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De Arnold Wesker
V-2
1999
Esta peça se passa na grande cozinha de um restaurante chamado Tívoli. Todas as grandes cozinhas
nos momentos de serviço mais intenso, viram um verdadeiro hospício. No movimento frenético se ampliam
picuinhas, surgem susceptibilidades, acontecem equívocos insanáveis, o orgulho explode. O pessoal da
cozinha instintivamente odeia o pessoal que serve na sala de refeições, e todos juntos odeiam o freguês. Esse
é o inimigo. Para Shakespeare, o mundo era um palco: prá mim é uma cozinha. Aqui as pessoas entram sem
tempo suficiente para se conhecerem, e as amizades, inimizades e amores são esquecidos com a mesma
rapidez com que nascem.
Num restaurante grande como este, a qualidade da comida é menos importante do que a rapidez do
serviço. Por isso, cada empregado tem uma tarefa bem definida. Enquanto mostramos a ação de um
indivíduo ou grupo, o resto da cozinha continua sua faina frenética, da mesma maneira. Ninguém pode
parar... e porque ninguém pode parar, enquanto a ação central se desenrola, mostramos um pequeno esquema
da cozinha e do que fazem todos, todo o tempo.
As garçonetes passam a manhã trabalhando na sala de refeições, antes de almoçarem. Três ou quatro
delas vão e vem, carregando copos da lavanderia para a sala de refeições, e executando tarefas que são
discriminadas no desenrolar da peça.
Dimitri é um servente que fica abastecendo de pratos as praças, em intervalos dá uma varrida na
cozinha. Cipriota.
Frank é o chefe. Aves. Não chateia e o contrário também é verdade, nada o alegra. A organização
corre por si só, quase automaticamente.
Hellen. Assados. É a cozinheira típica no sentido de que não ajuda nem aceita ajuda de ninguém.
Também não ensina nada.
Hana. Frituras. Alemã, está trabalhando em Londres num sistema de intercâmbio. Fala com sotaque.
Peter. Peixes cozidos. Trabalhando no Tivoli há três anos, agressivo, excessivamente alegre. Fala
com sotaque alemão.
Kevin, peixes fritos. Recém empregado, Irlandês. Fica completamente tonto com a loucura do
trabalho.
Nicolas, grelhados. De origem cipriota. Quando o trabalho começa tende a entrar em pânico, fica
doido e grita com todo mundo. Está com o olho roxo.
Michel. Minestrones e omeletes. Ele é o que o dialogo manda, boa praça, lembrando que ele é um
cozinheiro e em dado momento os cozinheiros são doidos.
Rosana e Paula são confeiteiras. Rosana é italiana com leve sotaque. As duas contrapondo-se à
loucura ambiente, são calmas e sem qualquer inclinação ao pânico.
Marconi é o proprietário do restaurante. A máquina que ele mantém em movimento é a sua vida
inteira e ele suspeita que todo mundo está conspirando para para-la.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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Na ação, duas coisas são importantes.
A) Que os personagens tenham o que fazer (mímica) no intervalo das falas, ou enquanto cochicham com os
colegas.
B) Que na hora do serviço começar, os personagens tenham a sua frente uma quantidade bem variada de
bandejas, travessas, potes e molheiras, prontos para serem entregues as garçonetes, quando elas
pedirem.
PERSONAGENS
MAX
BERTA
ROSANA
PAULA
SUZANA
DIMITRI
DIANA
HANA
MONICA
HELLEN
MICHEL
NICOLAS
KEVIN
PETER
FRANK
MARCONI
GLORIA
CLARA
NORA
FABIANA
VIOLETA
ELZA
VAGABUNDO
Esta adaptação foi feita em cima das necessidades do PA 2 B Not. 2 o semestre de 1999. Tomei a
liberdade de mudar o sexo e condensar personagens, para que se adequasse as nossas circunstâncias.
A COZINHA
BERTA(entra e passa por Max) Bom dia! (para, olha e segue ao trabalho)
MAX (arrota)
PAULA (entrando, para Berta) Bom dia, minha querida. Bom dia pra você também, Max.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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MAX Bom dia.
BERTADia.
MAX Quantos?
ROSANA Três. Você pode me dar agora, pra mim meter na marmita antes do pessoal chegar?
MAX (dando a Rosana) Mas não esquece minha torta amanhã, hein?
ROSANA Tem. Mas você toma conta das tortas e deixa os bolos comigo.
DIANA (mostrando o restaurante à Violeta, uma garçonete nova) Por aqui se vai ao restaurante.
VIOLETA Eu não estou acostumada a trabalhar em lugar assim. Eu estava no Cloche D’Argent. (saem)
ROSANA Ótimo, fazemos uma noitada de solteironas. Usamos as costelas que Max me deu.
ROSANA Tem vezes que eu acho uma sorte não ter marido.
PAULA É mesmo.
ROSANA Me desculpa, Paula, eu tinha esquecido.
PAULA Não se incomode por minha causa. Ele era um imbecil. Bom dia, Suzana. (ela não ouve)
Bom dia, Suzana.
SUZANA Que o sol brilhe pra você o dia todo meu querido. (se espreguiçando) Ah, como minha cama
estava boa. Ei Rosana, o que é que aconteceu com o Peter e o Nicolas ontem?
ROSANA Aquele é um imbecil total! Eu nem entendi o que é que estava acontecendo. Como é que foi
Paula?
PAULA Só sei que ele brigou com o Nicolas... o motivo ninguém sabe.
PAULA Vivem brigando na frente de todo o mundo. Gritando um com o outro. Vivem aos berros!
Tem vezes que ela nem olha prá ele. Fica esperando de costas, enquanto ele prepara os
pratos.
SUZANA Coitado do rapaz. Ele não tem pais, você sabe. Mas, o que é que aconteceu ontem?
PAULA O que todo mundo viu, foi que eles de repente começaram a berrar um com o outro. Mas aí
pararam de berrar e partiram apara o físico. Quando Peter ia levando vantagem, Nicolas
puxou uma faca de desossar galinha e foi pra cima dele. Peter fez a faca voar com um
safanão e...
ROSANA ... E aí levantou Nicolas com as duas mãos e ia sentando ele no fogão quente...
SUZANA Foi, sei, isso eu vi. E ouvi também o Nicolas gritar: “Não acabou não, isso não fica assim...”
Mas continuo sem saber o inicio da briga, por que é que começou?
PAULA Que interessa! Eu sempre dou bom dia ao Peter, mas boa noite, nunca. Com ele a gente
nunca sabe como o dia vai terminar.
MAX Foi por uma besteira... foi por causa de uma escumadeira.
PAULA Quem é que sabe, por que foi? Vivem brigando aí, e ninguém sabe como é que começa.
SUZANA Ninguém diria que dentro de duas horas isto daqui vai virar um hospício.
DIMITRI (entrando) Consegui acabar, Paula, olha aí. Está prontinho. (coloca o aparelho na mesa) Não
ficou bonito, isso é que chateia.
PAULA Ah! meu meninão. Isso toca? (olhando em volta) Tem alguém aí?
ROSANA Você mesmo fez? Sozinho? Você juntou todos esses fios e araminhos, sozinho? O que é que
você está fazendo aqui, então? Por que você perde tempo lavando pratos num lugar desses?
Podia ganhar muito mais trabalhando numa fábrica.
DIMITRI Numa fábrica? E você acha que eu ia ficar feliz trabalhando numa fábrica? Que é que eu ia
fazer lá? Humm? Este araminho aqui só. Numa fábrica o sujeito trabalha tanto numa peça só,
que acaba ele virando uma peça, me entende?
DIMITRI Eu falo por que sei. Meu irmão trabalha numa fábrica. Sei muito bem.
SUZANA Escuta, Dimitri, você sabe o que aconteceu com Peter, ontem de noite?
DIMITRI Quase mataram ele. Mas a culpa não foi só do Peter. Estavam todos doidos por uma briga.
Eu não culpo ninguém. Quem quiser que culpe. (liga o rádio, alto – um rock)
TODOS O que!?!
HELLEN (entrando) Sou só eu, pessoal, não tenham receio. Bom dia para todos.
MONICA Deixa pra lá, Rosana. Esquece. Nicolas está com um olho preto. Chega.
MONICA Suzana, a Raquel ficou doente de novo, você se importa de tomar conta da minha praça. O
Hary pediu para eu fazer a recepcionista. Diana você ajuda ela um pouco.
MONICA Ah, é mesmo, formidável! Juntamos as duas coisas , ela ajuda você e você fica de olho nela.
Ao trabalho!
MICHEL (entrando. Para Berta) Bom dia gorducha! Como vai? (apertando a bunda dela)
BERTA Bem melhor que a tua mãe, que está na vida, meu filho. Um dia desses, quando eu tiver um
tempinho, vou passar essa tua roupa bem passadinha, com você dentro.
MICHEL (para Nicolas que acaba de entrar) Você está com o olho preto.
MICHEL Está bem... está bem... puxa, me olhou como se fosse me matar.
MICHEL Ah, quem? Sei lá; tudo maluco! Um dia ainda hei de trabalhar num lugar onde vou criar
obras-primas, um porrilhão de obras. Beef-Strogonoff, Galinha a Kiev, e a pérola dos pratos
da mãe Grécia: Musaka.
NICOLAS Jamé. Nunca vão te encomendar uma Musaka. Batatas fritas sim, se você for capaz de
transformar batata frita numa obra-prima, aí você vai ter freguês. Eles comem batatas fritas
com tudo nessa terra.
MICHEL Olha aqui, ô! Não pensa que vocês gregos tem o monopólio de comer bem. Já houve tempo
em que a Inglaterra sabia comer.
HANA (entrando com Kevin) Não sei onde é que você fica. Acho que é peixe frito que eles vão te
dar. (para Paula) Paula, o cuca novo.
PAULA Prazer.
NICOLAS (pegando a bandeja) Ah, não. Isso é pra mim. Fui eu que preparei ontem. É pra minha
salada, isso!
BERTA (puxando) Que tua salada! Apanha a tua salada na lata de lixo!
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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NICOLAS Lata de lixo uma porra. A tua é que tá lá. Eu vou comer essa , que eu fiz bonitinha.
BERTA Não quero palavrão comigo, não, ouviu? Porra é o teu país, tá ouvindo?
NICOLAS Ela me chama de gringo! Vejam só. (aproximando-se de Paula) Ouviram ela? Hein? Vaca
velha! Você tem aí um pedaço de bolo, Paula? (Paula dá um pedaço de bolo – para Nicolas)
Você é o cozinheiro novo?
KEVIN Sou.
NICOLAS Vem cá, te mostro tudo. Pra começar, o cardápio... o chefe escreve aí, toda noite, o que vai se
cozinhar no dia seguinte. Ali é minha praça, bifes e costelas. Este é Max, o açougueiro. Aqui
é onde trabalha Hana; faz a comida do pessoal. Aqui é Hellen, com os assados. Aqui pegado
Frank, o segundo chefe, prepara aves... Aqui bem, você viu aquela gorda escrota brigando
comigo? Ela trabalha nos legumes. Aqui é Michel, sopas e omeletes. Dudu trabalha aqui,
mas hoje está de folga. Essas são Paula e Rosana, massas e doces. Ali trabalha o Peter, nos
peixes e cozidos, ele...
KEVIN Da Irlanda.
(agora quase todo mundo já está na ativa. As garçonetes começam a aparecer, carregam
copos pra lá e pra cá)
FRANK (para, olha para Hana de alto a baixo, vai para sua mesa)
MAX Pois é.
MAX Continuam inteiros. Você me ajuda a limpar as carcassas? Estou sozinho hoje!
FRANK Então quando pedirem carneiro, você manda vitela. (a Kevin) Cozinheiro novo?
PETER (aproxima-se) Muito obrigado, e eu como é que fico? Tenho que fazer sozinho seis pratos
diferentes.
FRANK Dudu está de folga hoje. Alguém tem que fritar o peixe.
PETER Quiuspa! Bosta de casa. Em pleno verão e não tem pessoal. Eu estou com seis pratos
diferentes. Seis pratos, pombas!
FRANK (para Kevin) Você aí, pega o peixe no frigorífico e vem cá comigo.
HANA Ontem você quase que entrou bem!
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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PETER Infelizmente eu estava com a Monica e agora ela não quer falar comigo.
PETER Pra mim dá tudo na mesma. ( Peter e Hana começam a cantar em alemão, terminam numa
gargalhada)
PETER Olha, Nicolas, eu queria te pedir desculpas. Eu lamento muito, o teu olho, sabe... juro,
lamento mesmo...
NICOLAS Claro que vai ter que pedir desculpas. Mas não vai ser assim nessa moleza não, eu te
garanto. A coisa ainda não acabou.
PAULA Que é que há Nicolas? O rapaz está pedindo desculpa, aceita, que diabo!
NICOLAS Ah, é, aceita que diabo, e fica nisso? Ele me bota o olho nesse estado(apontando) depois
pede desculpa e pronto? (para Peter) Eu te repito, fica tranqüilo: o negócio não terminou.
PETER Qual é o negócio que não terminou, me explica? Que é que você quer mais? Quer me
arrebentar o olho também? Isso te satisfaz? Tá bem. (mostrando-lhe a cara com ironia) Vai,
tá aqui o olho. Arrebenta ele e ficamos quites, OK? Não se fala mais nisso.
NICOLAS Não brinca comigo, Peter, tou te avisando: você não sabe com quem tá se metendo!
MONICA (entra se aproxima de Nicolas, enquanto observam as macaquices deles) Ele faz muito
barulho mas te garanto que não é perigoso.
NICOLAS Tá bem, Monica. Não vale o que come, esse teu namorado.
MONICA Deixa eu ver o olho. Ficou uma beleza. Você devia agradecer.
NICOLAS Olha, Monica, não brinca , sim? Já, já, começa a defender esse macaco alemão.
MONICA Foi um acidente, você sabe que foi. Deixa Peter comigo.
NICOLAS Com você? Você é uma pena de galinha! Voa com o vento que sopra.
NICOLAS Ah, controla! O que ele precisa é levar um bom susto, aí ele aprende. O medo é que ensina.
MONICA Mas que medo? Peter é um homem que não tem medo de nada!
HANA (a Rosana que está passando com uma bandeja de doces) Bonjour, Rosana, comment ça va?
MAX (para Hana, com estupidez) Olha, aqui, ô, você está nesse país agora, ouviu? Será que não
sabe falar a puta desta língua? Cada um fala uma língua diferente!
PETER O que é que há Max? Que foi que te assustou? Bebe mais um gole que isso passa.
MAX Se alguma coisa me assustou não foi você, eu te garanto. Portanto é melhor fechar a matraca,
tá?
PETER Sabe qual é o teu problema, Max? Você já trabalhou demais nesse lugar.
PETER Há quanto tempo você está aqui? Vinte anos? Você precisa mudar de ambiente. Visitar outras
cozinhas!
PETER Você não agüenta uma mudança, é isso? Caras novas te chateiam, é?
KEVIN (para Peter) Isto é todo dia assim? (enxuga o suor da testa) Olha só: eu nunca tinha suado
tanto.
PETER Isso não é nada. Isso é só o começo. Espera e você vai ver. Você está pronto?
MARCONI Não se incomode, eu pago bem. Trabalha, só quero isso, trabalha bem. (continua o passeio)
PETER Você acha, é um filho da puta! Fala assim porque é verão e não tem gente o bastante pro
serviço; aí ele fica bonzinho. Eu no fundo quero que ele se foda, assim que me casar,
whisssssst, dou no pé.
PETER (a Monica) Vá pro inferno! ( a Kevin) É minha mulher, isso é, vai ser a minha mulher.
KEVIN Ela parece muito com uma garota que eu tive, com uns peitões enormes e toda rebolante.
MONICA (passando)
PETER Por que você me chama de estúpido; fica o dia inteiro repetindo isso: estúpido, estúpido!?
PETER (seguindo-a) Que é que você está querendo? Me deixar furioso? Que é que você queria que
eu fizesse? Que deixasse ele me bater?
PETER Já vi. Já vi. E você viu a faca que ele puxou prá mim?
PETER (seguindo-a) E quando estiver fazendo a recepcionista no salão não se esqueça que eu posso
ver você pelo espelho.
PETER (resmungando) Vaca! Vagabunda! O restaurante inteiro está te vendo, sua vaca!
( Hana começa a arrumar a mesa para o almoço. Max, Hellen e Frank preparam-se para
comer na mesa de Max. Kevin, Michel, Peter e Hana comem na mesa de Hana. Nicolas
não vai porque recusa-se a sentar com Peter)
MICHEL (gritando) Quem pegou o funil? Nicolas? (acena que não) Peter?
PETER Fui eu que peguei, está sujo ainda. (a Dimitri) Hei, Dimitri, quer lavar isso pro Michel, por
favor?
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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DIMITRI (faz um gesto pornográfico e sai)
SUZANA (puxando conversa) Ei, Peter, o que é que aconteceu ontem de noite?
HANA Não está satisfeita, olhe, o chefe tá lá. Fala com ele...
HANA (volta gritando) Meu rosto! Meu rosto! Eu queimei meu rosto!
HANA Quem foi o desgraçado que deixou uma caneca de água fervendo na estufa?
HANA (se afastando) Casa de filhos das putas. Nunca trabalhei num bordel assim. (Peter e Hellen
acompanham para prestar socorro)
FRANK (com ironia) Ela vai viver. (dispersando o grupo) Está bem pessoal, acabou. (para o chefe)
Não adianta a gente falar, eles largam tudo. (para Max) O camarada novo, vai indo bem?
MAX Parece.
FRANK Não sei, eu não estava lá. Max, que foi que aconteceu?
MAX Alguém deixou uma caneca de água fervendo em cima da estufa, caiu na cara dela.
MARCONI Pois é, ela queimou o rosto. Não foi grave, mas poderia ter sido. (sacode a cabeça e sai)
FRANK O que é que eu podia fazer, Dr. Marconi? Vivem correndo prá lá e prá cá feito malucos.
Estou sempre recomendando cuidado, mas eles não me ouvem. ( a Max) Ele se importa
muito. A cozinha prá ele é a única coisa que tem importância. Mais três anos só, Max, três
anos e aí eu, ó, pico a mula. Me aposento e acabou! Nunca mais piso aqui. O lugar é teu
meu filho.
MAX Ah, não! Não o papai aqui. Já tomo conta desta joça um dia por semana, estou satisfeito. Ela
que arranje outro tarado.
MAX Então? Além de não gostar do trabalho ainda aceita responsabilidades. Não é maluquice?
FRANK Mas se eu não faço isso o meu padrão de vida quem é que mantém, heim, o imbecil?
MICHEL Chefe!
MICHEL Azeda?
FRANK Azeda!
MICHEL Frango?
FRANK Leva costeletas, leva frios, frango não, tá? Frango faz volume. Quando você tiver a minha
idade, digo, a minha experiência, aí você pode levar pra casa os frangos que quiser.
(todos tomam lugares para almoçar. Agora há menos atividades na cozinha. A calma antes
da tempestade. Umas garçonetes se movem, outro varre o chão)
SUZANA (põe as mãos no ombro de Michel) Quem é que está no peixe frito hoje?
KEVIN Eu.
PETER (impedindo Kevin de se levantar) Tem tempo. Acaba de almoçar primeiro. O freguês espera.
MONICA Você sabe que eu não consigo brigar muito tempo. Fico logo com vontade de rir.
PETER Eu te garanto que eu sou bom rapaz. Monica. Quando é mesmo a tua folga?
MONICA Amanhã.
MONICA Não.
MONICA De manhã vou fazer compras. De tarde vou ao cabeleireiro e de noite vou dançar no
Astronauta.
MONICA Para com isso, Peter! Você tem sempre que falar nisso em lugar cheio de gente. Eu não te
agüento! (sai)
PETER (puto, gritando) Auf geht’s Irlandês (para Kevin). Acabou agora. Auf geht’s Irlandês, auf
geht’s.
HANA Mais de pressa, mais depressa! Olha só o Irlandês, daqui a pouco ele nem sabe mais o que
está acontecendo... (risos, começam a cantar Peter/Hana)
1a FASE
HANA Suas, claro, minha querida! Quatro costeletas assim só pra você baby.
MICHEL (troca a sopa que Monica traz. Joga na panela de novo. Devolve a Monica)
DIANA (a Kevin) Dois Linguados. O, diabo, onde é que ele se meteu? (espera)
KEVIN (voltando) Oh, Jesus, Oh, santa Mãe de Deus, ó Virgem Maria!
NICOLAS Pirô!
HANA Duas costeletas de vitela. Oh, Deus! Max costeletas de vitela e salsichas.
MAX Está bem, meu encanto... já vai. (apara a bandeja que Hana lhe atira)
2a FASE
NICOLAS Todo mundo é igual nessa merda. Ninguém ajuda ninguém. Mal começo e já tem um fila que
não acaba mais na minha frente.
PETER Um bacalhau.
MICHEL Um hambúrguer.
VIOLETA Há cinco minutos. Eu gritei bem, você estava conversando com Hana, se lembra?
PETER Não lembro nada. Volta daqui a cinco minutos. Quem é mais?
PETER Você não pediu coisa nenhuma, não vem com história.
HANA (a Laura, que está esperando) Que é que há com você... vai ficar aí esperando eu passar as
costeletas?
FRANK (a Peter) Peter, há dez minutos Violeta ordenou quatro bacalhau maison e ainda não foi
servida.
VIOLETA Meu Deus, meu deus, eu não agüento, eu não agüento, não agüento.
VIOLETA Mas olha só, não posso Suzana. Eu não sei trabalhar desse jeito. Eu não vou me acostumar
nunca a trabalhar assim.
3a FASE
PETER Velhice, querida, velhice, sabe lá o que é isso? Vai pra casa isso é trabalho pra gente moça.
HANA Trabalhou mal, Pete, trabalhou mal hein Lieber. (ri e aponta para Kevin que está com uma
fila enorme em sua praça) Como é Irlandês, está muito ocupado?
SUZANA Dois.
KEVIN Peter, pelo amor de Deus, quer me dar uma mãozinha aqui?
PETER Pronto.
(enquanto Peter está ajudando Kevin, as três ordens seguintes se juntam na sua praça)
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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CLARA Um badejo.
GLORIA Um robalo.
PETER (voltando para sua praça, rindo feito um maluco) Mas olha só! Bom dia, senhoras e
senhoritas. Quem é a primeira? Por favor?
KEVIN Me empresta tua tábua de carne um instantinho só. (apanha a tábua na bancada de Peter)
PETER (para de trabalhar, salta sobre Kevin, e arranca-lhe a tábua) Ah, não, não, meu camarada.
No depósito, apanha uma outra no deposito. Está é minha, eu preciso dela.
KEVIN (se dirigindo ao deposito) Não custava nada bancar o ser humano uns cinco minutos,
custava?
PETER O que é?
CLARA (a Kevin) Meus salmões, bijuzinho, eu pedi dois salmões, você ouviu, por acaso?
KEVIN (voltando) Que merda, espera um pouco. Não pode esperar um minuto?
FABIANA (a Kevin) Três linguados. Aqui não se tem tempo nem de respirar, puxa!
KEVIN Que a benção de Deus não caia nesse bordel: isto não é um restaurante, é um manicômio!
DIMITRI Pratos.
KEVIN Meu deus do céu, ficaram todos doidos mesmo, todos doidos varridos. Eu não vou agüentar.
( neste ponto todas as garçonetes entram num ciclo continuo de ordens, em volta das
praças, enquanto o barulho dos fogões aumenta e a luz vai se apagando em resistência até
BO. Os gritos de comidas, pratos, etctera, continuam na escuridão até que o palco esteja
limpo e pronto para o intervalo)
KEVIN Pronto. Estou pronto. Estou frito. Já viram um homem frito? Podem me servir em fatias no
jantar.
PAULA (ordenando uma refeição) Duas porções de Irlandês ensopado, com guarnição.
KEVIN Vocês viram aquilo? Mil e quinhentos fregueses, metade deles comendo peixe. Eu tinha que
começar numa sexta-feira.
KEVIN (se levantando) Olha pra mim. Estou derretendo. Olha esse avental. (torce) Vê? (deita de
novo) Kevin se você ficar, não dura uma semana, Kevin, tou te avisando. Quem avisa amigo
é, meu chapa, dá o fora logo. Isso aqui não é lugar prum ser humano, você vai morrer antes
do tempo. Não pensa, Kevin, dá o fora.
DIMITRI Ei, Irlandês, o que é que você está resmungando contra esse lugar? É diferente dos outros?
Entra gente, sai gente, muito barulho, muito nervosismo, no fim de contas pra que? Você
sabe? Você faz um amigo, faz uma amizade que vai durar a vida toda mas quando vai embora
pshht! Você esquece! Então que é que adianta ficar aí resmungando contra essa cozinha?
DIMITRI E você é um viado imbecil. Já te disse que o teu papo não me interessa ou me esqueci de
dizer?
KEVIN Pelo amor de Deus, não vamos recomeçar a história do Nicolas. Por hoje chega, tá bem?
Agora é hora da festa nada de brigas, por favor. Vocês não ouvem? É a paz, ó!
DIMITRI (a Peter) Você é um viado.
DIMITRI (segura a caixa com raiva e vai atirá-la em Peter, ele abaixa a cabeça entre as mãos.
Dimitri desiste.)
KEVIN Minha casa é um quarto de empregada com uma cama e um retrato da Virgem Maria. Está lá,
não vai embora.
PETER Isso aqui também, este lugar, vai estar sempre aqui. Não vai embora nunca. Já pensou,
Irlandês? Você taqui, a cozinha talí. A cozinha você. Você a cozinha. A cozinha não quer
dizer porra nenhuma pra você e você não quer dizer picas pra cozinha. Dimitri tem razão,
sabe? Não interessa ficar aí resmungando contra esta cozinha. Você sai e o que é que
encontra hein? Escritórios e oficinas! E aí que é que você faz, Irlandês, me diz? Resmunga?
KEVIN Você queria chegar uma bela manhã e descobrir que ela tinha ido embora?
PETER Uma bela manhã, hein? Imagina só! A gente chega e, cadê? Foisimbora. Essa meleca toda
foisimbora.
KEVIN E não é?
PETER Tem os que acham que é maluquice, que é perda de tempo. Mas você sabe lá o que é um
sonho? É quando você larga o que é e vira o que queria ser. Quando um cara sonha ele
cresce, fica maior.
PETER Eu não sou velho demais não. Nunca, nunca velho. Depois de morto a gente fica velho
demais. Aí sim!
HANA Ahs, und du glaubst wir haben hier zeit zum traumen.
PETER Tem sim senhora! Tem sempre tempo pra sonhar. Eu quero sonhar. Todo mundo devia
sonhar, uma vez na vida, eu, tu, ele, nos, vos, eles. Hei, Irlandês, você sonha? Como é que
você sonha, Irlandês? Conta pra nós, vai.
KEVIN Brinca tuas brincadeiras, Peter, me deixa de fora. Já não tenho idade.
PETER Você sabe quando um homem não é homem? Quando começa a ter vergonha de ser criança.
Você está nessa, Irlandês. Você está com vergonha de bancar o infantil. Somos todos amigos
aqui, por que vergonha de sonhar, aproveita a hora. Tou te dando a chance.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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KEVIN Muito obrigado.
PETER Hei, Paula, Rosana, Dimitri, parem o trabalho um instantinho só. Cheguem aqui. Nesse
momento cada um de nós tem uma chance de sonhar. Ninguém ri do outro, tá? Respeito.
Alguém conta um sonho pra nós, só pra nós. Deus nos deu uma chance agora, vamos
aproveitar, cada um com seu sonho. Quem primeiro? Você primeiro, Dimitri, tá?
DIMITRI Neste lugar? Com toda essa panelada em volta de mim, eu sonhar? Ah.
PETER Aí é que está. Não é nada disso. Não tem panela, nada. Aquilo é um arco do triunfo. Faz de
conta. Ali não é uma parede de gordura é o céu. O barulho do fogão é o vento, as lâmpadas
são as estrelas, Dimitri.
PETER E daí? E daí se estou perdendo tempo? É uma coisa que eu tenho muito, posso gastar a
vontade... tempo. Sonha Dimitri, um sonho qualquer, que é que você está querendo?
DIMITRI Uma...uma... não é muita coisa o que eu sonho, besteira, uma casinha, uma espécie de...
PAULA Cabana?
DIMITRI Não.
DIMITRI Isso mesmo. Cheia de aparelhos, ferramentas e eu podendo fazer um porrilhão de rádios,
quem sabe mesmo alguns aparelhos de televisão, e...
PETER Achh, não, seu bobo. Isso é um passatempo, não é o que você sonha realmente. Você quer
mais, muito mais Dimitri...
DIMITRI Eu...eu... não vejo mais nada, Peter. Procuro ver mas acho que é só isso que eu quero, sabe?
KEVIN Se você pensa que por ser Irlandês eu vou começar a falar de duendes e bruxas, está muito
enganado.
PETER Não estou pedindo nada disso. Isso é conto de fadas. Eu quero sonho de verdade, com gente
de carne e osso.
KEVIN Dormir! Quero dormir, sabe? Quase todo mundo dorme e sonha. Eu, ao contrário, sonho com
dormir.
PETER Que é que há com vocês todos? Hana, você, me diz teus sonhos.
HANA Dinheiro! Geld, Pete geld! Com dinheiro eu sou boa! Sou generosa! Amo todo mundo!
Dinheiro Pete! Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! (continua cantando)
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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PETER Rosana?
PETER Eu te imploro.
PAULA Não!... Olha, Peter... eu vou te dizer uma coisa. Vou ser sincera com você. Você promete que
não se aborrece com a minha sinceridade? Não? ... Então eu vou ser sincera. Eu não vou com
a tua cara. Eu não gosto de você, mas não é só isso. Eu acho você um porco! Você é
grosseiro, invejoso, incompetente no trabalho, vive brigando! Mas agora, o trabalho parou
um pouco e eu estou começando a compreender você. Quer dizer, continuo a achar você um
porco, só que agora o porco já não é tão porco, pois é! É com isso que eu sonho. Sonho com
um amigo. Talvez as pessoas que eu acho que são porcos não são tão porcos assim. Dimitri
tem razão, se o mundo está cheio de cozinhas, tem que haver porcos, é lógico!
KEVIN Calma, confeiteira, calma. Está tudo calmo agora. Vai devagar.
(após um silêncio)
PETER Shhhhhh. Shhhhhhiiu! ( fica embaraçado e tímido) Não posso. Não posso.
PETER Acabou! Já vou, já vou. Hei, Irlandês, você vai ter que voltar logo pro trabalho. Vai pra casa
mudar de roupa. Auf geht’s, auf geht’s . (sai com Monica)
KEVIN Se querem saber minha modesta opinião, tudo isso é besteira. Não vejo nenhum sentido
nessa conversa toda. Também não vejo nenhuma sinceridade nesse cara. Fica aí falando de
sonho de paz, mas quando eu peço a tábua pra cortar uns limões ele me agride como um
assassino. Sonhos, tá bem! (acena e sai)
(Dimitri começa a cantar uma canção grega, Nicolas entra, começa a cantar, Hana entra
na onda, e pouco a pouco começam a dançar uma dança grega... E no fim da dança,
Dimitri começa a chutar uma caixa de papelão como no futebol, Michel entrando
intercepta a caixa)
MICHEL E agora o grande Michel, ponta esquerda, o genial Michel está de novo com a pelota. Avança
outra vez. Momento dramático na partida. É a última oportunidade de sua esquadra neste
campeonato. Toda a defesa do Arsenal cerca o grande Michel artilheiro. Ele hesita1 Vai
passar, passou! Passou um, driblou outro, engana o terceiro, vai chutar, chutou é
Goooooooooooooollllll. Sim senhores é gol do genial Michel! Que gol, que menino de ouro!
(comemora com os outros)
PAULA É parece que tiveram uma bela tarde. E você Michel aproveitou bem o tempo?
MICHEL Duca! Uma tarde duca! Parque, um bom banho de sol, um cochilo na grama, as garotas
passando, ahhh! Você é que tem sorte. Fica aqui a tarde inteira. É duro a gente estar lá no
bem bom, e ter que voltar.
MICHEL Eu gosto de trabalhar. Essa volta de tarde é que é fogo. A velha Hellen não se importa. Pra
ela é tudo igual. Entra sai, cozinha, serve, dá tudo no mesmo.
(Peter e Hellen entram, Peter fica sem saber o que fazer. Aos poucos todos vão voltando)
HELLEN (para Peter) Vamos lá, Peter, vamos lá, pega no trabalho que não vai doer nada. Mete os
peitos descarrega tua raiva. Que é que você tem, está doente?
PETER Tenho.
PETER Hellen, você entra aqui de manhã, vai direto ao trabalho, não pergunta nada a ninguém, não
dá satisfação a ninguém. Está pronta para o serviço antes de qualquer um de nós, nunca se
afoba. Me diz aqui, isso é uma boa casa?
HELLEN Olha Peter, já trabalhei em lugares onde podia cozinhar direito. Mas agora não me interessa
mais. Agora eu trabalho só pelo dinheiro.
PETER (a Michel enquanto procura o fósforo) Mas você gosta disso aqui, não gosta?
MONICA (aproximando-se da praça de Peter) Você ainda está furioso? Me desculpa eu ter te largado
lá no meio da rua. Sinto muito.
PETER Você sempre sente muito... depois, me larga ali feito um cachorro e sente muito.
PETER Não interessa? Por aí. Vai, te manda! Vai pro salão, que tá quase na hora. Me deixa em paz.
MONICA Olha ai. Vê se pode... depois você não sabe por que é que eu vivo assim baratinada... isso é
maneira? A gente nunca sabe como agir com você! Eu venho pedir desculpas, digo que sinto
muito, tomo cuidado com as palavras e ai... você...você... (sai)
FRANK Porque eu gosto dela, por que?! Por que casei com ela, porque eu gosto dela. E você? (a
Max)
MAX Porque ela me disse que eu era muito grande pra minha idade.
FRANK (a Kevin) Hei, o que você está pensando que isso daqui é? Um parque de diversões? Vai
cuidar do teu trabalho, vai.
KEVIN Porra, eu só fico até de noite nesta merda. Vou embora hoje mesmo.
VIOLETA (entrando no papo) E as garçonetes, que é que você diz, hein? Nos tratam como cadelas,
todo mundo nos empurra pra lá e pra cá nos pontapés.
FRANK Calma, Violeta. Você já passou o pior, que foi servir o seu primeiro almoço aqui. É o pior, eu
te garanto. O jantar é mais tranqüilo, ninguém vai te empurrar.
VIOLETA Eu já trabalhei em lugares em que a gente tinha que saber andar como bailarina, tinha
espaço para trabalhar, era civilizado.
VIOLETA A gente tinha que entrar na fila e ser examinado antes de começar o trabalho. Era civilizado.
Aqui eu estou cheia de manchas roxas!
NICOLAS (apontando o dedo para Max, furioso) Não, e não, nunca mais! Não quero ouvir uma
palavra, não interessa!
MAX Tá bem, ué, tá bem! Você quer? Tá bem! Estou cheio de carregar você nas costas, atrás de
mim o dia todo. ”Max isso!”, “Max aquilo.”, “Você sabe Max?” “Como é que eu faço Max?”
Max não é teu pai não.
NICOLAS Ainda bem que essa merda não é meu pai. Meu pai era um homem direito, generoso. Ele
criou nove filhos, tudo gente de bem... papai...
MAX Que papai nada! Morreu quando você tinha três anos, deixa ele descansar em paz.
MAX (gritando para Berta) Berta, o teu marido está te procurando, olha aí. (riso geral)
VAGABUNDO (a Kevin) Desculpa, sim. Eu queria falar com o chefe. Quem é o chefe?
VAGABUNDO Me desculpa, chefe (mostra o joelho) Sou invalido de guerra, geralmente não vivo pedindo
comida, mas hoje, o senhor vai me desculpar, perdi minha caderneta de pensão e,,,,
FRANK Michel! Pega uma lata e dá um pouco de sopa prá ele.(sai para a dispensa)
VAGABUNDO (a Kevin) Não costumo fazer isso, mas que é que eu vou fazer?
MAX Anda daí, toma essa sopa logo que nós temos que trabalhar. O recreio já acabou.
PETER (aproxima-se do vagabundo, pega a lata da mão dele e oferece a Max) Você já tomou isso?
Prova!
MAX Ah, que é que há? Não vem com essa não! Tou cagando pra suas atitudes bacanas, eu
trabalho pra ganhar a vida. Imbecil!
PETER (joga a lata de sopa no lixo, vai até a praça de Hana, pega duas costeletas de vitela e dá ao
vagabundo) Toma essas costeletas, agora da o pira, vai, depressa!
PETER Afinal de contas o que é que é um par de costeletas. A gente vai abrir falência por causa
disso?
FRANK O que é que é, é que uma costeleta custa quatro mangos, o que é que é, é que o chefe aqui
sou eu e...
CHEFE (seguindo-o irritado) E não pensa que porque tem muito trabalho eu não te mando embora,
hei? Três anos não é coisa nenhuma, tá me ouvindo? Brinca comigo que eu te ponho no olho
da rua.
CHEFE Um vagabundo.Peter deu uma costeleta a ele, vai ficar sem jantar.(volta a sua praça)
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
32
MARCONI (balança a cabeça) Sabotagem. (pausa) O que vocês fazem comigo é sabotagem. Toda a
minha vida está aqui e vocês a entregam ao primeiro vagabundo que aparece.
MARCONI Eu sei, eu sei. Sou eu que estou errado. É natural, sou sempre eu, claro. (sai para o
restaurante)
PETER Deus do céu, você sabe que eu não sei? Só sei que se, se... se...
PETER Já imaginou? Cada vez eu sonho mais com isso. Chegar aqui um dia e não encontrar esta
merda.
PETER Não posso, não posso! (triste) Não posso sonhar numa cozinha! (chuta uma mesa)
BERTA (entrando com Monica) Por que você não dá o fora daqui, uma moça como você...
BERTA Faz a trouxa, Monica. Estou falando de Peter, acaba com isso.
MONICA Duas vezes eu fiquei grávida dele, sabe? Duas vezes eu tirei a criança. Ele queria o filho, as
duas vezes, ficou muito decepcionado. É a gente tem que acabar com isso.
BERTA Por que é que é tão difícil dar o fora?
MONICA Belo futuro o nosso. Por falta de desculpas a gente não vai morrer. Antes, depois, no meio.
Primeiro foi você, depois eu, agora...
PETER (rindo) Tive uma briga por causa de um mendigo que entrou aí. O Dr. Marconi e o chefe
mandaram dar sopa para ele numa lata. Eu joguei a lata fora e dei duas costeletas ao pobre
diabo.
PETER (imitando) “Sabotagem, vocês entregam a minha vida ao primeiro vagabundo que aparece. “
PETER (carinhoso) Escuta, você sabe onde é que eu fui hoje de tarde? Fui comprar teu presente de
aniversário.
HELLEN Tudo bem, agora sem tumultuar levem ela para o restaurante, sem tumulto. (o grupo se
dispersa enquanto Nora é levada para o restaurante)
PETER Você acha que nós precisávamos passar por isso? Eu não me importo de ser responsável.
Afinal é meu filho.
VIOLETA (submissa, a Peter) Você já está servindo Peter? Eu quero três badejos especial. Pedido da
Dra. Marconi.
(o serviço está começando. O serviço do jantar não é tão violento quanto o do almoço e
leva muito mais tempo para adquirir plena velocidade. As garçonetes começam a
trabalhar)
KEVIN Eu preferia um jaguar. É muito luxuoso. Eu era capaz de morar num jaguar.
NICOLAS Você já viu o novo citroen? Pegaram uma rã, botaram quatro rodas e estão vendendo como
carro. Francês é fogo.
HANA Isso não quer dizer nada. O Volkswagen também tem cara de poucos amigos e é um carrão.
SUZANA (a Max) Já soube o que aconteceu com Nora? Levaram ela pro hospital.
SUZANA Ela fez de tudo pra ninguém notar. Por isso é que desmaiou.
MAX Aborto?
SUZANA Falar é muito fácil, ela já tem dois filhos. O Marconi está puto lá fora. Ela começou a se
sentir mal no salão. Tiveram que segura-la.
SUZANA Andou tomando umas injeções meio violentas. E vou te dizer, aqui tem pelo menos mais
duas garotas na mesma situação dela. Tomaram a mesma porcaria.
SUZANA Sabe quem é uma das duas? (aponta Peter com uma inclinação de cabeça)
MAX Monica?
SUZANA (afirmando com a cabeça) Não vai dizer a ninguém que eu te contei, hein? (continua seu
percurso)
SUZANA Dois salmões (a Peter, que está sentado de costas para sua praça) Acorda Peter, vamos
trabalhar. Manda dois salmões. (Peter levanta lentamente para servi-la)
MAX Isso não adianta. Só tem uma maneira, é tirar por onde entrou... uma injeção (gesto negativo)
NICOLAS Que é que é, Max, agora você entende disso? (zombando) Um doutor!
MAX Entendo disso, sim senhor. Aprendi no exército. Lá a gente não tem o que fazer e fica
estudando essas coisas.
CLARA (a Hana) Um badejo.
VIOLETA (a Peter) Dois salmões. (como já há uma fila ela procura se servir sozinha)
PETER (a Violeta) Quer esperar que eu sirvo? Eu sirvo. Você pede, eu sirvo!
VIOLETA Espera aí, que merda você pensa que é, hein? Vai mandar na tua mãe, tá ouvindo?
PETER Você não precisa se preocupar com a merda que eu sou, eu sou o cozinheiro daqui, tá certo?
Você é a garçonete, combinado? Lá no salão você pode até fazer cocô em cima dos fregueses
que não me interessa.
VIOLETA (pegando outro prato) Não pensa que eu vou receber ordens de você, seu... eu....
PETER (berrando e tirando o prato das mãos dela) Larga isso! Deixa isso aí! Eu te sirvo! Eu! Eu
sou o rei aqui. Eu moro deste lado e aqui ninguém entra! Foda-se!
VIOLETA (muito calma) Boche de merda. Nojento, alemão filho da puta! (larga sua bandeja na mesa e
vai saindo)
PETER De que é que você me chamou? O que é que eu sou? Repete. (berrando) Repete!
( todos olham. Peter pega o cutelo, todos recuam, ele olha para Violeta, mas ela não é o
inimigo, então com um grito “auf geht’s ele ataca alguma coisa com golpes violentos. Os
fogões se apagam. Um instante de total silêncio. Tentam dominar Peter, mas ele se solta e
foge para o restaurante, alguns o seguem)
MICHEL Puta merda, ele arrebentou o tubo de gás! Dimitri fecha o registro!
( ouve-se barulho de louças e vidros caindo no chão, gritos algumas garçonetes entram
assustadas, vindo do salão)
KEVIN Virgem Maria, mãe de Deus, ele ficou maluco. O cara tá maluco!
DIMITRI O porra louca! Eu sempre disse que ele era maluco. Quebrou a louça que estava empilhada
no balcão.
( o grupo na porta abre passagem para Hana e Hellen que trazem Peter. As mãos de Peter
estão vermelhas de sangue. Manchas de sangue também na cara. Parece terrivelmente
cansado. Michel arranja um banco)
MONICA (abre caminho, está soluçando. Traz uma caixa de medicamentos e um pano. Hellen tira o
pano da mão dela. Tenta passar um liquido nas mãos de Peter. Ele a empurra. Vai embora
correndo. Hellen enrola a mão de Peter no pano)
FRANK (curvando para Peter) Imbecil! (pausa) Imbecil! E agora? Parou a cozinha inteira! Ninguém
mais trabalha. Viado!
FRANK (furioso) O que é que você quer dizer com isso? Quer dizer que eu não tenho autoridade?
HELLEN (delicadamente tirando, Frank) Deixa ele, chefe, deixa ele agora.
CHEFE Responde aí, o calhorda, o que é que você quer dizer: “afinal ele resolveu tomar uma
atitude?” É você quem vai me ensinar a tomar atitude, é? Eu trabalho quarenta anos e de
repente chega um merda qualquer e vai me ensinar o que é que eu devo fazer, é isso? Quem
é você?
MARCONI (terrível e calmo) Você parou a minha vida inteira. (pausa) Deus te deu permissão para fazer
isso? Você pediu a Deus pra fazer isso? Você entende; só se foi Deus porque ninguém,
ninguém... tem esse direito. Entendeu? Ninguém!
HELLEN Está bem. Vai com calma, Dr. Marconi. O rapaz já sabe que tem que ir embora! Deixa ele em
paz.
MARCONI (para Frank) Por que é que todo mundo quer me sabotar, Frank? Eu dou trabalho, eu pago
bem, não pago? Deixo todo mundo comer à vontade, ou não deixo? Eu não sei mais o que
fazer pelos que trabalham comigo. O sujeito trabalha, come, eu pago a ele. A vida não é isso?
Então onde é que está o meu erro, deve haver um erro, Frank. Eu vivo num mundo direito,
não vivo? (a Peter) E você vem com um golpe e para o meu mundo, um moleque! Parou o
meu mundo! Alguma explicação tem de ter. ( ao pessoal) Há alguma coisa que eu não saiba?
MARCONI Imbecil de merda! O que é que você quer mais? Me diz? (Peter para olha para Marconi e
sai) O que é que você quer mais! (olhando para o pessoal e gritando) O que é que vocês
querem mais? O que é que vocês querem mais? O que é que vocês querem mais?
FIM
P A 2 – B / Noite
Espetáculo: A Cozinha
OBS: Este é um espetáculo onde os atores/alunos ficam a maior parte do tempo em cena (o espetáculo
retrata uma cozinha de um restaurante que serve 1.500 refeições por período), e para isso precisamos
de uma boca de cena grande. A largura nos interessa bastante, então seria ideal o Teatro 2. (a
princípio estamos ensaiando pensando no Teatro 2, se for possível seria o melhor para o exercício
cênico)
A COZINHA
A ESCOLHA DO TEXTO
A Cozinha, de Arnold Wesker, é uma peça que nos apresenta um único dia na vida de profissionais
que vivem nas cozinhas dos grandes restaurantes. Um dia realmente cheio de acidentes e incidentes. Diante
de nossos olhos desfilam amores clandestinos, uma briga a faca, um banho de água fervente, abortos, piadas,
humor negro, fofocas e finalmente, um escândalo. Tudo sob pretexto bastante claro: mostrar o que acontece
na vida de pessoas presas a atividades monótonas, extremamente práticas, pouco estimulantes e nada
criativas. Pessoas que, em decorrência disso, tornam-se frustradas e completamente limitadas. É uma
metáfora do mundo, com seus desníveis sociais e conflitos de diversas origens.
Inicialmente a coragem de ousar um espetáculo de grande magnitude. Acreditamos que um grupo jovem
pode e deve defrontar-se com grandes textos. Correr grandes riscos, por que não?! O trabalho de ator que a
peça propõe, passa por eixos de confronto de dupla natureza, Ator-personagem e Personagem-platéia. Ator
que tem a capacidade de mutar, mudar sua estrutura gestual à procura da caracterização precisa de um
cozinheiro. Relação entre os personagens através de diálogos e intenções que nos revelam comportamentos e
hábitos largamente adquiridos. Para os atores foi apresentado um desafio, criar estes personagens a partir da
sintonia entre a mímica (descascar legumes, fritar, varrer, etc), a ação física e verbal como forma de
expressar o universo interior de cada personagem. Fazemos um convite ao público para juntos espiar o
interior desta grande cozinha. Queremos abrir as portas e janelas para deixar que o olhar do espectador se
movimente livre e solto nessa agitação toda, nessa confusão toda.
O AUTOR
Arnold Wesker nasceu no East End, periferia de Londres, em 1932, numa família da classe operária judia.
Trabalhou durante alguns anos nos mais variados serviços. Posteriormente fez um curso de cinema. Sua
primeira peça, “Sopa de frango com cevada”, é de 1958 e junto com, “Raízes”-1959, e “Estou falando sobre
Jerusalém”-1960, confirmam a famosa Wesker Trilogy. A trilogia sobre as famílias judias pobres à procura de
melhores condições de vida. Em 1961 escreveu o texto definitivo de “A Cozinha” que iniciara em 1959 e no
ano seguinte, “Batatas fritas a vontade”, entre outras peças posteriormente escritas. Quase todas suas peças
foram representadas no Royal Court Theatre de Londres. Foi um dos primeiros a criar um centro de cultura
alternativa, o Centre 42, primeira tentativa, na Inglaterra, de descentralização do teatro de das artes em geral,
realizada com apoio de entidades sindicais. Ele faz parte do movimento dos “Jovens Irados”, que foi o início
de uma nova dramartugia inglesa. Um movimento variado, dissonante e aberto onde escritores acadêmicos
como Robert Bolt e Peter Shaffer, paradoxais como Harold Pinter, irônicos como John Arden e o próprio
Osborne, coexistiam ao lado de um socialista apaixonado, astuto e ingênuo ao mesmo tempo, chamado
Arnold Wesker.
O GRUPO
O grupo surge de alunos do Teatro Escola Macunaíma somados a convidados. Montar a Cozinha para nós,
antes de tudo é muito mais que um exercício dramático ao fim de um período letivo. A Cozinha é uma lição
diante do trabalho em si e diante da carreira escolhida. Percebemos a dificuldade de se fazer teatro num país
onde ele é elitizado. Para nós atores do Grupo, trata-se da escolha definitiva de não mais brincar de teatro. A
opção de continuarmos em frente, chegarmos até aqui mais completos. É o teatro como opção / profissão.
ENTRADA -Max entra, põe uniforme, espirra, acende os fogões, toma um gole entra Berta ( COMEÇA
COM OS CONTRAS E VAI ENTRANDO COM O GERAL. QUANDO ELA ENTRAR O
GERAL JÁ ESTÁ PRONTO NÃO NECESSARIAMENTE 100%.
PAPOS ALTERNADOS
MAX (com raiva) Um segundo, porra, eu não posso fazer tudo ao mesmo tempo!
NICOLAS Todo mundo é igual nessa merda. Ninguém ajuda ninguém. Mal começo e já tem um fila que
não acaba mais na minha frente.
1A O FOGÃO
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
41
2A O KEVIN
3A AS MENINAS NO FUNDO (PRATICÁVEL)
4A VAI ENTRANDO COM O GERAL QUE O VARREDOR VAI FALAR
VOLTA DO ALMOÇO
DEPOIS DA DANÇA
O FUTEBOL
E AÍ A COZINHA JÁ ESTÁ NO SEU RITMO DE NOVO
PAPOS ALTERNADOS
FINAL