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@s enraivecid@s

Explicações editoriais

Este selo editorial, completamente improvisado, forçadamente des-


provido de melhores meios materiais, mas muito lúcido no que quer e pode,
pretende divulgar por essas bandas de cá uma série de textos revolucionári-
os – completamente ou em grande parte desconhecidos por nós. Algumas
vezes, faremos traduções, outras simplesmente socializaremos traduções já
feitas. Terá um uso estratégico: editará sempre alguns exemplares que pos-
sam servir de matrizes para a reprodução posterior através de fotocópias,
exemplares que deverão ser enviados a indivíduos ou grupos que possam
passá-los adiante. Para facilitar essas operações, as edições virão sempre
neste formato brochura em folhas A4, com vistas a permitir que, em qual- GUY DEBORD P. CANJUERS
quer esquina, após a retirada dos grampos, possam ser reproduzidas e
reencadernadas. Serão edições piratas e pirateáveis.
O método empregado na distribuição será o potlatch, isto é, a entrega
Preliminares para uma definição da
gratuita daquilo que nos diz respeito àquelas e àqueles a quem nos interessa unidade do programa revolucionário
que o receba. Assim, pretende-se realizar uma distribuição não controlada,
por vias não mercantis, baseada apenas e inteiramente na espontaneidade e
nas relações diretas entre as pessoas. Assim, ninguém terá contas a prestar GUY DEBORD
a ninguém. Quem receber um exemplar que o reproduza e passe adiante, se
o quiser e para o quem quiser. Teses de Hamburgo
Quantos aos objetivos últimos deste projeto não pode haver dúvida:
pretende a subversão total do sistema alienado do capitalismo contemporâ-
neo.

@s enraivecid@s
Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário foi
escrito em julho de 1960 por Guy Debord, da Internacional Situacionista, e P. Canjuers,
pseudônimo de Daniel Blanchard, do grupo francês Socialismo ou Barbárie. 1ª edi-
ção: Paris, 1960. Esta primeira tradução para o português, feita a partir do francês,
foi realizada por Emiliano Aquino e Romain Dunand, com participação de Tomás
Rosa Bueno, e encontra-se publicada em www.geocities.com/debordiana/.
Título original: Préliminaires pour une définition de l’unité du programme
révolutionnaire.

Teses de Hamburgo em setembro de 1961. Contribuição à história da Interna-


cional Situacionista foi escrito por Guy Debord em novembro do 1989 e publicado
como anexo 3 de Internationale Situasionnieste 1958-1969 (texte integral des 12
numéros de la revue), pelas edições Fayard, Paris, 1997. Tradução para o portu-
guês de Emiliano Aquino e Romain Dunand.
Título Original: Les thèses de Hambourg en septembre 1961 (Note pour servir
à l’histoire de l’Internationale situationnieste).

Os trechos de “Apresentação dos Preliminares: uma colagem de textos de


seus autores” foram retirados de Guy Debord, Correspondance, volume 2, Paris,
Fayard, 2001; e de Daniel Blanchard, Debord dans le bruit de la cataracte du temps,
Paris, Sens&tonka, 2000.
Edição brasileira: abril de 2002. A Vª Conferência da Internacional Situacionista ocorreu em Gotem-
No copyright: segundo a orientação de todas as publicações situacionistas, burgo, entre 28 e 30 de agosto de 1961, onze meses após a Conferência de
este texto pode ser utilizado da forma que melhor se entender. Os responsáveis pela Londres. Os situacionistas de nove países foram representados por Ansgar-
presente edição brasileira solicitam que se a façam divulgar o mais amplamente, Elde, Debord, J. de Jong, Kotànyi, D. Kunzelmann, S. Larsson, J. V. Martin,
com fotocópias e segundo o princípio do potlatch, tornando-a instrumento de ação Nash, Prem, G. Stadler, Hardy Strid, H. Sturm, R. Vaneigem, Zimmer.
revolucionária e debate teórico.
Informação aparecida na Internationale Situationniste nº 7, abril de 1962 (p. 25).
(em sua Contribuição à crítica da Filosofia do Direito de Hegel). Ela significava,
naquele momento, que não se deveria mais prestar a menor importância às
concepções de nenhum dos grupos revolucionários que ainda subsistissem,
enquanto herdeiros do antigo movimento social de emancipação aniquilado
na primeira metade de nosso século; e que, portanto, seria necessário contar
apenas unicamente com a I.S. para relançar o mais cedo uma outra época de
contestação, renovando, desse modo, todas as bases das quais partiu a
contestação que se constituiu nos anos 1840. O assentimento desse ponto
não implicava a ruptura próxima com a “direita” artística da I.S. (que queria
debilmente continuar ou apenas repetir a arte moderna), mas tornava
extremamente provável esta ruptura. Pode-se então reconhecer que as “Teses
de Hamburgo” marcaram o fim, para a I.S., de sua primeira época – pesquisa
de um terreno artístico verdadeiramente novo (1957-61); e também fixou o
Sumário
ponto de partida da operação que conduziu ao movimento de maio de 1968,
e ao que lhe seguiu.
Por outro lado, ao considerar-se apenas a originalidade experimental,
isto é, a ausência de qualquer redação das “Teses”, a posterior aplicação Apresentação dos Preliminares: uma colagem de textos
sócio-histórica dessa inovação formal é também de todo considerável:
de seus autores
seguramente, ela conheceu depois uma completa inversão. Com efeito, não
muito mais de vinte anos depois, pode-se ver que o procedimento encontrou
um insólito sucesso nas instâncias superiores de numerosos Estados. Sabe- Preliminares para uma definição da unidade do programa
se que, doravante, algumas conclusões verdadeiramente vitais, que repugnam revolucionário
a se inscrever nas redes de computadores, gravações magnéticas ou telex, e
desconfiam inclusive das máquinas de escrever e das fotocopiadoras, após
ter sido geralmente esboçadas sob a forma de manuscritos, são simplesmente
guardadas no coração, sendo o rascunho logo destruído.
As Teses de Hamburgo em setembro de 1961
Esta nota foi especialmente escrita na intenção de ..., que tão Contribuição à história da Internacional Situacionista
incansavelmente tem percorrido o mundo para encontrar os rastros da arte
apagada da Internacional Situacionista, e também de suas diversas outras
graves e impressionantes transgressões históricas.

(novembro de 1989)
GUY DEBORD
As Teses de Hamburgo em setembro de 1961
Contribuição à história da Internacional
Situacionista

As “Teses de Hamburgo” seguramente constituem o mais misterioso


de todos os documentos que saíram da I.S., muitos dos quais foram
abundantemente propalados e outros freqüentemente reservados a uma
difusão discreta.
As “Teses de Hamburgo” foram evocadas várias vezes nas publicações
situacionistas, mas sem que nenhuma citação delas jamais tivesse sido feita:
por exemplo, na I.S. nº 7, páginas 20, 31 e 47; mais indiretamente na I.S. nº 9,
página 3 (no editorial intitulado Agora, a I.S.); e também nas contribuições,
que permaneceram inéditas, de Attila Kotànyi e de Michèle Bernstein, quando
do debate de 1963 sobre as proposições programáticas de A. Kotànyi. Elas
são mencionadas, sem comentário, no “índice de obras citadas”, na página
99 de L’Internationale Situationniste (protagonistes, chronologie, bibliographie),
por Raspaud e Voyer.
Trata-se, de fato, de conclusões – todas propositalmente secretas – de
uma discussão teórica e estratégica concernente ao conjunto da conduta da
I.S. Essa discussão teve lugar, durante dois ou três dias no início de setembro
de 1961, em uma série aleatoriamente escolhida de bares em Hamburgo,
entre Debord, A. Kotànyi e R. Vaneigem, que então viajavam de volta da Vª
Conferência da I.S., ocorrida em Gotemburgo, de 28 a 30 de agosto. Com
essas “Teses” deveria contribuir posteriormente Alexander Trocchi, que não
estava presente em Hamburgo. Deliberadamente, com a intenção de não
Um tal programa não propõe aos homens nenhuma outra deixar vazar da I.S. nenhum vestígio que pudesse expor-se a uma observação
razão de viver senão a construção por si mesmos da sua própria ou uma análise exteriores, nada jamais foi consignado por escrito a respeito
vida. dessa discussão e do que ela concluíra. Foi então acordado que o mais simples
Guy Debord e Pierre Canjuers, Preliminares por uma definição de unidade do
resumo dessas conclusões, ricas e complexas, poderia se reduzir a uma
programa revolucionário, 1960.
única frase: “A I.S. deve, agora, realizar a filosofia”. Nem mesmo esta frase
foi escrita. Assim, a conclusão foi tão bem escondida que permaneceu secreta
O projeto irredutível da I.S. é a liberdade total concretizada até agora.
nos atos e no imaginário, pois não é fácil imaginar a liberdade na As “Teses de Hamburgo” tiveram uma importância considerável, pelo
opressão existente. É assim que venceremos, identificando-nos menos em dois aspectos. Antes de tudo, porque elas datam a principal opção
com o desejo mais profundo que existe em todos, dando-lhe toda na própria história da I.S. Mas também enquanto prática experimental: deste
a licença. último ponto de vista, era uma inovação impressionante na sucessão das
Internationale Sitationniste nº 7, abril de 1962, “Sobre o papel da I.S.” (pp. 17- vanguardas artísticas, que, até aquele momento, tinham todas dado bastante
21)
a impressão de ser ávidas em se explicar.
A conclusão resumida evoca uma célebre fórmula de Marx em 1844
notar que a ciência moderna já faz desde agora um uso central dessa Apresentação dos Prelimares: uma colagem de
experimentação utópica). Esta utopia momentânea, histórica, é legítima; e é
necessária, pois é nela que se esboça a projeção de desejos sem os quais a textos de seus autores
vida livre seria vazia de conteúdo. Essa utopia é inseparável da necessidade
de dissolver a presente ideologia da vida cotidiana, e portanto os laços da
opressão cotidiana, para que a classe revolucionária descubra, com olhar Parece-me que o que se passou desde 1956 na Hungria, em França e
isento de enganos, os usos existentes e as liberdades possíveis. em Bélgica dobrou os sinos de toda uma concepção pós-leninista do movi-
mento operário, com toda a sua problemática, compreendidos aí o anti-
No entanto, a prática da utopia não poderá ter sentido senão se estiver stalinismo “companheiro de rota” progressista e o trotskismo.
estreitamente relacionada à prática da luta revolucionária. Esta, por sua vez,
não pode deixar de lado essa utopia, sob pena de esterilidade. Os É mérito do Socialismo ou Barbárie1 ter desenvolvido uma crítica pro-
pesquisadores de uma cultura experimental não podem esperar realizá-la funda da burocracia. E de haver mantido uma tradição militante enquanto
sem o triunfo do movimento revolucionário, que por sua vez não poderá [Edgar] Morin2 vendeu-se às Edições Seuil ou a outros editores.
instaurar condições revolucionárias autênticas sem retomar os esforços da (...)
vanguarda cultural pela crítica da vida cotidiana e sua reconstrução livre.
Quanto a S. ou B. [Socialismo ou Barbárie], eu era extremamente hos-
4. A política revolucionária, portanto, tem por conteúdo a totalidade til (e sobretudo a propósito dos acontecimentos de 58) à tendência lefortista3.
dos problemas da sociedade. Tem por forma uma prática experimental da Quando ela rompeu, eu escrevi que havia nisso uma confirmação muito feliz.
vida livre mediante a luta organizada contra a ordem capitalista. Logo, o próprio Em seguida, eu reencontrei os camaradas de S. ou B.
movimento revolucionário deve devir um movimento experimental. Desde o
presente, onde existir, ele deve desenvolver e resolver tão profundamente O texto Preliminares feito por [Pierre] Canjuers e por mim (Canjuers
quanto possível os problemas de uma micro-sociedade revolucionária. Essa pelo menos 2/3) exprime muito bem, eu creio, o ponto de contato entre a
política completa culmina no momento da ação revolucionária, quando as I.S.[Internacional Situacionista]4 e o S. ou B. (ainda que não seja necessaria-
massas intervêm bruscamente para fazer a história e descobrem também a mente aprovado por todos os situacionistas ou outros).
sua ação como experiência direta e como festa. Elas empreendem então Na medida em que eu não concebo a I.S. fora do movimento revoluci-
uma construção consciente e coletiva da vida cotidiana — que, um dia, não onário político (e em que o perigo do lamentável arrivismo artístico se recria
será mais aprisionada por nada. sempre pela natureza de nossa atividade, e apesar da artificialidade neces-
20 de julho de 1960 sária de toda a disciplina da I.S.). Na medida também em que não se pode
P. CANJUERS, G.-E. DEBORD permanecer sempre como intelectuais puros, isolados, criticando ou tendo
ilusões sobre tal ou tal partido julgado do exterior, eu creio que é preciso
participar de um reagrupamento dos revolucionários, atualmente em curso
em Bélgica e fora dela, com base em uma crítica sem ilusões, e se um tal
acordo puder ser realizado sobre perspectivas fundamentais.
Eu creio que este acordo pode se fazer com a plataforma constituída a
partir da iniciativa de S. ou B., e tentarei conduzir para isto o conjunto do
movimento situacionista.
[Trechos de uma carta de Guy Debord para André Frankin, de 19 de fevereiro de 1961].

No ano passado, Canjuers tomou contato com a I.S. em Paris e, após


longas discussões havidas entre ele e eu, redigimos Preliminares... que não
é, como o senhor escreveu em N. C. [Notas Críticas] nº 1, uma publicação de II. A política revolucionária e a cultura
P. O. [Poder Operário].5 Esse texto foi de fato publicado pela I.S., como plata-
forma de discussão proposta ao conjunto dos situacionistas e dos militantes
de P.O. Mas se apresentou, de início, sob a responsabilidade exclusiva de 1. O movimento revolucionário não pode ser nada menos que a luta do
Canjuers e eu próprio, sem envolver nenhum dos outros. Era a exposição do proletariado pela dominação efetiva, e a transformação deliberada, de todos
que nos pareceu dever ser aceito por todos (portanto, um pouco frágil em os aspectos da vida social; e, sobretudo, pela gestão da produção e a direção
vários pontos). Em seguida, foi muito discutido e finalmente aceito na I.S.; do trabalho pelos trabalhadores decidindo diretamente tudo. Tal mudança
mas me parece que só se começou a lê-lo no P.O. apenas dez meses depois. implica, imediatamente, a transformação radical da natureza do trabalho e a
Nesse ínterim, Canjuers deixou a França por um ano, e a discussão ficou constituição de uma tecnologia nova que tenda a assegurar a dominação dos
paralisada. Alguns situacionistas tinham todavia começado a participar, em operários sobre as máquinas.
uma situação muito mal definida, nas atividades do P.O.: na França, porque
os atuais problemas arcaicos mais candentes do capitalismo local fazem com Trata-se de uma verdadeira reviravolta [renversement] do signo do
que seja desagradável não se estar ligado a um grupo político; na Bélgica, trabalho que trará consigo numerosas conseqüências, das quais a principal
porque, após a greve [operária, ocorrida entre dezembro de 1960 e janeiro de é, sem dúvida, o deslocamento do centro de interesse da vida — dos lazeres
1961], o momento parecia favorável para se lançar uma organização (cha- passivos à atividade produtiva de tipo novo. Isso não significa que, do dia
mada Pouvoir ouvrier belge). para a noite, todas as atividades produtivas se tornarão apaixonantes em si.
Mas trabalhar para torná-las apaixonantes, por uma reconversão geral e
Onde estamos nisso agora? Uma tendência, muito frágil em todos os permanente tanto dos objetivos quanto dos meios do trabalho industrial, será
pontos de vista, que em seguida às discussões dessa conferência nacional de qualquer modo a paixão mínima de uma sociedade livre.
ensaiara se constituir no P.O., em maio-junho de 61, não pôde fazer nada e
seus membros estão agora dispersos. A evolução seguinte me confirma os Todas as atividades tenderão a fundar em um sentido único, mas
juízos de 5 de maio, que não eram assim tão severos: eu tive ocasião de ler, infinitamente diversificado, a existência até então separada entre os lazeres
três meses após sua aparição, um Boletim interno (nº 25 [abril-maio de 1961]) e o trabalho. A produção e o consumo se anularão no uso criativo dos bens
dando conta dos debates da mesma conferência nacional. É tão cômico na da sociedade.
falsidade que não nos parece muito útil discutir com aqueles que fazem – ou 2. Um tal programa não propõe aos homens nenhuma outra razão de
encobertam – uma tão pesada farsa (o que me parece ser o caso de Canjuers viver senão a construção por si mesmos da sua própria vida. Isto não supõe
tardiamente ressurgido). Os últimos situacionistas se retiraram do P.O.B. em apenas que os homens sejam objetivamente liberados das necessidades reais
novembro. Em Paris, eu tenho mais contato apenas com um ou dois militan- (fome etc.), mas sobretudo que comecem — em vez das compensações
tes do P.O., num plano pessoal (e ainda bastante alterado pela pressão dos atuais — a projetar os desejos diante de si; que recusem todas as condutas
outros). ditadas por outros para reinventar permanentemente a sua realização singular;
[Carta de Guy Debord à J.-L. Jollivet, diretor da revista Notes critiques, de 8 de dezem- que deixem de considerar a vida como manutenção de um certo equilíbrio, e
bro de 1961]. passem a pretender um enriquecimento sem limites de seus atos.
3. A base de tais reivindicações não é mais, hoje, uma qualquer utopia.
É antes a luta do proletariado em todos os níveis; e todas as formas de recusa
Alguns momentos ressaltam-se na existência individual, como se eles explícita ou de indiferença profunda que a instável sociedade dominante deve
fossem de um grão mais duro, de uma firmeza de desenho que os destaca combater permanentemente, por todos os meios. É também a lição extraída
da delicadeza do vivido e de sua insondável ambigüidade. E de fato eles do fracasso essencial de todas as tentativas de mudança menos radicais. É,
mostram-se carregados de um sentido objetivo, transportados que estão pelo enfim, a exigência feita hoje em certos comportamentos extremos da juventude
movimento de um tipo de sobredeterminação histórica. Essa qualidade reve- (cujo adestramento foi menos eficaz) e, agora, de alguns meios de artistas.
la-se freqüentemente apenas no olhar retrospectivo; mas às vezes também
ela é percebida logo à primeira vista. Mas essa base contém também a utopia, como invenção e
experimentação de solução dos problemas atuais sem preocupar-se em saber
É o que me chegou num dia de outono de 1959, quando folheei pela se as condições da sua realização estão imediatamente dadas (é necessário
7. Fora do trabalho, o espetáculo é o modo dominante de primeira vez um número, o 3, eu creio, da [revista] Internationale Situationniste
estabelecimento de relações dos homens entre si [mise en rapport des (I.S.). Eu participava então do grupo Socialismo ou Barbárie (S. ou B.) e da
hommes entre eux]. É unicamente por meio do espetáculo que os homens revista do mesmo nome, na qual eu escrevia sob o pseudônimo – isso era de
tomam um conhecimento — falsificado — de alguns aspectos do conjunto da regra – de P. Canjuers, e um dia que partilhávamos a abertura do correio
vida social, desde as façanhas científicas ou técnicas até os tipos de conduta diário, meu olhar se encontrou captado por aquela fina e elegante publica-
reinantes, passando pelo encontro dos Grandes. A relação entre autores e ção, por sua cobertura cintilante, seu título inverossímil. Eu fui subjugado e
espectadores não passa de uma transposição da relação fundamental entre imediatamente jogado na exploração do que me parecia pouco a pouco como
dirigentes e executantes. Responde perfeitamente às necessidades de uma uma terra nova, um outro mundo – bizarro mas fascinante – da modernidade.
cultura reificada e alienada: a relação que se estabelece por ocasião do
Ora, nós mesmos, de S. ou B., sentíamo-nos na ponta da modernidade,
espetáculo é, por si mesma e irredutivelmente, portadora da ordem capitalista.
e isso era, eu continuo a crer, plenamente justificado. S. ou B. havia rompido
A ambigüidade de toda “arte revolucionária”, portanto, está em que o caráter
com a ortodoxia marxista-leninista para conduzir uma crítica radical dos regi-
revolucionário de um espetáculo está sempre involucrado pelo que há de
mes do Leste, mas também para reformular a crítica do capitalismo a partir,
reacionário em todo espetáculo.
ao mesmo tempo, da análise das formas mais aperfeiçoadas de sua domina-
Isso porque o aperfeiçoamento desta sociedade significa, em boa parte, ção e das experiências mais avançadas do movimento operário. Essas, e em
o aperfeiçoamento do mecanismo de encenação do espetáculo. Mecanismo particularmente a revolução dos Conselhos Operários na Hungria, nortearam
complexo, evidentemente, pois ao mesmo tempo em que precisa ser o primeiro uma reflexão positiva sobre o que poderia ser o conteúdo de um programa
difusor da ordem capitalista, não pode aparecer ao público como um delírio verdadeiramente revolucionário.
do capitalismo; deve relacionar-se com o público integrando em si os elementos
(...)
de representação que correspondem — por fragmentos — à racionalidade
social. Deve desviar os desejos, cuja satisfação a ordem dominante interdita. Lendo aquele número da I.S., portanto, eu compreendia que era um
Por exemplo, o moderno turismo de massa faz ver cidades ou paisagens não encontro de algum modo objetivo que se realizava ali, uma crítica em ato da
para satisfazer o desejo autêntico de viver em tal meio (humano e geográfico), “separação”, se eu posso dizer – para me pôr de acordo com a ênfase de
mas oferecendo-as como puro espetáculo rápido e superficial (e em última meu sentimento de então –; um encontro no extremo da modernidade, sem
instância para permitir evocar a lembrança desses espetáculos, como dúvida escondido a todo outro tanto quanto a nós próprios.
valorização social). O strip-tease é a forma mais nítida do erotismo degradado
A necessidade desse encontro e sua fecundidade nós as verificamos
a simples espetáculo.
em detalhe, Debord e eu, durante os meses seguintes, no curso de longos
8. A evolução e a conservação da arte têm sido determinadas por essas tête-à-tête nos bistrots ou nas baladas sem fins pelas ruas de Paris. O projeto
linhas de força. Em um pólo, é pura e simplesmente recuperada pelo da autogestão generalizada de todos os aspectos da vida social, que o movi-
capitalismo como meio de condicionamento da população. Em outro pólo, ela mento operária portava em seus momentos de criação mais espontâneos,
foi beneficiada pelo capitalismo por uma concessão perpétua privilegiada: a desde a Comuna de Paris até a Hungria de 56, vinha oferecer uma base
da atividade criadora pura, álibi para a alienação de todas as demais atividades social e política ao sonho de um “uso da vida” inventado a cada instante pelos
(o que faz dela o mais caro dos adornos sociais). Mas, ao mesmo tempo, a homens, tal como uma música ou um poema perpétuos. E a subversão da
esfera reservada à “atividade criadora livre” é a única em que estão postas instituição artística e cultural, que a I.S. queria encarnar, vinha prolongar e de
praticamente, em toda a sua amplitude, a questão do uso profundo da vida e alguma forma consagrar na esfera dos valores considerados mais altos, a
a questão da comunicação. Na arte estão baseados os antagonismos entre subversão de todas as instâncias de dominação e de exploração. O texto que
partidários e adversários das razões de viver oficialmente ditadas . Ao sem- finalmente redigimos em conjunto, e pomposamente intitulado Preliminares
sentido e à separação estabelecidos corresponde a crise geral dos meios para uma definição da unidade do programa revolucionário, dá certamente
artísticos tradicionais, uma crise que está ligada à experiência ou à uma idéia da ambição desse intercâmbio, mas ainda pouco de sua riqueza,
reivindicação de experimentar outros usos da vida. Os artistas revolucionários para não dizer nada da amizade que se construiu no curso dessa conversa-
são aqueles que chamam à intervenção; e que intervêm eles próprios no ção.
espetáculo para o perturbar e destruir.
Em um restaurante da rua Mouffetard, em 20 de julho de 1960, nós
chegamos à versão final do que adoraríamos ver como nada menos que um Em toda parte, a enormidade das possibilidades novas coloca a
protocolo de acordo entre a vanguarda da cultura e a vanguarda da revolução alternativa premente: solução revolucionária ou barbárie de ficção-científica.
proletária; título e sua tipografia aprimorados, para que se refira a esse docu- O compromisso representado pela sociedade atual não pode viver senão de
mento como aos Preliminares, dizia Debord – e eu sorria, indulgente e tolo, um status quo que incessantemente lhe escapa em todas as partes.
não compreendendo ainda nada acerca da comunicação. Após isso, nós nos
5. O conjunto da cultura atual pode ser qualificado de alienado no sentido
separamos no verão, cada um devendo circular esse texto entre seus cama-
de que toda atividade, todo instante da vida, toda idéia, todo comportamento
radas. No outono, eu deixei Paris e a França por nove ou dez meses e duran-
só tem sentido fora de si, em um alhures cuja localização, por não ser mais o
te essa ausência eu soube que Debord havia formalmente aderido a S. ou B.
céu, é ainda mais difícil de precisar: uma utopia, no sentido próprio da palavra,
e que ele participou plenamente em suas atividades e em particular em sua
domina realmente a vida do mundo moderno.
intervenção nas grandes greves que sacudiram o Borinage belga no inverno
de 1961. A novidade me surpreendeu. Essa adesão me pareceu ir além da 6. O capitalismo, da linha de produção ao laboratório, tendo esvaziado
aproximação real realizada entre nós; sobretudo, ela me pareceu inútil e, a atividade produtiva de toda significação para si mesma, esforçou-se por
além disso, Debord me dissera que era desejável que, na prática, os dois colocar o sentido da vida nos lazeres, e por reorientar a partir deles a atividade
grupos continuassem a agir cada um em sua via. A notícia de seu desliga- produtiva. Para a moral que prevalece, se a produção é o inferno, a verdadeira
mento – que ele havia justificado por um desacordo sobre o funcionamento vida estaria no consumo, no uso dos bens.
interno do grupo e sobre o papel que ali jogavam algumas personalidades
Mas esses bens, na sua maioria, não têm outro uso senão o de
fortes – me surpreendeu menos. Aparentemente, tentara sublevar a juventu-
satisfazer algumas necessidades privadas, hipertrofiadas para responder às
de do grupo, estudantes em sua maioria, mas isso tinha sido apenas uma
exigências do mercado. O consumo capitalista impõe um movimento de
Fronda. Quanto aos outros membros, eles ignoravam deliberadamente Debord
redução dos desejos, através da satisfação regular de necessidades artificiais,
e a I.S., nesse momento como em seguida.
as quais permanecem necessidades sem nunca terem sido desejos; os
[Daniel Blanchard, “Debord no barulho da catarata do tempo”, texto escrito em 1997 desejos autênticos são constrangidos a permanecer no estado de não-
para a coletânea Romantismo revolucionário, editada por Max Blechman (City Lights Books, realização (ou são compensados sob a forma de espetáculos). Moral e
San Francisco, 1999)].
psicologicamente, o consumidor é, em realidade, consumido pelo mercado.
Também — e isto é o mais importante — esses bens não têm uso social,
porque o horizonte social é inteiramente encoberto pela fábrica; fora dela,
NOTAS tudo é planejado como deserto (a cidade-dormitório, a auto-estrada, o
parque…). O lugar do consumo é o deserto.
1. Socialismo ou Barbárie [Socialisme ou Barbarie]: Grupo francês, surgido Entretanto, a sociedade constituída na fábrica domina sem concorrência
em 1949, de uma dissidência do Partido Comunista Internacionalista (seção france- esse deserto. O verdadeiro uso dos bens é simplesmente um adorno social;
sa da Quarta Internacional trotskista). Este pequeno grupo surge rompendo com a além disso, todos os signos de prestígio e de diferenciação comprados tornam-
análise trotskista acerca do Estado soviético, que, segundo a teoria de Leon Trotsky, se ao mesmo tempo obrigatórios para todos, como tendência fatal da
seria um Estado Operário degenerado, pois os meios de produção não seriam mais mercadoria industrial. A fábrica se repete como signo nos lazeres, tendo
propriedade privada da burguesia, ainda que, com o stalinismo, a democracia dos
contudo uma margem de transposição possível, o bastante para permitir a
conselhos (sovietes) tivesse sido destruída pelo totalitarismo político da burocracia
privilegiada material e politicamente. Contra tal poder totalitário, Trotsky propunha
compensação de algumas frustrações. O mundo do consumo é, em realidade,
uma revolução política. Ao contrário, S. ou B. afirmava que a sociedade soviética era o da encenação de um espetáculo [mise en spectacle] de todos para todos,
um Capitalismo de Estado e a burocracia uma classe proprietária, ainda que a título isto é, o mundo da divisão, do estranhamento e da não-participação entre
coletivo, controlando de fato os meios de produção, pois decidia tudo sobre os inves- todos. A esfera da direção é o diretor [metteur en scène] severo desse
timentos, os salários, os preços etc. Em que pese suas diferenças, este seria um espetáculo, composto automática e pobremente em função de imperativos
fenômeno historicamente similar ao que ocorria no Ocidente, onde também a propri- exteriores à sociedade, expressos em valores absurdos (e os próprios
edade imediatamente privada dos meios de produção eram cada vez mais coletivos, diretores, como homens vivos, podem ser considerados vítimas deste robô
através das sociedades anônimas, e sua direção submetida a uma imensa hierar- encenador [metteur en scène]).
quia anônima. Neste sentido, os social-bárbaros retomavam a análise do trotskista
Um tal funcionamento cultural entra em contradição com o imperativo italiano Bruno Rizzi que, em 1936, publicou um artigo intitulado Onde vai a URSS?,
constante do capitalismo, o de obter a adesão dos homens e de solicitar a no qual afirma que a burocracia era já uma nova classe dirigente. S. ou B. começou
todo instante a sua atividade criadora, no estreito quadro em que os aprisiona. a estudar as formas de resistência anti-sindical dos operários nas fábricas, tais como
Em suma, a ordem capitalista não vive senão sob a condição de projetar sem a sabotagem do trabalho e a desobediência à hierarquia. A partir da revolução hún-
gara de 1956, S. ou B. assume a palavra-de-ordem dos Conselhos Operários. Parti-
cessar diante de si um novo passado. Isto é particularmente verificável no
cipavam desse grupo, dentre outros, Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Jean-
setor propriamente cultural, cuja publicidade periódica está inteiramente François Lyotard. O grupo, por sugestão do próprio Castoriadis, encerrou suas ativi-
fundada sobre o lançamento de falsas novidades. dades em 1964, tendo seus principais nomes encaminhado-se pela carreira univer-
3. Deste modo, o trabalho tende a reduzir-se à pura execução, tornando- sitária.
se então absurdo. À medida que a técnica prossegue a sua evolução, ela se 2. Edgar Morin: Um dos fundadores da revista Arguments, em 1956 (após a
dilui, o trabalho se simplifica, sua absurdez se aprofunda. crise húngara e o XX Congresso do PCUS), ao lado de Roland Barthes, C. Audry, J.
Duvignaud, aos quais se juntaram posteriormente K. Axelos e P. Fougeyrollas. Esta
Mas esse absurdo se estende aos escritórios e laboratórios: as revista, impulsionada pela palavra-de-ordem de Edgar Morin acerca do “revisionismo
determinações finais da atividade destes se encontram fora deles, na esfera geral”, propôs-se na França a retormar a discussão filosófica do âmbito do marxismo
política da direção de conjunto da sociedade. e da dialética, que havia ganho impulso nos anos 20 com as obras de Gyorg Lukács,
Karl Korsch, dentre outros, tendo levado a efeito esse programa, em grande medida,
Por outro lado, à medida que a atividade dos escritórios e dos através da publicação das principais obras desses autores e de outros que retoma-
laboratórios se integra ao funcionamento de conjunto do capitalismo, o vam a discussão acerca da alienação, da dialética, da crítica do dogmatismo etc. Em
imperativo de uma recuperação dessa atividade obriga-o a introduzir nela a 1960, a perspectiva do marxismo e da crítica social é abandonada e, por fim, a revis-
divisão capitalista do trabalho, isto é, o parcelamento e a hierarquização. O ta é fechada. Hoje, Edgar Morin é um sociólogo reconhecido na Universaidade fran-
problema lógico da síntese científica, então, interpenetra-se violentamente cesa.
com o problema social da centralização. O resultado dessas transformações 3. Lefortismo: Tendência que apareceu no interior do Socialismo ou Barbárie,
é, contrariamente às aparências, uma incultura generalizada em todos os da qual participava Claude Lefort, que fazia a crítica da teoria da “organização revo-
níveis do conhecimento: a síntese científica não mais se efetua, a ciência lucionária”, defendida pela tendência de Castoriadis, que todavia a compreendia não
não compreende mais a si mesma. A ciência não é mais, para os homens de como “organização dirigente”, mas como “fusão da experiência operária e dos ele-
hoje, um esclarecimento verdadeiro e em atos da sua relação com o mundo; mentos positivos da cultura moderna”, capaz de realizar “a luta ideológica e a ação
ela destruiu as antigas representações sem ser capaz de fornecer novas. O exemplar”, portanto, uma organização de vanguarda. Lefort, ao contrário, abdicava
mundo torna-se ilegível como unidade; somente os especialistas detêm alguns da idéia de que a consciência revolucionária pudesse ser transmitida do exterior, só
fragmentos de racionalidade, mas eles se confessam incapazes de as podendo ser produto da própria experiência da classe; foi, neste sentido, um dos
teóricos do “obrerismo”. Em outubro de 1958, a tendência lefortista rompe com S. ou
transmitir.
B. e funda o grupo I.C.O. (Informações e correspondências operárias), que edita
4. Esse estado de coisas engendra de fato um certo número de conflitos. uma revista do mesmo nome, que terminará por abdicar de toda reflexão prospectiva,
Existe um conflito entre a técnica, a lógica própria ao desenvolvimento dos pondo-se apenas como instrumento de troca de experiências entre os trabalhado-
procedimentos materiais (e até, em grande medida, a lógica própria ao res, assumindo assim, uma posição espontaneísta. Durante os anos 60, num mo-
mento de distanciamento com S. ou B., os situacionistas vão saudar a crítica da
desenvolvimento das ciências), por um lado; e, por outro, a tecnologia, que é
“organização dirigente” sustentada pelo I.C.O.
uma aplicação dessa técnica, rigorosamente selecionada pelas necessidades
de exploração dos trabalhadores e para vencer suas resistências. Há um 4. Internacional Situacionista [Internationale Situationniste]: Grupo interna-
conflito entre os imperativos capitalistas e as necessidades elementares dos cional (que, em toda a sua existência, de 1957 a 1972, não chegou a ter mais de 72
homens. Assim, as contradições entre as atuais práticas nucleares e um certo membros), surgido da fusão de diversos grupos de vanguarda artística europeus,
entre eles a Internacional Letrista, da qual participava Guy Debord. A partir de 1958,
gosto pela vida ainda bastante difundido encontra eco até nos protestos
passou a editar uma revista com o mesmo nome (que teve, durante este período, 12
moralizantes de alguns físicos. As modificações que o homem pode doravante números), cujo diretor era Debord. Evoluiu rapidamente, durante os primeiros anos
exercer sobre a sua própria natureza (desde a cirurgia plástica às mutações 60, da posição de um grupo de vanguarda artística em busca de relações com o
genéticas dirigidas) também exigem uma sociedade controlada por si mesma, movimento operário revolucionário, para um grupo teórico de crítica revolucionária
a abolição de todos os dirigentes especializados. do capitalismo contemporâneo; em outras palavras, evolui da perspectiva da “supe-
ração da arte” para a da “superação e realização da arte e da filosofia”. Preliminares para uma definição da unidade do
Os Preliminares, tanto pelo seu conteúdo, quanto pela busca de aproximação programa revolucionário
com as tendências mais radicais do movimento operário naquele momento, repre-
sentam um momento-chave nessa evolução. Após a experiência frustrada de aproxi-
mação com S. ou B., a I.S. formula, após a Conferência de Gotemburgo (1961), as
chamadas “Teses de Hamburgo”, permanecidas não escritas e que, segundo o texto I. O capitalismo, sociedade sem cultura
escrito por Debord em 1989 (publicado aqui), podem ser resumidas na palavra-de-
ordem “realização da filosofia”. Internamente, este período representa para a I.S. a
ruptura entre a fração da “direita artística” (minoritária), que buscava manter a antiga 1. Pode-se definir a cultura como o conjunto dos instrumentos pelos
perspectiva das “varguardas artísticas”, e a fração de “esquerda revolucionária” (ma-
quais uma sociedade se pensa e se mostra a si mesma; e pelos quais, portanto,
joritária), que sustentava essa transição na orientação do movimento situacionista.
Em 1967, dois livros situacionistas são lançados: A Sociedade do Espetáculo (Guy
escolhe todos os aspectos do uso de sua mais-valia disponível, isto é, a
Debord) e Tratado do saber viver para as jovens gerações (Raoul Vaneigem), ex- organização de tudo o que ultrapassa as necessidades imediatas da sua
pressando a crítica situacionista da “sociedade mercantil-espetacular”. reprodução.
Como resultado de um conjunto de atividades de agitação e escândalos cul- Todas as formas da sociedade capitalista, hoje, aparecem em última
turais e políticos (entre eles, o famoso “escândalo de Estrasburgo”, em 1966), a I.S. instância fundadas sobre a divisão estável — à escala das massas — e
terá importante atuação no movimento francês de maio de 68 (particularmente junto generalizada entre dirigentes e executantes. Transposta para o plano da
aos Enragés, da Universidade de Nanterre; junto ao Comitê de Ocupação da Sorbone, cultura, essa caracterização significa a separação entre o “compreender” e o
durante os primeiros dias de maio; e, depois, no Conselho pela Manutenção das “fazer”, a incapacidade de organizar (com base na exploração permanente)
Ocupações [de fábricas]). Foi por proposição situacionista que o Comitê de Ocupa-
para qualquer fim que seja o movimento cada vez mais acelerado da
ção da Sorbone fez o chamado às greves com ocupação de fábrica e a formação de
Conselhos Operários. Após a dissolução da I.S., Guy Debord continuará a manter
dominação da natureza.
relações com diversos revolucionários e grupos autônomos durante os anos 70; par- Assim, dominar a produção, para a classe capitalista, é obrigatoriamente
ticularmente, se envolverá com o movimento autônomo na Itália (onde A sociedade monopolizar a compreensão da atividade produtiva, do trabalho. Para lograr
do espetáculo foi amplamente lido e publicado em diversas edições piratas) e espa- esse fim, o trabalho é, por um lado, cada vez mais parcelado, isto é, tornado
nhol. Debord foi também cineasta.
incompreensível para aquele que o faz; e, por outro lado, reconstituído como
5. Poder Operário [Pouvoir ouvrier]: Nome do jornal distribuído em fábricas, unidade por um órgão especializado. Mas este órgão é por sua vez subordinado
editado pelo grupo que se organizava em torno de Socialismo ou Barbárie. Durante à direção propriamente dita, que é a única a deter teoricamente a compreensão
as greves de dezembro de 1960-janeiro de 1961 na Bélgica, nas quais Debord este- de conjunto, porque é ela quem impõe à produção o seu sentido, sob a forma
ve presente com outros membros de S. ou B., funda-se também lá um grupo chama-
de objetivos gerais. Todavia, essa compreensão e estes objetivos são também
do Pouvoir ouvrier belge (Poder operário belga, P.O.B.). Em 1961, realiza-se uma
conferência nacional do S. ou B. (Pouvoir ouvrier) francês, da qual Debord participa,
invadidos pelo arbitrário, por estarem isolados da prática e mesmo de todos
desligando-se desse grupo logo após a referida conferência; ele anuncia sua ruptura os conhecimentos realistas, que ninguém tem interesse em transmitir.
em uma carta datada de 5 de maio de 1961. Em 1963, uma dissidência de S. ou B. A atividade social global é assim cindida em três níveis: a linha de
funda um grupo chamado Pouvoir ouvrier, que assume no extremo as posições que produção, o escritório, a direção. A cultura, no sentido de compreensão ativa
P. Cardan (C. Castoriadis) sustentava contra Cl. Lefort no debate interno de S. ou B.
e prática da sociedade, é igualmente decomposta nesses três momentos.
sobre a questão da organização revolucionária; o novo PO retomou, em seguida,
diversas posições leninistas e filotrotskistas. Com efeito, a sua unidade só é reconstituída por uma transgressão
permanente dos homens fora da esfera na qual estão isolados pelo
organograma social; ou seja, de maneira clandestina e parcelar.
2. O mecanismo de constituição da cultura se reduz, assim, a uma
reificação das atividades humanas, que assegura a fixação do vivente e a
sua transmissão segundo o modelo de transmissão das mercadorias;
reificação que se esforça por garantir uma dominação do passado sobre o
futuro.

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