possa ser efetivamente garantido, é preciso que os cursos dessa modalidade adotem diferentes
estratégias de ensino, a fim de que consigam promover o aprendizado personalizado, com a
garantia de alguma forma de acreditação ou certificação, tendo em vista o significado prático
que o diploma ainda representa para o aluno quando se considera o mercado de trabalho con-
vencional (DANIEL; CANO; CERVERA, 2015).
Novidades tecnológicas na sala de aula 69

Na perspectiva do profissional docente, o mínimo que precisa ser considerado no momento


de produzir material para essa modalidade de ensino é que linguagem e contextos devem ser uni-
versais, na medida do possível. Em função da grande distância estabelecida entre professor e aluno
no formato Mooc, muito mais que textos obrigatórios para leitura, é vital que o “olho no olho” seja
estabelecido mediante vídeo com a imagem do professor falando (McCONNELL et al., 2013).
E é certo que a maioria dos professores brasileiros, uma vez que sejam demandados como
conteudistas/tutores, vai se sentir mais confortável em produzir os materiais, gravar aulas e/ou
interagir nos fóruns com os alunos no idioma nativo (português), mas é indispensável que ao menos
se garanta a devida legenda em inglês, sabendo que um produto Mooc é virtualmente acessado de
qualquer parte do mundo. E – da mesma forma como já se faz no EaD digital convencional, quando
um professor evita termos regionais no seu conteúdo para tornar a aula plenamente compreensível
em escala nacional – cuidado semelhante deve ser adotado ao produzir Mooc, pois é preciso cuidar
com os exemplos e explicações para que um aluno estrangeiro, que não conheça especificidades
da realidade brasileira, possa também lograr êxito em sua aprendizagem (KLIMOVA, POULOVA,
2011; DANIEL, CANO, CERVERA, 2015).

5.2 Realidade virtual


Ao transformar a interação social, os ambientes de realidade virtual utilizados na educação
dispõem da peculiar capacidade de alterar a dinâmica do aprendizado. Essa é uma das principais
razões pelas quais tal tecnologia encontra alta receptividade no meio acadêmico, resultando em
uma série de benefícios – entre eles, uma atenção mais equânime do professor aos alunos, a oferta
aos estudantes de uma visão sobre o tema desenvolvido mais próxima da perspectiva do professor,
além dos evidentes ganhos ao poder acessar virtualmente qualquer local do mundo (ou até fora
dele) com o uso de óculos especiais e outros dispositivos associados (BAILENSON et al., 2008;
CHEN et al., 2010).
Não por acaso, atualmente, a realidade virtual é um dos campos de pesquisa mais promisso-
res na área da educação. Muitos dos estudos dizem respeito à análise da viabilidade de ambientes
virtuais. Esses ambientes resultam de simulações digitais que envolvem a representação de pro-
fessores, alunos e, especialmente, do conteúdo ministrado. De fato, a habilidade dos professores e
alunos de usar tecnologia para alterar suas representações e contextos on-line visando melhorar a
aprendizagem é uma interação social transformada. Há evidências, originadas de uma série de es-
tudos empíricos, que demonstram que a quebra do ambiente convencional de ensino e aprendiza-
gem pode melhorar o desempenho de professores e de alunos – embora a realidade virtual não seja
ainda uma tecnologia tão facilmente adquirida pelas instituições de ensino em geral (BAILENSON
et al., 2008).
De qualquer modo, a tendência é de grande proliferação de tecnologia educacional de reali-
dade virtual ao longo dos próximos anos, principalmente dado o gradativo barateamento de custos
que sempre ocorre concomitante a maior difusão de uma nova tecnologia. Isso torna o tema estra-
tégico para qualquer docente da atualidade – quer o profissional já utilize essa tecnologia no seu
70 Novos caminhos para os profissionais da educação

dia a dia ou não. Afinal, se ainda não teve essa experiência no seu trabalho, é bastante provável que
terá, mais cedo ou mais tarde (BAILENSON et al., 2008; CHEN et al., 2010).
O uso da realidade virtual para a prática educacional encontra respaldo tanto na convencio-
nal pedagogia do “consumo do conhecimento” já estabelecida quanto também na construção do
conhecimento sob demanda. Por exemplo, na educação infantil, um ambiente virtual lúdico, como
uma casa de bonecas ou um playground que insiram as crianças como agentes ativos da experiência
pode naturalmente encorajá-las a contar histórias para seus colegas, promovendo, assim, compe-
tências literárias (CASSEL, 2004).
A realidade virtual difere de outros tipos de ambientes de aprendizagem multimídia por
prover informação sensorial artificial – uma forma de levar à percepção de ambientes e de seus
conteúdos como se eles fossem naturais. Os recursos digitais da computação avançada são o fun-
damento dessa tecnologia, que possibilita gerar as informações sensoriais com fluxo em tempo real
para uma melhor interação entre os usuários e o respectivo ambiente simulado. Assim, as pessoas
podem interagir em uma realidade virtual usando variados dispositivos que servem como canais
de percepção simulada, tais como óculos especiais (para efeito visual), fones de ouvido (para efeito
sonoro), luvas especiais (para efeito tátil) e até mesmo dispositivos para o nariz, como uma espécie
de máscara nasal, ou colar especial no pescoço que exala odores de forma programada, visando ao
efeito olfativo (BAILENSON et al., 2008). Uma das últimas fronteiras em matéria de realidade vir-
tual é a inclusão de dispositivos que simulam o paladar: atualmente, pesquisadores testam protó-
tipos que recorrem à eletroestimulação da língua, entre outras abordagens experimentais, visando
concluir a cobertura por essa tecnologia dos cinco sentidos humanos (PORCHEROT et al., 2018).
Assim, segundo Bailenson et al. (2008), um ambiente virtual imersivo é aquele que envolve o
usuário perceptualmente, aumentando sua sensação de presença naquele cenário. Por exemplo, ao
se considerar um videogame infantil convencional, o ato de jogar usando um joystick e um monitor
é um tipo rudimentar de ambiente virtual. Contudo, se a criança dispor de equipamentos especiais
que lhe permitam assumir o ponto de vista real do personagem principal do videogame, ou seja,
controlar os movimentos desse personagem com seus próprios movimentos, eliminando, ainda, a
percepção do mundo real que a circunda naquele momento, então pode-se dizer que se trata de
um ambiente virtual imersivo.
Isso significa que, em um ambiente virtual imersivo, a informação sensorial emulada é psi-
cologicamente muito mais envolvente que a informação sensorial do mundo real – mundo exterior
que é temporariamente suspenso do ponto de vista do usuário do equipamento especial. Para que
tal efeito seja possível, os ambientes virtuais imersivos costumam dispor de duas características
essenciais. A primeira é de que há um absoluto monitoramento das atividades da pessoa enquanto
imersa em sua experiência virtual (incluindo orientação da cabeça, posição do corpo e até mesmo
a direção do olhar). Tais informações são registradas em tempo real pelo sistema eletrônico, que,
em resposta, atualiza instantaneamente o ambiente virtual. Assim, como efeito prático, a cena vir-
tual sempre corresponde à posição e orientação do usuário naquele meio. Uma segunda caracte-
rística é de que as informações sensoriais do mundo físico são mantidas em um patamar mínimo.
Esse segundo aspecto diz respeito à necessidade do isolamento do meio externo: por exemplo,
Novidades tecnológicas na sala de aula 71

trabalhando com imagens digitais, os óculos virtuais, além de projetá-las, ao mesmo tempo impe-
dem que a pessoa continue enxergando o meio físico real que a circunda; dessa forma, aprofunda-
-se o envolvimento na experiência simulada.
Uma categoria especial de ambientes virtuais imersivos são os ambientes virtuais colabora-
tivos, que envolvem mais de um usuário. Esse tipo de ambiente, de especial aplicação no campo da
educação, faz uso do recurso de avatares para possibilitar a interação dos usuários entre si e com o
sistema. O avatar é o personagem digital que se cria no ambiente virtual e que se comunica com os
demais usuários e com o próprio ambiente simulado, não só via comandos escritos, mas principal-
mente por movimentos, gestos, expressões e sons (BAILENSON et al., 2008).
Ainda segundo Bailenson et al. (2008), um aspecto bastante interessante dessa tecnologia
diz respeito aos colegas de um estudante em um ambiente virtual: eles podem ser totalmente
virtuais – ou seja, não necessariamente outros colegas humanos reais, emulados por avatares no
meio digital, mas, sim, colegas diretamente simulados pelo computador, com comportamento tal
que passa despercebido ao estudante se está de fato interagindo com um companheiro de estudos
ou com mais uma simulação digital daquele ambiente. Essa função é importante porque, em geral,
as pessoas aprendem melhor em condições de estudo coletivo do que de forma individual. Assim,
percebe-se o quanto as tecnologias de realidade virtual e inteligência artificial tendem a convergir.
Uma das vantagens dos ambientes virtuais digitais é que cada uma das ações captadas pelo
sistema precisa ser registrada para fornecer a devida resposta ao usuário. Então, todas as ações de-
sempenhadas pelos estudantes e pelo professor – desde um nível micro, como gestos não verbais,
até um nível macro, como um desempenho em um teste – são permanentemente armazenadas e,
com a assimilação e o processamento desses dados pela computação envolvida, os ambientes vir-
tuais tendem a ser continuamente aprimorados pela criação de perfis comportamentais e roteiros
aprendidos em uma escala que não se compara à experiência do ensino presencial.
Algumas disciplinas parecem ser mais favoráveis ao uso de realidade virtual como prática
didática. Os ambientes virtuais podem oferecer uma amplitude de visualizações e alternativas de
perspectivas bastante úteis na apreciação de informações de alto grau de complexidade. Por exem-
plo, a capacidade de criar, alterar e rotacionar em tempo real uma estrutura arquitetônica, de enge-
nharia ou química, em três dimensões pode facilitar bastante a compreensão de conceitos abstratos
(BAILENSON et al., 2008).
As aulas em formato de simulação para atividades perigosas ou caras são outra vantagem
incontestável da tecnologia. Isso engloba, por exemplo, projetar e testar sistemas totalmente imer-
sivos para treinar a resposta de emergência de diferentes perfis profissionais, como bombeiros,
pilotos de avião e autoridades policiais. O alto poder computacional a que já chegamos consegue
oferecer uma riqueza de detalhes e um realismo na simulação digital de forma tal que os aprendizes
podem sentir verdadeiramente a situação de caos e os fatores de estresse que tipicamente estão pre-
sentes em situações críticas de suas atividades. Uma aplicação que tem ganhado muita aderência
dos profissionais nos últimos tempos é o uso de realidade virtual para simulações em treinamento
de cirurgiões, com uma vantagem bastante evidente: a alternativa convencional ao procedimento,
que é o uso de cadáveres, é algo que demanda recursos muito mais raros e caros – já os pacientes
72 Novos caminhos para os profissionais da educação

virtuais, uma vez construídos por prévia programação, são extremamente baratos em termos de
replicação (BAILENSON et al., 2008).
A integração da tecnologia da realidade virtual com a tecnologia da EaD acena para
um esplêndido futuro na educação de todos os níveis e de todas as áreas. Afinal, a EaD digital
convencional – se é que já se pode chamar de convencional algo não tão antigo assim no mundo da
educação – conseguiu equacionar o problema óbvio da substituição da forma convencional da aula,
que é o ambiente físico em que docente e estudantes precisavam estar simultaneamente presentes
para que a aula ocorresse. Os recursos tecnológicos atualmente explorados na EaD possibilitam que
o professor e seus respectivos alunos estejam espalhados literalmente por qualquer parte do mundo
(desde que atendidos por uma conexão à internet). Contudo, essencialmente, a interação da EaD
fica limitada ao vídeo, em que o professor é visto pelos alunos (embora o contrário não ocorra), e
pela troca de informações nos fóruns da tutoria on-line. Com a adição da tecnologia de realidade
virtual, a EaD é potencializada, principalmente por dar aos participantes (professor e alunos) a
percepção de estarem, para todos os efeitos, em uma mesma sala de aula (simulada digitalmente),
com os óbvios ganhos que isso proporciona ao poderem estabelecer comunicação não verbal (por
exemplo, gestos e expressões) com os avatares uns dos outros, entre outras conveniências até então
somente presentes no encontro presencial da sala de aula física convencional. Em algumas situações,
como em uma classe numerosa de estudantes, há até quem defenda que o modelo de EaD mesclado
à realidade virtual possa ser muito mais efetivo do que uma aula física nos moldes tradicionais,
porque, entre outros, o professor tem suporte computacional que aumenta sua percepção sobre
cada um dos alunos, com mais fácil detecção de quem está mais atento, mais distraído, precisando
se manifestar etc.
Nesse tipo de cenário produzido por sistemas de alta capacidade computacional, uma vez
que as pessoas veem a si mesmas e aos outros como avatares digitais com plena capacidade de
interação, o que o professor passa a dispor como recurso didático excede, em muito, a mera lousa:
vídeos podem ser manuseados em meio à sala virtual e objetos virtuais podem ser construídos
e manejados pelos participantes – até mesmo com efeito de holograma. Em especial, o grande
apelo de popularidade da tecnologia se dá também pelo fato de que é possível experimentar via-
gens virtuais para outros ambientes conectados: isso se dá, por exemplo, com museus digitais (que
oferecem reprodução idêntica aos seus originais no mundo real). Todos os grandes museus pelo
mundo, como Smithsonian e Louvre, em seus websites oficiais, já dispõem de aplicativo para acesso
ao equivalente ambiente virtual. Outras viagens simuladas de grande utilidade são aquelas reali-
zadas para regiões extremas do planeta, como os polos, cumes de montanhas e regiões desérticas
(BAILENSON et al., 2008; CHEN et al., 2010).
A tecnologia da realidade virtual, como toda tecnologia digital, está em franca evolução.
Algumas de suas novas possibilidades despertam ainda mais o interesse de educadores. Um dos
exemplos é a possibilidade de que transmissões ao vivo sejam viabilizadas nessa tecnologia; assim,
eventos reais que ocorram em qualquer parte do mundo podem ser acompanhados mediante o
uso dos devidos equipamentos de realidade virtual. Dessa forma, professor e alunos têm à sua dis-
posição, como parte do conteúdo didático de um curso, por exemplo, o lançamento de um satélite
Novidades tecnológicas na sala de aula 73

artificial, em tempo real, tal como se aquelas pessoas estivessem fisicamente no local de realização
do evento (BAILENSON et al., 2008; CHEN et al., 2010).
O que torna possível alcançar esse feito é a integração de mais tecnologias digitais de última
geração, como internet de altíssima velocidade e câmeras de elevada resolução que operam em 360
graus, gerando e transmitindo as imagens. A capacidade da rede de transmitir um volume massivo
de dados é determinante para o sucesso dessa iniciativa. A necessidade é justificada tecnicamente:
é preciso considerar que um vídeo convencional ocupa bem mais largura de banda do que uma
imagem simples, como uma fotografia. Assim, um vídeo em 360 graus proporcionalmente requer
muito mais tráfego de dados para sua transmissão que um vídeo convencional (que dispõe de uma
única perspectiva de visualização). Ainda são desafios tecnológicos importantes nos dias atuais,
mas que vêm sendo rapidamente viabilizados com as sucessivas inovações tecnológicas que incor-
rem na indústria. Por isso, não restam dúvidas sobre o futuro ainda mais promissor da realidade
virtual na educação (BAILENSON et al., 2008; CHEN et al., 2010).

5.3 Realidade aumentada


É importante esclarecer, logo de início, que as tecnologias de realidade virtual e realidade au-
mentada, embora de certa forma relacionadas, são conceitos claramente distintos. Isso porque, ao
contrário da realidade virtual, que opera deslocando a pessoa do mundo real para o mundo simulado
eletronicamente, a realidade aumentadda proporciona precisamente o inverso: os elementos virtuais
(objetos, animações etc.), criados de forma digital são transpostos para visualização no mundo real.
Por isso, tratam-se de inovações tecnológicas de funções bastante complementares e especialmente
úteis nos processos de ensino e aprendizagem, pois ao mesmo tempo que se aumenta o potencial
das ferramentas de trabalho à disposição dos docentes, abrem-se mais canais para aprendizagem por
parte dos alunos (CHEN et al., 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).
O termo realidade aumentada não tem ainda a mesma ressonância popular que realidade
virtual, representando ainda, para muitas pessoas, algo demasiadamente técnico e longe de seu
dia a dia. Mas essa é uma falsa impressão: em termos práticos, no cenário atual, trata-se de uma
tecnologia já incorporada em seus dispositivos móveis, como os smartphones e tablets, mesmo que
as pessoas não tenham consciência disso (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).
Fundamentalmente, essa modalidade tecnológica torna possível amplificar a visão que se
tem da realidade ao redor, por meio de informações e objetos virtuais adicionados e sobrepostos
a um ambiente real. Eis o que bem sintetiza a realidade aumentada: sobreposição de imagens,
mesclando, na mesma perspectiva de um observador, o real e o virtual. Na prática, possibilita uma
nova forma de interação entre as pessoas e as informações de interesse – não por acaso, a reali-
dade aumentada é considerada um dos mais importantes instrumentos de transformação digital
da sociedade em geral. Pelos olhos “alimentados” com a realidade aumentada, a contemplação de
qualquer cenário, como um campo de futebol, um equipamento de produção fabril ou um animal
selvagem solto na natureza, é potencializada com cargas de informação adicional apresentadas em
forma digital (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).
74 Novos caminhos para os profissionais da educação

Considerando seu propósito de funcionar como uma interface, a realidade aumentada se


mescla a outras aplicações e tecnologias, tais como atuadores, controles, indicadores de desem-
penho, big data, simulações em geral e aplicações multimídia. Em suma, trata-se de uma maneira
inovadora de acessar informações, o que revoluciona a formação de capacidades técnicas e, eviden-
temente, a própria produção de conhecimento.
Quando se reflete sobre as aplicações educacionais, um possível questionamento pode ocor-
rer: afinal, o que é melhor, realidade aumentada ou realidade virtual? Evidentemente, o melhor
é trabalhar, sempre que possível, com uma “realidade mesclada”, ou seja, a combinação das duas
abordagens tecnológicas educacionais.
De acordo com relatório da Digi-Capital1 (2017), a realidade aumentada vai alcançar 3,5
bilhões de dispositivos, representando uma indústria de faturamento de US$ 90 bilhões. Em com-
paração, é esperado que a realidade virtual tenha um desenvolvimento um pouco mais tímido,
com até 60 milhões de dispositivos e US$ 15 bilhões no mesmo horizonte de tempo. Por isso, não
surpreende que grandes empresas estejam, gradativamente, fazendo seus movimentos de mercado
em direção a serviços suportados por essas tecnologias. Por exemplo, é preciso lembrar que, re-
centemente, as redes sociais Snapchat e Facebook liberaram funcionalidades para as tecnologias de
realidade aumentada e realidade virtual (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).
Até governos mundo afora perceberam o fantástico potencial dessas tecnologias para o pro-
pósito de educação e treinamento. Em anos mais recentes, diversos países realizaram interessantes
iniciativas nesse sentido (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014):
• O Departamento de Educação dos EUA organizou uma campanha fomentando inovação
educacional junto a desenvolvedores da indústria de tecnologia da informação, em que
o vencedor foi a companhia Osso VR. Trata-se de uma plataforma de treinamento que
possibilita a médicos e outros profissionais da saúde ganharem experiência prática em
técnicas que representam o estado da arte nos seus campos de atuação – como cirurgias
virtuais, entre outros. Como reconhecimento pela importância do resultado alcançado, o
governo norte-americano premiou os desenvolvedores com US$ 430 mil.
• Mais de 170 instituições de pesquisa e empresas chinesas juntaram esforços para acele-
rar o ritmo de desenvolvimento das tecnologias de realidade virtual e de realidade au-
mentada, formando uma aliança estratégica chamada Industry of Virtual Reality Allianc
(IVRA), em tradução livre para o português, Alianças da Indústria de Realidade Virtual.
Iniciativas locais daquele país, como o Instituto Chinês de Realidade Virtual, têm recebi-
do substanciais investimentos para pesquisa e desenvolvimento de um verdadeiro ecos-
sistema de inovação em realidade “mesclada” (virtual e aumentada).
• O Ministério da Educação da França incluiu a realidade aumentada no currículo do en-
sino médio, visando encorajar o desenvolvimento de competências de solução de proble-
mas por meio dessa tecnologia. Os estudantes são orientados a identificar um problema,
propor uma solução e concebê-la adotando ferramentas de realidade aumentada.

1 Consultoria norte-americana especializada em novas tecnologias digitais.


Novidades tecnológicas na sala de aula 75

• Nos Emirados Árabes Unidos, 17 escolas já se uniram a um projeto-piloto, incorporando


realidade virtual no currículo. Lá, os alunos embarcam em expedições virtuais para
ambientes que, de outro modo, eles jamais iriam, por serem demasiadamente perigosos.
O Ministério da Educação local planeja expandir a realidade virtual para muito mais
instituições de ensino superior nos próximos anos.
• E a Coreia do Sul planeja investir milhões de dólares na indústria da realidade virtual
e realidade aumentada em um curto horizonte de tempo. Naquele país, foi lançado, em
2017, o Korean Virtual Reality/Augmented Reality Complex (Kovac2), em tradução li-
vre para o português, Complexo de Realidade Aumentada/Realidade Virtual Coreano,
na cidade de Seul. Essa estrutura foi estabelecida a fim de prover recursos para diversas
indústrias absorverem melhor essas tecnologias, incluindo o ramo da educação.
Ao incorporar a realidade aumentada, o processo de ensino e aprendizagem é beneficiado
com alguns importantes ganhos, especialmente sob a perspectiva do trabalho conduzido pelo
professor. Um dos mais óbvios é de que os professores não precisam mais se debater com a árdua
tarefa de usar quadros bidimensionais para ilustrar estruturas em 3-D. E, inquestionavelmente,
uma melhor visualização conduz a um melhor entendimento por parte dos alunos, melhorando
sua retenção de conhecimento.
O aspecto lúdico também não deve ser negligenciado. Uma vez que as tecnologias de rea-
lidade “mesclada” são bastante recentes, elas soam como novidades que despertam interesse – es-
pecialmente nas mentes jovens. Assim, os alunos tendem a ficar mais inclinados a usar e a experi-
mentar essas tecnologias, e a prerrogativa de ter de aprender algo novo é uma das boas justificavas
para fazê-lo.
Sem dúvida, o componente motivacional relacionado ao estudo é muito bem explorado por
essas novas tecnologias. Afinal, é a motivação associada ao interesse: se, tradicionalmente, muitos
estudantes lutam com a tentação de procrastinarem seus deveres por serem demandas que lhes
parecem tediosas, árduas e/ou desnecessárias, a realidade virtual e a realidade aumentada garan-
tem um meio mais estimulante de fazer os alunos terem mais interesse em aprender e se tornar
profissionais bem-sucedidos.
E, do mesmo modo que ocorre na realidade virtual, a realidade aumentada ganha um es-
paço privilegiado de aplicação no ensino de conteúdos mais complexos, como as áreas técnicas
de conhecimento. Por isso, a realidade aumentada é tão bem quista na formação de engenheiros e
médicos, por exemplo.
Apesar disso, a tecnologia também sofre críticas. Há quem sinalize para o perigo da deterio-
ração das relações humanas, uma vez que a realidade virtual e a realidade aumentada tenderiam a
isolar a pessoa em um mundo virtual, desfavorecendo, assim, as relações pessoais, que são, desde
sempre, um componente indissociável do processo de aprendizagem. Esses detratores da tecno-
logia, até mesmo a possibilidade dos “colegas virtuais” emulados por computador, comentada na

2 Saiba mais em: <https://www.digitalavmagazine.com/pt/2017/02/21/seul-fomenta-la-investigacion-en-realidad-


virtual-y-aumentada-con-un-centro-especializado>. Acesso em: 30 abr. 2018.
76 Novos caminhos para os profissionais da educação

seção anterior, são vistos com desconfiança: nada substituiria a relação humana direta. O temor
é de que, por exemplo, crianças que conduzam seus estudos amparadas por essas tecnologias se
tornem adultos antissociais (CHEN et al., 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).
Outro ponto levantado é sobre o “cibervício”. Se a internet e o smartphone, com suas poucas
décadas de utilização, já transformaram profundamente os comportamentos das pessoas, muitos
acreditam que a realidade mesclada (virtual e aumentada) tenha o potencial de ser ainda mais vi-
ciante. O argumento é de que, se o mundo virtual transparecer ser mais estimulante e acolhedor,
o “escapismo digital” pode representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora (WU et al.,
2013; BACCA et al., 2014).
A falta de uma homogeneização de hardware e software pode ser um problema significativo,
especialmente no campo educacional. Uma vez que a tendência não seja a do fornecimento dos
equipamentos por parte da instituição de ensino, mas a liberalidade de permitir que professo-
res e alunos utilizem seus dispositivos pessoais (uma vez que tudo parece orbitar em torno dos
smartphones), problemas de compatibilidade e principalmente de desempenho (processamento/ar-
mazenamento) podem tornar a experiência infrutífera nas atividades acadêmicas. Evidentemente,
a realidade mesclada no campo educacional não pode exigir o uso exclusivo de dispositivos super-
potentes, à disposição de poucos privilegiados, pois a realidade socioeconômica imposta, princi-
palmente em países atrasados como o Brasil, é a do difícil acesso da população em geral à tecno-
logia de ponta.
No caso da educação infantil, o uso de tecnologias dessa natureza precisa ser muito bem
ponderado. Afinal, principalmente no caso de crianças na primeira infância (até os 6 anos de ida-
de), existe a incapacidade de separar realidade da fantasia. Uma vez que a realidade virtual e a
realidade aumentada oferecem uma imersão completa, a experiência pode ser tão intensa para esse
público que as crianças podem confundi-la com situações da vida real. Certamente, conteúdos que
remetam à violência ou ao medo podem ser especialmente danosos. Perigos podem surgir das mais
insuspeitas situações: por exemplo, manusear uma aranha ou qualquer outro animal peçonhento
em ambiente virtual e fazê-lo no ambiente real levam a consequências drasticamente diferentes.
Por isso, o acompanhamento e o monitoramento de responsáveis precisa ser muito bem executado
(WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).

Considerações finais
A tecnologia redefine o conceito de trabalho do professor, não apenas ao fornecer mais cam-
po de atuação, como é o caso da atividade a distância, que pode ser feita com alunos que provavel-
mente ele jamais encontre pessoalmente, mas também no próprio encontro presencial em sala de
aula, que passa a dispor de ferramentas digitais avançadas. Transformação digital é pauta obriga-
tória de qualquer organização empresarial que opere nos dias atuais – e a mesma pressão se aplica
ao profissional docente, para que aprimore e adapte suas competências diante desse novo cenário.
Novidades tecnológicas na sala de aula 77

Atividades
1. Quais são as principais áreas a considerar para o desenvolvimento das competências docen-
tes em um modelo aberto e a distância de educação?

2. Quais são alguns dos principais desafios do formato Mooc para os próximos anos?

3. Por que disciplinas técnicas são um excelente campo de aplicação educacional da realidade
virtual?

4. Quais são alguns cuidados que as tecnologias digitais de “realidade mesclada” (virtual e au-
mentada) precisam tomar no campo da Educação Infantil?

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6
Inovações na educação

Qualquer professor já em nível de senioridade, lecionando há pelo menos algumas dé-


cadas, pode relatar quão dramáticas são as mudanças e impactantes as novidades surgidas na
forma de se dar aula nos anos mais recentes. Verdadeiras inovações no processo de ensino e
aprendizagem, expedientes como jogos educacionais, aula invertida, ensino híbrido e a ine-
vitável convivência com novos dispositivos eletrônicos em sala de aula são responsáveis por
profundas modificações no relacionamento entre professor e aluno. Não se trata de modismo,
mas – como ocorre em toda inovação legítima – de recursos que se mostraram úteis para a
melhoria da educação, razão pela qual se difundiram tão facilmente em nível global nas insti-
tuições de ensino.

6.1 Jogos educacionais


Por mais que cada professor se esforce para ministrar sua disciplina apelando a toda
empatia que seja possível estabelecer com a turma, fazendo o máximo para que a moti-
vação seja a mais alta e constante durante a aula, o fato é que alguns alunos ou perderam
ou nem conquistaram o gosto pelos estudos. E mesmo quando as disciplinas são tratadas
de forma empolgante e por professores mais animados, há sempre necessidade de abordar
conteúdos mais tediosos ou menos atraentes. É diante desse quadro que surgem como al-
ternativa os jogos educacionais, uma maneira de tentar garantir ou potencializar o apren-
dizado por meio da exploração lúdica das atividades acadêmicas (BEAVIS et al., 2015;
DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
Um jogo educacional não é necessariamente um jogo eletrônico. De qualquer modo, é
preciso reconhecer que os jogos educacionais explorados pela mais refinada tecnologia digital
são de uma predileção praticamente irresistível, sobretudo entre os estudantes mais jovens.
Afinal, vivem-se os tempos da chamada geração digital, na qual as pessoas que, seja na escola,
no trabalho ou no tempo livre, dão ampla preferência às atividades cujo suporte é um meio
eletrônico. Isso explica a grande difusão das tecnologias digitais em meio às ofertas de jogos
educativos (BUCKINGHAM; WILLETT, 2013).
E é preciso reconhecer que a estratégia da inclusão de jogos durante as atividades de
ensino não é algo que funciona bem apenas para crianças e jovens. O fato é que, assim como
acontece com qualquer esforço do dia a dia humano em busca de determinado objetivo a ser
alcançado, o estudo pode ser tomado do ponto de vista de um trabalho como qualquer outro.
Vocação e disposição à parte, trata-se de uma rotina, e assim sendo, não é possível manter o
mesmo ânimo ao longo de todo curso de uma disciplina – alguns diriam, sequer ao longo de
uma mesma aula. Os encandeamentos de disciplinas típicos da universidade, que acabam por
preencher grande parte do horário dos estudantes ao longo da semana, levam, evidentemente,
80 Novos caminhos para os profissionais da educação

ao cansaço – proporcional ao número de horas dispendidas nos estudos. Reconheça-se, ainda, que
o cenário mais comum é de pessoas que estudam e trabalham, o que torna compreensível o quadro
de esgotamento físico e mental de muitos em bancos escolares (BEAVIS et al., 2015; DICHEVA et
al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
É sabido que o revezamento, em ciclos, entre as atividades de alta concentração (desgas-
tantes) e momentos de puro ócio (revigorantes) favorecem um melhor desempenho intelectual.
Antigamente, a “parte séria” do dia a dia ficava exclusivamente para a escola e para o trabalho, e a
parte lúdica, para qualquer outro momento que não esses. A novidade, ou inovação que se apre-
senta nos dias de hoje é a incorporação controlada de momentos e/ou experiências prazerosas em
meio às responsabilidades maiores das ocupações de cada um que tornam as pessoas mais produ-
tivas e criativas – e esse é o contexto no qual os jogos educativos atuam.
Ao mesmo tempo, o que se observa é que, na sociedade contemporânea, o ato de se deslocar
entre casa, trabalho e escola é usualmente acompanhado de equipamentos eletrônicos portáteis,
como tablets e smartphones para os pequenos escapismos do dia a dia, como conferir notícias,
escutar música, conferir o que transita pelas redes sociais ou simplesmente entreter-se em um
passatempo digital como são os jogos eletrônicos. Há até quem aproveite os pequenos ócios do
cotidiano (intervalo para banheiro, lanche etc.) para recorrer aos dispositivos eletrônicos à mão.
Portanto, boa parte da estratégia dos jogos educativos, na atualidade, é aproveitar os próprios equi-
pamentos pessoais de cada um (hardware), para lhes oferecer (por apps) uma experiência mais
natural e despertar mais engajamento junto aos usuários (BEAVIS et al., 2015; DICHEVA et al.,
2015; WATSON; YANG, 2016).
Segundo esses autores, os jogos educativos, então, têm o propósito principal de consolidar o
aprendizado do conteúdo formal das disciplinas. Contudo, eles carregam consigo alguns benefícios
adicionais: minimizam a desmotivação com os estudos, controlam a indisciplina em sala de aula e
até mesmo servem de instrumentos de combate à evasão escolar.
O que é necessário, evidentemente, é uma liderança sobre esse processo: o professor é o
responsável pelo devido planejamento da intensidade e da forma de utilização de jogos educativos
em meio às suas aulas. Obviamente, não é toda aula de uma disciplina que precisa dispor desse tipo
de recurso. Então, deduz-se mais uma competência a ser desenvolvida para a docência na atuali-
dade, que é o planejamento de utilização dos jogos educativos. A partir do correto planejamento,
garantem-se experiências mais proveitosas desse tipo de recurso nas aulas, levando os alunos a
aumentar a participação em classe e a interagir mais com os colegas – algo que todo professor es-
pera proporcionar a cada aula ministrada. Os jogos oferecem, ainda, o complemento pedagógico
para melhor atender aquela parcela da turma que, devido a características cognitivas específicas,
tem mais dificuldade em compreender o conteúdo quando esse é exposto apenas na forma de aulas
tradicionais (BEAVIS et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
O ato de brincar é mais imediatamente associado ao público infantil. Por essa razão, foi
inevitável que se concretizasse a tendência de incluir jogos no currículo dos cursos de nível funda-
mental, um movimento percebido com mais ênfase nas instituições particulares de ensino. Assim,
os mais variados jogos digitais convivem com os clássicos jogos off-line, como o clássico xadrez.
Inovações na educação 81

Tem-se percebido um movimento no sentido do aproveitamento dos jogos educativos como estra-
tégias de ensino em disciplinas tão centrais, como é o caso da matemática, da língua inglesa e da
língua portuguesa (BEAVIS et al., 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
A Educação Infantil, potencializada pelos jogos educativos, faz com que as crianças mal per-
cebam que as atividades em que estão ocupadas têm cunho de aprendizado: não raro, ao se pergun-
tar como foi o dia para uma delas, as respostas são algo como “ah, foi legal, muitas brincadeiras por
todo o dia”. E isso ocorre mesmo em meio aos cálculos executados, iniciativas de planejamento e
controle, negociação entre colegas e demais processos cognitivos de alto nível. Os jogos educativos
permitem o “aprender sem perceber que se está aprendendo”.
Contudo, o uso do lúdico mesclado a atividades mais tradicionais é algo passível de ser
explorado em todas as faixas etárias, que usualmente respondem bem à proposta. O que ocor-
re é que, entre jovens e adultos, é evidente que esse tipo de abordagem metodológica, even-
tualmente adotada pelo professor, vai ser inequivocadamente compreendida pelos estudantes
como uma forma de promover a mediação pedagógica – isso é diferente das crianças, que não
têm ainda o pensamento crítico que lhes permita refletir sobre o que é conteúdo central e o
que é método para fazer o conteúdo ser melhor assimilado. As pesquisas em educação, por sua
vez, têm mostrado que essa “consciência do jogo” não torna os participantes menos engaja-
dos. Obviamente, essa adesão é proporcional ao nível de qualidade da atividade proposta em
sala de aula. Além do mais, é certo que jovens e adultos têm uma maior sensibilidade quanto
à necessidade de se alternar momentos de concentração e de descontração para o bem de sua
própria aprendizagem e retenção de conhecimento.
A autorregulação é um efeito prático bastante interessante como proposta pedagógica: em
determinadas situações, quando os alunos procedem seus cálculos ou julgam e decidem em meio
ao informal e espontâneo clima da brincadeira, o docente tem uma carga de controle atenuada.
Afinal, ele não precisa policiar em demasia se determinado resultado atingido por um estudante
está ou não correto, porque muitas das situações são percebidas e alertadas pelos próprios colegas.
Por exemplo, se é uma atividade em equipe com alguma disputa contra outras equipes, é natural
que os membros de um time zelem pelo desempenho daquela equipe que respondem como corres-
ponsáveis. Se é alguma atividade em que a refutação da proposta ou do resultado de outra equipe
faz parte do jogo, a partir da devida fundamentação no conteúdo ministrado em aula, isso será fei-
to sempre que necessário para se garantir “ganhar os pontos” da competição (BEAVIS et al., 2015;
DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
Competição, aliás, é um aspecto bastante importante para ser analisado no que se refere a
jogos educacionais. De fato, há muitos educadores incomodados com esse tipo de atividade justa-
mente em função de se promover, efetivamente, uma concorrência em sala de aula – e a figura de
“vencedores” e “vencidos” é demasiada cruel, dependendo das ideologias envolvidas. É mais que
evidente que a competição não é o elemento que protagoniza uma atividade de jogo educativo.
Talvez a única exceção, mais que justificada por óbvios motivos, seja o ensino do empreendedo-
rismo. Além disso, existem formas de organizar os jogos educacionais de tal modo que, de vá-
rias etapas a serem cumpridas, a competitividade preferencialmente se concentre em apenas uma
82 Novos caminhos para os profissionais da educação

delas, deixando as demais explorarem o lúdico e o conteúdo de conhecimento alvo daquela ação
(FOSTER et al., 2013; WATSON; YANG, 2016).
Psicologicamente, o que se desperta por meio do estímulo dos jogos é o desejo de vencer,
muito mais do que um prêmio a usufruir por causa dessa vitória: a recompensa pode ser (e muitas
vezes é) tão simbólica como uma mera salva de palmas – outras vezes, nem isso. Portanto, o que
anima os participantes nesse tipo de atividade é isso: saber que se aprende, mas com o adicional
de se desfrutar a sensação de vitória, e de buscá-la, pouco importando, efetivamente, se ela será al-
cançada ou não (FOSTER et al., 2013; WATSON; YANG, 2016). É como insinuado em uma antiga
música pop: “the chase is better than the catch...”1 (perseguir é melhor que conquistar).
Reforça-se que o bom planejamento preza por um dimensionamento adequado das ati-
vidades, evitando excessos. As recomendações práticas, por um lado, chamam atenção a fim
de não se perder em demasia no aspecto lúdico, deixando que esse ofusque o conteúdo a ser
ministrado; por outro lado, há de se evitar um exagero de regras do jogo que possam compro-
meter a própria diversão inerente à atividade planejada. Muitas questões de ordem prática,
efetivamente, só são contempladas após algumas experiências não tão bem-sucedidas, fazendo
que a experimentação e o erro sirvam de aprendizagem ao professor condutor dos jogos. Por
exemplo, caso determinada atividade faça uso de cálculos, não sendo matemática e afins ao
conteúdo principal da disciplina, é necessário ajustar o nível de dificuldade. Do contrário,
pode-se incorrer no real risco de os alunos com mais facilidade para contas serem privile-
giados. Qualquer professor com alguma experiência em mesclar jogos educativos em meio a
suas aulas sabe (muitos por vivência própria) que nenhum jogo educativo é bem-sucedido se
a motivação de alguns participantes custar a desmotivação de outros. Não é a mais fácil das
tarefas, mas a competência de se saber trabalhar com jogos educativos passa justamente por
dosar adequadamente a competição entre os estudantes (BEAVIS et al., 2015).
Com dezenas de alunos em sala de aula, é estatisticamente esperado que se encontrem no grupo
diferentes perfis de alunos, cada qual com seus próprios níveis de capacidade cognitiva e poder de aten-
ção. Nesse sentido, uma proposta de aula que combina parte do ensino convencional com jogos educa-
tivos tem a vantagem de aumentar a probabilidade que todos os estudantes encontrem os seus devidos
momentos de maior identificação e engajamento com o que é praticado em classe (CHARMAN et al.,
2011; BEAVIS et al., 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).
Quanto a essa diversidade, é necessário destacar que algumas patologias têm sido cada vez
mais recorrentes na sociedade, como é o caso da condição conhecida como transtorno de espectro
autista2. Por espectro, deve-se entender que não há um diagnóstico simplório de um indivíduo ser
autista. Sem dúvida, os casos de autismo moderado a severo são muito mais facilmente evidencia-
dos, o que leva os indivíduos nessa condição (especialmente em idade escolar) a um mais rápido

1 Motörhead, álbum “Ace of Spades” (1980).


2 Segundo dados oficiais, no final dos anos 1980, uma em cada 500 crianças era diagnosticada com autismo. Na
atualidade, essa taxa evoluiu para uma em cada 68 crianças. Para saber mais, acesse: <https://nacoesunidas.org/
rejeitar-pessoas-com-autismo-e-um-desperdicio-de-potencial-humano-destacam-representantes-da-onu/>. Acesso
em: 4 abr. 2018.
Inovações na educação 83

tratamento – embora se discuta que tratamento seja algo destinado a doentes, e autismo não é uma
doença passível de cura, mas sim uma condição neurológica tipificada (CHARMAN et al., 2011).
Na prática, a grande preocupação fica por conta dos graus mais leves ou tênues de autismo:
na distribuição na sociedade, eles são muito mais frequentes, e ao mesmo tempo, de muito mais
difícil percepção – não raro, docentes, pais e o próprio aluno em questão podem nem mesmo des-
confiar de viver essa condição. Por analogia, do mesmo modo que etnias puras na raça humana
simplesmente não existem, é possível considerar que, em estrita análise, todas as pessoas são au-
tistas em algum grau – obviamente, a maior parte da população é portadora de nível insignificante
dessa condição, e assim são tidos, para todos os efeitos, como indivíduos “normais”.
Segundo Charman et al. (2011), essa é uma discussão oportuna ao menos por duas razões:
primeiramente, o autismo implica uma grande dificuldade de comunicação, prejudicando direta-
mente, por consequência, o desempenho na forma convencional de se assistir às aulas. A segunda
razão é que são justamente os jogos educacionais que os especialistas recomendam como uma das
melhores propostas didáticas que podem ser desenvolvidas em turmas nas quais se encontram
autistas (de todos os níveis).
Para esses alunos especiais, os jogos costumam ser a maior motivação para o aprendizado,
resultando assim em uma ótima resposta deles às atividades. É verdade que existem no mercado3
jogos educacionais especialmente projetados para o público autista, mas em determinadas situa-
ções (dependendo da condição dos indivíduos envolvidos) o mesmo jogo (seja ele digital ou con-
vencional) pode ser aplicado tanto aos alunos autistas quanto aos seus colegas considerados de
capacidade cognitiva plena (CHARMAN et al., 2011).
Ainda quanto à explicação dos fatores de sucesso dos jogos para atividades educacionais, há
que se considerar que o gosto das pessoas pelo ato de jogar, somado ao momento histórico atual
de digitalização generalizada do mundo, resultou em um interessante fenômeno conhecido por
gamification (em português, ludificação, ou também a improvisada forma gamificação, que se tor-
nou a mais difundida). Surgido a partir de 2008, a gamification é o uso do ambiente de jogos em
um contexto alheio a essa finalidade, como na indústria – ou até mesmo nas academias de ginástica
(DICHEVA et al., 2015).
Sua proposta é que qualquer atividade humana possa ser tomada como um jogo: estudar,
trabalhar, cuidar da saúde, acumular patrimônio etc. Isso levaria, então, a uma maior motivação na
busca de atingir aos objetivos pretendidos. E o que ocorreu no mundo corporativo foi uma rápida
difusão da prática, em ambientes organizacionais dos mais diversos, começando pelas grandes
empresas. A gamification transforma o trabalho do dia a dia em campanhas motivacionais, com
o apelo de um jogo: existem pontuação, objetivos a serem conquistados – e também as devidas
recompensas no caso de sucesso (DICHEVA et al., 2015).
De fato, o sucesso da gamification no mundo das grandes corporações já se tornou tão subs-
tancial que já são encontrados no mercado softwares especialmente dedicados a essa finalidade.

3 Para exemplos de jogos educativos voltados especificamente para o público autista, geralmente compostos por
opções mais restritas ou simples para tomada de decisão do jogador/estudante, considerar as opções disponíveis em
portais especializados, como é o caso de: <http://www.whizkidgames.com>. Acesso em: 2 abr. 2018.
84 Novos caminhos para os profissionais da educação

Usualmente, apresentam-se como redes sociais corporativas. Em tais ambientes, desenhados para
oferecer, simultaneamente, descontração e profissionalismo, os funcionários ganham seus perfis
individuais, quase sempre como avatares (personagens) de jogos eletrônicos. Eles são, mediante
essa plataforma, recrutados pelos colegas para campanhas (projetos da empresa), acumulam pon-
tos, aparecem em rankings listados publicamente, contam com bônus e “poderes” especiais conce-
didos pelo “jogo que não é jogo”, entre outras amenidades... Ao mesmo tempo, tal sistema provê
os recursos convencionais de uma rede social interna (incluindo o curtir/comentar/compartilhar).
Boa parte do sucesso desses sistemas junto aos funcionários se explica em função da característica
de mobilidade: como apps em smartphone, o jogo está sempre presente nas atividades profissionais
da pessoa (dentro ou fora da sede da empresa).
Sendo assim, inevitavelmente a gamification acabou por encontrar fértil terreno também na
indústria da educação. No geral, as plataformas de e-learning costumam ser adaptadas para visual
de jogo, em ação parecida com o que ocorre nas redes sociais corporativas das empresas em geral.
Então, tendo entre seus avatares professores e alunos, os ambientes educacionais eletrônicos gami-
ficados, mesmo nas modalidades de EaD e Mooc, proporcionam uma experiência ao mesmo tem-
po lúdica e pedagógica: nesses termos, a grande recompensa é o nível de qualidade de aprendizado
que se garante aos estudantes (DICHEVA et al., 2015).

6.2 Aula invertida e ensino híbrido


Aula invertida é uma tradução literal do termo original em inglês Flipped Classroom, que
se refere a uma estratégia de ensino e aprendizagem que altera o tradicional pressuposto de ir
para aula para aprender e fazer atividades extraclasses para consolidar o conhecimento. Na aula
invertida, o que ocorre é que fora da sala de aula o estudante estabelece seu primeiro contato com
um novo conhecimento – e, em seguida, dentro da sala, tal conhecimento é melhor trabalhado em
discussões e atividades de mais alto nível. Na prática, isso significa uma preparação prévia do aluno
para poder aproveitar o encontro presencial (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Essa alteração traz importantes impactos sobre o papel do estudante e do docente. Aliás, é
interessante observar que a aula invertida, em seu conceito central, não está relacionada necessa-
riamente ao emprego da tecnologia da informação. Contudo, na prática, o maior nível de infor-
matização costuma ser associado a condições mais favoráveis para explorar essa modalidade de
ensino. Isso se explica em função das tecnologias digitais oferecerem uma ampla gama de alterna-
tivas tanto para a preparação do estudante para o encontro presencial (estudo prévio) quanto para
dinamizar as próprias atividades em sala de aula.
Da mesma forma que essa modalidade exige mais do aluno, ao professor também é de-
mandado um melhor preparo para o exercício de sua atividade de ensino. Afinal, nos encontros
presenciais, se, por um lado, o docente pode melhor aproveitar o tempo, aliviado da carga de trans-
mitir conteúdo básico, a contrapartida é oferecer atividades de mais alto nível, que se traduzem em
contextualizar o conhecimento junto à turma, fomentar a análise crítica do conteúdo, promover
discussões em grupo e estimular ações de significar o aprendido – enfim, uma mentoria que ex-
plora o máximo do potencial do profissional de educação (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Inovações na educação 85

A aula invertida aposta no esgotamento do modelo clássico de instrução, conhecido por


colocar o professor como foco de atenção. Na aula expositiva convencional, o conteúdo é essen-
cialmente transmitido pelo docente, sendo o final da aula destinado a dirimir eventuais dúvidas.
A desvantagem é que, normalmente, há pouco espaço para atividades mais elaboradas no encontro
presencial, uma vez que a prioridade é aproveitar o tempo disponível para repassar o conteúdo da
disciplina – e para alunos que não tiveram até então contato com o objeto do conhecimento, prati-
camente a totalidade da aula é consumida nessa atividade de instrução básica.
Por outro lado, a aula invertida não significa a condenação absoluta do modelo tradicional
que imperou ao longo das últimas décadas: é fato que muitas pessoas de alto sucesso foram educa-
das segundo a forma convencional de ensino. Mas não existem modelos absolutamente perfeitos,
e em resposta a críticas associadas a uma maior passividade dos alunos na aula tradicional, a aula
invertida se propõe a deliberadamente deslocar a instrução para uma alternativa mais centrada
no estudante. E, o que é importante, sem abrir mão da função do professor. Essa nova abordagem
pedagógica se destaca justamente pelo aproveitamento do tempo em sala de aula para uma explo-
ração mais aprofundada e contextualizada do conteúdo disciplinar (KING, 1993; ROEHLING et
al., 2017).
A informatização realmente potencializa as formas como o aluno trabalha o conteúdo fora
de sala de aula. Prova disso são os vídeos on-line, com recursos bastante avançados, tais como a
alta definição, interatividade, dublagem ou tradução multilíngues (o que inclui Libras4 e demais
línguas de sinais), apenas para citar algumas das possibilidades. E para muito além dos vídeos,
outras práticas recorrentes são a utilização de discussões colaborativas em ambiente on-line, as
pesquisas pela internet e acesso à material para leitura com design responsivo (ou seja, quando a
tela do dispositivo utilizado, tal como TV, tablet e smartphone, se adapta automaticamente para
oferecer uma melhor leitura).
A discussão sobre melhor efetividade entre método convencional e aula invertida precisa
considerar o grau de educação envolvido. Uma vez que o propósito da alternativa pedagógica é
o desenvolvimento de uma capacidade intelectual avançada, em tese, o público universitário res-
ponde melhor que estudantes em nível de Educação Infantil básica: para crianças, não parece fazer
muito sentido uma preparação fora de sala de aula a conteúdos como matemática básica ou mesmo
alfabetização fundamental (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Existem alguns pontos desfavoráveis na modalidade de aula invertida, e um deles é a questão
da inclusão digital. Em regiões mais carentes do Brasil, por exemplo, ter acesso a computador e in-
ternet ainda é um luxo que muitas pessoas só podem usufruir, quando muito, dentro do ambiente
escolar. A consequência é que uma aula invertida pautada em recursos informatizados implica
o risco de se excluir uma parcela dos estudantes, que não poderiam realizar sua preparação ex-
traclasse. Nesses casos, não parece haver muita alternativa ao professor senão fornecer materiais
impressos para seus alunos lerem em casa – o que se traduz em custos indesejáveis à instituição

4 Libras é sigla para Língua Brasileira de Sinais, adotada pela maioria dos surdos brasileiros e reconhecida pela Lei
Federal 10.436/2002.
86 Novos caminhos para os profissionais da educação

de ensino e, sem dúvida alguma, custos inviáveis para que o professor absorva por conta própria
(KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Críticos também apontam para o despreparo de alguns estudantes, sobretudo nos níveis
iniciais, em ter que assumir, subitamente, a responsabilidade pelo autodesenvolvimento, principal-
mente se já estão habituados há um bom tempo com o modelo convencional de ensino. Teme-se
que, caso eles fiquem desmotivados com a nova proposta, abandonem o curso. Visando evitar eva-
são escolar por esse motivo, é recomendável que os professores e as instituições de ensino promo-
vam gradativamente a adoção da aula invertida (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017; TONDEUR
et al., 2017).
Os professores também se veem desafiados a uma melhor preparação para lograr êxito com
essa modalidade didática. Afinal, o tempo de preparação de aula pode ser muito maior que o uti-
lizado para as aulas convencionais, porque a tarefa envolve desenvolvimento de materiais, como
conteúdos multimídia, por exemplo. Não se pode ignorar que precisa ser devidamente contabiliza-
do o treinamento docente em novas tecnologias digitais, por exemplo, para operar lousas eletrôni-
cas e sistemas de edição de vídeo, quando houver (TONDEUR et al., 2017).
Esses pontos sensíveis justificam a cautela com que a aula invertida deve ser trabalhada nas
instituições de ensino. Não raro, haverá uma sensação de estranheza, mesmo que temporária, por
parte de docentes e discentes nessa nova forma de realizar a aula. O novo contexto educacional faz
com que o aluno se veja obrigado a “aprender a aprender” nessa modalidade – bem como o profes-
sor precisa se preocupar em “aprender a ensinar” nesses termos (TONDEUR et al., 2017).
Essa ponderação entre vantagens e desvantagens leva a uma conclusão importante: melhor
que optar pela exclusividade de um ou outro modelo, parece ser bastante útil saber como mesclar
o melhor de ambas as propostas, visando somar os pontos favoráveis e anular ou minimizar os
aspectos desfavoráveis. Por isso, a discussão a respeito da aula invertida conduz invariavelmente a
análise do assim chamado ensino híbrido (LINDER, WEHLBURG, 2017; ROEHLING et al., 2017;
TONDEUR et al., 2017).
A pedagogia de abordagem híbrida faz uso da tecnologia para oferecer uma ampla variedade
de ambientes de aprendizagem para os alunos. Os docentes, ao adotarem essa linha de trabalho,
podem fomentar a capacidade de aprendizado dos estudantes quanto às suas diversidades de prefe-
rências e costumes. Na aula híbrida, combinam-se atividades presenciais com atividades mediadas
por tecnologias digitais. Isso proporciona melhor aproveitamento dos momentos presenciais, ao
mesmo tempo que se garante uma orientação mais precisa das atividades extraclasse. Assim, os
cursos híbridos também buscam a redução do tempo investido em encontro presencial, preservan-
do ao máximo a sua qualidade (LINDER, WEHLBURG, 2017).
A diversidade dos perfis de estudantes em uma turma é mais bem atendida com o modelo
híbrido de aula: quanto mais numeroso um grupo de alunos, mais comum é encontrar os tipos “ex-
tremos”: de um lado, aqueles que são exageradamente comunicativos; de outro, aqueles que nunca
se manifestam. Existem alunos que podem ter o raciocínio mais ágil até mesmo que o do professor
que ministra determinado conteúdo. Já outros estudantes podem necessitar de muitas explicações
e demonstrações para conseguir entender o tema estudado e, mesmo assim, talvez, sem a garantia
Inovações na educação 87

de um entendimento pleno. Nesses termos, o que se conclui é que o uso de diversas tecnologias
educacionais em classe é bastante oportuno, pois as necessidades pontuais dos diferentes perfis de
alunos são atendidas, mesmo que em momentos distintos (LINDER, WEHLBURG, 2017).
A proposta híbrida é interessante aos professores por oferecer opções no gerenciamento do
aprendizado de seus alunos, principalmente no que se refere à realização de atividades extraclasse.
Algumas das iniciativas à disposição são comunidades on-line de aprendizagem, debates síncronos
(em tempo real) e assíncronos (interação em momentos distintos entre os interlocutores), entre
tantas outras formas de colaboração on-line para estimular os alunos a um melhor aproveitamento
do material didático. Algumas táticas que costumam ser bem-sucedidas são, por exemplo, depois
de uma palestra ou exposição gravada na internet, o docente indicar material complementar, entre
websites, infográficos, vídeos de curta duração, canais especializados no YouTube, textos opcionais,
entre outras possibilidades de os estudantes irem mais a fundo na exploração de determinado tema.
Na ótica dos estudantes, um atrativo do ensino híbrido é o self-pace (“autorritmo”, na tra-
dução em português), uma forma de respeitar as condições individuais de aprendizado de cada
indivíduo. Pôr a ideia em ação envolve algumas iniciativas simples: por exemplo, ao se dispor de
um material didático on-line, destinado a ser acessado fora do horário do encontro presencial, um
aluno consegue repetir seu estudo tantas vezes quanto seja necessário para garantir seu aprendiza-
do. Dessa forma, em uma abordagem híbrida, mesmo em que “cada um no seu ritmo” tenha seus
limites (pois sempre existe um conteúdo mínimo e um prazo máximo a serem atendidos), deixar
cada aluno ajustar ou regular seu progresso de aprendizado justifica a boa receptividade que o en-
sino híbrido encontra na sociedade (LINDER, WEHLBURG; 2017).
Em suma, a proposta híbrida pode ser entendida como um momento histórico de transição
na história da educação: nos dias atuais, ocorre um inegável confronto entre as promissoras (mas
talvez utópicas) novas tecnologias e a quase distópica realidade socioeconômica de países em de-
senvolvimento como o Brasil. O híbrido é, essencialmente, uma etapa estratégica nesse movimento
de gradual digitalização da sociedade, que envolve por completo e irreversivelmente a indústria da
educação. De qualquer modo, alguns dos fundamentos essenciais do processo de ensino e aprendi-
zado convencionais, como, por exemplo, a figura indispensável do professor, devem perdurar ainda
por muito tempo (LINDER; WEHLBURG, 2017, TONDEUR et al., 2017).

6.3 Convivência com dispositivos móveis


Os tempos em que vivemos são outros: jogos eletrônicos e sistemas portáteis de som são
apenas alguns dos recursos que, nos dias atuais, se apresentam com acesso instantâneo por meio
de um único dispositivo portátil – em geral, um smartphone, onipresente nas mãos dos estudantes.
Mas existe uma boa variedade de equipamentos eletrônicos dos próprios alunos que transitam
de forma cada vez mais frequente nos ambientes escolares. No geral, são tratados como gadgets,
um termo em inglês que descreve qualquer tipo de equipamento eletrônico portátil de uso indivi-
dual. Os gadgets levam as instituições de ensino ao fenômeno da clandestinidade tecnológica: os
ambientes passam a contar com equipamentos trazidos e mantidos pelos estudantes à revelia do
professor e da escola – e esses equipamentos interagem fortemente com os próprios dispositivos
88 Novos caminhos para os profissionais da educação

oficiais da instituição de ensino, causando, por exemplo, uma sobrecarga no wi-fi ou na rede local
da escola (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG, KONG, 2017).
Há uma série de implicações disso sobre o processo de ensino e aprendizagem, revelando
um quadro complexo que não permite uma resposta tão simples à questão sobre continuar, ou
não, proibindo o uso desses equipamentos e penalizando aos que desobedecerem a essa norma.
De todo modo, é uma questão sobre a qual os professores da atualidade precisam se envolver.
Obviamente, da complexidade mencionada, emanam vantagens e desvantagens da política de to-
lerar tais equipamentos.
O fato é que um smartphone em mãos de quase todas as pessoas espelha a realidade da com-
putação móvel e ubíqua (onipresente) na sociedade. Esses equipamentos acompanham seus pro-
prietários não apenas na escola, mas virtualmente em todas as atividades do dia a dia. Já há muito
o objeto não se resume mais a um aspecto de ostentação efêmera, mas sim de um aliado essencial
para a comunicação cotidiana (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG, KONG, 2017).
Existem evidências que sustentam esse estilo de vida digital ubíqua, de estar conectado com
tudo e todos a todo momento, cada vez mais os alunos também procuram usar seus equipamentos
para buscar informações relacionadas à aprendizagem. A tolerância do professor, portanto, deve
ser na medida da percepção de responsabilidade da turma sob seus cuidados (ELLOUZE et al.,
2015; OSICEANU, 2015; SONG, KONG, 2017).
O simples veto inegociável ao uso desses equipamentos acaba por se demonstrar contrapro-
ducente na prática. Isso ocorre por uma razão bastante contundente: vive-se a era da Internet das
Coisas, termo que designa uma nova fase da computação móvel, transformando em objetos co-
nectados à rede virtualmente qualquer artefato, como canetas, relógios, roupas, eletrodomésticos,
automóveis, entre tantos outros exemplos dos mais óbvios aos mais insuspeitos. Nesse cenário, não
há medidas de controle absoluto sobre tudo o que um indivíduo – o aluno, nessa análise – carregue
consigo que representa uma conexão à internet (e a tudo o que por ela se acessa) (ELLOUZE et al.,
2015; OSICEANU, 2015; SONG, KONG, 2017).
Diante de uma tendência irrefreável e totalmente envolvente em termos de sociedade em
geral, melhor que um pontual e inútil combate reacionário à novidade que se apresenta é utilizá-la
para os fins que se deseja – isso é especialmente aplicável aos professores, que podem aproveitar
para “surfar na onda” do tsunami tecnológico da Internet das Coisas (KIM, MAUBORGNE, 2014;
SONG, KONG, 2017).
Nesse tocante, as oportunidades são as mais variadas possíveis. A começar pela questão da
comunicação dentro e fora da sala de aula. Os docentes ganham mais opções para se comunicar
com os estudantes a qualquer tempo e em qualquer lugar. Alguns exemplos são as mais diversas
plataformas de redes sociais (como a maior delas, o Facebook) e os sistemas de gestão de aprendi-
zagem (Moodle e congêneres) (SONG, KONG, 2017).
Já há algum tempo, muito se discute nos círculos pedagógicos acerca do melhor uso da
aprendizagem baseada em problemas (a assim denominada metodologia PBL). Os gadgets po-
dem então representar uma excelente oportunidade para expandir a aprendizagem baseada em
Inovações na educação 89

problemas dentro e fora da sala de aula, com os professores explorando esse recurso ao longo de
todo o curso (SONG, KONG, 2017).
Um fato que chama a atenção é a possibilidade de melhor engajamento dos estudantes nas
apresentações e eventos de grande porte. Afinal, os docentes podem melhor se comunicar com
sua plateia – de outro modo, era até então pouco provável que um aluno mais tímido ou inseguro
se manifestasse numa palestra ou aula magna entre 200 ou mais pessoas (SONG, KONG, 2017).
Com um smartphone em mãos em uma situação como essa, todos na plateia ficam com as mesmas
oportunidades de, por exemplo, mandar uma mensagem com uma questão e serem atendidos.
Os gadgets podem certamente diminuir a eventual defasagem entre as aulas e as tutorias:
afinal, respostas on-line, como as que são obtidas em questionários eletrônicos, podem ser imedia-
tamente aproveitadas para conduzir discussões nos tutoriais, ajudando a regular o nível das aulas
ao perfil dos alunos que assistem a elas.
Não restam dúvidas sobre o potencial de melhoria do monitoramento do processo de apren-
dizado dos alunos tanto dentro quanto fora da sala de aula. Isso se justifica porque as respostas
on-line conseguem ser utilizadas para acompanhar o progresso de aprendizado dos alunos, per-
mitindo que se façam ajustes na forma de conduzir o curso ou a disciplina sempre que isso seja
necessário (SONG, KONG, 2017).
O apelo lúdico das novas tecnologias também prevalece para contribuir com a motivação
dos alunos tendo em vista seu aprendizado. Nesse sentido, os docentes motivam a turma para
aprender ao permitir que seus apps favoritos sejam empregados para experimentação, construção,
criação e demonstração das entregas das atividades de aula (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU,
2015; SONG, KONG, 2017).
Recursos como Dropbox e Google Drive são alguns dos exemplos em que se podem conce-
ber atividades mais colaborativas, o que ajuda no envolvimento dos alunos mediante seus próprios
dispositivos de acesso.
Demais sugestões práticas são:
• oferecer o acesso dos estudantes a recursos e informações relativas ao curso ou disciplina
dentro e fora da sala de aula em regime permanente (24 horas por dia, 7 dias por semana);
• melhorar a interação dos estudantes com o trabalho dos seus colegas dentro e fora da sala
de aula (mediante compartilhamento, revisão e comentário do resultado das atividades
uns dos outros);
• e, enfim, garantir a continuidade do trabalho da turma após o encontro presencial (SONG,
KONG, 2017).
Em compensação, os inevitáveis aspectos negativos de conviver com os gadgets dos alunos
exigem uma grande desenvoltura do professor para endereçar algumas questões de ordem técnica,
social e pessoal (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG, KONG, 2017).
No que se refere à natureza técnica, é preciso reconhecer os limites de funcionalidades dos
aplicativos. Ocorre que algumas versões de apps móveis, tais como planilhas eletrônicas e editor
de texto, por exemplo, não se mostram totalmente funcionais – especialmente no que diz respeito
90 Novos caminhos para os profissionais da educação

aos recursos mais avançados, quando comparados aos aplicativos originais para desktop. Isso pode
levar alguns alunos a encontrar dificuldade na realização de algumas atividades. Outro problema
relevante é que muitos sistemas eletrônicos de gestão de aprendizagem não foram projetados origi-
nalmente para outros dispositivos que não a tradicional estação de trabalho fixa (ou seja, não são
mobile-friendly, termo original em inglês que designa a abordagem que adapta uso para dispositi-
vos móveis). Além do mais, ocorre que os aplicativos em versão de navegador web podem, algumas
vezes, não exibir corretamente caracteres especiais, como, por exemplo, letras gregas, muito pre-
sentes em disciplinas como Matemática e Física (SONG, KONG, 2017).
O tamanho limitado das telas dos dispositivos móveis é algo realmente relevante: uma vez
que os gadgets são usualmente menores que computadores convencionais, o tamanho das telas
pode implicar em problemas de visualização e/ou navegabilidade para o usuário, devido à menor
capacidade de apresentar informações simultâneas – por exemplo, em construir e ler adequada-
mente um questionário eletrônico ou documento PDF (SONG, KONG, 2017).
E não é só no Brasil que a infraestrutura de wi-fi é um problema de ordem prática: é bastante
comum que redes corporativas de wi-fi não sejam estáveis (dado a grande quantidade de acessos
simultâneos e área muito grande de cobertura de sinal). O que o professor deve sempre conside-
rar então, como plano de contingência, é o uso de conexões individuais (3G/4G) visando evitar
problemas como carregamento lento de conteúdo on-line e falhas repetitivas de conexão (SONG,
KONG, 2017).
Às vezes, os obstáculos surgem das situações mais impensadas, como, por exemplo, a quase
sempre estrutura insuficiente para recarga de baterias –não há tomadas para todo mundo. A auto-
nomia das baterias é um problema de ordem maior dos dispositivos móveis. Eles exigem recargas
frequentes – e usualmente as salas de aula não dispõem de uma relação 1:1 entre número de alunos
e número de tomadas disponíveis.
Ainda na categoria técnica, o poder computacional revela-se um problema que não se pode
ignorar. É que, principalmente em cursos da área de tecnologia da informação, os alunos tendem
a preferir os tradicionais desktops dos laboratórios de informática, tanto por causa da capacidade
de hardware (armazenamento/processamento) quanto também pelo conforto ergonômico de um
teclado convencional (SONG, KONG, 2017).
Na categoria social, a equidade, o suporte técnico e a menor comunicação presencial são os
principais elementos a considerar. Quanto à equidade, é preciso reconhecer que quando os estu-
dantes são demandados a trazer seus próprios dispositivos, é provável que alunos em melhor situa-
ção socioeconômica disponham de máquinas melhores, e a diferença de desempenho entre elas é
uma questão a ser administrada. No tocante ao suporte técnico, o que ocorre é que os setores de
suporte de informática das escolas precisam inevitavelmente dispor de mais pessoal para atender
chamados de docentes e discentes. Finalmente, quanto à menor comunicação presencial, não há
dúvidas que a interação pessoal diminui à medida que a digital aumenta, com riscos, por exemplo,
de uma maior burocratização das relações entre as partes envolvidas (SONG, KONG, 2017).
Inovações na educação 91

Finalmente, as questões de ordem pessoal envolvem, primeiramente, analisar a competência


técnica da equipe de professores. É claro que será mais difícil para aqueles professores que não
têm muita intimidade com a informática ter que, subitamente, conviver com estudantes que se
acostumem cada vez mais a usufruir de recursos originados desses novos canais digitais de relacio-
namento (SONG, KONG, 2017).
Não se pode fazer vista grossa à própria questão da competência técnica dos alunos. Afinal,
os estudantes provavelmente demandarão algum tempo para que fiquem familiarizados com seus
próprios dispositivos móveis sendo utilizados na aula a que assistem. Normalmente, os celulares
inteligentes possuem muito mais recursos do que aqueles que são usados de fato no dia a dia: mui-
tos desses recursos, portanto, existem, mas são obscuros para os proprietários dos aparelhos. Pode
ocorrer que algum aluno seja um exímio digitador de mensagens em redes sociais ou WhatsApp no
seu equipamento, mas, ao mesmo tempo, nunca tenha passado pela situação de digitar uma equa-
ção no seu celular durante uma atividade de aula de Matemática (ELLOUZE et al., 2015; SONG,
KONG, 2017).
É inegável, também, que existem professores naturalmente mais resistentes ou desconfortá-
veis em utilizar dispositivos móveis para atividades em sala de aula – pelos mais variados motivos.
Isso pode ser razão suficiente para nunca elevar uma política de receptividade aos gadgets em classe
como algo institucionalizado de forma geral em uma escola (SONG, KONG, 2017).
O professor precisa ter alguns critérios bastante práticos, por exemplo, o fator do consumo
de tempo. Sem dúvida, algumas situações podem dispender mais tempo para sua realização em
dispositivos móveis do que nos computadores convencionais – uma típica situação em que é
necessário ponderar se uma atividade acadêmica nesses meios mais ajuda ou atrapalha.
Finalmente, reconheça-se que nem todo curso ou disciplina pode comportar essa prática
com os mesmos bons resultados esperados. Mais uma vez, é uma atribuição do docente antecipar-
-se quanto a cenários indesejados dos gadgets dos alunos no processo ensino e aprendizado, sob o
risco de comprometer a qualidade de sua aula (SONG, KONG, 2017).

Considerações finais
Instâncias como jogos educacionais, aula invertida, ensino híbrido e gadgets como recursos
a serem utilizados em sala de aula são apenas algumas das inovações que se observam no cenário
da educação nos dias atuais. E o profissional da educação precisa ter em mente que modismo e ino-
vação são conceitos diferentes: enquanto o primeiro é pueril e insustentável, o segundo demonstra
que uma determinada prática foi verdadeiramente incorporada em definitivo pelo mercado, que
ganhou difusão e se estabeleceu como um novo padrão. A importância de se estar consciente disso
é a garantia de se manter a competitividade do professor no mercado de trabalho, buscando as
competências adicionais que subitamente se façam necessárias, mas que ainda o profissional não
tenha desenvolvido. Assim, é vital que o professor acompanhe periodicamente o que vai surgindo
de inovação no seu campo de atuação – um monitoramento que, evidentemente, nunca tem fim.
92 Novos caminhos para os profissionais da educação

Atividades
1. Explique o aspecto de autorregulação no que diz respeito a participantes de um jogo educacional.

2. Explique qual é a “inversão” proposta pela aula invertida.

3. Explique o motivo do modelo de ensino híbrido dar melhor resposta em turmas com perfis
diversificados de estudantes.

4. Discorra sobre explorar o lado lúdico dos gadgets dos alunos em sala de aula.

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7
Novas competências comportamentais

É possível elaborar uma lista virtualmente infindável de qualidades a serem desenvolvi-


das no aspecto comportamental para que um professor seja um profissional de destacada e re-
conhecida distinção. Muitas dessas qualidades são inter-relacionadas, e é admissível que alguns
atributos sejam mais valorizados em algumas determinadas situações profissionais do que em
outras. Assim, este capítulo se ocupa de focar três competências absolutamente universais para
os professores do século XXI: liderança, relacionamento interpessoal e motivação. Juntas, pro-
movem a formação de educadores do mais alto nível e bem-sucedidos em suas carreiras pro-
fissionais. Deixando de lado a discussão sobre vocação, importa-nos aqui as competências que
podem ser aprendidas e desenvolvidas por qualquer perfil de profissional docente.

7.1 Liderança
Uma vez que as atividades de docência podem ser categorizadas entre as funções de
ensino, pesquisa, gestão e extensão, muitos professores deduzem, com razão, dois fatos incon-
testáveis. O primeiro é que a maior responsabilidade em gestão normalmente significa melhor
remuneração. O segundo é que as oportunidades de trabalhar com gestão vão naturalmente
surgindo conforme o grau de liderança que o profissional consegue desenvolver ao longo da
sua atuação. Assim, grande parte dos profissionais da educação associam a necessidade de apri-
morar sua liderança a um mais profícuo plano de carreira, em que alguma posição de chefia
seja um marco determinante (WILKERSON, 1999; DONALDSON JR., 2007; ARENDS, 2014).
Enganam-se, porém, aqueles que pensam que apenas os professores gestores são efe-
tivamente líderes. Diferentes atributos levam um professor a ser verdadeiramente um líder,
qualquer que seja sua frente mais destacada de atuação entre ensino, pesquisa, gestão e exten-
são. Em todos os campos profissionais, é sabido que nem todos os perfis dos indivíduos são
compatíveis com posições de gestão, e isso não é diferente no ramo da educação. Então, o que
acontece é que muitos professores conseguem ser muito bem-sucedidos no seu trabalho mes-
mo que não tenham atribuições de gestor. Essa liderança mais ampla, que excede as atribuições
meramente administrativas, é a que merece ser analisada (DONALDSON JR., 2007).
Segundo Donaldson Jr. (2007), talvez poucos profissionais tenham uma oportunidade
tão clara de desenvolvimento de liderança no seu dia a dia quanto o professor no exercício de
suas atividades em sala de aula. Diante da turma de alunos, o seu papel de conduzir as ativida-
des em classe naturalmente determina que ele é a maior autoridade naquele ambiente. Algumas
autoridades se impõem pelo medo que os alunos têm de serem repreendidos ou penalizados;
94 Novos caminhos para os profissionais da educação

outras, são conquistadas por meio do sentimento de respeito genuíno transmitido pela conduta
adotada em classe. Esse é um bom indicativo preliminar de liderança para o professor: quanto mais
ele precisa impor seu poder disciplinar para controlar uma turma, pedindo silêncio, repreendendo
e penalizando, menor parece ser seu poder de liderança efetiva.
Líderes são seguidos espontaneamente por seus liderados, que entendem fazer sentido es-
colher seguir alguém que lhes inspira algo positivo. Diz-se que, nas profissões em geral, líderes são
difíceis de serem encontrados. Afinal, eles exibem uma mistura singular de carisma, visão e caráter,
o que faz com que as pessoas de seu convívio se sintam atraídas para segui-lo. Então, no ambien-
te de sala de aula, com uma convivência intensa e constante entre professor e alunos, é bastante
natural que os docentes que fazem seu trabalho com qualidade sejam reconhecidos como líderes
pelos estudantes – nesse aspecto, preservar um bom relacionamento entre professor e aluno é fun-
damental para o docente que busca aprimorar continuamente a sua liderança (DONALDSON JR.,
2007; ARENDS, 2014).
A liderança não é um papel que alguém clama para si sem a devida legitimação dos lidera-
dos. Mas não é por isso que o líder fica alheio a essa sua condição de escolhido. Os líderes reco-
nhecem que eles precisam, sim, atrair seguidores. De fato, os seguidores são o fator-chave para se
compreender a liderança. Afinal, para seguir alguém, as pessoas precisam confiar na direção para
o qual o líder aponta. E para que proporcionem esse nível de confiança, os líderes precisam, sobre-
tudo, comunicar claramente o propósito da direção que se segue, os resultados almejados naquela
empreitada e as principais estratégias a adotar para que tais resultados possam ser realmente alcan-
çados (DONALDSON JR., 2007).
De acordo com Donaldson Jr. (2007), um professor líder é aquele que convence seus alunos
não por manipulação, mas por persuasão. Ele os engaja no propósito do curso ou disciplina que
ministra. Um aluno engajado está sensibilizado quanto ao que precisa ser feito, como fazê-lo e o
significado de atingir o resultado planejado de seu aprendizado. Reconheça-se, ainda, que se as
melhores oportunidades de desenvolver a liderança do docente nascem em meio aos seus alunos
em sala de aula, tal capacidade de influência para um propósito comum pode ser estendido aos
seus pares (os colegas de profissão), seja para fins sindicais ou qualquer outro propósito que o
grupo tenha interesse.
Para esse autor, diante dos problemas do cotidiano, uma das virtudes do líder – qualidade,
aliás, imediata e facilmente percebida por parte de seus seguidores – é que seu foco de interesse está
no fato e no processo deficiente, e não nas pessoas a se culpar. De fato, um dos maiores temores das
pessoas subordinadas a “lideranças” autocráticas é o clima de “caça às bruxas” que é instaurado – o
que é ruim, pois quem se sente ameaçado tende a acobertar problemas para evitar maiores dissa-
bores. Mas as lideranças legítimas conduzem à situação oposta: as pessoas se sentem incentivadas
a relatar ocorrências e até a buscar identificar problemas, pois sabem que serão amparadas pela
Novas competências comportamentais 95

filosofia de melhoria contínua que o líder procura trabalhar permanentemente. Em suma, mais
importante do que “quem fez tal coisa”, é “o que podemos fazer para resolver isso”.
Tal abordagem não é útil apenas para manter a qualidade, mas também para buscar a ino-
vação nas atividades propostas. Afinal, a tolerância ao erro e à experimentação que pode, na maior
parte das vezes, não produzir resultados desejados, é fundamental para que inovações sejam de-
senvolvidas. Obviamente, atingir os resultados, em algum momento, é o que se busca, então o líder
precisa ser hábil em dosar seu estímulo à experimentação e tolerância ao erro com o pragmatismo
de se buscar e realmente atingir aquilo que foi proposto. Em suma, em um ambiente acadêmico,
como durante a realização de uma aula ou de uma pesquisa científica, os meios podem ser os mais
variados, mas o fim deve ser garantido.
Ainda segundo Donaldson Jr. (2007), o líder genuíno conhece as expectativas de seus li-
derados, e sabe que precisa gerenciá-las. Os seguidores precisam estar seguros de que, ao final da
jornada (como uma atividade de uma determinada aula ou mesmo o próprio curso em que estão
matriculados), o líder irá reconhecer e recompensar a contribuição de cada um deles. Isso, portan-
to, vai muito além da mera aprovação acadêmica por atribuição de nota. A recompensa envolve
mexer nos brios dos liderados (os alunos): mostrar-lhes o que ganham ao atingir um determinado
intento de aprendizagem – seja a entrega de um mero trabalho acadêmico, seja a própria conclusão
do curso.
Por tudo isso, o líder é sobretudo um estrategista, muito mais que um motivador. E é im-
portante para o professor que busca desenvolver sua liderança conhecer alguns aspectos essenciais
relacionados à estratégia – a começar por sua definição. Estratégia pode ser sintetizada como a arte
de posicionar recursos de tal forma que objetivos sejam atingidos. Evidentemente, uma pesquisa
pela literatura revela inúmeras outras definições, embora todas se alinhem, de alguma forma, com
esse pensamento. Segundo Chiavenato (2008), um líder não adota um mero discurso de alcance
de metas – ele é de fato um realizador dessas metas, mais um motivo para que existam seguidores
(eles percebem que há no líder coerência entre o que pensa, fala e faz).
Outro aspecto essencial do estrategista é ter em mente uma definição clara de propósito em
termos de missão (o papel presente do grupo liderado) e a visão (o vislumbre do futuro que se de-
seja alcançar). Para tanto, o líder trabalha constantemente o comportamento missionário das pes-
soas (relembrá-las de quais atribuições elas são responsáveis por meio do trabalho e da atividade
conjunta), bem como zelar pelo caráter visionário. Mais produtivo que controlar pessoas por regras
burocráticas e hierarquia de comando é compartilhar um compromisso com a visão compactuada.
Quando as pessoas conhecem e concordam com a visão pretendida, os líderes se ocupam muito
mais em “segurar a ansiedade” dos liderados do que “empurrá-los” para agirem (DONALDSON
JR., 2007; CHIAVENATO, 2008).
96 Novos caminhos para os profissionais da educação

O Quadro 1 apresenta uma síntese dos atributos de liderança docente, conforme o papel de
liderança que os professores ocupam.
Quadro 1 – Síntese dos atributos de liderança docente

Professores líderes Professores líderes Administradores ou


naturais ou informais formalmente designados diretores escolares

(+) pessoas compartilhando


(+) acontece naturalmente;
(+) pequenos times; colaboração uma concessão comum; valo-
há um forte senso voluntá-
emerge do trabalho em comum. rização institucional dos rela-
rio e permissivo.
cionamentos.
Construção
de relações sociais (-) o poder intimida; a equipe
(-) ocorre em “panelinhas”;
(-) as equipes podem se sentir subordinada é demasiada-
não garante uma colabora-
“forçadas” a colaborar; há uma mente grande para se confiar
ção generalizada com toda
percepção de autoridade incerta. plenamente, relacionamentos
a escola.
tendem a ser abertos.

(+) têm a atenção de todos;


(+) os grupos se formam (+) dão forma à missão dos ti-
podem patrocinar propósitos
naturalmente em torno de mes de trabalho; mantêm os
bem mais ambiciosos ou van-
interesses em comum. membros das equipes focados.
guardistas.
Aumento do
comprometimento (-) conseguem mais confor-
junto a um propósito (-) o interesse pode não midade do que comprometi-
(-) podem desenvolver “propósi-
estar necessariamente ali- mento; a equipe subordinada
tos cruzados”, alheios à equipe
nhado aos propósitos insti- é muito grande para “testar” o
ou instituição.
tucionais oficiais da escola. propósito e reafirmar compro-
metimento.

(+) promoção e coordenação


(+) compartilhamento e
de aprendizado e inovação em
apoio naturais levam à ino- (+) as equipes de trabalho ino-
nível institucional; comprome-
vação e ao crescimento; vam juntas; acesso a recursos.
timento em fornecer recursos
Fomento de ação espontânea.
para viabilizar as ações.
ações em comum
(-) aleatoriedade; não se in- (-) podem desenvolver novas
(-) conformidade em lugar de
cluir todo mundo; pode não práticas que conflitam com ou-
aprendizado; conseguem coer-
reforçar a melhoria dos es- tras equipes; podem resistir a
ção e não inspiração autêntica.
tudantes. lideranças e prioridades formais.

Fonte: Adaptado de DONALDSON JR., 2007, p. 138.

Nesse quadro, os elementos são apresentados de forma análoga a um demonstrativo contá-


bil, em que o (+) significa um ativo (um aspecto favorável) e o (-) significa um passivo (um aspecto
desfavorável). Os papéis de liderança vão desde uma posição informal e espontânea, de um lado,
até as designações formais dos cargos de chefia, de outro. As atribuições de liderança foram agru-
padas, essencialmente, em construção de relações sociais, aumento do comprometimento junto
a um propósito e fomento de ações em comum. Mas a principal mensagem desse quadro é que o
trabalho conjunto entre as lideranças é essencial para o sucesso das instituições de ensino: não há
como depender apenas do trabalho dos altos gestores em lideranças institucionalizadas, tampouco
das lideranças informais que surgem espontaneamente na equipe – o alinhamento de iniciativas
entre todas as lideranças tende a minimizar os aspectos desfavoráveis listados no quadro e poten-
cializar os aspectos favoráveis.
Novas competências comportamentais 97

É importante observar que, apesar de a liderança ser uma virtude que pode ser desenvol-
vida em qualquer profissional, os perfis individuais tendem a inclinar os líderes para algum tipo
determinado de atuação. Por exemplo, é comum que lideranças informais surjam naturalmente em
meio aos professores mais destacados junto às suas respectivas turmas de estudantes. Contudo, içar
automaticamente um professor que é uma liderança informal para um cargo de chefia (liderança
institucionalizada pela escola) não é prudente, pois a liderança espontânea não garante a ninguém
aptidão para gestão – todo gestor precisa reunir competências de liderança, mas também uma série
de outras qualidades específicas para a função. De outro modo, corre-se o risco de que a instituição
de ensino, agindo sem maiores critérios, possa perder um excelente professor e, ao mesmo tempo,
ganhar um péssimo gestor, como aponta Donaldson Jr. (2007).
Em suma, é possível listar uma série de características indispensáveis ao professor líder: es-
colher ser um líder, portar-se como uma pessoa que os outros escolham seguir, oferecer uma visão
de futuro ao grupo, inspirar os demais, fazer as pessoas se sentirem importantes e reconhecidas,
viver seus valores de forma ética e dar às pessoas oportunidade para crescer (DONALDSON JR.,
2007; ARENDS, 2014).

7.2 Relacionamento interpessoal


Seja no campo pessoal ou profissional, saber se relacionar com outras pessoas é aspecto
decisivo para o sucesso de qualquer indivíduo, e é claro que isso não seria diferente na perspectiva
profissional da carreira de um professor. Trabalhar na área da educação conduz, naturalmente, a
excelentes oportunidades de aprimorar a capacidade e a qualidade do relacionamento com os de-
mais – e a sala de aula é um dos mais evidentes laboratórios nesse sentido (FRYMIER, HOUSER,
2000; ALMEIDA, PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).
Para os autores citados, há toda uma corrente pedagógica que sustenta que o bom relaciona-
mento entre professor e aluno acaba por ser obliterado pela relação de poder e autoridade que na-
turalmente prevalece entre eles. Contudo, uma visão mais ampla do relacionamento social leva ao
entendimento que o bom convívio entre os indivíduos não se dá exclusivamente quando esses são
nivelados em rigorosas condições de igualdade (que, em última análise, inexistem). Obviamente,
um bom relacionamento não se traduz necessariamente em amizade íntima. Mas o que é suficiente
para uma harmoniosa convivência entre as pessoas não é que todos sejam amigos por igual, mas
sim que haja a empatia necessária mesmo entre diferentes níveis, como é o caso da figura do pro-
fessor e do aluno.
Ainda segundo esses autores, o fato incontestável é que existe um fluxo principal de cons-
trução e transmissão de conhecimento em classe, que vai do professor ao aluno – embora existam,
claro, inúmeras circunstâncias em que o professor também aprende e que o aluno também ensina.
Mas são fluxos secundários em intensidade e importância: o canal principal é estabelecido pelo
professor que conduz e os alunos que são conduzidos, queiram as diferentes ideologias desviarem
ou não a atenção a esse respeito. Portanto, há sim a prevalência de um indivíduo, em meio aos
demais na sala de aula, com poder e autoridade diferenciados – o que pode, claro, afetar, mas não
dinamitar por completo a sustentação de um bom relacionamento entre professor e aluno. A boa
98 Novos caminhos para os profissionais da educação

relação entre professor e aluno é tão natural e possível quanto a boa relação entre patrão e empre-
gado, médico e paciente ou entre um policial e um cidadão qualquer.
Obviamente, a empatia junto aos alunos começa a ser construída pela prática do diálogo.
Impor explicitamente a autoridade que lhe é conferida traz prejuízo ao bom relacionamento – dei-
xá-la implícita, sem que tenha que se recorrer a ela, é algo aprendido na competência de liderança.
O professor não pode se colocar na posição de quem sabe tudo (até porque isso nunca corresponde
à estrita verdade), embora seja notório que normalmente o docente saiba muito mais que o aluno
a respeito do conteúdo desenvolvido em aula. Isso não é para ser traduzido em “opressão”, mas sim
em motivação para o aluno aprender mais a respeito do tema desenvolvido.
Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe ao professor, natural-
mente, tomar a iniciativa no sentido de nutrir boas relações com os alunos, desde o momento do
primeiro encontro com a turma. É por isso que algumas das ações típicas de um primeiro dia de aula
são, antes de iniciar com o conteúdo propriamente dito, destinar um tempo às apresentações mú-
tuas e ao fomento de um bom clima de trabalho junto aos estudantes. Dados os diferentes perfis de
indivíduos em classe, sempre haverá os mais receptivos às intenções de proximidade que o profes-
sor manifesta, assim como sempre haverá os mais refratários e contestadores. Independentemente
dos motivos desse último grupo de alunos, a boa prática docente é a de procurar dar a todos o
mesmo tratamento respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na “armadilha” de isolar
o grupo dos mais “amigos” do professor, dedicando-lhes exclusividade ou preferência na interlocu-
ção durante a aula – da mesma forma, é inconcebível que o professor passe ao embate, perseguição
ou discriminação, mesmo que de modo sutil, contra os eventuais detratores da turma.
O aprendizado certamente é percebido como mais atrativo quando o aluno acredita ser ou
se sente competente – e isso pode ser conseguido pelas atitudes e métodos adequados de motiva-
ção. Reconheça-se que o prazer pelo aprender não é algo que brota espontaneamente nos estudan-
tes: trata-se, estritamente, de uma obrigação. Portanto, o relacionamento entre professor e aluno
é mediado pelas táticas de empatia e de despertar a curiosidade nos estudantes, tanto sobre as ati-
vidades quanto sobre os resultados delas decorrentes. Assim, o bom relacionamento do professor
com os alunos se expressa também pela relação que o docente tem com a sociedade e com a cultura
em geral (FRYMIER, HOUSER, 2000; ALMEIDA, PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).
Segundo esses autores, por esse motivo, a relação entre professor e aluno depende bastante
do clima que se estabelece em classe. O fomento de um bom ambiente de aula envolve a relação
empática com os estudantes, a aptidão em ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão da
turma, e algo que pode ser chamado de “criação de pontes” entre o conhecimento do docente e o
conhecimento da turma. Neste mundo em acelerado ritmo de mudanças e inovações, os alunos
precisam se sentir seguros de que podem confiar em seu professor como o orientador de ações para
plena cidadania e busca de novos conhecimentos nesse ambiente externo desafiador que se apre-
senta. Daí nasce, senão a genuína amizade, ao menos um tipo de relacionamento mais permanente,
que excede o mero tempo destinado às aulas.
Novas competências comportamentais 99

É certo que a relação entre professor e aluno em sala de aula é um processo complexo, a
despeito da boa-vontade do professor. Afinal, é preciso que sejam considerados inúmeros aspectos,
que vão além da consecução dos objetivos determinados no plano de aula.
Tal relação é amparada pelo reconhecimento dos progressos e dos sucessos, pelo estímulo à
autoconfiança dos estudantes, bem como pela manutenção de cordialidade e respeito no trato com
a turma. É certo que nenhum professor tem a obrigação de se portar como um humorista ou ser ex-
cessivamente afetivo acima de tudo: fundamentalmente, cada aula tem um objetivo a ser atingido,
e é isso que precisa ser garantido. Durante um curso ou disciplina, é natural que haja momentos de
maior relaxamento e de trabalho mais árduo intercalados (FRYMIER, HOUSER, 2000; ALMEIDA,
PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).
Destaque-se que a participação ativa em sala de aula, com o claro engajamento dos alunos
naquilo que se apresenta em classe, é um dos momentos mais almejados pelo docente. E isso de
fato parece coroar os esforços do professor em busca de se estabelecer e manter um bom relacio-
namento com a turma. Também serve de importante alerta: caso haja participação muito baixa da
turma nas atividades propostas, isso pode ser um indício de que o bom relacionamento está apenas
nas aparências, com comprometimento da qualidade do trabalho desenvolvido em sala de aula,
como apontam os autores citados.
Segundo eles, a dosagem entre capacidade técnica e apreço pelos outros é bastante impor-
tante para o professor desenvolver seu bom relacionamento interpessoal. Ocorre que dificilmente
algum estudante aponta um professor como bom profissional se o docente não demonstrar amplo
conhecimento de sua matéria de ensino e maestria na forma de organizar e conduzir as aulas.
Contudo, é muito mais raro que um professor seja apontado como o preferido entre os alunos se
não lhes for simpático. Os professores de predileção dos alunos normalmente são elogiados como
amigos, compreensivos, que demonstram preocupação com a turma, acessíveis mesmo fora de
horário, em prontidão para ajudar quem os acione, entre outros.
Apontam-se a participação, a colaboração, o incentivo e o estímulo como elementos determinan-
tes para a manutenção do bom relacionamento entre docentes e discentes. Tais competências usualmen-
te são mais bem consolidadas com a prática: não raro, professores iniciantes, mesmo que de inquestio-
nável capacidade técnica no campo de conhecimento específico que lecionam, costumam passar por
dificuldades no que se refere a animar a turma nas atividades desenvolvidas em classe.
Existem mais algumas atitudes que podem ser entendidas como facilitadoras da construção
da melhor relação entre professor e aluno. A começar pelo aspecto da congruência, conceito que
implica estar em concordância com a percepção que a pessoa tem de si mesma e da sua própria ati-
vidade no mundo, garantindo que haja entre eles uma consistência e coerência. De outra forma, a
pessoa incongruente demonstra traços de tensão e confusão interna. Por isso, o bom professor não
age apenas por aparências: os sentimentos que ele vivencia são compartilhados com seus alunos.
A despeito da distância hierárquica ou funcional entre professor e aluno, a comunicação se dá,
nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser humano para ser humano.
100 Novos caminhos para os profissionais da educação

Uma atitude de veracidade do docente melhora a comunicação entre as partes. Para além
dos fatos e dados, os sentimentos, ideias e inquietudes comunicados aos alunos legitimam o rela-
cionamento interpessoal em sala de aula. Isso promove ainda uma reciprocidade, estimulando que
o aluno também se manifeste quanto ao que pensa e ao que sente.
Uma vez que esses dois papéis existem em classe, de professor e de aluno, o diálogo é o que
permite que as atividades de ensino e de aprendizagem se coadunem. E todo diálogo legítimo não
deixa de carregar também o teor de sentimentos dos interlocutores (FRYMIER, HOUSER, 2000;
ALMEIDA, PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).
O relacionamento interpessoal estabelece uma percepção de mútua credibilidade entre as
partes. Essa aceitação ou consideração positiva é a crença de que o outro é digno de confiança. O
professor, assim, respeita o estudante, envolvendo-o em um regime de confiança – diferentemente,
porém, de um mero gesto de piedade ou de uma atitude paternalista (ALMEIDA, PLACCO, 2004;
WUBBELS et al., 2012).
Um elemento que nutre o bom relacionamento entre as partes é, sem dúvida alguma, a em-
patia. Quando o professor é sensível no que diz respeito a compreender as reações e a situação geral
do aluno, é certo que a probabilidade de se conseguir oferecer uma aprendizagem significativa
aumenta. É importante, de qualquer modo, reconhecer a dificuldade de o docente praticar de for-
ma contínua essas atitudes. Afinal, em determinadas situações, isso pode se traduzir em conflitos
internos com seus valores pessoais e sua própria identidade. Assim, não há, na prática, como ser
impecavelmente empático e congruente sempre. De outra forma, aceitar incondicionalmente as
condições do aluno em todas as suas manifestações seria negar a própria natureza de individuali-
dade humana – nesse caso, a do professor. Ser comedido no que aceitar e no que não abrir mão, en-
tão, parece ser mais uma indispensável qualidade a desenvolver para melhor efetividade da relação
entre as partes (FRYMIER, HOUSER, 2000; ALMEIDA, PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).
Em suma, quando se prescreve como boa prática compartilhar o poder em sala de aula, me-
diante atitudes facilitadoras, especialmente as que se referem à empatia e à aceitação, não se cogita
que o professor perca a sua legítima autoridade. A autenticidade – como atitude facilitadora que
é – traz à tona a possibilidade de diálogo que contemple estabelecer ou negociar limites na situação
de aprendizagem. Sem dúvida alguma, é mais que desejável que isso fique suficientemente explícito
por todo o tempo do curso ou da aula.
Alerte-se, porém, quanto a uma possível má interpretação que o conceito da autenticidade
possa ganhar nesse contexto, o que pode desfavorecer a implementação das atitudes facilitadoras
analisadas. Visto que a autenticidade do educador é um ativo valioso, todo professor deveria ser
um profissional muito bem preparado em trabalhá-la. Mas não se pode confundir autenticidade
com invasão da vida particular do profissional. De fato, a distinção entre as dimensões pessoal e
profissional precisam ficar transparentes para o professor – e explícita na relação professor/aluno.
Por certo, não é a exposição de questões particulares do professor que garante sua autenticidade
como profissional. A coerência do professor em suas atividades de educador é que determina essa
qualidade (FRYMIER, HOUSER, 2000; WUBBELS et al., 2012).
Novas competências comportamentais 101

7.3 Motivação
Os motivos que levam à ação docente surgem ainda antes de o educador ingressar nessa
ocupação profissional. Do ponto de vista da socialização, é inegável que isso remete à infância, na
época em que o então professor era um aluno em sua escola de formação fundamental (JESUS,
SANTOS, 2004; ARENDS, 2014).
Segundo Jesus e Santos (2004), as motivações docentes são variadas, ao longo da carreira pro-
fissional, correspondendo a fases do desenvolvimento da profissão. Ao menos quatro delas costu-
mam ser mais evidentes. A primeira dessas fases é a chamada pré-formação, época em que ainda se
é aluno, recebendo então forte influência dos modelos de ensino a que se é submetido. A segunda
fase pode ser chamada de pré-serviço, no momento da formação específica que precede as primeiras
aulas ministradas. Nela, ocorre a aquisição da base de conhecimento teórico subjacente ao que será
ensinado. A indução é a terceira fase, que acontece nos anos iniciais de atividade como professor, e
é caracterizada pelo desenvolvimento de estratégias particulares de ensino, considerando o modo
peculiar como o professor endereça os problemas enfrentados no seu dia a dia. Finalmente, a quarta
e última fase pode ser denominada como de serviço pleno, que é todo o restante da carreira docente,
com os educadores aperfeiçoando continuamente sua competência profissional.
As sequências do desenvolvimento do profissional da educação se sucedem conforme a tra-
jetória percorrida ao longo da carreira, tomando diferentes caminhos mediante sucessos e fra-
cassos enfrentados. A primeira delas, de exploração, se dá logo no período de início da profissão,
notadamente durante os primeiros dois a três anos de docência. Nela, o professor experimenta
diferentes papéis, a fim de avaliar por si mesmo sua competência profissional. O resultado são três
possíveis configurações motivacionais: sobrevivência, descoberta ou indiferença.
Para os autores, sobrevivência se associa ao confronto problemático com a realidade escolar,
com insucessos na dinâmica estabelecida de ensino e aprendizagem. Por sua vez, a descoberta é ca-
racterizada pelo sucesso, entusiasmo e satisfação diante das experiências. Finalmente, o professor
que escolhe esse seu ganha-pão por falta de outras alternativas profissionais retrata a indiferença e
até uma certa frustração.
Na prática, as motivações de descoberta e de sobrevivência intercalam-se: a primeira tolera
a segunda – mas quase sempre há a prevalência de um desses perfis. À primeira vista, pode parecer
possível estabelecer correspondência entre essas três perspectivas motivacionais (sobrevivência,
descoberta e indiferença) e o padrão comportamental dos docentes, desde aqueles insatisfeitos que
adotam uma conduta inconstante, até os que se sentem verdadeiramente realizados por serem pro-
fessores, incluindo os que não se envolvem além do mínimo necessário nas suas atribuições profis-
sionais. Mas é importante não ser excessivamente reducionista na análise, pois o comportamento
não ocorre de forma estritamente linear: afinal, muitos dos docentes hoje desmotivados, podem ter
se encontrado altamente empolgados no início de suas carreiras (JESUS, SANTOS, 2004).
A estabilização, algo que ocorre entre 4 a 6 anos no exercício da função, se traduz no definiti-
vo compromisso com a profissão escolhida. É quando o “estou professor” se transmuta no “sou pro-
fessor”, ou seja, assume-se uma identidade profissional que é claramente comunicada socialmen-
te. Esse é o momento da carreira que é coroado pelos sentimentos de segurança e autoconfiança
102 Novos caminhos para os profissionais da educação

profissional: afinal, encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de exercer a função de educador,


com consequente relativização dos insucessos. O professor entende que não é responsável por li-
teralmente tudo o que ocorre na sala de aula, e passa a conviver melhor com as expectativas e
frustações típicas desse trabalho.
Segundo Jesus e Santos (2004), é certo que alguns professores alcançam a estabilidade mais
cedo, outros mais tarde – e há também aqueles que jamais se estabilizam, por nunca se identifica-
rem de fato com a profissão de educador. Mas, para quem se estabiliza, outras frentes motivacionais
se apresentam. Entre 7 e 25 anos de exercício da profissão, o professor experimenta um salto em
dinamismo, o que realça suas qualidades profissionais, adotando definitivamente seu próprio estilo
de trabalho, o que pode levá-lo a ser reconhecido ou alcançar prestígio entre os alunos, colegas e
instituição de ensino. Contudo, diversos fatores (inclusive problemas na vida pessoal) podem mi-
nar essa escalada na carreira, situação que normalmente se percebe pela inibição generalizada do
educador e mero cumprimento da rotina de trabalho.
No período entre 25 e 35 anos acumulados como educador, há uma maior tendência de
se predominar uma postura de conservadorismo e de rigidez. Nesse momento, são frequentes as
lamentações, especialmente sobre os alunos e sobre a política. Pode ocorrer um maior distancia-
mento no que se refere ao relacionamento interpessoal junto aos alunos. Essa é a fase da carreira as-
sociada à serenidade e à autoaceitação. O investimento na carreira diminui, porque os professores
entendem não ter que provar mais nada a ninguém (nem a si mesmos) (JESUS, SANTOS, 2004).
Para os autores, a derradeira fase é o desinvestimento, o que ocorre até os 45 anos de serviços
prestados. É o momento de um balanço geral da carreira. Isso pode se dar de uma forma serena,
sem grandes lamentações, ou então de maneira amarga, caso impere nessa retrospectiva o senti-
mento de desilusão e frustração por nunca ter atingido determinado objetivo profissional – e já
ser demasiado tarde para fazê-lo. A integridade ou o desespero nessa fase da vida correspondem,
enfim, a esse desinvestimento respectivamente sereno ou amargo.
O desinvestimento profissional dos docentes mais experientes, na comparação com aqueles
em início de carreira, decorre principalmente da falta de incentivos que permitiriam mantê-los na
ativa. O que se observa, como quadro geral, é que, com o passar dos anos, os professores diminuem
a sua dedicação e o envolvimento profissional, passando a serem mais susceptíveis aos aspectos
negativos do ambiente organizacional. Nesse encrudescimento emocional, céticos, os professores
passam a um desinvestimento progressivo, no qual a inovação é cada vez menor. As limitações aos
recursos gerais de trabalho e a remuneração não tão atrativa conduzem muitos educadores a di-
recionar esforços para atividades fora da escola, sejam elas em outros campos profissionais (como
consultorias), atuação na comunidade (como voluntários) ou maior tempo dedicado à família, em-
penhando-se, então, somente o mínimo para manterem suas posições como professores (JESUS,
SANTOS, 2004).
Para Lens, Matos e Vansteenkiste (2008), manter professores motivados é, em última análise,
uma importante questão de responsabilidade social devido a um legítimo e evidente motivo: os
professores são grande fonte de motivação para os estudantes. Neles se fundamentam o “quê” e o
“porquê” da aprendizagem dos alunos.
Novas competências comportamentais 103

Esse efeito de “viralização da motivação” – se consideradas as proporções típicas entre pro-


fessor e alunos em uma sala de aula (algo como 1 para 30 ou 1 para 40, por exemplo) é chave
para o sucesso dos modelos de educação. Não se discute que é importante, para os estudantes
de todos os graus, sentirem-se suficientemente motivados para seu trabalho de estudar (LENS,
MATOS,VANSTEENKISTE, 2008; ARENDS, 2014).
O que precisa ser considerado não é apenas a evidente constatação de que a motivação in-
fluencia diretamente o tempo dedicado pelas pessoas em seus estudos, e daí por consequência
os seus resultados de notas e frequências e as próprias conquistas acadêmicas que vão se acumu-
lando em suas vidas. A motivação é aspecto-chave também no que refere à satisfação pela vida
que se leva. Ou seja, pessoas que se sentem realizadas não apenas pelo que já conquistaram, mas
também pelo próprio caminho que trilham em busca de seus objetivos perseguidos. Daí decor-
re que o sentimento de frustração e insatisfação, traduzido muitas vezes em um comportamento
antissocial, pode nascer justamente de estudantes desmotivados, obrigados a passar muito tempo
na escola e em sala de aula em meio a atividades que não lhe despertam grande interesse (LENS,
MATOS,VANSTEENKISTE, 2008).
Para esses autores, o que precisa ser esclarecido é que a motivação não é traço estável da
personalidade de uma pessoa. Não há dúvida de que ela é fruto de um processo psicológico no
qual interagem as características ambientais com as mais diversas características de personalidade
– alguns exemplos são os anseios, razões, interesses, habilidades e visão de futuro. Então, a impli-
cação direta é que a motivação dos estudantes seja passível de alteração pela mudança na própria
mentalidade dos alunos (como, por exemplo, ao conseguirem reduzir a ansiedade em época de
provas e aumentar a autoconfiança quanto à eficácia escolar), bem como por meio de modificações
no ambiente de aprendizagem, o que inclui a cultura escolar (por exemplo, conteúdo curricular e
clima motivacional em sala de aula – sendo esse último aspecto um fator primordial de atenção
dos professores).
Os profissionais da educação como um todo – não somente os professores em sala de aula,
mas também diretores, orientadores educacionais, entre tantos outros – têm em suas mãos o poder
de modificar os níveis de motivação dos alunos. Com suas ações, podem influir nos aspectos de-
terminantes para a motivação dos discentes, o que merece ser lembrado quanto ao seu conjunto de
responsabilidades (LENS, MATOS, VANSTEENKISTE, 2008; ARENDS, 2014).
É preciso considerar que a motivação pode ser concebida como uma força psicologicamente
dirigida. Assim, na distribuição de perfis entre os estudantes, há aqueles mais e há aqueles menos
motivados para estudar – bem como os diferentes cursos produzem diferentes motivações. Mas é
preciso assumir que distinguir entre motivação mais intrínseca ou mais extrínseca é tarefa menos
relevante quando se considera os diferentes tipos de regulação comportamental. E, sem nenhuma
dúvida, aquilo que mais importa é justamente o que regula a ação de um determinado indivíduo.
É de se questionar: qual seria a causa ou a razão envolvida? A reflexão considera as alternativas
entre ser uma parte integrada própria do sujeito em si (a chamada motivação autônoma) ou algo
que se experimenta como externo ao indivíduo (portanto, motivação controlada) (LENS, MATOS,
VANSTEENKISTE, 2008).
104 Novos caminhos para os profissionais da educação

Em suma, o que realmente importa não é apenas a força motivacional que os próprios
alunos trazem por si. As instituições de ensino, no geral, e especialmente os professores
atuantes em suas salas de aula devem se ocupar de zelar por um ambiente de aprendizagem
que ressalte a mais alta qualidade em motivação. Na prática, isso pode ser feito ao se aju-
dar os estudantes a conseguirem ser mais autônomos em seu processo de aprendizado, assim
como vivenciar as boas práticas em liderança e relacionamento interpessoal (LENS, MATOS,
VANSTEENKISTE, 2008; ARENDS, 2014).

Considerações finais
Liderança, relacionamento interpessoal e motivação se intercalam como aspectos decisivos
para um professor bem-sucedido em sua carreira. O exercício dessas competências comportamen-
tais, ao longo dos anos, vai produzindo uma rica experiência que é preciosa nos profissionais de
educação já em nível sênior e tão ambicionadas pelos educadores mais jovens. A teoria a respeito
dessas qualidades docentes pode, no máximo, inspirar os profissionais a darem mais atenção a es-
ses fatores de desenvolvimento de carreira – mas, por sua natureza, é apenas a prática contínua que
proporciona trilhar o caminho do docente. Não há controvérsias sobre isso: inexistem profissionais
de alto quilate que se sustentem apenas em competência de domínio técnico de um determinado
conhecimento – o “segredo” de muitos renomados educadores é sua excelência comportamental.

Atividades
1. Em síntese, quais são os atributos de liderança docente?

2. Quais são as boas práticas em um primeiro encontro do professor com a turma de alunos,
visando ao bom relacionamento interpessoal?

3. Explique a importância da congruência no relacionamento interpessoal.

4. Em termos motivacionais, como funciona a fase de estabilização do professor?

Referências
ALMEIDA, L., PLACCO, V. As relações interpessoais na formação de professores. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2004.

ARENDS, R. Learning to teach. McGraw-Hill Higher Education, 2014.

CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008.

DONALDSON JR., G. What do teachers bring to leadership. In: Uncovering teacher leadership: essays and
voices from the field. Corwin, 2007.

FRYMIER, A.; HOUSER, M. The teacher‐student relationship as an interpersonal relationship.


Communication Education, 49(3), p. 207-219, 2000.
Novas competências comportamentais 105

JESUS, S., SANTOS, J. Desenvolvimento profissional e motivação dos professores. Educação, 27(52), p. 39-58,
2004. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/373/270&gt;.>.
Acesso em: 2 maio 2018.

LENS, W.; MATOS, L.; VANSTEENKISTE, M. Professores como fontes de motivação dos alunos: o quê
e o porquê da aprendizagem do aluno. Educação, 31(1), p. 17-20, 2008. Disponível em: <http://webcache.
googleusercontent.com/search?q=cache:J6nOIWHVZZUJ:revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/
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PIAZZI, P. Ensinando inteligência. Coleção Neuropedagogia, v. 3. Aleph, 2009.

WILKERSON, J. On research relevance, professors’ “real world” experience, and management development:
are we closing the gap? Journal of Management Development, 18(7), p. 598-613, 1999.

WUBBELS, T., et al. Interpersonal relationships in education. Routledge, 2012.


8
Noções de gestão para o professor

Independentemente de se ocupar ou não uma posição formal de chefia, convém a todo


professor dispor de um mínimo de competências gerenciais, a fim de conduzir com maior
eficácia e eficiência suas atividades diárias. Sob certa perspectiva, é possível afirmar que todo
professor é gestor de seus próprios projetos e processos. Mas quando o docente não provém da
área de formação em administração, até mesmo os jargões e termos recorrentes em gestão soam
confusos: afinal, qual é a diferença entre projeto e processo? Assim, é importante conhecer as
noções essenciais de gestão, para que se possa extrair o máximo da sua atividade profissional –
mesmo que ela esteja restrita à sala de aula – e transitar melhor entre os gestores educacionais
aos quais os professores respondem.

8.1 Qualidade e produtividade


Segundo Campos (2002, 2004), olhando com as lentes de gestão, cabe ao professor
reconhecer que a escola é primordialmente uma organização empresarial, como qualquer outra
– seja ela uma instituição privada ou mesmo pública. A partir daí, convida-se à reflexão sobre a
mais básica das questões no mundo corporativo: afinal de contas, para que serve uma empresa?
Qual o propósito, qual a finalidade de um empreendimento? Pensando a respeito, uma conclusão
se torna evidente: independentemente do porte ou do ramo de atuação, todas as empresas – sem
exceção – servem para um único objetivo: atender às necessidades de seus clientes.
É importante ter em mente que a função das empresas não é “gerar dinheiro”. O lucro,
nesse caso, é o meio, não o fim; ele é o modo pelo qual o propósito maior – o atendimento
das necessidades do cliente – é permanentemente garantido. É importante esclarecer que não
se está questionando qual o objetivo de um empresário, ou qual sua intenção (explícita ou
não): embora as pessoas no geral sejam motivadas a trabalhar por dinheiro, o propósito de
qualquer organização empresarial é estar sempre alinhada e correspondendo às expectativas
de seus clientes. E isso é assim tanto para empresas privadas, públicas ou até mesmo para o
Terceiro Setor1.
Para Campos (2002, 2004), as empresas existem para satisfazer as necessidades dos con-
sumidores do negócio. Então, faz sentido perguntar: quem são esses consumidores? E quais
são exatamente essas necessidades? Naturalmente, o que primeiro vem à tona quando se fala
de “consumidores do negócio” são os clientes externos, os que, lá no final do processo, pagam
pelo produto ou serviço. No caso das escolas, eles são os alunos (e também seus pais ou res-
ponsáveis, no caso da educação infantil). Embora esses não sejam os únicos consumidores do
negócio, convém pensar, em primeira análise, a respeito desses clientes externos. Eles esperam,

1 Terceiro Setor é o termo utilizado para definir organizações de iniciativa privada, sem fins lucrativos e que pres-
tam serviços de caráter público.
108 Novos caminhos para os profissionais da educação

e não podia ser diferente, receber seus produtos comprados ou serviços contratados. Só isso? Não.
Dá para afirmar que “não de qualquer jeito”.
Eles desejam receber os produtos ou serviços (aula, no caso de estudantes), mas da me-
lhor forma, ou seja, o melhor preço, com o melhor desempenho funcional e um atendimento
cortês e simpático. Os clientes externos querem a devida atenção que merecem, e em vários
atributos. Isso, por si só, já leva a uma profunda reflexão sobre o que se faz necessário para
manter um negócio ou uma marca, vistos com simpatia pelo público consumidor. Não são
pouca coisa, na prática, tais garantias.
Porém, o desafio na perspectiva empresarial é muito maior. Quem são os consumidores do
negócio? São os clientes externos... também eles, mas não apenas. Os colaboradores e a equipe in-
terna da empresa também são consumidores do negócio, os chamados clientes internos. É inegável
que as pessoas que trabalham na empresa (por exemplo, uma instituição de ensino) também espe-
ram algo dela: tais necessidades devem ser supridas – oportunidade de crescimento profissional,
um bom ambiente para se trabalhar (saudável e seguro), condições salariais dignas e motivadoras,
reconhecimento pelas pequenas conquistas cotidianas e pelas grandes metas do ano, entre outros
(CAMPOS, 2002; 2004).
Existem ainda mais consumidores do negócio? Sem dúvida, sim. Afinal, e os acionistas, os
donos do negócio? Eles também possuem legítimas necessidades a serem atendidas. O dono do
negócio é um investidor, ele poderia aplicar seu dinheiro em qualquer outro tipo de serviço finan-
ceiro, mas escolheu colocar dinheiro na empresa – e em uma empresa específica. Não o faz, claro,
por filantropia: há, portanto, uma justa expectativa de retorno sobre o investimento. Os acionistas
esperam que suas necessidades de rentabilidade sobre a aplicação e a trajetória de crescimento
sejam as maiores possíveis.
Por fim, deve-se reconhecer que a sociedade como um todo é uma legítima parte interessa-
da, sendo ela certamente uma consumidora do negócio. Pense em quantas pessoas trabalham em
determinada empresa. E, em função disso, quantas famílias são mantidas? Quantas crianças pos-
suem chance de alimentação, educação, saúde e segurança adequados? O que as comunidades em
que estas pessoas vivem ganham pela existência daquela organização no mundo? Quanto o poder
público arrecada de tributação? Quantos postos de trabalho indiretos surgem? O que o mundo
perderia se aquela empresa desaparecesse amanhã? São reflexões suficientes para deixar claro o
que se quer dizer com a afirmação de que o objetivo de qualquer organização empresarial é atender
expectativas dos consumidores do negócio. É realmente algo bem amplo, e sem dúvida, altamente
desafiador (CAMPOS, 2002; 2004).
É diante desse contexto que se introduz o tema qualidade para apreensão por parte do pro-
fessor. Afinal, o que tão elegante palavra representa de fato no mundo corporativo? Ocorre que se
trata de algo subjetivo, sujeito, assim, a várias interpretações. A mais subjetiva de todas: “não sei ao
certo em que consiste a qualidade, mas eu a reconheço quando a vejo!”. Uma pessoa pode até não
conseguir se exprimir com precisão por palavras, mas certamente tem toda a capacidade de sentir,
detectar e avaliar algo que tem qualidade e algo que não tem. Outra definição, de natureza baseada
Noções de gestão para o professor 109

no produto: o que este possui de valor para acrescentar, que os produtos similares não possuem. E
essa vem fundamentada na perfeição: é fazer a coisa certa, na primeira vez, sempre! Ou ainda esta
interessantíssima alternativa, baseada no valor: o produto ou serviço que possui a maior relação
custo-benefício. Afinal, nem sempre o mais caro é o melhor. Já a qualidade baseada na manufatura
industrial é a conformidade às especificações técnicas e aos requisitos declarados, além de não
haver nenhum defeito funcional.
Não dá para ignorar, por fim, o que é a qualidade baseada no cliente: a perfeita adequação
ao uso ou consumo, ou então conformidade às exigências do cliente. Em suma: qualidade significa
entregar aquilo que se comprometeu a fazê-lo.
O entendimento conceitual sobre qualidade leva à compreensão de outro termo bastante
relacionado a ele: produtividade. De forma muito objetiva, produtividade é sempre expressa por
um valor (número). Produtividade é uma razão, uma fração matemática – com numerador e deno-
minador. É o que se consegue de resultado, dividido pelo que teve de ser colocado como recurso.
Para exemplificar, suponha-se um empreendedor que disponha hoje de um faturamento de R$ 100
mil por mês. Faturar todo mês um valor desses parece ser algo bastante interessante! Entretanto,
quanto custa esses R$ 100 mil? Neste exemplo, considere-se, para fins de ilustração, que somando
tudo – encargos, salários, tributação, estoque, infraestrutura, financiamentos etc. – tal empreen-
dedor gaste R$ 88 mil. Gastar todo mês R$ 88 mil para manter um negócio já não parece ser tão
atrativo assim! Mas é tudo, afinal, uma relação de troca: o que se coloca e o que se retira (CAMPOS,
2002; 2004).
Considerando a situação desenhada por esse exemplo, qual é a produtividade do negócio?
Embora dê para se mensurar por uma série de aspectos, tome-se, por ora, apenas a dimensão fi-
nanceira: 100 dividido por 88 resulta no número 1,14. Essa é a produtividade: 1,14! Todo negócio,
portanto, tem o seu valor específico, em termos de patamar de produtividade: pode ser 2, pode ser
20, pode ser 68.... pode ser 0,9 ou 0,7... Abaixo de 1,00, evidentemente, se está diante de prejuízo,
situação em que o custo é maior que o resultado proporcionado: uma situação, naturalmente, in-
desejável (CAMPOS, 2002; 2004).
Há uma relação entre produtividade e qualidade? Por certo que sim. Então, como, exata-
mente, a qualidade afeta a produtividade? É possível resumir em dois aspectos: impacto no nu-
merador (resultados) e impacto no denominador (custos). Produtividade é o quociente entre o
que a empresa produz e o que ela consome. E através do trabalho permanentemente orientado à
qualidade, a empresa tende a produzir mais ou menos. A empresa ganha mais capacidade produ-
tiva. Ao mesmo tempo, no mercado, a marca é vista com simpatia e transmite confiança: mais e
mais clientes adquirem seus produtos e serviços, aumentando a necessidade de produzir mais – e
melhor. A qualidade aumenta o numerador da equação. Se, em uma fração, o numerador aumenta,
qual o resultado geral? O quociente aumenta, a produtividade também (CAMPOS, 2002; 2004).
Por outro lado, no denominador custos, o trabalho essencial da qualidade é cortá-los. Cabe
aqui um alerta importante, uma vez que a expressão “cortar custos” causa calafrios em muitas
autofagia: comer a si
pessoas. Não se está, evidentemente, falando de autofagia corporativa, nem de cortar aquilo que mesmo.
110 Novos caminhos para os profissionais da educação

é recurso produtivo essencial. Desfazer-se de máquinas, e de pessoas, ao simples acaso de uma


equação matemática. A finalidade da qualidade é cortar os custos improdutivos, que existem, em
qualquer negócio.
Retomando o exemplo da hipotética empresa que produz R$ 100 mil todo mês, ao custo de
R$ 88 mil de recursos, pode-se afirmar, com toda segurança, que em meio às inúmeras somas que
devem ser feitas para se chegar os R$ 88 mil de custos, entre elas, há algumas parcelas “podres”...
Por exemplo, quanto, em meio a estes R$ 88 mil, são custos relacionados a retrabalhos, a desperdí-
cios – a dinheiro literalmente jogado fora? São esses os alvos do corte de custos que a qualidade co-
loca em prática. Para algumas empresas, podem ser centavos... para outras, milhares de reais. Toda
empresa possui uma “banda podre” em seus processos internos. Na maioria das vezes, o custo das
ações para zerar por completo essas ocorrências é altamente proibitivo... Mas é bastante acessível
reduzir drasticamente o custo da não-qualidade. O “perfeito” custa muitas vezes aquilo que não é
possível, de momento, para uma empresa pagar. Mas o “bom” e o “um pouco melhor” sempre são
conseguidos com ações muitas vezes simples e baratas, como atesta Campos (2002, 2004).
Em suma, se o denominador diminuir, o que acontece com o resultado da equação produti-
vidade? Mais uma vez, aumenta. A qualidade “ataca” a produtividade em duas frentes aumentando
consideravelmente seu resultado: corta custos desnecessários, ao mesmo tempo em que aumenta
os resultados comerciais do negócio.
Uma vez entendidos estes dois primeiros conceitos (qualidade e produtividade), avança-se a
um terceiro, que é mais uma daquelas palavras largamente utilizadas no dia a dia das organizações:
competitividade. Aos olhos da qualidade, que significa ser competitivo? Não resta dúvida de que
o termo está associado a alguma forma de competição: a corrida comercial. Do ponto de vista do
cliente (por exemplo, um aluno escolhendo uma instituição de ensino para estudar), trata-se da
situação mais cômoda possível: ele sempre tem opção (mais de um fornecedor a cogitar). Nessa
guerra comercial, via de regra quem ganha é o cliente, pois o mercado vai nivelando preços e ou-
tros atributos de qualidade, como prazo, forma de entrega, garantias, desempenhos funcionais, etc.
Compete-se, portanto, pelo cliente. No geral, um cliente em uma empresa é o cliente que falta – e
faz muita falta – para outra empresa concorrente (CAMPOS, 2002; 2004).
Aqui, leva-se o conceito para o seguinte raciocínio: ser competitivo é ter maior produtivida-
de que os concorrentes. O que realmente garante, no longo prazo, a sobrevivência das empresas e
a satisfação de todos os consumidores do negócio, é a garantia de sua competitividade. Fica então
estabelecida a relação entre qualidade, produtividade e competitividade.
É importante o professor perceber que, da mesma forma que uma organização empresarial
(como a sua escola) se organiza para trabalhar com qualidade, produtividade e competitividade,
os conceitos apresentados se conformam perfeitamente à condição individual do profissional: é
possível, então, traçar estratégias para ser um docente de alta qualidade, produtividade e também
competitividade – essa última, ao considerar que existe um mercado de trabalho e uma disputa que
envolve mais candidatos que vagas disponíveis (ARENDS, 2014).
Noções de gestão para o professor 111

8.2 Gestão de projetos


Existe uma importante diferença entre processo e projeto. Processo é a denominação que se
dá ao “serviço contínuo”, ou seja, uma atividade de duração permanente e/ou indeterminada – as
rotinas diárias de uma empresa. Por isso, são exemplos de processos o recrutamento e seleção de
pessoal, contas a pagar, contas a receber, produção – são atividades que ocorrem cotidianamente.
Nas instituições acadêmicas, o ensino e a pesquisa são típicos processos inerentes a essas organiza-
ções (ARENDS, 2014; PMI, 2017).
Segundo o Project Management Institute2 (PMI, 2017), projeto é sempre um esforço tempo-
rário – tem início, meio e fim – que é empreendido para se criar um produto, serviço ou resultado
exclusivo. Curiosamente, se um determinado processo ainda não existe em uma empresa (exem-
plo: separação de lixo para gestão ambiental), é possível criar um projeto para o desenvolvimento e
lançamento desse processo – o novo processo então é a entrega oferecida por tal projeto.
É importante ressaltar que, dada a natureza temporária associada ao conceito de um projeto,
ele sempre tem um início e um término determinados. Não existe um “projeto contínuo”, que nun-
ca termina. A conclusão se dá quando os objetivos daquele projeto forem atingidos – ou mesmo
quando o projeto é abortado porque os seus objetivos não têm mais condições de serem realizados.
Às vezes, por mudanças internas na organização ou no mercado ao qual ela atende, o projeto deixa
de fazer sentido – outra razão em que ele é cancelado. Um projeto também pode ser encerrado no
caso de uma das partes interessadas, tais como o cliente, o patrocinador ou o financiador, assim o
desejar (PMI, 2017).
Mas é importante esclarecer que algo temporário não implica necessariamente uma ativi-
dade de curta duração. O termo diz respeito ao engajamento do projeto e à sua longevidade: al-
guns projetos podem durar anos ou décadas (cenário típico de alguns ambientes de negócios mais
complexos, como nos casos da indústria farmacêutica e da indústria petrolífera). No campo edu-
cacional, os esforços organizados para que uma faculdade ou universidade elevem sua nota junto
ao Ministério da Educação e/ou sejam bem-sucedidos em uma vindoura auditoria de avaliação
podem ser entendidos, sem dúvida, como um projeto. Outro exemplo de projeto no âmbito acadê-
mico é toda a mobilização que envolve a criação de um novo curso (ARENDS, 2014; PMI, 2017).
Por outro lado, segundo o PMI (2017), esse caráter temporário da realização do projeto nor-
malmente não é aplicável ao produto, serviço ou processo por ele lançado; o fato é que a maioria
dos projetos são concebidos visando criar um resultado razoavelmente duradouro. Por exemplo,
um projeto de construção de um curso escolar certamente objetiva que ele perdure por alguns bons
anos no portfólio da instituição de ensino. É interessante observar ainda que os projetos costumam
oferecer impactos sociais, econômicos e ambientais com duração muito mais longa que o tempo
ocupado pela execução daqueles mesmos projetos – o que justifica, em última análise, todo o es-
forço (incluindo o financeiro) envolvido.

2 O PMI (em português, Instituto de Gerenciamento de Projetos) é uma das maiores associações no mundo para pro-
fissionais de gerenciamento de projetos. Essa instituição busca formular padrões internacionais de gestão de projetos e
oferece certificações por meio de cursos.
112 Novos caminhos para os profissionais da educação

Uma nota importante é que não existe, estritamente, “fazer de novo” um mesmo projeto. Isso
se justifica pelo fato de que cada projeto acaba por criar um produto, serviço ou processo de caráter
singular. E apesar de alguns elementos poderem se repetir em projetos parecidos, esta repetição
não é suficiente para comprometer as características fundamentais e exclusivas de um determinado
projeto. Por exemplo, a implementação de novos campi de uma universidade em diferentes regiões
de um estado ou do país pode envolver processos similares, e até mesmo ser realizado pelas mes-
mas equipes de trabalho. Entretanto, cada campus é inegavelmente único, envolvendo endereço
diferente, circunstâncias e situações das mais variadas, partes interessadas distintas, entre outros
(PMI, 2017).
O professor precisa considerar que, em função dessa natureza exclusiva dos projetos, é quase
inevitável que existam incertezas ou diferenças quanto aos produtos, serviços ou processos criados
por eles. Na prática, as atividades do projeto podem não ser tão familiares para os integrantes de
uma equipe relacionada: isso costuma requisitar um planejamento muito mais delicado e minu-
cioso do que outro trabalho de rotina (como é o caso dos processos, normalmente regidos por
procedimentos padrão). No processo, caso exista um erro qualquer de execução, há alguma chance
de repará-lo no ciclo seguinte – por exemplo, se uma fatura foi paga no setor financeiro sem o de-
vido lançamento no sistema, a próxima fatura despertará atenção quanto à falha, o que serve até de
treinamento e avaliação dos operadores. Mas, no projeto, não há uma “próxima vez”, de tal forma
que erros podem ser fatais para o objetivo almejado (PMI, 2017).
De acordo com o PMI (2017), pela amplitude de seu conceito, projetos podem ser planejados
e executados em qualquer nível da organização. Evidentemente, dada a escala envolvida, um projeto
pode se restringir a uma única pessoa ou envolver uma vasta equipe de profissionais – da mesma
forma, pode ser conduzido por uma única organização ou mesmo por múltiplas empresas, como no
caso dos consórcios empresariais e projetos de inovação aberta em um ecossistema de negócios.
Especialmente útil ao visar os projetos de pesquisa científica – os quais com que muitos
professores se envolvem principalmente nos programas de pós-graduação stricto sensu das insti-
tuições acadêmicas – é reconhecer que o conceito de projeto oferece diferentes possibilidades de
entrega de resultado. Pode ser um produto (item físico) na forma de componente de item alheio,
uma melhoria de um item ou o próprio item como um todo. Pode ser a entrega de um serviço, ou
até mesmo a entrega da capacidade de realizar um determinado serviço: por exemplo, um processo
organizacional que dê suporte à produção ou à distribuição da empresa. As melhorias, em geral,
de produtos e serviços são alternativas legítimas para a estruturação de projetos. Ainda, é possível
admitir um resultado, na forma de produto ou documento – um exemplo possível é um projeto de
pesquisa científica que desenvolva o conhecimento a empregar para determinar se uma tendência
é real ou se um novo processo industrial tem condições de beneficiar a sociedade, na forma de um
artigo científico publicado em algum periódico especializado (PMI, 2017).
Diante da complexidade organizacional (incluindo situações típicas do ambiente acadêmi-
co), pode ser necessário trabalhar com conceitos complementares ao projeto: tratam-se do portfó-
lio e do programa. Há um estrito relacionamento conceitual entre portfólios, programas e projetos.
Segundo o PMI (2017, p. 9):
Noções de gestão para o professor 113

Um portfólio é um grupo de projetos, programas, subportfólios e operações


gerenciados em conjunto para se alcançar objetivos estratégicos. Por sua vez,
programas são agrupados em um portfólio, englobando subprogramas, proje-
tos ou outros trabalhos que são gerenciados de maneira coordenada para dar
suporte ao portfólio.

Os projetos individuais que estejam dentro ou fora do programa são, para todos os efeitos,
parte integrante de um portfólio. Muito embora projetos e programas do portfólio possam não se
encontrar necessariamente interdependentes ou relacionados de forma direta, eles estão, em últi-
ma análise, conectados ao plano estratégico da organização (realização da missão e visão organiza-
cional) por meio do seu portfólio. Aliás, uma reflexão importante reside nessa análise: os processos
ajudam fundamentalmente na realização da missão (o papel presente) de uma organização – mas
são os projetos criadores do novo que sustentam a possibilidade de se atingir a visão organizacio-
nal, isto é, o estado desejado, que, obviamente, é uma perspectiva futura justamente porque deter-
minadas iniciativas precisam ainda ser elaboradas (PMI, 2017).
É diante desse esclarecimento conceitual que se apresenta a função de gestão de projetos.
Gerenciá-los significa aplicar os devidos conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às
atividades do projeto, essencialmente no intuito de se atender aos seus requisitos (possibilitar a
entrega dos resultados esperados nas condições determinadas). Iniciação, planejamento, execução,
monitoramento e controle e encerramento são os cinco grupos de processos de gestão de projetos
– é digno de nota que, embora cada projeto seja estritamente único, a forma de conduzir diferentes
projetos pode ser padronizada, razão pela qual se costuma referir à expressão processos de gestão
de projetos (PMI, 2017).
O trabalho de um gerente de projetos envolve, principalmente, identificar os requisitos apli-
cáveis, abordar e endereçar adequadamente as diferentes necessidades, preocupações e expectati-
vas das partes interessadas quanto ao planejamento e execução daquela empreitada, estabelecer,
manter e executar a comunicação de modo ativo, eficaz e colaborativo entre as partes interessadas,
gerenciar as partes interessadas tendo em vista o atendimento aos requisitos do projeto e a garantia
de suas entregas e equilibrar restrições eventualmente conflitantes do projeto.
Aliás, é necessário ressaltar que todo projeto é um trabalho complexo, ao se considerar que
sempre imperam restrições. As principais – foco de atuação obrigatória de todo gerente de projeto
– dizem respeito a escopo, qualidade, cronograma, orçamento, recursos e riscos. Em projetos mais
simples e em ambientes organizacionais mais informais, ao menos três elementos concentram toda
a atenção no que diz respeito ao gerenciamento de projetos: escopo (o que é para ser feito e o que
não é para ser feito), tempo (cronograma) e custo (orçamento), considerados muitas vezes o “tripé
básico” da condução de um projeto qualquer. Os conflitos, na prática, costumam ser inevitáveis:
espera-se a maior qualidade possível de um projeto, mas a restrição de tempo impede sua conse-
cução; a expectativa é de entregar no menor tempo, mas a limitação orçamentária costuma alongar
prazos – e assim por diante (PMI, 2017).
Segundo o PMI (2017), a complexidade da gestão de projetos se explica, ainda, devido a um
fator altamente impactante, e na prática bastante recorrente: mudanças que ocorrem durante seu
planejamento e execução. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente, os responsáveis
114 Novos caminhos para os profissionais da educação

por desenvolver o plano de gerenciamento do projeto sabem que essa atividade precisa ser itera-
tiva, ou seja, elaborada de uma forma progressiva ao longo do ciclo de vida do projeto, sempre
sujeita a ajustes e correções. A elaboração progressiva precisa considerar a melhoria contínua e o
detalhamento do plano de trabalho, tendo em mente que informações mais detalhadas e especí-
ficas e estimativas mais exatas acabam por surgir, muitas vezes, já com o projeto iniciado (muitas
vezes, quase finalizado). Então, a elaboração progressiva permite que a equipe de trabalho defina e
gerencie suas atividades com um nível suficiente de detalhes (e de segurança quanto ao que e como
fazer), à medida que o projeto evolui, minimizando desperdícios de tempo e dinheiro.
Assim, é importante que se desmistifique o papel do gerente de projetos em uma organiza-
ção qualquer (como, por exemplo, uma escola). Fundamentalmente, deve-se ficar claro que não é
apenas o profissional que esteja em posição gerencial na descrição de cargos e/ou organograma da
empresa que pode atuar como um gerente de projetos. Por definição, assim como um projeto tem
início e fim, o trabalho de um gerente de projetos também (encerra-se com aquele projeto, embora
o profissional possa receber a atribuição de cuidar de outro projeto). Por isso, um professor que não
tenha qualquer atribuição administrativa em uma instituição de ensino pode, com toda legitimida-
de, exercer o papel de um gerente de projetos. Obviamente, a despeito do cargo que tenha, alguns
atributos são importantes entre as competências que cada profissional oferece. Afinal, o gerente
de projeto é a pessoa alocada pela empresa para servir de líder à equipe responsável por realizar
os objetivos de dado projeto. É por isso que o papel do gerente de projetos é claramente diferente
de um gerente administrativo ou gerente de operações. Para ficar claro: o gerente administrativo
se ocupa da supervisão de uma unidade funcional ou de negócios, e os gerentes de operações são
responsáveis pela eficiência das operações de negócios (PMI, 2017).

8.3 Gestão de conflitos


A competência gerencial de saber gerir conflitos é essencial no âmbito das organizações
da atualidade e algo especialmente útil para a realidade de trabalho dos professores em geral.
Primeiramente, convém entender de que se trata exatamente esse fenômeno sociológico e orga-
nizacional comum em qualquer tipo de empresa. Tome-se conflito como todo posicionamento
divergente ou forma alternativa de ver ou interpretar um acontecimento qualquer. Diante disso, é
inevitável que qualquer um que conviva em sociedade experimente recorrentemente situações de
conflito, dos mais tênues aos mais graves. Afinal, desde os conflitos tão típicos da infância, pas-
sando pelos dilemas pessoais da fase de adolescência e mesmo na maturidade da vida adulta, as
pessoas continuam a se digladiar com as formas intrapessoal e interpessoal de conflito.
O conflito intrapessoal é caracterizado pelos dilemas de ir ou não ir, fazer ou não fazer, falar
ou não falar, comprar ou não comprar, aceitar ou não aceitar, ter ou não ter filhos, entre outros.
Mas o foco de atenção, quando se refere à competência de gestão de conflitos para a atividade
docente, são os embates diretos entre indivíduos, como desentendimento no trânsito, brigas fami-
liares, guerras entre nações – além do óbvio desentendimento entre e com alunos (CHRISPINO,
2007; ARENDS, 2014).
Noções de gestão para o professor 115

Para Chrispino (2007), é preciso reconhecer que o conflito é um componente que in-
tegra a vida em geral e a atividade social da humanidade desde tempos imemoriais. À luz da
interpretação do conceito, é possível afirmar que a origem do conflito reside na diferença de
interesses, de desejos e de aspirações. Percebe-se, portanto, que não prevalece nesse contexto
um inequívoco juízo de erro e de acerto: o fato é que existem pessoas defendendo posições
frente a outros entendimentos divergentes.
Segundo o autor, um exemplo bastante contundente da dificuldade enfrentada pelos profis-
sionais ao tentar lidar com o conflito é precisamente a incapacidade de se identificar as circuns-
tâncias derivadas da situação conflituosa – ou que nela redundam. Em franca análise, tanto no
ambiente acadêmico quanto na vida em geral, a nítida percepção do conflito só ocorre quando
surgem as indesejáveis e quase inevitáveis manifestações mais violentas. Ao menos duas lições se
aprendem dessa forma: a primeira delas é que se a manifestação se torna violenta, é porque em
momento anterior já prevalecia alguma forma de divergência ou antagonismo que acabaria por
ser agravada – e as pessoas envolvidas não souberam ou não tiveram preparação para identificar
essa situação. Outro aspecto é que a reação mais natural, diante de um conflito que se manifeste,
é agir visando apaziguar de imediato a manifestação violenta. Contudo, ao proceder dessa forma,
ignorando-se as causas que levaram ao fato, alimenta-se o risco de que problemas mal resolvidos
se repitam, talvez de forma pior ainda.
Então, ao se assumir a perspectiva de definir conflito como o resultado do choque de opi-
nião ou de interesse de duas ou mais pessoas, ou de todo um grupo social, pode-se transportar essa
ideia para o ambiente escolar, onde a divergência de opiniões entre estudantes e professores, entre
alunos consigo mesmos e entre os próprios professores uns com os outros torna-se a causa objetiva
de conflitos nas instituições de ensino (CHRISPINO, 2007).
Uma análise mais a fundo revela que uma causa essencial dos conflitos é a dificuldade de co-
municação. Falta nas pessoas maior assertividade, o que mina as condições para o estabelecimento
de um diálogo.
No mundo acadêmico, observa-se que, se por um lado, a massificação da educação (muito
pelo advento das novas tecnologias digitais) democratizou o acesso universal dos alunos às escolas,
é preciso reconhecer, em contrapartida, que as instituições de ensino ficaram expostas a um con-
tingente de estudantes cujo perfil bem mais diversificado não encontrou respaldo para uma mais
adequada e completa absorção (CHRISPINO, 2007; ARENDS, 2014).
Segundo Chrispino (2007), é forçoso reconhecer que, antigamente, um perfil mais padro-
nizado de estudante buscava a escola, com correspondente padronização em suas expectativas,
em suas trajetórias de vida, o que conformava sonhos e limites mais aproximados. Em suma, os
grupos de alunos costumavam compartilhar perfis pessoais bastante similares. Com o fenômeno
contemporâneo da educação em massa, a implicação foi trazer para dividir o mesmo espaço alunos
com as mais diferentes vivências, expectativas, sonhos, valores, hábitos e até mesmo culturas (con-
siderando, inclusive, a internacionalização do ensino). Nesse meio tempo, a escola permaneceu,
116 Novos caminhos para os profissionais da educação

essencialmente, a mesma. Não é difícil concluir que esse conjunto de diferenças é uma causa básica
de conflitos. Pode não ser a única, mas, quando tais diferenças não são reconhecidas e devidamente
trabalhadas, podem resultar em manifestações realmente violentas. Portanto, identifica-se, nesses
termos, uma das causas primordiais do fenômeno da violência escolar. Nos infelizes episódios de
grandes massacres em escolas nos EUA (até com um inequívoco reflexo em caso semelhante no
Rio de Janeiro, há alguns anos...), tal fato parece ficar frequentemente obliterado por discussões
talvez não tão consistentes, como discutir desarmamento da população civil.
Felizmente, a grande maioria das divergências nos relacionamentos entre as pessoas não
evolui para as vias de fato. Pode-se esperar, com toda naturalidade, que devido à diferença de men-
talidade entre os indivíduos, sempre existam situações de conflito no ambiente escolar para serem
tratadas. Um conflito tem origem na diferença de conceito ou pelo valor diferente que se atribuiu
ao mesmo ato, como a qualidade da entrega de um determinado trabalho escolar. Professores e
alunos podem dar valores diferentes à mesma ação (uma prova, por exemplo), reagindo de forma
distinta em função das expectativas criadas. Eis aí um conflito dos mais frequentes. Como a insti-
tuição de ensino convive historicamente com um tipo padrão de estudante, ela tende a apresentar a
mesma regra, normalmente inegociável, junto aos demais alunos, na forma de um enquadramento
automático, que talvez nem sempre seja o mais adequado (CHRISPINO, 2007).
Para esse autor, não restam dúvidas de que, quanto mais diversificado é o perfil dos estudan-
tes (e também dos docentes), maior é a probabilidade de conflito manifestado, ou de uma diferença
de opinião que vá tomando corpo até uma futura manifestação mais contundente. Isso ocorre em
ambiente institucional normalmente orientado à inibição do conflito, por ele ser entendido como
algo fundamentalmente ruim, algo anômalo ao controle social.
Ao professor que desperta para a necessidade de se tornar também um gestor de conflitos,
uma orientação bastante importante: já há algum tempo, começou a ruir o mito criado em termos
de que conflito é sempre algo ruim. Ou seja, nas abordagens mais atualizadas de gestão, o conflito
passou a ser entendido como uma manifestação eminentemente natural. Dessa forma, ele é tido
como absolutamente necessário no sentido do pleno estabelecimento de relações entre as pessoas,
os grupos sociais, os organismos políticos e as próprias nações.
O bom gestor de conflitos não é aquele que abafa essas ocorrências ao menor sinal de sua
existência no ambiente de trabalho. Afinal, o conflito é inevitável, sendo equivocado tentar supri-
mir seus motivos. O conflito, ressalte-se, dispõe de inúmeras vantagens que muito dificilmente po-
deriam ser percebidas por aquelas pessoas que enxerguem nele algo a ser evitado a qualquer custo.
A lista dessas vantagens é extensa. Primeiramente, ele ajuda na regulação das relações sociais, o
conflito, por mais irônico que pareça, pode nutrir a empatia, ao ensinar a enxergar o mundo pela
perspectiva da outra pessoa. Ele permite o mapeamento e reconhecimento das divergências, não
sob a forma de ameaça, mas como fruto do processo de interação social (normalmente animado
por questões como falta de recursos). O conflito é especialmente útil no que tange à definição das
identidades das partes envolvidas na defesa de suas respectivas posições. Não se pode desprezar a
Noções de gestão para o professor 117

utilidade em permitir perceber que outros indivíduos possuam percepções diferentes. Algo bastan-
te nobre, o conflito racionaliza estratégias de competência e de cooperação nas equipes de trabalho.
Enfim, ele proporciona o aprendizado de que controvérsia é uma legítima oportunidade de crescer
e de amadurecer socialmente (CHRISPINO, 2007).
Segundo o autor, existe outro mito que foi construído em relação ao conflito, igualmente
superado de forma gradativa: a ideia de que ele é contrário à ordem. O que ocorre é que o conflito
surge como manifestação da ordem em que ele próprio se originou, derivando daí suas consequên-
cias associadas. Em uma visão política, é possível assumir o conflito como uma das mais puras ma-
nifestações de natureza democrática: por assim dizer, o conflito garante e sustenta a democracia.
A conclusão não pode ser outra: a ordem e o conflito são resultado natural e previsível da
interação entre os seres humanos. A ordem, valor tão bem quisto em toda a sociedade humana, é,
em última análise, nada além de uma normatização do conflito. O conflito de ordem política pode
servir de exemplo, pois ainda que pareça uma ruptura da ordem anterior, existe continuidade e re-
gularidade em determinados aspectos, considerados indispensáveis pela sociedade, pela exigência
de ordem. Da pretensa e idealizada ordem, emergem os embates.
Somente estudo e compreensão das relações que existem dentro da ordem podem permitir o
entendimento completo dos conflitos que nela se originam e que, por fim, são a razão de sua exis-
tência. Por exemplo, os sócios que brigam. É necessário ver as condições em que se fez a sociedade
e as expectativas dos sócios.
O conflito está de tal forma permeado nos relacionamentos interpessoais, nas mais di-
versas situações, de tal modo que nem sempre parece tão evidente. Exemplos são as compe-
tições esportivas, em que, obviamente a violência não é admitida, com determinação de um
modelo de comportamento cooperativo, mas que convive com interesses explicitamente con-
flitantes (CHRISPINO, 2007).
Contudo, em muitas situações, o conflito é deflagrado e não há condições de se identificar
exatamente o que o provocou. Daí o ditado que afirma que em uma guerra a primeira vítima fatal
é sempre a verdade. O interesse é a motivação mais objetiva ou mais subjetiva de uma determinada
conduta. Essa conduta se estrutura e afasta-se da posição tomada, a forma exterior do conflito,
resultando assim em omissão ou ocultamento do real interesse envolvido. Nos treinamentos de
técnicas de negociação, é óbvio que os interlocutores têm interesses absolutamente conflitantes:
o vendedor deseja vender o mais caro que puder, enquanto o comprador faz questão de pagar o
valor mais baixo possível. Todavia, tais interesses são claros e definidos para tais personagens. Isso
é bem diferente do que ocorre no conflito causado por crianças disputando um pirulito – mesmo
que tenham ao seu alcance doces até melhores. Objetivamente, a posição de possuir o pirulito tenta
esconder um interesse implícito: a sensação de vitória sobre o adversário é o prêmio usufruído por
quem ganhar aquele pirulito (CHRISPINO, 2007).
Quanto às causas, os conflitos podem ser classificados em estrutural, de valor, de relaciona-
mento, de interesse e quanto aos dados envolvidos. Observe-se o Quadro 1.
118 Novos caminhos para os profissionais da educação

Quadro 1 – Classificação de conflitos

Tipo de conflito Causa do conflito

Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição


Estrutural desigual de recursos; poder e autoridades desiguais; fatores geográficos, físicos ou am-
bientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo.

Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos; objetivos exclusivos intrinse-


De valor
camente valiosos; modos de vida, ideologia ou religião diferente.

Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos; comunicação inadequada ou


De relacionamento
deficiente; comportamento negativo/repetitivo.

Competição percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo); interesses


De interesse
quanto a procedimentos; interesses psicológicos.

Falta de informação; informação errada; pontos de vista diferentes sobre o que é impor-
Quanto aos dados
tante; interpretações diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes.

Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 18.

Uma tipologia mais abrangente é apresentada no Quadro 2.


Quadro 2 – Tipologia de conflitos

Tipo de conflito Causa do conflito

De recursos escassos Disputa por algo que não existe em quantidade suficiente para todos.

De poder Disputa porque alguém quer mandar, dirigir ou controlar o outro.

De autoestima Disputa porque o orgulho pessoal se sente ferido.

De valores Disputa porque os valores ou crenças fundamentais estão em jogo.

Disputa por problema cuja solução requer longo prazo, esforços importantes de muitos, e
De estrutura
meios além de possibilidades pessoais.

De identidade Disputa porque o problema afeta a maneira íntima de ser quem se é.

De norma Disputa porque valores ou crenças fundamentais estão em jogo.

De expectativas Disputa porque não se cumpriu ou se fraudou o que um esperava do outro.

De inadaptação Disputa porque modificar as coisas produz uma tensão indesejável.

De informação Disputa por algo que se disse ou não se disse ou que se entendeu de forma errada.

De interesses Disputa porque interesses ou desejos são contrários aos do outro.

Disputa porque o outro não assume a sua culpa ou responsabilidade em determinada


De atribuição
situação.

(Continua)
Noções de gestão para o professor 119

Tipo de conflito Causa do conflito

De relações pessoais Disputa porque habitualmente os indivíduos não se entendem como pessoas.

De inibição Disputa porque claramente a solução do problema depende do outro.

Disputa porque o outro não está de alguma maneira autorizado a atuar como o faz, ou tem
De legitimação
feito ou pretende fazer.

Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 19.

Parece plausível que as características peculiares da instituição escolar ou do sistema edu-


cacional considerado favoreçam essa proposta de categorização, devido ao universo conhecido
formado por participantes permanentes (alunos, professores, técnicos e comunidade) que dispõem
de rotinas já definidas. O modo de lidar com o conflito em âmbito acadêmico é que irá variar, uma
vez que uma determinada escola perceba o conflito como instrumento de crescimento ou como
uma ocorrência inadmissível que deva ser abafada (Chrispino, 2007).

Considerações finais
Um professor com aptidões gerenciais, independentemente de ocupar ou não alguma fun-
ção administrativa na escola, é um profissional melhor preparado até mesmo para as atividades
restritas à sala de aula: afinal, o ensino e a pesquisa, por si só, demandam uma coordenação de
atividades junto aos alunos que pode ser muito melhor desempenhada através das abordagens de
natureza gerencial. Além disso, é evidente que uma eventual ambição por cargo formal de gestão
é favorecida pelas experiências bem-sucedidas no gerenciamento das atividades pelas quais se é
responsável na instituição de ensino em que se trabalha, sobretudo nas perspectivas de qualidade,
produtividade, gestão de projetos e gestão de conflitos – competências que se mostram absoluta-
mente indispensáveis.

Atividades
1. Qual a relação existente entre qualidade e produtividade?

2. Que prática se adota diante da probabilidade quase certa de mudanças que ocorrem ao lon-
go do planejamento e execução de um projeto?

3. Que vantagens se obtêm com o fomento controlado de conflitos em ambiente de trabalho,


como nas instituições de ensino?

4. O que causa um conflito de informação?


120 Novos caminhos para os profissionais da educação

Referências
ARENDS, R. Learning to teach. McGraw-Hill Higher Education, 2014.

CAMPOS, V. Gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia. São Paulo: INDG, 2002.

CAMPOS, V. Gerenciamento pelas diretrizes. São Paulo: INDG, 2004.

CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de mediação.
Revista Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 15(54), p. 11-28, 2007. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf>. Acesso em: 2 maio 2018.

MARRA, A. O professor-gerente: processo de transformação. Revista de Ciências Humanas, 6(2), p. 253-265,


2006. Disponível em: <http://www.locus.ufv.br/bitstream/handle/123456789/12979/artigo6vol6-2.pdf?
sequence=1>. Acesso em: 2 maio 2018.

PMI (Project Management Institute). PMBOK: a guide to the project management body of knowledge. 6. ed.
Project Management Institute, 2017.
9
Tópicos especiais para o professor

Um mundo que caminha para a plena digitalização da sociedade, nesses tempos de hi-
perconexão de tudo e entre todos, não é, por isso, um mundo sem desafios. De fato, há quem
pense que hoje se vivem os tempos mais complexos de toda a história da humanidade, nesse
choque de alta tecnologia, de um lado, e baixa cultura, de outro. A complexidade proveniente
da combinação de toda ambiguidade, incerteza e volatilidade presentes na vida das pessoas
traz, contudo, novas oportunidades de atuação para o professor do século XXI. Sua carreira
pode ganhar direções talvez nunca antes cogitadas, sendo algumas possibilidades exploradas
nesses tópicos especiais, que examinam a internacionalização da carreira docente, a função que
se pode exercer junto a um ecossistema de inovação e também o papel político do educador.

9.1 A carreira internacional do professor


A classe dos professores é somente mais uma a perceber as inequívocas consequências
da globalização que vem tomando o mercado de trabalho. Se, por um lado, as oportunidades de
posição de alto nível parecem proliferar em quantidade e qualidade, o fato é que os empregos
se tornaram muito mais exigentes e instáveis. Como consequência do aumento de competitivi-
dade, o cenário geral é de que profissionais de todas as áreas são demandados continuamente
a adquirir conhecimentos e competências diferenciados, para que possam ter oportunidade
de acessar ou manter os melhores empregos. Tal fenômeno é bastante característico da época
atual, marcada pela transição não tão suave entre a terceira e quarta revoluções industriais.
No topo desse movimento dos profissionais no instável mercado de trabalho, estão as assim
chamadas carreiras transnacionais: elas descrevem as pessoas que procuram estar preparadas
tanto para um trabalho local quanto para um que exija mobilidade total em nível internacional
(POHLMANN & VALARINI, 2013; SCHWAB, 2016).
O professor também está sujeito às possibilidades e exigências de um cenário transna-
cional. Obviamente, as características da função docente trazem à tona algumas peculiaridades
a esse respeito. Para os educadores, a probabilidade de conseguir internacionalizar a carreira se
torna mais forte em nível stricto sensu (Mestrado e Doutorado). Um fenômeno interessante é
que esse movimento é visto com bons olhos por parte das instituições de ensino: afinal, à medi-
da em que os professores conseguem alçar atividades de cunho internacional, além de evidente
melhoria na competitividade desses profissionais, seus contratantes (as escolas) passam a usu-
fruir de melhor reputação no mercado educacional. Essas instituições passam a ostentar que
possuem em seu quadro professores de quilate global – o que, admita-se, não é um marketing
efêmero, mas um diferencial realmente importante no que diz respeito à qualidade dos cursos
e atividades oferecidos (POHLMANN & VALARINI, 2013; ARENDS, 2014).
122 Novos caminhos para os profissionais da educação

Cumpre observar que viajar para o exterior, seja por estudos ou demais experiências aca-
dêmicas, embora seja a iniciativa mais óbvia, não é a única forma de proporcionar competências
internacionais a um educador. Pode-se afirmar que existem níveis de intensidade de internacio-
nalização. Por exemplo, quando o professor participa de um curso pela internet que é ministrado
por um profissional ou instituição estrangeira, ele já alcançou um pequeno grau de internaciona-
lização, mesmo sem nunca ter saído do país. Outro aspecto que não pode ser ignorado: é bastante
corriqueiro que os cursos de pós-graduação das instituições de alto nível do Brasil apresentem uma
proposta de estudo baseada em negócios internacionais e temas globais – portanto, o professor que
pesquisa e leciona nesses campos também se ocupa de atividades de âmbito internacional, inde-
pendentemente do deslocamento físico para fora do país.
Na perspectiva global, a conexão permanente entre os países é sustentada pelo comércio
internacional de produtos e serviços. Esse intercâmbio contínuo envolve, naturalmente, preparo
para o tratamento de novas necessidades, não apenas de demandas do mercado, mas também de
aspectos culturais que podem ser determinantes para viabilizar ou não um negócio. A globalização
exige das empresas novos posicionamentos, embora o fenômeno não se restrinja unicamente a esse
aspecto. Devido ao avanço e ao uso frequente das tecnologias digitais, ocorre que as organizações
de grande porte perderam a exclusividade da qual usufruíam de serem potencialmente globais:
os tempos atuais oferecem as “born global”, companhias ou startups de base tecnológica, que já ini-
ciam suas operações em diversos países. Por sinal, muitas dessas empresas digitais têm seu modelo
de negócio pautado em oferecer soluções para a indústria da educação (desenvolvedores de apps
educacionais, por exemplo) – não raro, professores e outros profissionais da área da educação tra-
balham nessas organizações. Às vezes, são seus próprios fundadores (POHLMANN & VALARINI,
2013; SCHWAB, 2016).
Esse, entre outros exemplos, revela como as carreiras profissionais são diretamente afetadas
pela atual dinâmica tecnológica e econômica. As trocas de valor se dão em um mercado sem fron-
teiras, resultando em mais oportunidades de crescimento profissional. A engrenagem é movimen-
tada pelo desenvolvimento de novos conhecimentos, novas competências e experiências diversifi-
cadas vivenciadas nas organizações internacionalizadas – isso agrega valor às profissões do pessoal
envolvido e mantém, em última análise, o mercado ativo.
Por isso, o conceito de uma carreira sem fronteiras é uma consequência da vida na era glo-
balizada. Trata-se de percorrer uma trilha profissional do mais alto nível, o que exige, em con-
trapartida, desenvolver habilidades diferenciadas. Nesse novo horizonte de carreira profissional,
não se fica mais limitado ao atendimento de uma única organização: as jornadas exclusivas, com
dedicação integral a determinada empresa, passam a ser substituídas por trabalhos diversificados,
conformando múltiplas ocupações profissionais simultaneamente. Não é incomum que um profes-
sor de nível superior se converta também em um consultor empresarial, em um palestrante, em um
autor de livros, em um instrutor corporativo, em um divulgador científico e em um empreendedor
do próprio negócio – tudo ao mesmo tempo. As empresas tornam-se simpáticas a essa ideia, prin-
cipalmente pela possibilidade de transferência de tecnologia e compartilhamento de profissionais
Tópicos especiais para o professor 123

entre as empresas. Mas, ao mesmo tempo, muitas organizações ainda ficam receosas, e com razão,
a respeito de questões sensíveis, como a do segredo industrial do negócio.
Dado o impacto das multinacionais no mercado de trabalho (desde as tradicionais grandes
corporações até as enxutas startups de sucesso), a carreira profissional de nível superior deixou-se
ficar restrita somente às possibilidades de atuação no país natal de uma pessoa. Por outro lado,
o profissional precisa ficar ciente que sua relação de trabalho também não se rege mais majori-
tariamente pelas normas e valores nacionais, havendo a necessidade de se estar receptivo a no-
vas condições até então alheias a sua realidade conhecida (GUNZ et al., 2000; POHLMANN;
VALARINI, 2013).
Antigamente, diante de uma irrecusável oferta melhor de trabalho, muitos profissionais
aceitavam mudar de cidade ou de região no país. Atualmente, isso se expande além das fronteiras
nacionais, desencadeando, assim, o fortalecimento das carreiras transnacionais. Uma das atuais
possibilidades é que um indivíduo empregado em uma única organização, que seja uma multina-
cional com operações em diversos países (ou fornecedor de uma multinacional dessas), tenha sua
rotina de trabalho totalmente internacionalizada: ele pode ser demandado a percorrer o mundo
para cumprir suas atribuições (por exemplo, treinar pessoal e auditar instalações das várias uni-
dades da empresa). A grande novidade, contudo, é a introdução do novo paradigma de “trabalho
aberto”: o contrato do trabalhador pode não ser de servir uma única empresa, mas um consórcio
de organizações, com prestação de serviço especializado que atenda essa coletividade em paralelo.
Muitas vezes, em indústrias de alta tecnologia, tais consórcios envolvem empresas provenientes
de diferentes países – com isso, crescem as chances do profissional contratado nessa modalidade
laboral alternativa ter trânsito internacional para o exercício de suas funções. Evidentemente, uma
restrição que se aplica é a legislação trabalhista dos países envolvidos, e infelizmente o Brasil ain-
da é um dos países resistentes a essas configurações inovadoras de trabalho (GUNZ et al., 2000;
POHLMANN; VALARINI, 2013).
Ainda que isso não seja uma garantia pétrea de longevidade da carreira profissional em uma
empresa, é fato que dispor de um histórico de trabalhos desenvolvidos no exterior costuma ser algo
muito bem recebido nos processos de recrutamento e seleção. Além do mais, nos dias de hoje, as car-
reiras conduzidas junto a um único contratante são absolutamente raras. De todo modo, é observado
que os indivíduos que alcançaram as mais altas posições ainda são aqueles que vivenciaram mais
tempo de empresa do que os que ostentam uma série de experiências internacionais no currículo.
Não obstante, todo profissional precisa considerar essa possibilidade estratégica: a depender das cir-
cunstâncias, uma bagagem internacional pode influenciar significativamente o desenvolvimento da
carreira. Via de regra, os processos de recrutamento e seleção costumam exigir determinados cursos
acadêmicos – isso é um indicativo de que algumas posições só são preenchidas por perfis profissio-
nais bastante específicos (POHLMANN; VALARINI, 2013; ARENDS, 2014).
Na prática, é comum observar que o currículo de altos executivos de grandes empresas (en-
tre elas, renomadas instituições de ensino) é enriquecido por vivências internacionais. Nos dias
atuais, dificilmente se identificam vice-presidentes e diretores executivos de grandes companhias
que não tenham ao menos um curso de curta duração no exterior. A conclusão é que a experiência
124 Novos caminhos para os profissionais da educação

internacional, por mais breve que seja, é reconhecida com distinção no momento de preencher
vagas estratégicas – seja por contratação ou até mesmo para promoção interna.
Com efeito, em justa análise de uma determinada experiência internacional, não são conta-
bilizados apenas os sucessos do indivíduo – seus fracassos e obstáculos encontrados também con-
tam muito. A explicação é que a perspectiva da globalização tem a oferecer novos padrões e valores,
o que é bastante interessante para as modernas organizações. Do ponto de vista sociológico, a ma-
turidade profissional é forjada tanto nos bons quanto nos maus momentos da vida de uma pessoa.
Em suma, a globalização acena para uma maior diversidade de opções na carreira profissio-
nal. Isso, evidentemente, tem seu custo: os profissionais precisam transparecer permanentemente
ao mercado de trabalho a mais alta qualificação, o que se traduz, na prática, em consideráveis
investimentos para proficiência em outros idiomas, acúmulo de experiências fora do país e conhe-
cimento adquirido em ambiente internacional. São pessoas que pagam um alto preço por seu nível
de competitividade profissional e que, naturalmente, não se darão por satisfeitos com trabalhos
e remunerações medianos. Observa-se que a mobilidade de pessoal com alta qualificação sofreu
um salto drástico nos anos mais recentes. E as próximas décadas devem ser de similar intensidade
nesse aspecto. Resulta daí que a transposição das fronteiras nacionais no mercado de trabalho dá
origem ao que pode ser denominado “elite transnacional”, isto é, indivíduos de alta cultura, com
forte empregabilidade e elevada capacidade de se adaptar a mudanças – perfis bastante requisita-
dos por organizações internacionais.
O profissional mais estrategista sabe que não pode depender unicamente de investimentos
de seu empregador para aprimoramento na carreira. Muitos planejam, como iniciativa de desen-
volvimento de carreira, encontrar oportunidades internacionais e investir nelas por conta própria.
Por mais modesta que seja uma oportunidade dessa natureza, o autofinanciamento de viagens e
de estadias internacionais costuma ser, sem dúvida, algo caro e inacessível para a maior parte das
pessoas – especialmente professores brasileiros (POHLMANN; VALARINI, 2013).
Dependendo das circunstâncias, contudo, a estratégia de tornar-se transnacional pode exi-
gir muito mais que uma simples experiência de treinamento no exterior: às vezes, é indispensável
que se viva como um nativo em outro país. Isso proporciona aprender muito mais do que conhe-
cimento técnico especializado: trata-se de uma prova profundamente transformadora. Qualquer
pessoa que tenha vivido algum tempo no exterior sempre relata que volta com outra visão de si e
do mundo. Então, principalmente no caso de profissionais que estejam interessados em aprimorar
a competência em liderança e relacionamento interpessoal, esse tipo de empreitada sempre é um
investimento que dá retorno, mesmo que não financeiro ou imediato.
Já há algum tempo se alardeia o problema que algumas nações (incluindo o Brasil) sofrem
com a disputa por postos de trabalho que a competitividade global proporciona. O termo normal-
mente utilizado é “guerra de cérebros”, para representar o cenário resultante dessa concorrência
global inflamada sobretudo pelas novas tecnologias. Organizações em qualquer parte do mundo
disputam, com ferocidade, talentos humanos que se encontram virtualmente em qualquer parte do
mundo – isso tanto nas modalidades de trabalho presencial como não presencial (ambiente virtual
Tópicos especiais para o professor 125

de trabalho ou atividade a distância). Mas, mais recentemente, outro fenômeno surge à sombra da
guerra de cérebros: é a “circulação de cérebros”. O termo é usado para explicar que muitas regiões
do mundo que se notabilizaram por “drenar” os melhores recursos humanos do planeta, como é
o caso do quase mítico Vale do Silício, nos EUA, observam um movimento até certo ponto sur-
preendente: nem sempre a migração é definitiva (ou seja, com a pessoa indo viver em outro país
para sempre). O que ocorre é que alguns desses migrantes, com perfil mais empreendedor, partem
para o estrangeiro visando investir em capacitação. Esses passam algum tempo (até mesmo alguns
anos) vivendo ali e, depois, retornam aos seus países de origem para fundar novos negócios e se-
mear novos ecossistemas de inovação, geralmente, na linha do empreendedorismo de alto impacto.
Nesse contexto internacional da profissionalização dos indivíduos, não apenas esses dispu-
tam posições no mercado, mas também as empresas se preocupam em reter seus melhores talentos.
Portanto, a política de retenção de talentos das empresas ganha mais importância (SAXENIAN,
2007; ORTEGA, 2013; POHLMANN; VALARINI, 2013).
Analisando o universo acadêmico, a carreira docente é conhecida por sua indelével
característica de treinamentos contínuos e progressivo desenvolvimento profissional e pessoal.
Mas chama a atenção o fato de que educadores são formados não somente por suas trajetórias
acadêmicas, mas também pelo conjunto de crenças, idiossincrasias e história de vida que se
acumulam. Tais experiências acumuladas como que “imprimem sua marca” no trabalho realizado.
Essa integração de competências pessoais e profissionais se estende pelas quatro frentes de atuação
docente (ensino, pesquisa, gestão e extensão). Consequentemente, as experiências internacionais
podem levar os profissionais da educação ao caminho da excelência docente (WILKERSON, 1999;
GONÇALVES, 2009; ARENDS, 2014).
É preciso reconhecer que o próprio processo de internacionalização das escolas depende
substancialmente da vivência estrangeira de seus educadores. A análise histórica permite cons-
tatar que esse movimento é um tanto quanto recente: só a partir dos anos 1990 que o currículo
internacional dos professores passou a ser aspecto fundamental para a estratégia das instituições
de ensino, pautada em um mais aprofundado relacionamento institucional e em projetos de mútua
colaboração entre universidades de vários países (BARTELL, 2003; GONÇALVES, 2009).
Em suma, segundo Bartell (2003), a internacionalização da educação resulta da globaliza-
ção, da regionalização das sociedades e do comércio internacional. Em uma análise mais ampla,
o grau de internacionalização pode ser mensurado, por exemplo, pela presença de estrangeiros
(alunos e professores), celebração de acordos entre universidades, projetos cooperativos de pes-
quisa internacional, associações internacionais entre instituições de ensino e grupos empresariais,
universidades privadas que declaram abertamente o propósito institucional internacional, colabo-
ração entre conselhos e universidades e o grau de imersão em currículo internacional.
Na prática, internacionalizar as universidades não é simples artimanha publicitária para
atrair alunos de alto padrão, mas uma necessidade estratégica – até mesmo para que as nações
progridam. Há uma interdependência entre educadores e instituições de ensino que se lançam
à progressão internacional, sustentada em alguns níveis. O primeiro deles (patamar mínimo) é a
126 Novos caminhos para os profissionais da educação

transformação dos currículos, para melhor compatibilizá-los à realidade internacional. Na sequên-


cia, segue-se com a formação no exterior. O terceiro nível envolve a prática da docência além das
fronteiras nacionais, como lecionar e proferir cursos e palestras no exterior. Ao fim, o mais alto
nível é efetivamente a produção científica internacional, atestada pelas publicações de artigos em
periódicos científicos de alto impacto (MOROSINI, 2006; GRIPP; TESTI, 2012).

9.2 O papel do professor nos ecossistemas de inovação


A inovação é o motor da economia mundial. De fato, o capitalismo só pode ser entendido
como um processo evolutivo de inovação contínua e de destruição criativa. Essa última expressão
tornou-se famosa nos estudos sobre inovação econômica e ciclo econômico, servindo para des-
crever o processo de mutação industrial constante, uma força que revoluciona incessantemente a
estrutura econômica por dentro, destruindo continuamente a forma antiga e criando uma nova.
Como resultado, economias renovadas são mantidas com novo sangue injetado na forma de novas
tecnologias inovadoras e novos negócios. De fato, prosperidade é algo que se cria, não que se herda
(SCHUMPETER, 1942; PORTER, 1990).
Esse poder de criar e ao mesmo tempo destruir é característico da inovação. Afinal, tão
inovadora quanto uma organização que oferece uma nova proposta de valor é deixar de ofe-
recer aquilo que a concorrência insiste em manter no portfólio. Por exemplo, há tempos, não
poderia sequer ser cogitado que uma escola funcionasse sem salas de aula – aí aparece a moda-
lidade de EaD para quebrar as “regras” artificialmente assumidas pelos mercados tradicionais.
Normalmente, tomar esse tipo de decisão ousada de parar de oferecer o que todos os competi-
dores do setor ofertam se traduz em importante corte de custos – o que proporciona condições
financeiras para investir em novas proposições de valor. Por isso, organizações inovadoras não
são aquelas que acumulam novos lançamentos, aumentando o portfólio indefinidamente, mas
sim as que têm a capacidade de sempre substituir produtos e serviços por opções mais interes-
santes ao cliente (KIM; MAUBORGNE, 2015).
É importante observar que o próprio processo de produzir as inovações foi inovado!
Tradicionalmente, as empresas sempre dependeram de seus próprios esforços de pesquisa e desen-
volvimento para poder ofertar algo novo no mercado. Contudo, em um movimento que remonta
há poucas décadas, o paradigma que vem imperando é o da inovação aberta: através de parcerias
e atuação em rede, as empresas buscam oportunidades mais viáveis para inovar, ao mesmo tempo
em que oferecem apoio para que seus parceiros também inovem. Trabalha-se, no cenário atual, em
uma rede de relacionamentos denominada ecossistema de inovação.
Ecossistema de inovação é um tipo específico de ecossistema de negócios. De maneira ge-
ral, o conceito de ecossistema de negócios é simples: é uma grande estrutura de relacionamentos,
envolvendo uma determinada empresa e todos os seus clientes e fornecedores, bem como demais
parceiros (por exemplo, distribuidores), em que fundamentalmente se estabelece um ciclo virtuo-
so de geração e agregação de valor. A expressão “ecossistema” é retirada do jargão da Biologia e
usada aqui como metáfora, pois o ambiente de negócios pode ser comparado ao mundo natural,
em que organismos (empreendimentos), a despeito, muitas vezes, de suas diferenças e conflitos de
Tópicos especiais para o professor 127

interesse, precisam coexistir e mesmo coevoluir, seja para sua sobrevivência, seja para seu desen-
volvimento de longo termo.
À luz dos aspectos de interdependência e cooperação que lhe são determinantes, a expressão
“ecossistema de negócios” vem sendo desdobrada, com toda legitimidade, em outras situações e con-
textos, entre os quais se destaca a função de ecossistema de inovação. Nesse caso, a rede envolvida
tende a um cenário bem mais amplo e com relações mais complexas, incluindo, entre outros, atores
como concorrentes, institutos tecnológicos, startups1, investidores, mentores, aceleradoras, incuba-
doras – e, de forma indispensável, instituições acadêmicas (MOORE, 1997; ENKEL et al., 2009).
Se, por um lado, é na empresa que a tecnologia aplicada é integrada para se tornar uma
inovação, por outro, é na academia que a ciência e a tecnologia de base são produzidas. Por assim
dizer, a academia é um importante fornecedor da indústria – fornece, mais precisamente, conheci-
mento essencial para que a empresa administre os negócios atuais e crie novas frentes de negócio.
É por essa perspectiva de participação das instituições de ensino e pesquisa no ecossistema de ino-
vação, envolvidas com as empresas (os principais realizadores de inovação) e demais participantes
do ecossistema, que se analisa o papel do professor nesse cenário. Sua atuação pode se dar nas mais
variadas formas, desde as mais ligadas à estrita atividade de ensino até as iniciativas empreendedo-
ras do próprio docente (ENKEL et al., 2009; WANG; LIU, 2016).
Considerando níveis a partir da graduação, os professores podem lecionar disciplinas
e cursos voltados à gestão da inovação. Embora o conjunto de conhecimentos mais específicos
do empreendedorismo encontrem maior respaldo em cursos na área da Administração e afins, a
inovação ecoa de forma transdisciplinar em praticamente todos os domínios do conhecimento.
Qualquer estudante de Engenharia, Medicina, Arquitetura, Direito, entre tantos outros ramos de
especialização, deveria receber inspiração de seus professores para que as disciplinas específicas
estudadas possam lhe fornecer subsídios de conhecimento para criar novos produtos, processos e
serviços – os alunos não deveriam ser formados com um conhecimento restrito à aplicação daquilo
que já existe, mas principalmente do que precisa ser criado.
Ocorre que uma das críticas que a comunidade dos inovadores faz ao sistema educacional é
que o ensino da inovação se dá muito tarde – normalmente, apenas na graduação e, ainda assim,
de forma muito tênue. Quem busca uma melhor capacitação como profissional inovador preci-
sa, frequentemente, optar por cursos de pós-graduação especialmente voltados à essa temática.
Por isso, é preciso que estratégias de negócios, inovação e empreendedorismo sejam temas tra-
balhados desde tenra idade. Um entendimento apropriado da inovação permite concordar com a
ideia de que a sensibilização para esse tipo de competência pode ser alvo até mesmo de atividades
na pré-escola. Afinal, inovação tecnológica é apenas uma das possibilidades de inovação: o maior
propósito da inovação é solucionar problemas que ainda não tenham sido resolvidos, ou que pre-
cisem de uma solução mais adequada e, portanto, mais barata, rápida, ambientalmente sustentável,
segura e socialmente responsável.

1 Novas empresas, normalmente de base tecnológica, que tem potencial de escalar (até mesmo exponencialmente)
a lucratividade caso seja assegurado o devido financiamento das operações.
128 Novos caminhos para os profissionais da educação

É evidente que nenhuma criança terá condições de criar, tal como um engenheiro um novo
dispositivo com tecnologias experimentais para brincar de inovação, mas a proposta que se faz é
que o foco não seja em validar soluções técnicas, mas sim explorar os problemas que ainda deman-
dam respostas satisfatórias e ideias para atendê-las. A inovação nasce com a criatividade – embora
não se limite a ela. Por isso, distinguem-se inovação e invenção – inventar é bem mais fácil: basta
fazer diferente. Contudo, fazer com que a proposta diferente seja aceita pelo mercado (ou seja,
validada comercialmente: encontrar pessoas que paguem / adotem / usem aquilo) é a verdadeira
inovação. Então, no ensino infantil, mesmo de modo lúdico, o professor tem muitas oportunidades
para fomentar essa competência. Pode ser trabalhado o exercício da criatividade, como as crianças
poderem dar sugestões que respondam a um dado desafio – pode-se até mesmo pensar em criar
protótipos com materiais como cartolina e materiais recicláveis. Pode ser proposto que uma das
crianças, representando o cliente ou o mercado, escolha a melhor solução apresentada e assim en-
tendam o real mecanismo da inovação.
Fazê-lo na infância mostra-se importante, até porque mesmo alguns adultos têm dificulda-
de de absorver esse entendimento: há profissionais, e até mesmo executivos, que, se interpelados a
posicionar uma função de inovação para sua empresa, automaticamente decretariam que isso seria
papel do departamento técnico, de Engenharia ou de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) – o que é
equivocado. Outros talvez localizem a inovação na área de Recursos Humanos, já que isso diz res-
peito à inventividade, criatividade e talento de pessoas – outro erro. Tampouco cabe enclausurar a
inovação na área de Marketing – é certo que é nessa área que se desenvolve as tendências de mercado,
identificam-se clientes e suas necessidades, mas não sem o trabalho conjunto com P&D, com a área
de Recursos Humanos e, ainda, com amplo suporte da estrutura financeira, jurídica, industrial etc.,
para que a inovação possa ser efetivamente criada e entregue. Em suma, à semelhança do que ocorre
no ambiente acadêmico, a inovação na indústria é um processo transdisciplinar, permeando todos os
departamentos das organizações, atingindo mesmo sua estrutura. Se alinhado às práticas da inovação
aberta, ultrapassa as fronteiras organizacionais na forma de trabalho conjunto também com parceiros
externos (ENKEL et al., 2009; KIM; MAUBORGNE, 2015; WANG; LIU, 2016).
O professor tem a grande responsabilidade de influenciar a formação de jovens que irão,
futuramente, trabalhar como funcionários, executivos ou até mesmo empreendedores nas empre-
sas. O fomento da mentalidade empreendedora e da valorização de atuação em um ecossistema de
inovação é um trabalho contínuo. Numa perspectiva social, uma economia mais inovadora sempre
proporciona melhor condição de vida para a população, e esse tipo de trabalho encontra as bases
mais consistentes não apenas em políticas públicas, tais como incentivos fiscais e afins para que
as empresas se animem a serem mais inovadoras, mas também na conscientização dos indivíduos
– algo muito oportuno de ser praticado o mais cedo possível, enquanto as pessoas estão nos seus
bancos escolares (ENKEL et al., 2009; WANG; LIU, 2016).
Para responder à crítica de que o sistema educacional produz mais empregados do que em-
preendedores, as instituições de ensino precisam elevar a inovação a um valor pedagógico a ser
desenvolvido. Quem está na “linha de frente”, podendo agir em nome das escolas junto ao público
matriculado, é o professor. Obviamente, trabalhar o tema do empreendedorismo inovador não
Tópicos especiais para o professor 129

pode implicar em vender ilusões que todo estudante deva incondicionalmente abrir seu próprio
negócio – dos variados perfis de alunos, há neles uma diversidade de vocações, competências e
condições financeiras para fazê-lo ou não. Mas algo que deveria ser universalmente trabalhado
– e que, por sinal, é quase desconhecido por completo no Brasil – é o chamado intraempreen-
dedorismo: entre ser funcionário ou ser empreendedor, há uma terceira alternativa, que é o do
“funcionário empreendedor”. O intraempreendedor é o funcionário com visão empreendedora –
embora trabalhe para uma empresa, e sua maior responsabilidade seja compactuar com aquela
missão e visão organizacional, ele consegue articular, junto ao seu empregador, formas (mais sutis
ou mais generosas) pelas quais aquela empresa apoie a estruturação de seu negócio particular, da
sua ideia pessoal de como resolver determinado problema do mundo, negociando, para isso, possí-
vel participação societária futura ou outro tipo de composição em troca desse apoio (GAIKWAD;
SUBBARAMAN, 2016; WANG; LIU, 2016).
Outras possibilidades de engajamento do professor no ecossistema de inovação em que se
está inserido são a orientação de estágios dos alunos em empresas que ofereçam atividades voltadas
à inovação, articulação com empresas para que essas comuniquem seus interesses de apoio acadê-
mico a fim de os alunos das instituições de ensino produzirem seus trabalhos de conclusão de cur-
so, monografias, dissertações e teses em temas alinhados aos interesses industriais, negociação de
recursos e subsídios das empresas para os trabalhos de seus grupos de pesquisa em troca de prio-
rização de determinados temas para serem explorados científica e tecnologicamente, organização
de excursões e visitas técnicas dos alunos para conhecer os centros de pesquisa, desenvolvimento e
inovação das organizações que integram o ecossistema de inovação, entre outros.
Finalmente, considerando que a escolha da carreira docente não implica em um voto de
“castidade empreendedora”, o professor pode aproveitar todo o seu envolvimento com os diferen-
tes agentes do ecossistema de inovação para começar a planejar seu próprio negócio pautado em
empreendedorismo de alto impacto. Caso tenha sucesso nesse tipo de empreendimento próprio,
serão as circunstâncias que levarão o docente a acumular e integrar trabalhos (como professor e
empreendedor), ou eventualmente até abrir mão de sua trajetória de educador para se lançar exclu-
sivamente à vivência profissional em novos desafios, conforme o momento, a vocação e a satisfação
própria sinalizarem (WANG; LIU, 2016).

9.3 O professor como agente político


Na época em que uma universidade federal ameaça expulsar alunos que não participarem
de uma oficina de ideologia de gênero2, justificando “estrito cumprimento do regimento”, em que
estudantes de outra instituição de ensino federal são cooptados a participar de acampamento de
militantes pela libertação de ex-presidente preso após processo de investigação e condenação por
corrupção, como parte de uma disciplina obrigatória do curso que realizam3 e de professor que

2 Ver: <http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/justica-proibe-universidade-de-expulsar-calouros-por-nao-
-participarem-de-oficinas-comgenero-emovimento-lgbt-0z8eohew77l0n5bs7pgbkhel1>. Acesso em: 21 abr. 2018.
3 Ver: <http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/visita-a-acampamento-pro-lula-garante-horas-complementa-
res-na-ufpr-cvugdwzixf7a27hewtny8v008>. Acesso em: 13 maio 2018.
130 Novos caminhos para os profissionais da educação

expulsa aluno de sala de aula por choque ideológico4, cumpre refletir acerca do poder de agência
política dos educadores.
Será que é aceitável o proselitismo ideológico em sala de aula? Sob o pretexto de despertar
a consciência crítica dos estudantes, formar cidadãos, promover a justiça social ou qualquer outro
nobre propósito evocado, teria o professor o direito de aproveitar o momento do aprendizado, que
envolve a audiência massiva e não exatamente voluntária da turma, para coagir os estudantes em
direção a uma determinada corrente ou agenda política ou ideológica?
A resposta a essa indagação reside antes na legalidade do que na mera opinião de quem
quer que seja consultado a esse respeito. No Brasil, o fato é que a Constituição Federal vigente,
em seu artigo 2065, determina que o ensino seja ministrado com base em certos princípios – um
deles é o da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
A interpretação inequívoca, portanto, é que existe a liberdade de ensinar dos professores (a assim
chamada liberdade de cátedra ou liberdade acadêmica), contudo, coexiste a liberdade de aprender
dos estudantes.
Então é indiscutível que limites se aplicam nessa relação entre professor e aluno. Há que se
compreender o direito do aluno de que a sua percepção da realidade não seja manipulada por dolo
ou má-fé de seus professores. Ou seja, o direito de aprender precisa se harmonizar com o direito do
aluno de não ser doutrinado por seus mestres.
Legalmente, reflete-se no campo da educação a liberdade de consciência – a principal li-
berdade assegurada pela Constituição Federal. Com efeito, a liberdade de consciência é absoluta:
as pessoas são inteiramente livres para ter e apresentar suas convicções e opiniões a respeito do
que quer que seja, desde que esteja de acordo com os direitos humanos. Assim, não se pode obri-
gar um cidadão, de forma direta ou não, a acreditar ou deixar de acreditar em algo. É verdade que
o Estado, com o poder suprapessoal que tão bem o caracteriza, pode obrigar qualquer um a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa – mas mesmo o Estado não pode pretender invadir a consciência
do indivíduo a ponto de conseguir forçá-lo ou induzi-lo a uma linha de pensamento – panorama
típico de regimes totalitários, como Coreia do Norte e Cuba. Contudo, independentemente das
convicções (religiosas e políticas) pessoais do professor, ele deve sempre ir além de si mesmo,
seja ele de “direita” ou de “esquerda”, e contribuir, segundo os parâmetros legais, para a formação
plena de seus alunos.
Mesmo o ensino sendo obrigatório, o professor não pode se traduzir em nulidade e restrição
da liberdade de consciência do indivíduo: de outro modo, haveria flagrante inconstitucionalidade.
Na harmonização de direitos e deveres, o fato de um aluno ser obrigado a frequentar aulas de um
professor alocado pela instituição de ensino não permite, em hipótese alguma, que o educador se
aproveite da função para exercício da militância (explícita ou não), principalmente com vistas à
cooptação política-ideológica.

4 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=_y3i2_Wpuz8>. Acesso em: 13 maio 2018.


5 Ver: <http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_atual/art_206_.asp>. Acesso em: 13 maio 2018.
Tópicos especiais para o professor 131

A fundamentação constitucional mencionada oferece o respaldo para se conceber, já em


esfera jurídica, práticas em sala de aula de doutrinação de natureza política e ideológica expressas
em forma de abuso da liberdade que o professor tem para ensinar, em claro desfavorecimento da
liberdade de aprender do aluno.
É bastante evidente que abusar da liberdade de ensinar traz graves impactos na liberdade po-
lítica dos estudantes. Isso é de demonstração trivial: uma vez que o propósito maior da doutrinação
é induzir a vítima para determinada inclinação política e ideológica, esse resultado é alcançado por
meio da sistemática desqualificação de todas as correntes políticas e ideológicas que se conheçam
– exceto uma: justamente aquela pela qual o professor nutre simpatia. É, pois, uma estratégia não
de se promover a própria visão de mundo, mas primordialmente desconstruir as demais, para que
a alternativa restante seja interpretada com toda naturalidade como o único caminho correto a
tomar (NAGIB, 2013; SANTOS, 2017).
Fenômeno que sempre varreu o mundo e parece ter chegado atrasado ao Brasil, a polari-
zação política que divide a sociedade é criticada quanto aos perigos a ela associados. Não discutir
política alguma parece muito menos inteligente que discutir o contraste de todas as políticas. Mas
substituir o exame racional, por exemplo, a respeito de maior ou menor presença do Estado por
uma defesa intransigente e apaixonada (portanto, cega e irracional) de uma ideologia ou outra
é muito mais grave – beirando a criminalidade, se isso se dá em sala de aula. Não é sensato que
estudantes sejam manipulados para fazer determinadas escolhas, se essas beneficiem, diretamente
ou não, movimentos, organizações, partidos e candidatos de escancarada militância do professor
(Nagib, 2013).
Não é exagero alertar sobre o caráter criminoso dessa prática. Sobretudo nos graus mais
básicos do sistema educacional, há ainda outro agravante: alunos manipulados e explorados
politicamente por seus professores configuram prática ofensiva ao artigo 5º do Estatuto da
Criança e do Adolescente, para o qual “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qual-
quer forma de exploração”6.
É importante observar que um professor doutrinador não se vale de força ou violência físi-
ca ao constranger seus alunos. Em uma abordagem gramsciana7, por exemplo, a revolução é pela
cultura, paulatinamente, não pelas armas, imediatamente. Contudo, quando o educador execra
determinadas linhas políticas e ideológicas diante da turma, abre espaço para o surgimento de
uma forma muito menos sutil de constrangimento: o bullying político e ideológico que passa a ser
praticado pelos alunos contra seus próprios colegas. Em determinados ambientes, um estudante
que assume de forma pública uma militância ou postura contrária à corrente dominante fica sujei-
to ao isolamento, às agressões verbais e até mesmo físicas por parte de seus colegas de escola. Isso
se explica pelo ambiente de sectarismo agudo que se produz com a doutrinação (NAGIB, 2013;
SANTOS, 2017).

6 Ver: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 maio 2018.


7 Antonio Gramsci (1891-1937) foi um filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Seus trabalhos
foram sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística. Ele foi membro-fundador e secretário-geral do Partido
Comunista da Itália. Gramsci é reconhecido primordialmente por sua teoria da hegemonia cultural que descreve como o
Estado usa as instituições culturais para preservar o poder.
132 Novos caminhos para os profissionais da educação

É perfeitamente possível que um professor seja um agente político ou que estimule a cons-
cientização política de seus alunos, sem promover doutrinação. Discute-se aqui a estratégia de
persuasão: a educação pressupõe que as pessoas precisam ser convencidas, não manipuladas.
Entenda-se como docente doutrinador aquele que aproveita suas aulas visando transformar seus
alunos em meras réplicas ideológicas de si.
Entende-se, ainda, que a prática deliberada da doutrinação ideológica representa dano ao
próprio regime democrático: afinal, ela assim instrumentaliza o sistema público de ensino, contri-
buindo para desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores (NAGIB, 2013).
A boa agência política do professor favorece, por outro lado, um quadro de menos alienação
política junto a seus estudantes. Uma das medidas que pode ser tomada é que o professor informe
aos seus alunos sobre o direito que eles têm de não serem doutrinados nem por ele nem por seus
demais colegas professores – isso se traduz, ademais, em exercício do princípio constitucional da
cidadania, ao permitir que uma pessoa conheça seus próprios direitos (NAGIB, 2013).
O movimento Escola sem Partido8, iniciativa surgida no Brasil para o enfrentamento do
problema da doutrinação na escola, defende um conjunto de cinco preceitos a serem trabalhados
nas instituições de ensino, sugerindo que sua comunicação se dê por simples fixação de cartazes
em locais onde possam ser vistos tanto por estudantes quanto por professores (salas de aula, salas
dos professores, áreas comuns etc.):
1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade
dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem
adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções polí-
ticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus
alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos
alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade – as principais versões,
teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil,
capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que
tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.
Cabe ao professor, ciente de suas responsabilidades, refletir sobre esses preceitos e avaliar a
sua prática docente. O objetivo deste texto não é impor, obviamente, uma ideia, mas lançar essa
questão para que ela seja analisada e discutida. Afinal, não há verdades absolutas e é preciso um
cuidado ainda maior quando se trata de educação.

8 Ver: <www.escolasempartido.org>. Acesso em: 13 maio 2018.


Tópicos especiais para o professor 133

Considerações finais
Atualmente, a fórmula do sucesso para ser um professor de classe mundial talvez seja ainda
algo em constante proposição e experimentação, dada a complexidade dos fatores de influência
na carreira do docente. Contudo, uma fórmula do fracasso parece ser bastante irrefutável: basta
que, simultaneamente, o professor não tenha qualquer pretensão de internacionalizar a carreira,
despreze o apelo à inovação e seja um total ignorante no campo político. Se um dia o nível de auto-
mação pelas “máquinas inteligentes” chegar à categoria da docência (hipótese que se torna menos
fantasiosa a cada dia que passa), não restam dúvidas que será esse o perfil dos educadores mais
descartáveis no mercado de trabalho.

Atividades
1. Explique o fenômeno da “circulação de cérebros”.

2. Discorra sobre a importância de o professor estimular seus alunos para a inovação em sua
atividade pedagógica.

3. O que justifica a participação das instituições acadêmicas em um ecossistema de inovação?

4. Explane sobre a questão da militância política como recurso de doutrinação em sala de aula.

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10
A excelência docente

Diferente de muitas profissões, o professor costuma ser mais valorizado à medida que
avança em sua senioridade. Em um mercado de trabalho no qual, geralmente, as oportunidades
vão se esvaindo conforme a pessoa vai ficando mais velha, no caso da docência, a tendência é a
oposta. Essa valorização não está atrelada à idade em si, mas sim à excelência de determinadas
aptidões que costumam ser alcançada com a experiência acumulada ao longo das décadas de
atuação no campo da educação. Por isso, desde cedo, é importante que os educadores tenham
em mente ao menos três aspectos que serão decisivos para seu reconhecimento profissional ao
ficarem mais velhos: a leitura, a escrita e a oratória – competências que são exigidas já no mo-
mento presente, mas que podem se tornar diferenciais cruciais, porque são aprimoradas pelos
anos de trabalho à frente.

10.1 Leitura crítica


Habilidade totalmente indispensável à vida social de qualquer indivíduo, a leitura
se torna uma obrigação mais que óbvia ao professor, profissional caracterizado por uma
necessidade de ler provavelmente muito maior do que qualquer outra pessoa1. Afinal, é
pela leitura que se entende o mundo e que os seres humanos melhor interagem uns com
os outros – seja isso no ambiente acadêmico, na comunicação na vida pessoal ou na pro-
fissional. A leitura dá forma à expressão do que alguém deseja comunicar, viabilizando a
transmissão e difusão do conhecimento.
A onda de digitalização hoje vivenciada (a chamada Quarta Revolução Industrial) acen-
tua ainda mais essa necessidade: se, antes, se lia muito mais pelo papel, agora isso ocorre pelos
meios eletrônicos. Independentemente do meio, a necessidade de ler e dominar a linguagem
escrita na sociedade é bastante sentida.
Na atualidade, as mais diversas situações exigem que as pessoas disponham de habi-
lidades suficientes em comunicação, capacidade de leitura e de interpretação, além de uma
boa desenvoltura para redação. Para a função docente, o desenvolvimento desse conjunto de
competências é indispensável – por isso, o professor precisa primeiramente reservar algum
momento para revisitar o processo de leitura. Normalmente, as pessoas apenas dão mais aten-
ção às técnicas envolvidas na leitura na época da alfabetização, quando crianças. Contudo, em
especial para os profissionais da educação, cabe explorar uma série de aspectos, como a leitura
informativa (ou de estudo) e a leitura crítica. Assim, o professor fica melhor capacitado a tran-
sitar pelos mais diversos gêneros textuais que costumam circular no âmbito acadêmico – além,

1 Seção escrita com base nos estudos de Hussein (1999) e Cavalcante Filho (2011).
136 Novos caminhos para os profissionais da educação

naturalmente, de reunir condições para orientar mais adequadamente seus próprios alunos a lerem
mais e melhor.
A leitura é, portanto, um processo denso. Seu conceito ultrapassa a mera decodificação de
símbolos escritos. Ressalte-se: a habilidade de ler não se resume a reconhecer e traduzir sílabas ou
palavras (os signos linguísticos da comunicação humana) em sons. De forma isolada, tal tarefa
chama-se decodificação, algo já razoavelmente automatizado nos dias atuais. Contudo, o intelecto
humano ainda é o único elemento capaz de atribuir toda a complexidade de significados àquilo que
é lido – algo ainda muito incipiente no campo da Inteligência Artificial.
Uma busca em dicionários permite identificar esse grau progressivamente mais profundo e
complexo da leitura. Das definições encontradas, temos o ato de decifrar signos gráficos que tra-
duzem a linguagem oral, a arte de ler. Também a ação de tomar conhecimento do conteúdo de um
texto escrito, para se distrair ou se informar. De forma mais avançada, uma maneira de compreen-
der, de interpretar um texto, uma mensagem ou um acontecimento. Finalmente, menciona-se o ato
de decifrar qualquer notação – incluindo o resultado desse ato.
Para além das definições dicionarizadas, propõe-se levar em consideração que ler não é um
jogo de decifrações do sentido de um texto: trata-se, em essência, da capacidade de atribuir ao
texto lido o devido significado. Isso denota conseguir relacioná-lo a todos os outros textos que sus-
tentem tal significado, reconhecendo no objeto lido as pretensões explícitas e veladas de seu autor.
Esse esforço é coroado pela decisão de, por critério do próprio leitor, entregar-se à mensagem dessa
leitura, aceitando-a como verdadeira, ou mesmo rebelar-se contra ela, apresentando a si mesmo as
contrarrazões de fazê-lo.
Em suma, a leitura pode ser entendida como uma atividade de interlocução entre o leitor
e o autor – pela mediação oferecida pelo texto. Por isso, há como se considerar alguma forma de
encontro com o autor, que obviamente está ausente fisicamente no ato da leitura, contudo mediado
pelas palavras escritas. É interessante observar que o sentido nasce do interesse do leitor: embora
quem escreva o texto seja o autor, quem lhe dá vida é o leitor.
A excelência na leitura vai muito além da capacidade de decodificar sequências de caracte-
res linearmente perfilados em textos. Afinal, quem lê de modo tão superficial assim é incapaz de
perceber teor de ironia nos escritos, bem como expressões de duplo sentido e mesmo “indiretas”
sugeridas pelo autor. Essa capacidade de associar o componente subliminar é que torna possível,
por exemplo, a existência de piadas e peças publicitárias.
Dessa forma, atingir uma capacidade de leitura efetiva é fruto de ao menos dois fatores:
os propriamente linguísticos (significados literais das palavras, fatores sintáticos etc.) e os contex-
tuais (ou situacionais), de muito mais ampla natureza. Esse é o motivo de se afirmar que um bom
leitor é aquele que tem a capacidade de integrar, na interpretação de um texto, ambos os fatores.
Por causa do segundo fator citado, é evidente que nem todos os tipos de texto podem ser lidos de
uma mesma maneira.
Há que se considerar os propósitos da leitura estritamente relacionadas às diversas moda-
lidades envolvidas. As pessoas leem por diferentes motivos, pode ser para a aquisição de conhe-
cimentos ou por puro lazer e entretenimento. Então, a forma como se lê um jornal ou revista, ao
A excelência docente 137

buscar informação sobre fatos e notícias, não vai ser a mesma forma de se ler um romance, situação
em que o que se busca é a distração e o entretenimento.
Isso posto, é possível sintetizar que os tipos a considerar sejam a leitura recreativa, leitura
técnica, leitura de informação e leitura de estudo. No caso da leitura recreativa, o propósito está
voltado à satisfação intelectual, bem como momentos de distração, entretenimento e lazer. Um
exemplo é a leitura de romances e gibis. Por sua vez, a leitura técnica implica, entre outros, a habi-
lidade de entender e interpretar tabelas e gráficos, é a situação típica de relatórios e textos de teor
científico. Quanto à leitura de informação, sua finalidade orbita em torno da cultura em geral. E,
enfim, a leitura de estudo se propõe a uma tarefa muito mais meticulosa, visando coletar informa-
ções para um determinado propósito, notadamente o da aquisição e ampliação de conhecimentos.
No contexto da realidade da profissão do educador, cabe um aprofundamento a respeito da
leitura de estudo, sendo conveniente entender as fases e características associadas a essa atividade.
Uma primeira fase se dá pela leitura de reconhecimento, também chamada pré-leitura, lei-
tura prévia ou leitura de contato. Sua finalidade é fornecer uma visão mais global do assunto –
ao mesmo tempo, já permite ao leitor verificar a disponibilidade ou não de informações úteis para
o objetivo pretendido ao acessar aquele texto, de forma que o material possa ser selecionado para
a sequência do estudo ou já descartado nessa filtragem. Na prática, é uma leitura rápida, feita “por
alto” – visa permitir um primeiro contato com o material em questão.
Na sequência, a leitura seletiva se caracteriza por seu objetivo claro de realizar uma triagem
nas informações mais importantes. São as informações que efetivamente interessam à elaboração
do trabalho pretendido.
No caso da leitura crítica (ou reflexiva), investe-se muito mais tempo na atividade. Isso se
deve à necessidade de análise e avaliação das informações e também das intenções e motivações do
autor. A reflexão é possível justamente em função da análise, da comparação e do julgamento das
ideias presentes no documento.
Finalmente, a mais completa de todas é a leitura interpretativa. A atividade exige o estudo
aprofundado das ideias principais. Busca-se esclarecer o que realmente o autor está afirmando,
bem como posicionar-se a respeito dos dados e informações por ele oferecidos. Nessa leitura, há a
necessidade de se procurar uma correlação entre afirmações do autor no texto com os problemas
ou temas em questão.
Ao realizar a análise e o juízo do que foi lido, é recomendável ao leitor que faça uma síntese
de tudo o que a leitura proporcionou, visando efetivamente integrar as descobertas oferecidas pela
leitura junto ao seu domínio pessoal de conhecimentos.
Na prática, o que ocorre é que no primeiro contato com um texto qualquer, é comum que o
leitor enfrente dificuldade no sentido de encontrar unidade para além dos tantos significados que
o documento apresenta na superfície. Então, visando à leitura mais proveitosa possível, é preciso
reconhecer os níveis pelos quais se passa para o alcance do objetivo pretendido.
138 Novos caminhos para os profissionais da educação

Tais níveis de leitura de um texto iniciam com o elementar, na forma da leitura básica ou ini-
cial. Para o leitor, cabe a tarefa de reconhecer cada palavra de uma página – e nada mais profundo
que isso. É o exercício da decodificação, que qualquer pessoa alfabetizada consegue desempenhar.
No nível inspecional, prevalece o critério de tempo estabelecido para a leitura. Pode ser en-
tendido como a arte de folhear sistematicamente. Na sequência, o nível analítico envolve uma tarefa
muito mais minuciosa, de atenção completa, exigindo o melhor que o leitor for capaz de fazer.
Trata-se de uma leitura ativa em elevado grau, pois visa basicamente garantir o entendimento.
Por fim, no nível chamado sintópico, reside a leitura comparativa, habilidade mais presente em
vorazes leitores, que conseguem mais facilmente correlacionar as suas mais variadas leituras já
realizadas. É, sem dúvida, o mais ativo e laborioso nível de leitura.
Um leitor de alto quilate, como um professor, precisa respeitar critérios na análise dos mate-
riais lidos. O primeiro desses critérios é a análise textual em si: é a primeira abordagem do texto, vi-
sando preparar uma melhor leitura na sequência. O que busca, portanto, é uma visão panorâmica,
que dê ao leitor essencialmente a percepção do estilo de escrita daquele autor e a estrutura por ele
adotada na produção do texto. Algo muito útil é buscar algumas informações a respeito do perfil
do autor do documento, o que muitas vezes é benéfico para se elucidar ideias expostas no texto.
Dependendo da complexidade que se evidencie, cabem ainda, em paralelo, um estudo do
vocabulário, para esclarecer termos técnicos, jargões e conceitos presentes; sua esquematização
(em busca da visão do conjunto da unidade); e ainda o resumo do texto, com destaque às ideias
mais relevantes.
O critério da análise temática é voltado ao propósito de se ouvir o autor, apreender o conteúdo
da mensagem que ele pretende comunicar. Na análise temática, o leitor precisa dialogar com o
texto, lançando perguntas do tipo: O que é abordado no texto? Como o texto está problematizado?
Que dificuldade se procura resolver? Por que tal problema proposto precisa ser resolvido? Quais
caminhos o autor optou por percorrer para endereçar o problema ou tema em questão? Quais são
as ideias paralelas (ou secundárias) subjacentes ao tema central?
Ao realizar a análise interpretativa, o leitor assume tomar posição própria com respeito às
ideias expostas, incluindo o que reside nas entrelinhas. Nessa etapa, bastante desafiadora, o leitor
precisa, primeiramente, situar o texto no contexto da vida e da obra daquele autor, bem como o
contexto da cultura de sua especialidade – tanto por uma perspectiva histórica quanto pela teórica.
Também é necessário o trabalho de associar as ideias do autor a outras ideias que costumam se
vincular à mesma temática. Cabe ao leitor exercer uma atitude crítica diante das posições tomadas
ou defendidas pelo autor, no tocante à validade dos argumentos adotados, originalidade do endere-
çamento do problema em discussão, profundidade temática, consistência e coerência de suas con-
clusões, além da reflexão sobre as consequências das ideias defendidas. É fundamental, na leitura
crítica, tratar da problematização (na discussão do texto, pelo levantamento e debate de questões
explícitas ou implícitas) e ainda da síntese pessoal – uma reelaboração da mensagem proposta,
fundamentada na reflexão pessoal do leitor.
A excelência docente 139

Seguir alguns passos pode ajudar sobremaneira a realizar essa forma de leitura com a melhor
qualidade possível. O primeiro desses passos é delimitar a unidade de leitura. Essa seleção visa
estabelecer a parte do texto que oferece uma totalidade de sentido. Pode-se considerar um capí-
tulo, uma seção ou outra subdivisão qualquer – atendo-se, então, apenas à parte do conteúdo que
efetivamente interessa.
O passo seguinte é a identificação do tema do texto. Aqui, convém questionar: De que trata
o documento? Qual seu foco principal? Qual o grau de conhecimento prévio o leitor detém sobre
o tema? Se alto, é possível avaliar o que é apresentado no texto; se médio, há possibilidade de obter
as informações ainda ignoradas; mas, se baixo, fica evidentemente difícil julgar qualitativamente o
que é fornecido pelo texto.
Como terceiro passo, cumpre localizar o texto no tempo e no espaço. As questões associadas
são: Quem é o seu autor? Quando o texto foi escrito? Quais eram as condições da época da realiza-
ção da obra? Quais as linhas ideológicas seguidas pelo autor? Quais influências esse autor recebeu
e quais exerceu?
Posteriormente, é boa prática elaborar uma síntese do texto. Cabe fazer uma seleção e orga-
nização dos componentes mais importantes daqueles escritos, o que permite estabelecer objetiva-
mente um critério de relevância.
Na sequência, naturalmente, é preciso organizar as próprias ideias com relação aos elemen-
tos que se mostraram relevantes. Aqui cabe um posicionamento do leitor a partir do que o texto
defende, com base nos critérios adotados ao elaborar a síntese. Os conhecimentos prévios do lei-
tor são confrontados: É possível concordar ou discordar das informações do documento do lido?
Quais os motivos para fazê-lo?
Penúltimo passo, é necessário aferir a capacidade para interpretar dados e fatos apresenta-
dos. Isso se dá pela tentativa de resposta à seguinte questão: que sentido faz o que se acabou de ler?
Finalmente, o derradeiro passo é o de elaborar hipóteses explicativas que fundamentem a
análise das questões tratadas no texto. Leitor crítico, o professor é demandado a procurar uma
explicação para a razão de elas serem o que parecem ser. Esse trabalho de elaborar hipóteses expli-
cativas vai muito além do que está explicitamente redigido pelo autor, permitindo construir novos
conhecimentos acerca da questão abordada. Esse é o ápice da construção de sentido do texto, en-
tendido como a devida apropriação e internalização do material acessado pelo leitor.
Em síntese, a boa leitura se ocupa do tema (ideia central ou assunto tratado pelo autor, ou
fenômeno que aborda), do problema (aquilo que levou o autor a se manifestar), da tese (afirmação
do autor a respeito do assunto, sua posição ou defesa), do objetivo (finalidade que o autor busca
atingir, explicitamente ou não) e das ideias centrais (essências do texto). Não resta dúvida de que
dominar a leitura, da forma como é necessária, é um exercício que demanda bastante tempo e
dedicação – por isso, um atributo que se conquista em longo termo, perfazendo toda a carreira
profissional dos educadores.
140 Novos caminhos para os profissionais da educação

10.2 Maestria na escrita


Escrever bem não é escrever difícil2. De fato, o maior desafio de um escritor não é deixar um
tema mais complexo, mas justamente simplificá-lo. A frase atribuída a Leonardo da Vinci “a sim-
plicidade é o último grau de sofisticação” parece suficientemente esclarecedora, todavia cumpre
observar que uma escrita simples é também diferente de uma escrita pobre.
Normalmente, os profissionais da educação escrevem regidos por rígidas normas de estilo,
impostas pelos periódicos em que buscam publicar seus artigos científicos, pelas editoras que publi-
cam seus livros, ou mesmo provenientes das próprias instituições de ensino a que estão vinculados.
Assim, aspectos como estrutura de texto, forma de citações, formatação, entre outros, são restritos
conforme essas circunstâncias. De qualquer modo, dicas de estilo e estratégias de escrita podem ser
encontradas também em manuais de redação, como os jornalísticos ou institucionais. Embora não
sejam destinados especificamente ao contexto das publicações acadêmicas e didáticas, trazem uma
série de boas práticas e critérios perfeitamente aplicáveis à realidade das produções docentes.
Assim, pode-se assumir que existe um conjunto de preceitos universais no que se refere à boa
redação – critérios que se estabelecem muito antes de uma análise minuciosa das regras específicas
de formatação para um determinado veículo de publicação. Para começar, é importante ter em mente
que, qualquer que seja o tipo da produção acadêmica (resenha, análise, resumo, projeto etc.) em qual-
quer nível envolvido (da graduação ao pós-doutorado), o primordial é escrever do modo mais claro,
preciso, conciso e adequadamente alinhado ao idioma culto. Uma arte que se desenvolve principal-
mente com a prática recorrente: conseguir exprimir a mensagem de modo simultaneamente simples
e elegante. Por isso, não há outra maneira de escrever bem, a não ser escrevendo sempre.
Outro aspecto indiscutivelmente universal é o fato de que o texto precisa se desenvolver por
meio de encadeamentos lógicos – os nexos de argumentação devem ser absolutamente evidentes.
Por melhor que seja a ideia a ser comunicada, caso ela se dê por meio de uma escrita prolixa,
imprecisa e/ou desorganizada, certamente não será possível contar com a atenção do leitor –
às vezes, sequer com seu respeito. Como consequência, quem lê (ou tenta ler) um texto desprovido
das mais básicas qualidades jamais se convencerá das hipóteses defendidas e das teses que as
sustentam. Desde os recém-alfabetizados até os mais vorazes leitores, é certo que ninguém gosta
de ler algo mal escrito. Em suma, um texto que requer do leitor um esforço desproporcional de
compreensão é, para todos os efeitos, ineficaz e inadequado.
Visando a simplicidade e a elegância, é importante que as frases sejam tão curtas quanto
possível. Uma sentença é espaço para não mais que uma ideia. Na prática, um procedimento muito
útil é revisar/reler aquilo que foi escrito ao término de cada parágrafo, para assegurar-se de que as
frases não estejam demasiadamente longas. Tal revisão ajuda ainda a procurar por intercalações
excessivas e ordens inversas desnecessárias, aspectos igualmente indesejáveis.
Com efeito, algo bastante acentuado na língua portuguesa, quando comparado, por exemplo,
à escrita em inglês, é a tendência à complexidade das sentenças encadeadas no texto. No momento
de construir os argumentos, é preciso coibir, por um lado, o excesso de parágrafos (quando cada

2 Seção escrita com base nos teóricos Bruni e Andrade (1989) e Mendes e Foster Júnior (2002).
A excelência docente 141

frase fica praticamente em um parágrafo à parte) e, por outro, a ausência dos parágrafos (aglutinar
tudo em um único bloco). Na boa redação, os parágrafos têm a função de articular os raciocínios
trabalhados. Por esse motivo, a relação entre um parágrafo e o próximo deve ser suficientemente
evidente e linear para tornar a leitura fluida e agradável. A mudança de parágrafo deve acontecer à
medida que se desenvolve o raciocínio, o que implica determinar com precisão o término de uma
argumentação e o início de outra.
Os manuais de redação costumam orientar, com toda razão, que sejam evitadas expressões
coloquiais, gírias, jargões, termos técnicos em demasia, pedantismo3, barbarismo4, assim como
expressões e raciocínio de senso comum, supostamente eruditos, que se mostrem meras redun-
dâncias e sofismas vazios. Por outro lado, reconheça-se que o uso comedido de hipérboles e me-
tonímias (exageros e figuras de linguagem) podem ajudar a marcar o estilo próprio de redação de
um autor.
Evidentemente, um texto bom é um texto gramaticalmente correto. Em tempos de edição
eletrônica de textos, com softwares que sinalizam automaticamente desvios gramaticais e ortográ-
ficos, não há o que justifique infringir as regras gerais da boa escrita – incluindo pontuação e acen-
tuação. No Brasil, observa-se ainda alguma dificuldade mais recorrente no uso correto da crase,
por exemplo. Mas boa parte dos erros é de natureza de concordância e regência verbal e nominal.
A reforma ortográfica da língua portuguesa, mesmo após algumas décadas, também ainda
causa dúvidas mesmo entre os mais experientes escritores, e essas incertezas sempre precisam ser
sanadas no ato da escrita – uma rápida consulta a sites confiáveis na internet costuma ser suficiente
para atender a essa tarefa. Convém lembrar que nem os acentos, tampouco a pontuação, foram
abolidos. Uma boa prática é sempre ter livros de gramática e dicionários à disposição – existem,
aliás, inúmeras opções gratuitas em meio eletrônico.
Todo bom escritor detém os predicados de concisão e de clareza. Mais que uma característi-
ca do texto elaborado, considere-se que a concisão é, sobretudo, uma qualidade de estilo. Um texto
conciso é aquele que possui o poder de transmitir o maior número de informações com a menor
quantidade de palavras. O segredo para se escrever de forma concisa é, além do óbvio domínio do
conhecimento empregado na redação, dispor de tempo suficiente para revisão do texto logo após
sua escrita: a simples releitura faz com que eventuais redundâncias ou repetições desnecessárias
sejam fatalmente reconhecidas.
É importante esclarecer que a concisão é uma aplicação do princípio de economia linguís-
tica, nesse esforço por manter os textos tão enxutos quanto possível. Contudo, essa estratégia de
forma alguma representa poupar o esforço de pensamento: para reduzir um texto, jamais se devem
eliminar trechos substanciais que comprometam a essência do que é comunicado. A busca é, preci-
samente, por palavras inúteis, ideias redundantes e informações que não acrescentem mais do que
já foi expresso.

3 Termo que significa o comportamento ou ação da pessoa pedante, que faz alarde de conhecimentos que não possui de
fato. Também, o modo de proceder de quem é pretensioso que mostra qualidades superiores às que realmente possui.
4 Sinônimo de estrangeirismo: prática de empregar palavras estrangeiras como nacionais ou com sentido que não lhes cabe.
142 Novos caminhos para os profissionais da educação

O escritor deve ficar atento, sobretudo em textos mais complexos, que sempre se aplica uma
hierarquia das ideias ali tratadas: um rápido exame permite constatar que existem as ideias funda-
mentais e as secundárias. É certo que essas últimas usualmente servem para o esclarecimento do
sentido das ideias principais (na forma de detalhamento, exemplos etc.). Contudo, é de bom tom
que as ideias secundárias, que não acrescentem efetivamente valor ao texto ou que estejam desco-
nexas das ideias fundamentais, sejam sumariamente eliminadas.
Por sua vez, a clareza é qualidade básica de que qualquer texto deveria dispor. Uma reda-
ção clara proporciona compreensão imediata por parte do leitor. Porém, fazer que um texto seja
suficientemente claro é uma tarefa relacionada fortemente a vários outros atributos de redação.
A impessoalidade é um deles: no geral, um texto escrito em terceira pessoa é mais apropriado, ao
evitar o problema de eventual duplicidade de interpretações, algo normalmente mais provável de
acontecer quando tratamentos personalistas são empregados.
Ao procurar adotar o padrão culto de linguagem, a preferência sempre é dada pelas palavras
de entendimento geral, coibindo adotar vocábulos de mais restrita circulação, como gírias e jargões
– os regionalismos, igualmente, devem ser evitados.
Formalidade e padronização costumam garantir a perfeita uniformidade dos textos, ajudan-
do ainda no atributo de concisão, visando eliminar excessos linguísticos do texto escrito.
O seguimento desse conjunto de critérios favorece sobremaneira uma escrita com clareza.
Frise-se, mais uma vez, a importância da releitura: além da imediata releitura ao término da es-
truturação de cada parágrafo, uma releitura final, do início ao fim do texto, é uma das melhores
oportunidades para se detectar trechos obscuros e erros de ortografia e gramática.
Por fim, é importante que o escritor se coloque no papel do seu leitor. Afinal, quem é seu
público-alvo? É indispensável avaliar as chances de uma correta compreensão por parte de quem
lerá seus textos. Afinal, o que parece óbvio para uns pode ser de total ignorância para outros. É
preciso lembrar que o domínio que se adquire a respeito de determinados temas, ao longo da
experiência profissional e de vida, muitas vezes faz com que esses assuntos sejam equivocadamente
presumidos como de conhecimento geral. Então, da mesma forma como o professor costuma
fazer nas exposições orais em sala de aula, é bastante salutar explicitar, desenvolver e esclarecer
os termos técnicos, as siglas, as abreviações e os conceitos específicos relacionados ao longo do
desenvolvimento do texto escrito.

10.3 Domínio da oratória


Engana-se quem pensa que apenas os cantores sejam os profissionais da voz: também os
professores se juntam a essa categoria, porque eles dependem bastante desse instrumento vocal
para o exercício de suas atividades no dia a dia. Isso é motivo suficiente para que os educadores se
preocupem em preservar e melhor utilizar sua capacidade de expressão falada5.

5 Seção escrita com base nos estudos realizados pelos seguintes teóricos: Vieira e Behlau (2009), Gustafon (2012) e
Thatcher et al. (2017
A excelência docente 143

De fato, os professores estão envoltos em trabalhos que favorecem o desenvolvimento de


distúrbios vocais, o que acontece, muitas vezes, pela falta de consciência sobre o uso da voz: parti-
cularidades do ambiente de trabalho e frequente necessidade de usar tom elevado são alguns dos
elementos complicadores, frequentemente ignorados. A soma de condições ambientais e acústi-
cas inadequadas, de turmas com muitos alunos, estresse pela remuneração baixa e alta carga de
trabalho costumam, não raro, resultar em problemas como afonia, isto é, a perda temporária ou
permanente da voz.
É verdade que outras circunstâncias de caráter individual precisam também ser considera-
das (predisposição genética, hábito de fumo, postura etc.). Tais fatores, aliados a um despreparo
vocal, certamente são condições limitantes da carreira docente, causando prejuízo, sem dúvida,
tanto na vida profissional como na pessoal.
Os professores são submetidos a uma elevada demanda vocal porque precisam falar de for-
ma intensa, geralmente em sobreposição a um permanente ruído de fundo e em longas jornadas
de trabalho. É inegável que o ruído tanto dentro quanto fora da sala de aula exerce significativo
impacto sobre o desempenho vocal. Em sala de aula, os professores adotam um tom de voz mais
forte do que em outras atividades de seu dia a dia e, usualmente, ficam incomodados com a essa
competição sonora.
Por essas as razões que os professores apresentam maior incidência de queixas vocais espe-
cíficas e de desconforto físico generalizado, quando comparados com outros profissionais. Estudos
epidemiológicos mais recentes estão confirmando que transtornos vocais são as lesões ocupacio-
nais mais comuns entre os docentes, afetando de forma generalizada o desempenho profissional e
a assiduidade no trabalho.
É inerente à profissão docente exercer boa comunicação, sobretudo oral: existe a necessi-
dade constante de se transmitir um expressivo volume de informações, além de que alguns sub-
terfúgios precisam ser explorados também por voz para manter turmas numerosas controladas,
atentas e motivadas. Comunicação em sala de aula é um processo que envolve diversos aspectos,
entre eles a comunicação oral e postural combinadas para se compor o discurso necessário. Sendo
assim, todo professor precisa considerar a necessidade de apresentar e desenvolver competências
comunicativas muito específicas. Tais competências facilitam o melhor emprego de recursos vocais
e corporais durante a exposição oral das aulas, despertando, assim, o interesse do aluno, facilitando
a memorização e potencializando seu aprendizado.
Em meio aos diversos elementos relacionados no processo de ensino e aprendizagem, fi-
guram o domínio do conteúdo a ser transmitidos, a adoção de recursos didáticos e o esforço por
despertar o interesse do aluno. Por isso, saber o que e como dizer algo aos alunos é uma atribuição
essencial da comunicação do professor.
No que se refere à voz, ela deve ser empregada de forma saudável, fluindo de maneira eficien-
te e sem esforço exagerado. Um tom de voz interessante e claro é suficiente para se garantir a aten-
ção da maior parte dos alunos. Contudo, é preciso lembrar que os movimentos do corpo, incluindo
posição das mãos, direcionamento do olhar e circulação em sala de aula, também transmitem
144 Novos caminhos para os profissionais da educação

importantes informações, complementando a mensagem principal. A postura do corpo como um


todo, mas principalmente da cabeça, reflete-se na aceitação visual junto aos interlocutores e tam-
bém no correto funcionamento da musculatura da laringe.
Gestos complementam a mensagem transmitida, sendo importante estar atento à expressão
facial durante a interlocução e mantendo contato visual com os estudantes. De fato, a forma de
usar os gestos e o contato visual reflete a personalidade própria de um professor – algo que talvez
seja apreendido de modo inconsciente e imediato pelos alunos. O importante é que sejam fluidos
junto à comunicação oral, favorecendo a transmissão correta da mensagem. Ocorre que o padrão
de articulação com sons bem-definidos transmite ao ouvinte o desejo de compreender com clareza
as ideias expostas. Por outro lado, uma articulação deficiente pode ser interpretada como desorga-
nização mental ou falta de vontade de se comunicar.
Um aspecto crucial para a efetividade da mensagem é a velocidade adotada na fala. Se muito
lento, a conexão com o ouvinte pode ficar cortada, chegando a passar uma impressão de lentidão
de pensamento. Por outro lado, a excessiva rapidez da fala usualmente reflete ansiedade e tensão –
além da incômoda sensação de não se dar espaço para o interlocutor. É interessante notar que as
pessoas que sorriem de forma espontânea, com uma voz agradável e que sinalizam receptividade
por meio de seus gestos, atraem naturalmente a atenção dos interlocutores.
Sobretudo no Brasil, essa prática ainda é bastante rara, embora bastante saudável: os profes-
sores precisam incluir, entre suas consultas médicas de rotina, uma visita a fonoaudiólogos, para
um check-up de suas condições e hábitos vocais. Isso deve ser considerado como um investimento
na própria carreira (VIEIRA; BEHLAU, 2009).
Falar em público com perfeição, além de requerer as condições clínicas ideais, também en-
volve um conjunto de técnicas de oratória. Muitas delas são bastante simples e, com prática, prepa-
ração e esforço, é possível se destacar como um educador reconhecido por dominar a arte de falar.
A boa prática se inicia com a máxima de sempre dar ao público “algo para levar para casa”.
Ou seja, uma entrega bem delineada atrai atenção dos interlocutores. Ao proferir uma aula ou
palestra, é recomendável sempre lembrar-se de oferecer algum conselho prático, embora simples,
que as pessoas possam começar a fazer quase de imediato. Do ponto de vista do aluno ou do
espectador, fica a sensação de que comparecer à exposição daquele professor sempre resultará em
receber algo muito útil ao seu cotidiano, uma dica prática que agrega valor ao trabalho, criando um
envolvimento emocional essencial tão caro à boa oratória.
Jamais um professor pode se esquivar em responder perguntas. Mesmo que o protocolo
oficial adotado seja, eventualmente, o de “perguntas ao final”, caso alguém na turma ou na plateia
indague algo no meio da apresentação, isso deve ser entendido como um excelente sinal de que há
pessoas prestando atenção. Então, não se pode perder a oportunidade de responder a tal questão
da melhor forma possível.
Um dos mais decisivos aspectos para uma comunicação eficiente é o de se criar pontes de
interação quando se fala ao público. Na boa oratória, cada exposição tem a aparência de uma
conversa espontânea. E quem reage mal a uma pergunta, evidentemente, não está conversando.
A excelência docente 145

É preciso deixar as pessoas à vontade para participar, engajar-se – e até mesmo mudar o rumo do
plano de aula, caso necessário.
Uma regra de ouro é sempre repetir as perguntas lançadas pela audiência. Quando o pro-
fessor é interpelado por uma indagação, primeiramente precisa demonstrar que está ouvindo com
atenção, e depois, antes de qualquer esboço de responder à questão, é preciso repeti-la. Afinal, é
preciso lembrar que, embora a pergunta tenha sido feita por um determinado aluno, aquela dúvida
pode residir em um maior número deles. Quando se repete a pergunta, permite-se que quem está
mais ao fundo da sala, e também quem eventualmente não estava atento no momento da questão
do colega, receba também a orientação concedida por aquela resposta. Benefício adicional, repetir
sempre dá algum tempo a mais para pensar na melhor forma de estruturar uma resposta.
Criar planos alternativos é uma medida prática indispensável para os bons oradores. Afinal,
não basta ter preparado meticulosamente um discurso perfeito e transitar pelas melhores técnicas
de exposição oral caso o profissional não esteja preparado para imprevistos. Falha no projetor
multimídia e computador travado são episódios recorrentes na vida de qualquer professor. Mas,
além disso, cabe se antecipar: e se a abertura com todos os efeitos especiais programados não
causar reação alguma da plateia? E se ninguém responder voluntariamente ao convite para uma
dinâmica? E se o microfone ou qualquer outro equipamento falharem? O domínio da oratória en-
volve ter sempre um “Plano B” sempre à mão – contingências são mais bem endereçadas caso haja
preparação a elas. Na prática, quanto mais se acumula experiência de falar em público, já consegue
se mapear quase todo tipo de situação. Sempre haverá, evidentemente, uma situação totalmente
impossível de se prever. Mas palestrantes e oradores renomados costumam afirmar que, ao menos,
essas situações rendem as melhores histórias.
Convém sempre desenvolver uma rotina de pré-apresentação. Isso faz com que todas as
questões logísticas envolvidas (projetor disponível, sala liberada, ar-condicionado funcionando,
sistema de som operante etc.) estejam normalizadas, de modo que o professor possa então focar
apenas na fala. Afinal, nada é mais irritante na ótica do público do que uma apresentação que é
interrompida repetidas vezes por microfone com defeito ou ficar à espera de uma aula que demora
muito para começar, porque o projetor não transmite o sinal do computador. Em especial, quando
o professor se desloca a um local de apresentação que lhe é inédito, é sempre benéfico chegar com
antecedência de pelo menos uma hora.
Por mais técnico que seja o conteúdo a ser exposto, é bom cativar o público pela emoção.
É situação corriqueira que oradores contem histórias engraçadas, muitas vezes de situações
embaraçosas que já vivenciaram. Com efeito, a autodepreciação é uma das clássicas técnicas de
oratória, bastante útil para criar uma conexão com a audiência. Pode também ser considerada a
possibilidade de envolver as pessoas através de relatos mais emocionados, tristes, dramáticos ou
frustrantes, que prendam suficientemente a atenção do público para a exposição a ser feita. Seu uso
deve ser comedido, para não desviar atenção do foco da aula ou da palestra.
Pecado mortal das apresentações, uma forma certeira de perder a atenção do público é
ler os próprios slides. O PowerPoint precisa ser utilizado para oferecer suporte ao público no
que se refere ao acompanhamento da narrativa. Ele é útil, claro, para que o professor consiga
146 Novos caminhos para os profissionais da educação

se situar na apresentação, mas em hipótese alguma deve ser a própria base da exposição oral.
Assim, o segredo do bom desempenho também é de dominar suficientemente a apresentação,
ter uma ideia clara da ordem dos slides, para que não se dependa de nenhuma outra instância
para proferir uma boa narrativa.
Outro equívoco imperdoável das apresentações é pedir desculpas. Jamais se pode iniciar
uma apresentação desculpando-se porque não teve mais tempo para se preparar ou por não enten-
der suficientemente o assunto. Fazê-lo assegura que o público passará automaticamente a esperar o
pior daquele professor, comprometendo seriamente o trabalho desempenhado. Assim, é necessário
focar sempre nos aspectos positivos do conteúdo e da apresentação. Quem faz o seu melhor na
apresentação deixa para as demais pessoas a tarefa de tirarem por conta própria a conclusão sobre
o quanto houve de preparo ou quão dominado era aquele tema.
Algo vital é enfatizar as frases mais importantes proferidas, deixando claros que tais
trechos são a essência das mensagens transmitidas. Então, expedientes como repetição de fra-
ses, aumento no tom da voz, mudança no ritmo da narrativa e uso de pausas estratégicas
são excelentes alternativas para pontuar junto às pessoas aquilo que seja necessário destacar.
Afinal, é bastante comum que alguém no público se distraia durante uma exposição de aula ou
palestra. Contudo, quando o professor repete uma determinada frase, automaticamente alerta
as pessoas sobre a relevância daquilo que está falando – nem mesmo se torna necessário pedir
atenção ou solicitar silêncio nesses momentos.
É bastante apreciável compartilhar algo que talvez ninguém mais saiba. A sensação é exce-
lente quando se sai de uma apresentação sabendo de uma novidade ou algo inusitado. As pessoas
sempre ficam gratas a quem lhes forneça informação desse modo. Para o professor valer-se dessa
estratégia, pode explorar, por exemplo, uma curiosidade sobre o tema desenvolvido, uma estatís-
tica de pouca divulgação, ou mesmo um fato histórico desconhecido pela maioria das pessoas.
O importante é ser criativo, buscando, sempre que possível, agregar esse conteúdo à oratória.
O papel do orador é conquistar a atenção do seu público. Em um mundo hiperconectado,
é tarefa infrutífera e desgastante ficar pedindo à audiência para desligar celular, parar de mandar
mensagens e não entrar em redes sociais. Na prática, as distrações são uma realidade onipresente,
cabendo ao orador reconhecer e lidar bem com isso. Mas quem domina as técnicas de oratória
conquista naturalmente a atenção do público, não sendo necessário pedir por isso.
Finalmente, é importante lembrar sempre que “menos é mais”. Um dos princípios funda-
mentais da oratória é o poder de síntese. A boa prática então é de rever quantas vezes for necessário
o discurso planejado, visando cortar o que puder ser cortado sem que a essência da mensagem seja
prejudicada. Não raro, a cada revisão, surgem várias oportunidades nesse sentido. Afinal, sempre
é possível se comunicar com as pessoas sem ter que exigir tanto tempo delas. Respeitar o tempo
alheio nutre naturalmente um apreço pelo orador (GUSTAFSON, 2012; THATCHER et al., 2017).
A excelência docente 147

Considerações finais
Ser um professor reconhecido por estar acima da média entre seus pares envolve um con-
junto muito amplo de habilidades e competências, mas não existe docente que alcance esse tipo de
distinção que não seja alguém que leia muito bem, escreva muito bem e fale muito bem. Na prática,
as pessoas que ingressam na docência têm os mais variados perfis e inclinações, mas o fato é que
qualquer um consegue se desenvolver nas trilhas da leitura, da escrita e da oratória, caso sigam as
respectivas boas práticas nesse sentido.

Atividades
1. Em síntese, de que se ocupa uma boa técnica de leitura?

2. Discorra sobre a concisão no ato da escrita.

3. Por que, durante uma aula ou palestra, é preciso sempre repetir uma pergunta antes
de respondê-la?

4. Quais são alguns dos piores erros ao realizar uma apresentação oral?

Referências
BRUNI, J.; ANDRADE, J. Introdução às técnicas do trabalho intelectual. Araraquara: Unesp, 1989.

CAVALCANTE FILHO, U. Estratégias de leitura, análise e interpretação de textos na universidade:


da decodificação à leitura crítica. Cadernos do Congresso Nacional de Linguística e Filologia, 15(5), p. 1721-1728,
2011. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xv_cnlf/tomo_2/144.pdf>. Acesso em: 14 maio 2018.

GUSTAFSON, S. Eloquence is power: oratory and performance in early America. UNC Press Books, 2012.

HUSSEIN, C. Treino e generalização de leitura crítica e criativa: um estudo experimental com universitá-
rios. Revista de Estudos de Psicologia, 16(2), p. 16-27, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/
v16n2/a02v16n2.pdf>. Acesso em: 14 maio 2018.

MENDES, G.; FOSTER JÚNIOR, N. Manual de redação da Presidência da República. 2. ed. Brasília:
Presidência da República, 2002.

ROLDÃO, M. Formar para a excelência profissional – pressupostos e rupturas nos níveis iniciais da do-
cência. Educação & Linguagem, 10(15), p. 18-42, 2007. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/
revistas-ims/index.php/EL/article/view/155/165>. Acesso em: 14 maio 2018.

VIEIRA, A.; BEHLAU, M. Análise de voz e comunicação oral de professores de curso pré-vestibular. Revista
da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 14(3), p. 346-51, 2009.

THATCHER, B. et al. Teaching intercultural rhetoric and technical communication: theories, curriculum,
pedagogies and practice. Routledge, 2017.
Gabarito

1 Ser professor no século XXI


1. Alguns dos maiores desafios do mundo contemporâneo em relação à atividade de professor são:
o acompanhamento das inovações tecnológicas (uma vez que elas ocorrem em ritmo acelerado);
e o baixo nível cultural da sociedade (independentemente da classe socioeconômica).

2. Tal conceito favorece endossar a ideia de que narcotráfico, por exemplo, é cultura, que prostitui-
ção infantil é cultura e outras admissibilidades bisonhas. Essa proposição não define cultura nem
como ideia de cultivo (ideia de melhoramento, de elevação do estado das coisas) nem de culto
(devoção, respeito ao melhor, ao que é bom).

3. Sim, esse professor pode ter futuro. Não se pode desprezar os professores que tenham entrado
na função mesmo pelas razões mais erráticas possíveis, por uma única razão: a solução para o
problema da baixa valorização do professor passa fundamentalmente pelo aperfeiçoamento in-
dividual. É de um em um que se desperta a consciência de quanto é necessário assumir a respon-
sabilidade pelo próprio aprimoramento como educador, de construir sua própria jornada para
a excelência na nobre ocupação, que acabará por resultar em um quadro social profundamente
diferente do vivido atualmente.

4. O professor de alto desempenho tem como estratégia geral integrar três conjuntos de saberes: o
do conteúdo propriamente dito (sua área de expertise), o pedagógico e o tecnológico, nas quatro
frentes de sua atividade profissional (ensino, pesquisa, gestão e extensão).

2 Repensando a formação docente


1. O professor deve considerar duas perspectivas de formação continuada, que não se excluem mu-
tuamente: o programa stricto sensu e as formações complementares. Essa é a espinha dorsal do
currículo pessoal do docente. O primeiro caso diz respeito ao mestrado e ao doutorado e o segun-
do, às infinitas capacitações e certificações agregadas.

2. YouTube Edu é um canal específico do YouTube, subsidiado pela própria plataforma de vídeos,
que faz curadoria e promoção de conteúdo educacional de material gerado por professores de
diversas áreas do conhecimento.

3. A experiência acumulada no ensino vai aprimorando as competências de natureza pedagógica,


tecnológica e, em algum grau, de conteúdo. Esse é o aprendizado do professor-aluno.

4. Os números envolvidos não se originaram de base científica consistente, embora se considere


alguma admissibilidade à proposta hipotética da pirâmide, por ora ela é apenas empírica.
150 Novos caminhos para os profissionais da educação

3 Novas possibilidades de atuação docente


1. Algumas questões são bastante relevantes para se responder. Como está o nível de domínio do inglês?
Que outras línguas estrangeiras podem ser necessárias? Como está o nível de competência tecnoló-
gica? Quais novas tecnologias precisam ser monitoradas e aprendidas? Como está o nível de com-
petência didática? Como tem sido o desempenho pedagógico? Como está o nível de competência
da área de conhecimento especializado? Existem novidades no segmento que precisam ser melhor
acompanhadas? Como está o nível de produção científica? Quantos artigos já foram publicados? Qual
o fator de impacto ou Qualis dos periódicos correspondentes? Quão fácil ou difícil tem sido conquis-
tar fontes públicas e privadas de financiamento para pesquisa? O que precisa ser melhorado nesse
aspecto? Quais têm sido os empreendimentos próprios para que o sustento financeiro não dependa
exclusivamente de prestação de serviços (independentemente de forma de vínculo) a instituições de
ensino? Como está a rede de relacionamentos para que mais oportunidades sejam fomentadas, tanto
como prestador de serviços para instituições quanto para empreitadas próprias?

2. Poder negociar boa parte de seus serviços especializados como empresa, com baixo custo (tributação
fixa para faturamento até R$ 81 mil ao ano), muito mais vantajoso do que RPA (pessoa física), além
de ampliar o leque de negócios junto a empresas públicas e privadas que contratem somente fornece-
dores corporativos (que emitem nota fiscal).

3. Essa estratégia consiste em ofertar alguns serviços sem custo, que sirvam de propaganda para
outros que são pagos. Por exemplo: uma palestra gratuita sobre um tema específico de um livro
recém-lançado pode promover as vendas desse livro; um vídeo no YouTube explicando deter-
minado conceito pode favorecer a divulgação de cursos comercializados em alguma plataforma
específica e assim por diante.

4. Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que precisa ser realizada de forma sim-
pática, constante e com alta qualidade. As redes sociais digitais favorecem sobremaneira essa tarefa.
Fora do ambiente digital, algumas iniciativas simples são altamente eficientes para manter uma boa
imagem do professor perante seu mercado de atuação (sejam clientes atuais, sejam potenciais clien-
tes). Visitas de cortesia e lembranças em datas comemorativas (como aniversário e Natal) são algumas
dessas medidas. Além do mais, não se pode deixar o aluno de fora do escopo de relacionamento
profissional: embora popularidade não seja um quesito essencial para um professor se manter no
cargo, evidentemente isso favorece a decisão por sua manutenção por parte das instituições de ensino.
Ser tão firme quanto a disciplina em sala de aula exige ao mesmo tempo que se nutre uma empatia
junto à turma de estudantes é uma virtude apreciável no docente.

4 Novas possibilidades de atuação docente


1. Na atualidade, as boas práticas de ensino fazem uso de metodologias ativas. Afinal, não se garante
aprendizado com um aluno meramente “de corpo presente” em sala de aula, sentado, quieto, apenas
escutando aquilo que o professor tenta transmitir. Os estudantes precisam falar a respeito do que es-
tão aprendendo, escrever reflexivamente sobre isso, relacionar novos conhecimento com experiências
práticas já vivenciadas, para que aquilo que se transmitiu em sala de aula seja passível de ser aplicado
no seu dia a dia. Em suma, os estudantes devem fazer com que aquilo que foi aprendido se torne parte
deles mesmos.
Gabarito 151

2. Pensar em uma solução como implantar um firewall ou medida semelhante, que permita apenas
acesso a conteúdo previamente autorizado, tornou-se, na atualidade, uma medida inócua: cada
vez mais, o acesso à internet não se dá pelo Wi-Fi local da instituição de ensino, mas pela cone-
xão particular 3G/4G do próprio dispositivo móvel do aluno. Assim, admitindo que praticamen-
te todos eles carregam seu próprio celular em sala de aula, cada estudante é um ponto de conexão
virtual independentemente da internet – longe do alcance de qualquer filtro que a área de TI da
instituição de ensino possa tentar aplicar. Os dispositivos móveis dos alunos convivem à revelia
da rede administrada pela TI local. Além do mais, com a função de hotspot que os modernos
smartphones possuem, na prática é necessário apenas um celular com conexão móvel própria
para que, uma vez assim configurado, sirva de ponto de acesso para todos os demais dispositivos
em sala de aula – inclusive notebooks.

3. A mais evidente vantagem é potencializar ao máximo a comunicação dentro e fora do ambiente esco-
lar. Com efeito, os docentes passam a dispor também de canais de comunicação com seus estudantes,
seja em sistemas genéricos como as diversas redes sociais (por exemplo, YouTube), seja nos sistemas
educativos dedicados e institucionais na forma de ambientes virtuais de aprendizagem (por exemplo,
Moodle) – virtualmente a qualquer tempo e em qualquer lugar.

4. O professor tem à sua disposição diferentes estratégias criativas para o uso do Twitter em atividades
acadêmicas. Por exemplo, ele pode pedir a seus alunos práticas como sintetizar conteúdos (atenden-
do ao limite de caracteres aplicado pelo sistema), pesquisar na rede determinada hashtag de assunto
abordado em aula e, claro, pode usar o canal como mais um meio de propagar seus comunicados e
informações da disciplina.

5 Novidades tecnológicas na sala de aula


1. As áreas são: o desenvolvimento de conteúdo; planejamento de atividades de aprendizado; e estraté-
gias de ensino e avaliação – nelas, há níveis de desenvolvimento de competências docentes que vão
do básico ao avançado.

2. O formato Mooc passa, atualmente, por um processo de validação de mercado, que pode resultar em
ajustes ou, até mesmo, em abandono de sua proposta de pretender ser algo à parte do conceito de EaD
digital convencional. Críticos apontam que, em muitas circunstâncias, parece importante comercial-
mente “repaginar” um curso tradicional e vendê-lo como Mooc – embora possa não ser nem aberto
nem massivo. Também há quem acuse que, na prática, muitos Moocs são ofertados como uma mera
coleção de vídeos on-line que dispõem de fórum para concentrar a interação dos alunos, mesclando,
assim, alguns dos tradicionais elementos dos modelos de EaD, contudo, sem promover um apren-
dizado adaptativo ou personalizado. Inequivocamente, há uma tendência natural de que, quanto
mais massificado é um produto, menor é a possibilidade de oferecer personalização no seu uso. Por
isso, tais características, em conjunto com a percepção da qualidade do ensino proporcionada pelos
Moocs, representam os principais desafios para os próximos anos.

3. Algumas disciplinas parecem ser mais favoráveis ao uso de realidade virtual como prática didática.
Os ambientes virtuais podem oferecer uma amplitude de visualizações e alternativas de perspectivas
bastante úteis na apreciação de informações de alto grau de complexidade. Por exemplo, a capacidade
de criar, alterar e rotacionar em tempo real uma estrutura arquitetônica, de engenharia ou química,
em três dimensões, pode facilitar bastante a compreensão de conceitos abstratos.
152 Novos caminhos para os profissionais da educação

4. Dado o perigo do isolamento em um mundo virtual, o temor é de que crianças que conduzam seus
estudos amparadas por essas tecnologias se tornem adultos antissociais. Outro ponto é o “cibervício”.
Se a internet e o smartphone já levaram a uma profunda transformação comportamental das pessoas,
incluindo crianças, existe o risco de que as realidades virtual e aumentada possam ser ainda mais
viciantes. Se o mundo virtual transparecer ser mais estimulante e acolhedor, o “escapismo digital”
pode representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora. E, principalmente no caso de
crianças na primeira infância (até os 6 anos de idade), existe a incapacidade de separar realidade
da fantasia. A experiência de imersão pode ser tão intensa que as crianças podem confundi-la
com situações da vida real. Certamente, conteúdos relacionados à violência e ao medo podem
ser danosos. Perigos podem surgir das mais insuspeitas situações: por exemplo, manusear uma
aranha ou qualquer outro animal peçonhento em ambiente virtual e fazê-lo no ambiente real levam
a consequências drasticamente diferentes. Por isso, o acompanhamento e o monitoramento de
responsáveis precisa ser muito bem executado.

6 Inovações na educação
1. A autorregulação é um efeito prático bastante interessante como proposta pedagógica: em determi-
nadas situações, quando os alunos procedem seus cálculos ou julgam e decidem em meio ao clima
informal e espontâneo da brincadeira, o docente tem uma carga de controle atenuada. Afinal, ele não
precisa policiar em demasia se determinado resultado atingido por um estudante está ou não correto,
porque muitas das situações são percebidas e alertadas pelos próprios colegas. Por exemplo, se é uma
atividade em equipe com alguma “disputa” contra outras equipes, é natural que os membros de um
time zelem pelo desempenho daquela equipe que respondem como corresponsáveis. Se é alguma ati-
vidade em que a refutação da proposta ou do resultado de outra equipe faça parte do jogo, a partir da
devida fundamentação no conteúdo ministrado em aula, isso será feito sempre que necessário para se
garantir “ganhar os pontos” da competição.

2. A aula invertida altera o tradicional pressuposto de ir à aula para aprender e fazer atividades extraclas-
se para consolidar o conhecimento. Na aula invertida, o que ocorre é que o estudante estabelece seu
primeiro contato com um novo conhecimento fora da sala – e, em seguida, dentro de sala, tal conhe-
cimento é melhor trabalhado, em discussões e atividades de mais alto nível. Na prática, isso significa
uma preparação prévia do aluno para poder aproveitar melhor o encontro presencial.

3. A diversidade dos perfis de estudantes em uma turma é mais bem atendida pelo modelo híbrido de
aula: quanto mais numeroso um grupo de alunos, é mais comum encontrar os tipos “extremos”: de
um lado, aqueles que são exageradamente comunicativos; de outro, aqueles que nunca se manifestam.
Existem alunos que podem ter o raciocínio mais ágil até mesmo que o do professor que ministra de-
terminado conteúdo. Já outros estudantes podem necessitar de muitas explicações e demonstrações
para conseguir entender o tema estudado e, mesmo assim, talvez sem ter a garantia de um entendi-
mento pleno. Nesses termos, o que se conclui é que o uso de diversas tecnologias educacionais em
classe é bastante oportuno, pois as necessidades pontuais dos diferentes perfis de alunos são atendi-
das, mesmo que em momentos distintos.
Gabarito 153

4. O apelo lúdico das novas tecnologias também prevalece para contribuir com a motivação dos alunos
para seu aprendizado. Nesse sentido, os docentes motivam a turma para aprender ao permitir que
seus apps favoritos sejam empregados para experimentação, construção, criação e demonstração das
entregas das atividades de aula.

7 Novas competências comportamentais


1. Construir relações sociais, aumentar o comprometimento junto a um propósito e fomentar ações
em comum.

2. Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe ao professor, naturalmente, tomar
a iniciativa no sentido de nutrir boas relações com os alunos, desde o momento do primeiro encontro
com a turma. É por isso que algumas das ações típicas de um primeiro dia de aula são, antes de iniciar
com o conteúdo propriamente dito, destinar um tempo às apresentações mútuas e ao fomento de
um bom clima de trabalho junto aos estudantes. A boa prática docente é a de procurar dar a todos o
mesmo tratamento respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na “armadilha” de isolar o
grupo dos mais “amigos” do professor, dedicando-lhes exclusividade ou preferência na interlocução
durante a aula – da mesma forma, é inconcebível que o professor passe ao embate, perseguição ou
discriminação, mesmo que de modo sutil, contra os eventuais detratores da turma.

3. A congruência é um conceito que implica estar em concordância com a percepção que a pessoa tem
de si mesma e da sua própria atividade no mundo, garantindo que haja entre eles uma consistência
e coerência. De outra forma, a pessoa incongruente demonstra traços de tensão e confusão interna.
Por isso, o bom professor não age apenas por aparências: os sentimentos que ele vivencia são
compartilhados com seus alunos. A despeito da distância hierárquica ou funcional entre professor e
aluno, a comunicação se dá, nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser humano para
ser humano.

4. A estabilização, algo que ocorre entre 4 a 6 anos no exercício da função, se traduz no definitivo
compromisso com a profissão que se escolheu. É quando o “estou professor” se transmuta no
“sou professor”, ou seja, assume-se uma identidade profissional que é claramente comunicada
socialmente. Esse é o momento da carreira que é coroado pelos sentimentos de segurança e
autoconfiança profissional: afinal, encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de exercer a fun-
ção de educador, com consequente relativização dos insucessos. O professor entende que não é
responsável por literalmente tudo o que ocorre na sala de aula, e passa a conviver melhor com as
expectativas e frustações típicas desse trabalho.

8 Noções de gestão para o professor


1. A qualidade “ataca” a produtividade em duas frentes, melhorando muito seu resultado: corta custos
desnecessários, ao mesmo tempo em que aumenta os resultados comerciais do negócio. Trabalha, as-
sim, no numerador (resultados) e no denominador (custos) da fração matemática da produtividade.
154 Novos caminhos para os profissionais da educação

2. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente, os responsáveis por desenvolver o plano de
gerenciamento do projeto sabem que essa atividade precisa ser iterativa, ou seja, elaborada de uma
forma progressiva ao longo do ciclo de vida do projeto, sempre sujeita a ajustes e correções. A elabora-
ção progressiva precisa considerar a melhoria contínua e o detalhamento do plano de trabalho, tendo
em mente que informações mais detalhadas e específicas e estimativas mais exatas acabam por surgir,
muitas vezes, já com o projeto iniciado (muitas vezes, quase finalizado). Então, a elaboração progres-
siva permite que a equipe de trabalho defina e gerencie suas atividades com um nível suficiente de
detalhes (e de segurança quanto ao que e como fazer), à medida que o projeto evolui.

3. Primeiramente, o conflito ajuda na regulação das relações sociais. O conflito, por mais irônico que
pareça, pode nutrir a empatia, ao ensinar a enxergar o mundo pela perspectiva da outra pessoa.
Ele permite o mapeamento e reconhecimento das divergências, não sob a forma de ameaças, mas como
fruto de processo de interação social, normalmente animado por questões como falta de recursos.
O conflito é especialmente útil no que tange à definição das identidades das partes envolvidas na
defesa de suas respectivas posições. Não se pode desprezar a utilidade em permitir perceber que outros
indivíduos possuam percepções diferentes. Algo bastante nobre, o conflito racionaliza estratégias de
competência e de cooperação nas equipes de trabalho. Enfim, ele proporciona o aprendizado de que
controvérsia é uma legitima oportunidade de crescer e de amadurecer socialmente.

4. É causado pela disputa por algo que se disse ou não se disse ou que se entendeu de forma errada.

9 Tópicos especiais para o professor


1. O termo é usado para explicar que muitas regiões do mundo se notabilizaram por “drenar” os melho-
res recursos humanos do planeta, como é o caso do Vale do Silício, nos EUA. Nem sempre a migração
é definitiva (ou seja, com a pessoa indo viver em outro país para sempre). O que ocorre é que alguns
desses migrantes, com perfil mais empreendedor, vão a essas regiões estrangeiras para investir em ca-
pacitação, passam algum tempo (até mesmo alguns anos) vivendo por lá, e depois retornam aos seus
países de origem para fundar novos negócios e semear novos ecossistemas de inovação, geralmente
na linha do empreendedorismo de alto impacto.

2. O professor tem a grande responsabilidade de influenciar a formação de jovens que irão trabalhar
como funcionários, executivos ou até mesmo empreendedores nas empresas. O fomento da mentali-
dade empreendedora e da valorização de atuação em um ecossistema de inovação é um trabalho con-
tínuo. Sob a perspectiva social, uma economia mais inovadora sempre proporciona melhor condição
de vida para a população, e esse tipo de trabalho encontra as bases mais consistentes não apenas em
políticas públicas, tais como incentivos fiscais e afins para que as empresas se animem a serem mais
inovadoras, mas justamente na conscientização dos indivíduos – algo muito oportuno de ser pratica-
do o mais cedo possível, enquanto as pessoas estão nos bancos escolares.

3. Se, por um lado, é na empresa que a tecnologia aplicada é integrada para se tornar uma inovação, por
outro, é na academia que a ciência e a tecnologia de base são produzidas. Por assim dizer, a academia
é um importante fornecedor da indústria – fornece, mais precisamente, conhecimento essencial para
que a empresa administre os negócios atuais e crie novas frentes de negócio.
Gabarito 155

4. Abusar da liberdade de ensinar traz graves impactos para a liberdade política dos estudantes.
Isso é de demonstração trivial: uma vez que o propósito maior da doutrinação é induzir a vítima
para determinada inclinação política e ideológica, esse resultado é alcançado por meio da sistemática
desqualificação de todas as correntes políticas e ideológicas que se conheçam – exceto uma: justamente
aquela pela qual o professor nutre simpatia. É, pois, uma estratégia não de se promover a própria
visão de mundo, mas primordialmente desconstruir as demais, para que a alternativa restante seja
interpretada com toda naturalidade como o único caminho correto a tomar.

10 A excelência docente
1. Em síntese, a boa leitura se ocupa do tema, ideia central ou assunto tratado pelo autor, ou fenômeno
que aborda; do problema, aquilo que levou o autor a se manifestar; da tese, afirmação do autor a
respeito do assunto, sua posição ou defesa; e do objetivo, finalidade que o autor busca atingir, explici-
tamente ou não, e das ideias centrais, essências do texto.

2. Um texto conciso é aquele com o poder de transmitir o maior número de informações com a menor
quantidade de palavras. O segredo para se escrever de forma concisa é, além do óbvio domínio do
conhecimento empregado na redação, dispor de tempo suficiente para revisão do texto logo após sua
escrita: a simples releitura faz com que eventuais redundâncias ou repetições desnecessárias sejam
reconhecidas. É importante esclarecer que a concisão é uma aplicação do princípio de economia
linguística, nesse esforço por manter os textos tão enxutos quanto possível. Contudo, essa estratégia
de forma alguma representa poupar o esforço de pensamento: para reduzir um texto, jamais devem
ser eliminados trechos substanciais, que comprometam a essência do que é comunicado. A busca é,
precisamente, por palavras inúteis, ideias redundantes e informações que não acrescentem mais do
que já foi expresso.

3. Uma regra de ouro é sempre repetir as perguntas lançadas pela audiência. Quando o professor é
interpelado por uma indagação, primeiramente precisa demonstrar que está ouvindo com atenção, e
depois, antes de qualquer esboço de responder à questão, é preciso repeti-la. Afinal, é preciso lembrar
que embora a pergunta tenha sido feita por um determinado aluno, aquela dúvida pode residir em
um maior número deles. Quando se repete a pergunta, permite-se que quem está mais ao fundo da
sala, e também quem eventualmente não estava atento no momento da questão do colega, receba a
orientação concedida por aquela resposta. Benefício adicional, repetir sempre dá algum tempo a mais
para pensar na melhor forma de estruturar uma resposta.

4. Pecado mortal das apresentações e uma forma certeira de perder a atenção do público é ler os próprios
slides. O PowerPoint precisa ser utilizado para oferecer suporte ao público no que se refere ao acom-
panhamento da narrativa. Ele é útil, claro, para que o professor consiga se situar na apresentação, mas
em hipótese alguma deve ser a própria base da exposição oral. Assim, o segredo do bom desempenho
é dominar suficientemente a apresentação, ter uma ideia clara da ordem dos slides, para que não se
dependa de nenhuma outra instância para proferir uma boa narrativa. Outro equívoco imperdoável
das apresentações é pedir desculpas. Jamais se pode iniciar uma apresentação desculpando-se por-
156 Novos caminhos para os profissionais da educação

que não teve mais tempo para se preparar ou por não entender suficientemente o assunto. Fazê-lo
assegura que o público passará automaticamente a esperar o pior daquele professor, comprometendo
seriamente o trabalho desempenhado. Assim, é necessário focar sempre nos aspectos positivos do
conteúdo e da apresentação. Quem faz o seu melhor na apresentação deixa para as demais pessoas a
tarefa de tirarem por conta própria a conclusão sobre o quanto houve de preparo ou quão o tema era
dominado pelo palestrante.
Novos caminhos para profissionais da educação
Rodrigo Vinícius Sartori

Código Logístico

57140

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6351-2

9 788538 763512

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