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AULA 4
SABER INSTITUIDO E SABER
INSTITUINTE
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a u l a
Saber instituído e
saber instituinte
OBJETIVOS Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: Pré-requisito
• Caracterizar os tipos de saber denominados “instituído” Para a compreensão desta
e “instituinte”. aula recomenda-se o estudo
• Compreender a importância do saber “instituído”– das aulas “Pensando o
estabelecido pelo sistema educacional – e do saber conhecimento”, “Saber
“instituinte” – presente na vida cotidiana do aluno. e poder” e “Saber e
• Diferenciar as normas, as leis etc. dos fatos diários que, sabedoria”.
em conjunto, tecem a cultura.
• Identificar o papel das instituições e a trama que se
estabelece, em seu interior, entre o “instituído” – as
normas – e o “instituinte” – a vida.
• Perceber que a escola precisa acolher e favorecer o
desenvolvimento do saber que o aluno traz para dentro dela.
• Conhecer os Quatro Pilares da Educação cunhados pela
Unesco tendo em vista a Educação do Futuro e relacioná-los
com os saberes “instituídos” e “instituintes”.
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seja, é uma forma de união entre pessoas – a denominada união conjugal.
E sabemos que esse relacionamento obedece a uma série de determinações
legais, bem como impõe ao casal uma série de procedimentos, de
comportamentos, de obrigações, além de garantir igualmente muitos
direitos. E tudo isso encontra-se estabelecido, isto é, instituído.
As instituições são lugares onde reina, se não um consenso perfeito,
pelo menos um acordo suficiente para levar adiante uma obra coletiva.
Tomando-se em conjunto as visões de Enriquez (1991) e de Bleger
(1991), pode-se perceber que a instituição está agrupada num conjunto de
normas, regras, atividades impregnadas de valores e funções sociais.
Muitos autores, quando tratam da sociedade, usam imagens para
retratá-la, em sua diversidade e complexidade. Para MARX, por exemplo, a KARL MARX
sociedade, em sua organização e funcionamento, seria como uma espécie (1818-1883)
Foi um famoso filó-
de edifício, com dois níveis: uma infra-estrutura e uma superestrutura. sofo alemão, talvez
Como em qualquer construção, o que está acima do solo depende do o mais influente
pensador da filosofia
que está abaixo, isto é, dos alicerces, que poderíamos considerar, usando política e crítico da
essa imagem, a infra-estrutura do edifício. Na sociedade, as relações economia em todos
os tempos. Suas
de produção, ou seja, as relações mantidas pelos seres humanos num obras, como O capi-
tal, Manucritos eco-
determinado sistema econômico, fariam parte da infra-estrutura desse nômico-filosóficos e
sistema. Segundo esse entendimento, no capitalismo – sistema econômico A ideologia alemã,
dentre outras, man-
criticado por esse autor –, as relações de produção são determinadas tiveram, até nossos
dias, influência
pelas relações estabelecidas entre o capital e o trabalho. Num dos pólos
decisiva nos estudos
da relação estaria o capital, compreendido pelo dinheiro e os demais e práticas políticas e
econômico-sociais,
meios empregados para produzir; de outro, gerando o que se
estaria a capacidade produtiva, ou seja, a denomina “marxis-
mo”. Por esse moti-
força de trabalho que o trabalhador dis- vo, caro aluno, vale a
pena procurar conhe-
pende para que a produção seja feita. Em cer seus traba- lhos,
tal sistema, o capitalista compra a força muitos deles escritos
em parceria
de trabalho, ou, dito de outra forma, paga com seu amigo
Friedrich Engels.
o salário do trabalhador.
Porém, um edifício não é composto ape-
nas de sua infra-estrutura. Usando essa imagem
para comparar com a sociedade, há, sobre essa
infra-estrutura, uma superestrutura composta
por tudo aquilo que não se pode enquadrar
no nível infra-estrutural da produção material.
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personagem que confere os bilhetes representa a Estrada de Ferro;
você, caro professor, representa a sociedade, ou seja, é um agente
dessa mesma sociedade, incumbido da transmissão de conhecimentos e
saberes existentes e da construção de novos saberes. Ajuda, pois, tanto
a promover o instituído como a introduzir o instituinte, ou seja, o novo,
o transformador. Para tanto, pense bastante no conteúdo desta aula e
veja como as idéias sobre os saberes instituído e instituinte podem ser
consideradas no dia-a-dia de suas aulas.
Nesta aula o que desejamos, também, como maquinistas que
o levam ao encontro dos fundamentos da Educação, é refletir sobre
os saberes que você transmite aos seus alunos. Tais saberes estão
instituídos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os denominados
PCNs, no projeto político-pedagógico da Escola, no livro didático e no
seu planejamento de ensino. Além desses, há os saberes que não fazem
parte desse rol, mas que se encontram presentes no cotidiano da sua “OUTRO”
prática docente. A denominação
“Outro” está sendo
Esses documentos compõem o que podemos denominar “currículo usada aqui em senti-
do filosófico, campo
oficial”, elaborado a partir de uma cultura dominante, com significados que, além do psicoló-
geralmente distanciados da vida do aluno, cujo sentido não é percebido gico e do antropoló-
gico, estuda a relação
por eles, estando muitas vezes afastado de sua realidade. entre nosso “eu” e os
demais seres huma-
O fato é que o aluno, diante dessa falta de sintonia com a realidade nos existentes no
mundo. Problemas
que ele vivencia, acaba por não aprender determinados conteúdos ins-
como a existência
tituídos, mas, com freqüência, demonstra ser capaz de aprender OUTROS do Outro, o fato de
que isso significa
que encontram lugar em sua experiência de vida. uma limitação para a
minha própria exis-
Olhemos para fora, prezado aluno e companheiro de viagem. tência e liberdade; ou
Vejamos como é rica e diversificada a paisagem contemplada pela janela de o reconhecimento do
Outro, intelectual e
nosso trem imaginário. Assim também, diversificados, são os saberes; não emocionalmente; ou,
ainda, a questão da
podemos reduzi-los àqueles estabelecidos, instituídos. O próprio aluno, intersubjetividade e
ao chegar à escola e no decorrer de seu processo educativo, é possuidor da convivência, tais
são problemas funda-
de saberes. É, portanto, necessário que o professor, em sua prática diária, mentais, dado que a
vivência de cada um
permita a construção de uma rica, diversificada e bela tessitura de saberes, de nós no mundo,
nossa condição
integrados e complementares – saberes instituídos e saberes instituintes.
humana, está intima-
mente correlacionada
com a existência do
Outro, também
denominado,
“Alteridade”.
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dentre outros procedimentos, ouvir os pequenos saberes que o aluno traz
da sua casa, da sua vivência nas ruas e em seus grupos de amigos; prestar
atenção e transformar em objeto de estudo e de discussão as letras das
músicas que ele canta; comentar e debater os programas de TV a que
ele assiste; indagar dos que possuem acesso à internet, quais os tipos de
páginas pelas quais navegam e o conteúdo delas.
Atuando assim, caro professor, você perceberá que tais saberes
não estão instituídos nos programas, nos currículos das escolas, nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Por isso, deverão ser trazidos para a
dimensão instituinte e trabalhados em consonância com alguns princípios
fundamentais, como o respeito ao universo dos alunos, à realidade local
e ao modo de pensar, sentir e agir de cada grupo de alunos.
Atuando desse modo, você, caro aluno, estará levando em conta
os Pilares da Educação, resumidos em quatro princípios gerais resultantes
de um importante e abrangente estudo realizado pela Unesco com vistas
a definir o que seja a Educação para o século XXI: aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.
Vale a pena transcrever a síntese desses princípios conti-
da no documento resultante da pesquisa promovida pela Unesco
(DELORS, 2000, pp. 89-102):
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situadas em níveis estruturais ou superestruturais, ou mesmo estarem per-
meando, isto é, percorrendo e constituindo esses níveis, indistintamente.
Este trecho de nossa viagem acentuou para nós a importância
de abrir espaços para a dimensão instituinte, representada, em nosso
caso, como professores, na importância de ouvir o aluno, de abrir
espaço para a bagagem que ele traz consigo obtida na família, entre os
amigos, na comunidade.
A seguir, aprendemos que é possível aproximar os saberes
instituintes dos saberes instituídos existentes na legislação ou nas normas,
como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Por fim, fomos apresentados aos Quatro Pilares da Educação, que
tentam apresentar uma Educação para o novo século, uma forma completa
e abrangente, sintetizada nas quatro formas de aprender: a conhecer, a fazer,
a viver juntos e a ser.
O que você, professor, poderia fazer em sala de aula com seus
alunos, para vivenciar essas idéias e princípios, relacionados com as
dimensões instituída e instituinte? Aqui vão algumas sugestões.
Proponha a montagem de um mural. Os alunos seriam divididos
em dois grupos que pesquisariam e colecionariam figuras, notícias,
fotografias etc., tudo o que pudesse representar o saber instituído e o
saber instituinte, tal como apresentados nesta aula. Em seguida, depois
de uma boa discussão, e ouvidos todos os alunos – com aquele tipo de
escuta de que fala Maffesoli e comentamos nesta aula –, seria montado
o mural, tendo, de um lado, o correspondente ao instituído; de outro, o
equivalente ao instituinte.
Evidentemente, caro professor, essa não será uma tarefa fácil.
Por vezes, vai ser dificílimo distinguir uma dimensão da outra. Isso será
ótimo; levará os alunos a pensar, e esse esforço contribuirá para tornar
mais clara a visão dos dois diferentes tipos de saberes que foram objeto
de estudo neste nosso trecho da viagem.
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• Relendo esta aula consigo perceber a diferença entre as dimensões instituída
e instituinte?
• Após o estudado até aqui, posso avaliar, de fato, a importância de ouvir o aluno e
de considerar todo o conhecimento que ele já traz quando chega à sala de aula?
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