Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Este trabalho procura explorar a origem do mito do Perigo Amarelo e suas funções
no imaginário ocidental durante os séculos XIX e XX, traçando um panorama geral de acon-
tecimentos que levaram à criação de paranoia que culminou em políticas deliberadamente
excludentes e, em algumas ocasiões, numa forma de racismo letal. Desde a suposta origem
do termo até o final do século XX, aqui estão expostos alguns exemplos de violência, tanto
popular quanto institucionalizada, causados pela lógica do inimigo comum.
O medo e o fascínio pelo Outro são tão antigos quanto o Império Persa, mas a
ameaça da dominação do mundo moderno pelo “Extremo Oriente” ganhou o nome de Perigo
Amarelo (die gelbe Gefahr em alemão, ou Terror Amarelo ou, também, Espectro Amarelo)
entre o final do século XIX e o começo do século XX. Embora nas primeiras décadas de
1800 já houvessem obras escritas que se referiam à invasão mongol da Europa no século
XIII como “o maior Perigo Amarelo na Idade Média” (CHEN, 2012, p. 6-7), a origem do termo
em sua conotação atual é traçada ao Imperador Guilherme II da Alemanha (WING-FAI,
2014), que, numa carta de 1895 endereçada ao czar Nicolau II da Rússia, responsabiliza o
czar de “cultivar o continente asiático e defender a Europa das incursões da Grande Raça
Amarela” (PALMER, 2009, p. 31).
Guilherme II, assim como outros líderes e seus conselheiros de nações ociden-
tais, instrumentaliza o medo do Perigo Amarelo – isto é, a tomada do controle hegemônico
por nações asiáticas, vistas como inassimiláveis e retrógradas em relação ao Ocidente, e a
consequente subversão de ideais tradicionais, como o liberalismo individualista, o cristia-
nismo, etc., que fundamentam a vida ocidental –, criando uma ameaça no imaginário da
população e transformando-a num slogan que justifica suas políticas imperialistas no Leste
Asiático, especialmente na China (CHEN, 2012).
Essa narrativa é tecida, em primeira instância, no potencial ‘despertar econômico’
chinês. Com sua densidade demográfica crescendo rapidamente (já representando ¼ da
população mundial na época), seu vasto território e recursos naturais (IRELAND, 1900), o
Ocidente teme a industrialização da China e seu possível avanço econômico.
O futuro pertence à raça branca, nada temam. Ele pertence ao anglo-teutônico, o ho-
mem que veio do norte da Europa, de onde você, a quem os Estados Unidos pertencem,
veio – o lar dos alemães. [O futuro] não pertence aos amarelos ou aos negros ou aos
de cor oliva.3
1
Neste texto, uso o termo “racismo” para definir o tratamento de asiáticos e sua diáspora, visto que
a discriminação era sistemática e endossada pelo Estado.
2
http://web.archive.org/web/20121014114252/http://www.usc.edu/libraries/archives/la/scandals/chi
nese_riots.html. Visitado em 29/08/2016.
3
Tradução livre: “The future belongs to the white race, never fear. It belongs to the Anglo-Teuton, the
man who came from Northern Europe, where you, to whom America belongs, came from — the home
of the German. It does not belong — the future — to the yellow or to the black or the olive-colored.”
(http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/08/the-future-belongs-to-the-white-
race/373456/). Visitado em 29/08/2016.
pontuar, no entanto, que a modernização do poder bélico nipônico – que começou em 1868,
com a Restauração Meiji – não foi o único fator que contribuiu para a derrota chinesa; o
Império Celestial já estava enfraquecido antes da campanha expansionista do Japão, pois,
logo após a Primeira Guerra do Ópio (1839—1842), britânicos e franceses se aliaram em
investidas militares contra a China de 1856 a 1885 (CHEN, 2012).
Fecha-se o século XIX com a China lentamente saindo do ponto focal do Perigo
Amarelo. A emergência do Japão como potência militar na Ásia, que o torna um entrave para
os planos de hegemonia dos EUA e da Inglaterra no Pacífico, é quase simultânea com a
entrada em massa de imigrantes japoneses no Ocidente (LYMAN, 2000). Começa-se a fa-
bricar uma nova ameaça.
4
A Immigration Act de 1924 foi uma lei parecida com a Chinese Exclusion Act de 1882 que proibia a
imigração asiática no país, dificultava a naturalização de imigrantes já lá presentes e impunha outras
limitações severas de direitos.
às Potências do Eixo e concretiza-se como o novo Perigo Amarelo, uma ameaça militarizada
direta às nações do Ocidente. Esse evento leva à construção da imagem do “súdito do Eixo”,
denominação designada a imigrantes alemães, japoneses e italianos e seus descendentes
(PERAZZO, 2009). O japonês “súdito do Eixo” é caracterizado como perverso, extrema-
mente inteligente, astuto e eficiente; isto é, uma reciclagem do personagem fictício Doutor
Fu Manchu, supervilão criado pelo escritor Arthur Sarsfield Ward, mais conhecido como Sax
Rohmer. Fu Manchu antes representava a sinofobia numa síntese de todas as ansiedades
a respeito dos chineses, mas, no cenário da Segunda Guerra Mundial, são os japoneses
que assumem esse papel.
6. Conclusão
7. Referências bibliográficas
CHEN, An. On the Source, Essence of “Yellow Peril” Doctrine and Its Latest Hegemony “Var-
iant” – the “China Threat” Doctrine: From the Perspective of Historical Mainstream of Sino-
Foreign Economic Interactions and Their Inherent Jurisprudential Principles. In: The Journal
of World Investment & Trade, Vol. 13. Martinus Nijhoff Publishers, 2012.
HEALE, M. J. Anatomy of a scare: Yellow Peril politics in America, 1980—1993. In: Journal
of American Studies, Vol. 43, Issue 1. Cambridge University Press, 2009.
IRELAND, Alleyne. Commercial Aspect of the Yellow Peril. In: The North American Review,
Vol. 171, No. 526. University of Northern Iowa, 1900.
KAWAI, Yuko. Stereotyping Asian Americans: The Dialectic of the Model Minority and the
Yellow Peril. In: The Howard Journal of Communications, Vol. 16, Issue 2. Routledge,
2005.
LEE, Erika. The “Yellow Peril” and Asian Exclusion in the Americas. In: Pacific Historical
Review, Vol. 76, No. 4. University of California Press, 2007.
LYMAN, Stanford M. The “Yellow Peril” Mystique: Origins and Vicissitudes of a Racist Dis-
course. In: International Journal of Politics, Culture and Society: Vol. 13, No. 4. Human
Sciences Press, Inc., 2000.
MAHONEY, Josef G. Orientalism, “Yellow Peril,” and the “New Yellow Journalism”. In: Fudan
Journal of Humanities and Social Sciences, Vol. 9, Issue 1. Springer Publishing, 2015.
PALMER, James. The Bloody White Baron. Nova Iorque: Basic Books, 2009.
SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1990.
SHIM, Doobo. From Yellow Peril through Model Minority to Renewed Yellow Peril. In: Jour-
nal of Communication Inquiry, Vol. 22, Issue 4. Sage Publications, Inc., 1998.
TCHEN, John Kuo Wei. Notes for a History of Paranoia: “Yellow Peril” and the Long Twenti-
eth Century. In: The Psychoanalytic Review: Vol. 97, Special Issue: Politics and Paranoia.
Guilford Press, 2010.
WING-FAI, Leung. Perceptions of the East – Yellow Peril: An Archive of Anti-Asian Fear.
Review: fascination mixed with fear is how many in the West culturally construct the East.
The Irish Times, 2014.