Você está na página 1de 483

O Leão Negro — Jude Deveraux

LRTHistóricos 1
TraduçãoCorazón Salvaje
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Sinopse
O LEÃO NEGRO
Misteriosamente belo, imensamente rico, o audaz conquistador inglês, era
conhecido como Leão Negro por sua ferocidade de leão. Ninguém podia competir
com ele, até que enfrentou a Lyonene, uma beleza de olhos verdes cujo espírito
fogoso igualava ao dele.

Lyonene suportou inumeráveis perigos para estar ao seu lado, até que um
dia as mentiras maliciosas a conduziram para um grave perigo. Somente Leão
Negro tinha a coragem para destruir a conspiração implacável que os tinha
separado e que tinha ameaçado os laços de amor que tinham jurado não romper
jamais.

As chamas da paixão...

Com um poderoso movimento, o homem rasgou o lençol que a cobria e, sem


querer, emitiu um gemido ao vê-la, mais encantadora do que poderia imaginar.

Lyonene viu sua expressão, e a fúria se converteu em medo, já que viu o


rosto do Leão Negro, um rosto que tinha obrigado a homens robustos a se ajoelhar
e se render. Não tinha acreditado que pudesse ter um olhar tão assustador, um
olhar que agora se dirigia para ela. Instintivamente, tratou de se cobrir quando ele
rasgou o lençol.

4
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 01
Lyonene ouviu os passos fortes de Lucy na escada de pedra e se
aconchegou sob o grosso cobertor. Os ventos de janeiro assobiavam
no exterior da velha torre e rajadas de vento gelado penetravam pelas
venezianas de madeira, mas sua cama estava quente e tinha a
intenção de ficar nela o máximo possível.

—Lady Lyonene. — Lucy abriu o cortinado da cama.

Lucy, agora, era uma mulher velha e estava muito gorda. Tinha
cuidado de Lyonene desde que nasceu e gostava dela como a uma
mãe.

— Sua mãe quer que vista a túnica dourada, a capa e o manto


verde.

Lyonene, que tinha virado para a luz com certa má vontade,


olhava agora Lucy com interesse.

— O manto e a capa verde?

— Chegou um convidado, um convidado muito importante, e


têm que vestir os seus melhores trajes para realizar a apresentação.

Lyonene afastou a roupa de cama e colocou um pé no chão de


carvalho. As venezianas estavam muito bem fechadas devido ao frio
invernal e a única luz provinha da pequena lareira e da vela de sebo
situada no alto candelabro junto à cama. O suave brilho destacava
todas as curvas de seu jovem e esbelto corpo. Lucy ajudou sua

5
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

senhora a colocar a anágua de linho e a justa túnica de lã que


ressaltava seu esbelto corpo de mulher. A capa, aberta nos lados, não
cobria nada.

— Conhece o convidado? Trata-se de um amigo de meu pai?

—Não, senhora. — Lucy rodeou o cinto de couro ao redor da


estreita cintura de Lyonene. — É um conde, um homem jovem que
seu pai ainda não tinha conhecido.

Lyonene se deteve e olhou fixamente sua criada.

— É bonito? É um conde jovem e bonito, tem o cabelo claro e


monta um garanhão branco? — Brincou Lyonene.

— Isso você verá no seu devido tempo. Agora, pegue o pente para
que possa desembaraçar o seu cabelo.

Lyonene obedeceu enquanto insistia:

— Me conte algo mais sobre ele. De que cor tem os olhos? E seu
cabelo?

— Negro muito negro. Tão negro como os olhos do diabo.

As duas mulheres levantaram a vista quando Gressy e Meg


entraram no pequeno quarto carregando lençóis de linho limpos.
Falou Gressy, a mais velha das duas:

—O conde chegou. Não é qualquer conde do rei, trata-se do


grande Leão Negro em pessoa.

— É verdade que é negro. — Acrescentou Meg.

6
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Tem os olhos e os cabelos negros como satã. Inclusive seu


cavalo é completamente negro. — Remarcou Gressy.

Lyonene olhou para elas com uma expressão de horror. Tinha


ouvido todo tipo de histórias sobre o Leão Negro desde que era uma
menina, histórias de força e coragem. Mas cada uma delas sempre
estava pintada de um toque de maldade; acaso sua força provinha de
algum poder maligno.

— Estão seguras de que se trata do Leão Negro e não de outro?


— perguntou em voz baixa.

— Nenhum outro homem poderia ter um olhar como o seu. Juro


que me deu um arrepio só de ficar perto dele. — Gressy olhou para
sua senhora intensamente.

Lucy deu um passo adiante e exclamou:

— Basta de dizerem tolices! Vão assustar a pobre menina.


Continuem com seu trabalho, eu tenho que ir ver lady Melite. —
penteou um pouco mais Lyonene e fixou o arranjo de seda
transparente com uma fita dourada. — Agora não se mova, e sobre
tudo não se despenteie. — Se deteve um momento frente à porta,
apontando severamente para Meg e Gressy. — E basta de fofocas. Se
cabelo negro fosse coisa do demônio, muitos de nós sentiríamos um
enorme pavor no dia do Julgamento Final.

Lucy suspirou e afastou uma pequena mecha grisalha que


aparecia na têmpora, entre a touca e o queixo, e o véu que caía e que
chegava até os ombros. Lucy acreditava que seus cachos tinham,
ainda, a cor negra fuligem de sua juventude.

7
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Quando a porta fechou, Lyonene se acomodou no banco de


pedra junto à janela e sussurrou:

— Me fale mais sobre ele.

— É muito grande...

— Forte... — Interrompeu Meg, que diante do olhar de Gressy foi


obedientemente para um lado da cama de Lyonene para pegar o
lençol.

— Onde estávamos? — continuou Gressy, virando para Lyonene


e se sentindo segura de si diante seu público.

Um dia Lyonene seria proprietária de seu próprio castelo, mas


por enquanto, havia uma área em que Gressy era superior a ela, e
esta era a do conhecimento dos homens.

— Seu nome é Leão Negro, e assim o chamam pelo negrume


demoníaco e por ter a ferocidade de um leão. Dizem que derrubou
vinte homens em um torneio em Gales, e nas guerras que houve ali,
de um só golpe podia partir um homem ou seu cavalo em dois. —
Lyonene empalideceu, isso animou Gressy a dar mais detalhes desses
contos que só conhecia de ouvir. — Dizem por aí que sua primeira
mulher tentou se suicidar para escapar dele.

Lyonene cortou a respiração e, sem querer, fez o sinal da cruz. O


suicídio era um pecado mortal.

— E o que dizer dos sete homens, os sete diabos, que o


acompanham... — acrescentou Meg, muito agitada para temer a
reação da Gressy.

8
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Assim é. — Disse Gressy com ares de mistério. — Viaja com


sete homens enormes, e todos com o cabelo negro, mas nenhum tão
negro como o do Leão sobre seu cavalo negro.

— Veio até aqui e tenho que conhecê-lo? — Lyonene não podia


esconder o medo em sua voz.

— Sim, agora seu pai e sua mãe se encontram lá embaixo com


ele. Ninguém nega nada ao Leão Negro, por mais insignificante que
seja sua petição. Vamos Meg, temos que preparar o quarto para o
cavaleiro do diabo.

Abandonou o aposento e Meg a seguiu com os olhos arregalados,


carregando os lençóis sujos. Gressy se sentia satisfeita de ter captado
a atenção das duas meninas, já que considerava a ambas meninas,
apesar de que nenhuma das duas era mais de dois anos mais nova
que ela.

Do outro lado da pesada porta, Meg recuperou o fôlego.

— Gressy, é verdade que esse homem foi gerado pelo diabo?

A mulher mais velha aproximou seu rosto do de Meg.

— Dizem que nunca sorri e que nunca riu. Também dizem que a
mulher que o faça rir se casará com ele.

Meg se apoiou contra a úmida parede de pedra. O rosto de


Gressy estava pouco iluminado nesse corredor escuro. O coração
batia acelerado do sinistro terror que sentia. A noiva do diabo! Que
horrível pensamento.

9
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lady Melite, a mãe de Lyonene, também estava a par dos


rumores que circulavam sobre o Leão Negro, e se vestiu com esmero,
reprovando a si mesma que suas mãos tremessem. Desejava que não
tivesse vindo. Já tinha havido muita confusão ultimamente, e só o
que faltava agora era se ocupar de um conde conflituoso. Fechou o
cinto de sua volumosa capa, tão diferente de sua filha. Tirou o tecido
superior por cima do cinto, cobrindo-o por completo, e ajustou o
manto verde escuro sobre os ombros com dois broches de ouro
lavrado, unidos com uma corrente que cobria a clavícula.

— Sir Tompkin chega amanhã e ainda terei que organizar o


trabalho dos servos... — parou em seco de balbuciar, começou a rir e
pensou que começava a se parecer muito com William, todo o tempo
sofrendo por acontecimentos que ainda não aconteceram. — É um
homem, isso é tudo. Ofereceremos o que tenhamos e com isso deverá
contentar-se.

Esticou o comprido véu de linho que cobria o cabelo e deixou


que caísse por cima dos ombros. Estava orgulhosa de ainda ter um
pescoço bonito e de não usar touca. Endireitou-se e desceu para
saudar seu convidado.

William, o pai de Lyonene estava fascinado com o conde de


Malvoisin. Os relatos que tinha ouvido a respeito desse homem eram
sem dúvida exagerados, mas de um ponto de vista masculino. Deu

10
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

uma olhada no braço direito de Ranulf, cuja cota de malha, foi feita
perfeitamente na medida, marcava com claridade as linhas dos
músculos. Diziam que, em cima de seu cavalo negro a galope, o Leão
Negro era capaz de partir em dois um poste de carvalho de dez
centímetros de largura. William esperava poder convencer o conde
para que fizesse uma demonstração dessa impossível proeza. O barão
não podia evitar olhar a cota de malha do conde. Divertia-se ao
pensar no difícil que era para ele poder oferecer aos seus doze
cavaleiros uma cota de malha, inclusive uma medíocre, e ali estava
esse homem com uma cota só para torneios. Inclusive seus homens
vestiam esplêndidas cotas de malhas que tinham sido pintadas de
verde ou negra, as cores de Malvoisin.

— Ah, aqui está minha esposa, lady Melite. Esse é Ranulf de


Warbrooke, terceiro conde de Malvoisin.

Ranulf levantou as sobrancelhas em gesto de surpresa pela


apresentação feita por William.

— É uma honra, milady. Espero que o fato de não tenha sido


convidado não cause muitos incômodos. — Disse, enquanto fazia
uma reverência.

William acusava Melite de emitir julgamentos muito rápidos. Por


isso ela calava suas opiniões voluntariamente, e esperava semanas e,
inclusive meses até que seu marido chegasse à mesma conclusão que
ela tinha tirado em poucos minutos. Nessa ocasião, sua rapidez para
julgar tampouco tinha falhado. Em alguns instantes já conhecia esse
homem chamado Ranulf de Warbrooke.

11
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Seja bem-vindo, sir Warbrooke, somos nós que estamos


honrados... melhor dizendo, contentes por sua presença aqui.
Esperamos que tudo seja de seu agrado. — Sua voz tinha passado a
metade da frase, de soar formal a ser genuinamente cordial, já que se
agradava do jovem que tinha a sua frente.

Ranulf sobressaltou por sua receptividade. Em geral, as


mulheres ou se sentiam atraídas por ele, por seu dinheiro ou seu
título, ou tinham medo por causa de sua reputação. Mas essa
elegante mulher não deixava entrever nenhum desses sentimentos.

— Se aproxime. Sente-se comigo ao lado da lareira e me conte as


novidades. Recebemos tão poucas visitas aqui em Lorancourt... —
levantou o braço, Ranulf tomou e a acompanhou aproximando-se das
duas cadeiras ao lado da faiscante lareira.

— Tinha entendido que ultimamente recebiam a muitos


hóspedes.

Lady Melite sacudiu a mão que tinha livre.

— Vêm para ver Lyonene, para se informar de nossas


propriedades e para comerem em nossa mesa. Vem para mostrarem
os atributos uns aos outros. Ninguém tem tempo para falar com uma
velha ansiosa de novidades. Mas sente-se por um momento e me
conte coisas.

William se encontrava de pé atrás deles. Sentia que o fôlego de


um pássaro poderia derrubá-lo. Melite, geralmente a mais sensata
das mulheres, tinha tomado o braço do cavaleiro mais feroz da
Inglaterra e o tinha levado a um canto do salão como se tratasse de

12
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

uma velha fofoqueira. E o que disse sobre os que vinham ver Lyonene
e para avaliar as propriedades? Era sem dúvida alguma, uma
afirmação muito particular, para fazê-la a um estranho. Teria que
falar seriamente com ela e logo.

— Me descreva essa coisa nova que se chama botão. —


continuava Melite.

— Trata-se de um pequeno adorno costurado na roupa.


Ultimamente as mulheres fazem um buraco em um lado do traje e
introduzem o botão através do buraco, e o utilizado para fechar.

— Agora entendo. Assim não terá que costurar as mangas das


túnicas.

William afundou no banco frente à lareira. Ali estava o Leão


Negro, o guerreiro mais temível de toda a Inglaterra, possivelmente de
todo o mundo cristão, e sua mulher falando de moda feminina!

Melite virou por um momento para seu marido e lhe dedicou um


tenro sorriso.

— Pode enviar Lucy para que traga Lyonene? Eu gostaria que


nosso hóspede conhecesse nossa filha.

— Oh, que homem tão bonito, esse Leão Negro! — Disse


efusivamente Lucy a Lyonene. — Tem uns cachos que chegam ao

13
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

pescoço, como era antes o do meu menino. — Lucy, apesar de estar


muito orgulhosa de seu filho, que tinha se convertido em monge da
ordem beneditino, de vez em quando também se sentia triste por ele.
— É alto e forte, e sua mãe o tem comendo em sua mão. Pode ser um
grande guerreiro, mas eu juraria que é um homem muito tenro.

— E o que me diz de seu cabelo e seus olhos negros? Não te


assustou? — inquiriu Lyonene.

— Se quiser que diga a verdade, sim, me assustou, mas sua mãe


em seguida entendeu seu caráter e tenho nela muita confiança. —
Assentiu com a cabeça e olhou Lyonene com ar inquisidor. — Faria
bem em escolher um homem assim como marido.

— Marido! Lucy, já ouviu todas as histórias sobre seu caráter!

— Sim, histórias. Não acredito que haja nada verdadeiro nessas


histórias.

— Ele é conde, e um conde não se casa com a filha de um barão.


Não sei como pode ter tal pensamento. Conhece a razão de sua visita
a Lorancourt?

— Conheço... pude ouvir um pouco da conversa.

Lyonene reprimiu um sorriso.

— Tem um irmão que é escudeiro de sir Tompkin, e como esse


cavaleiro vem nós visitar logo, o conde veio ver seu irmão durante um
dia ou dois.

14
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Bom, me agrada saber que o Leão Negro não passa por cima
do amor aos seus familiares. E disse que minha mãe fala com
facilidade com ele e, além disso, é bonito?

— Incrivelmente bonito, mas se demorar mais será um velho


quando for vê-lo.

Lyonene desceu lentamente os degraus de pedra, passando a


mão pela parede gasta até chegar ao vestíbulo iluminado. Notou que
suas mãos tremiam e tentou conter o tremor. Os relatos sobre esse
homem giravam em sua cabeça e as opiniões de todos pareciam um
zumbido permanente.

Chegou até o último degrau, se deteve por um momento para


arrumar a saia e o cabelo e, respirou profundamente para acalmar
seu agitado coração. Da sua posição estratégica na escuridão das
escadas podia ver a cena no grande vestíbulo. A enorme lareira
estrepitava com várias lenhas ardendo. A pouca distância da lareira
havia duas cadeiras; uma estava ocupada pela pequena silhueta de
sua mãe e a outra revelava um braço com cota de malha, cujo
prateado brilhava palidamente pela luz da lareira.

Conseguiu se acalmar e olhou para o outro lado do vestíbulo,


para a outra lareira onde também tinham acendido um fogo. Nas
banquetas, ou de cócoras no chão, havia sete homens, todos com sua
cota de malha e com tabardo com o escudo do Leão Negro. Falavam
em voz baixa e ouviu um deles rir. Não pareciam serem os homens do
diabo que Gressy tinha falado. Sobre tudo pareciam estarem
cansados e Lyonene teve vontade de se aproximar deles, e ter certeza

15
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se já tinham servido comida e bebida suficiente. Se os guarda eram


calmom, certamente, o Leão Negro também o seria.

A moça se aproximou da luz.

— Aqui chega minha filha Lyonene. — Disse Melite.

Lyonene manteve a cabeça baixa. Tinha que controlar seu desejo


de olhar fixamente e devia recordar suas boas maneiras. Sua mãe
tinha conversado com esse homem como se o conhecesse há anos.
Dava-se conta de que o guarda do Leão Negro que estava ajoelhado,
agora se encontrava de pé diante ela. Seu nervosismo não deixava de
aumentar.

Ranulf não tinha se sentido tão cômodo fazia muito tempo.


Somente a rainha Leonora o tinha feito se sentir tão à vontade, como
essa mulher tinha feito. Inclusive, depois de ter visto Lady Melite, e
sabendo que no seu tempo de juventude, fora uma mulher bonita, a
extraordinária beleza de Lyonene o sobressaltou.

Com a cabeça baixa não podia ver seu rosto, mas seu cabelo
espesso e encaracolado caía pelas costas até a cintura. Era ruivo, de
um loiro escuro-dourado com milhares de reflexos dançantes pelo
fogo. A túnica estreita revelava sua silhueta, e essa visão o deixou
sem saliva. Cintura estreita, quadris ondulantes e seios macios e
tentadores. Não recordava ter se sentido tão afetado por nenhuma
outra bela mulher.

Lyonene levantou timidamente a vista para Ranulf de


Warbrooke, não muito segura do que esperava, mas temendo o pior.
Era muito moreno, com olhos negros como o carvão e cachos de

16
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

azeviche que pareciam ser terrivelmente rebeldes. Sua cabeça não


chegava nem sequer no ombro do Leão Negro.

Entretanto, foi à expressão de seus olhos o que mais a intrigou.


Como sua mãe, também tinha o dom de poder julgar o caráter de
uma pessoa com um só olhar. Os olhos do conde de Malvoisin
recordavam a um cão que teve fazia tempo. Tinha caído em uma
armadilha e a pata quase tinha cortado pela metade, que o deixava
louco de dor. Custou muito tempo acalmar ao animal e ganhar sua
confiança para poder soltar a armadilha de aço. Durante todo esse
tempo, o cão a tinha olhado com a mesma expressão de dor e cautela,
e de esperança quase morta, que via no homem que agora se
encontrava diante dela.

— Estou contente porque pôde vir a Lorancourt, milorde, e


espero que perdoe minha demora em recebê-lo.

Ranulf estendeu-lhe sua mão e ela colocou a sua, de pequenas


proporções, na ampla e cálida mão dele. Nem sequer, o fogo direto em
seus dedos, teria podido afetá-la mais. Quase perdeu o fôlego com a
sensação, mas se alegrou de poder disfarçar, temia causar uma
ofensa. Para ela não havia mais ninguém no recinto e se converteu
em uma mão imaterial. Sentiu que seus sentimentos e pensamentos
tinham sido transferidos aos seus dedos.

Começou a olhar bobamente ambas as mãos, uma clara e


pequena e a outra grande endurecida pela luta e coberta de pelos
curto e escuro.

17
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf falou de novo, e parecia que sentia a sua voz através da


ponta dos dedos.

— Uma mulher bonita não precisa pedir perdão. Um sorriso será


suficiente. — Sua voz tinha perdido um pouco de suavidade e agora
havia nela um ponto de dúvida. Colocou a outra mão debaixo do seu
queixo e elevou o rosto para poder vê-la melhor.

Ela o olhou de novo e viu um rosto forte, uma mandíbula bem


perfilada, as sobrancelhas levemente arqueadas em cima dos olhos
negros, um nariz reto e os orifícios nasais alargados. Seu olhar se
dirigiu para os lábios dele de bonita forma, mas muito rígidos. Lucy
tinha razão, era um homem bonito. Sorriu timidamente no princípio e
depois com um pouco mais de calor. Olhou para os lábios que não
sorriam e viu uma doçura ali, a mesma gentileza que sua mãe havia
visto. De repente, sentiu um terrível desejo de rir, do grande alívio que
sentiu com sua descoberta. Ela se moveu para os dedos que
seguravam seu queixo. Nunca o tato de um homem a tinha feito se
sentir tão viva.

Repentinamente, Ranulf deixou cair à mão do seu queixo e


soltou a mão que a segurava.

— Devo me ocupar do cavalo — resmungou enquanto se dirigia


para a porta sendo seguido de seu guarda pessoal.

William não saía de seu assombro e desabou na cadeira


acolchoada frente a lareira.

— Bem! Embora um homem vivesse mais mil anos, não chegaria


a entender a mente de uma mulher. Minha esposa trata ao campeão

18
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

do rei como uma lavadeira fofoqueira e depois minha filha quase


desmaia ao vê-lo e depois começa rir na sua cara. Se não me
confiscarem as terras em duas semanas, não entenderei por que.

— William. — Começou Melite, sabendo que não poderia explicar


suas ações e menos ainda as de sua filha. — Ele pareceu bastante
contente. Vamos Lyonene, temos tarefas que terminar.

Lyonene estava ansiosa por abandonar o aposento, já que não


queria pensar por que suas reações para esse homem tinham sido tão
óbvias. Mas também, era certo, que não teria sentido se o teto da
torre desabasse e se um raio a tivesse alcançado.

Lyonene temia em ficar só com sua mãe, já que sabia que


haveria perguntas que não poderia responder.

— Não, não haverá perguntas. Unicamente te peço que seja


amável com nosso convidado, não porque seja um grande guerreiro
ou porque seja o conde do rei, mas sim porque merece nossa
bondade.

Sem dizer uma palavra, Lyonene assentiu.

— Agora vá com essas duas tolas que têm como criadas e


procure que nosso Leão Negro se encontre bem em sua guarida. —
Disse sorrindo e acariciando o belo cabelo de sua filha.

Lyonene subiu as escadas restantes para chegar aos quartos do


terceiro andar. Havia seis aposentos, um para seus pais, outro para
ela e mais quatro para os convidados. Encontrava-se só no andar, já

19
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

que os serventes estavam ocupados nas cozinhas, assim tomou seu


tempo para escolher o quarto para lorde Ranulf.

Uma hora mais tarde, decidiu que o quarto estava pronto e se


dirigiu para seu aposento. Lucy tinha deixado um pouco de pão,
queijo e uma caneca de leite sobre o suporte da lareira. Deu o
primeiro gole e ajustou as lâminas das venezianas de madeira para
poder ver o pátio interno. Pôde observar como um dos homens
abandonava o grupo da guarda do Leão Negro e se dirigia para a porta
do pátio; levava consigo um longo pau e uma bolsa presa com uma
corrente a sua cintura e a jogou para trás.

Sem pensar no que fazia, Lyonene tirou a manto verde e a capa e


se vestiu com outro manto de lã em cima da túnica dourada. Da arca
tirou sua capa mais quente, feita de pesada lã cinza com um grande
capuz completamente forrado de pele de coelho. Segurando bem a
capa, desceu as escadas até o grande vestíbulo, dizendo a si mesma
que o único que queria era um pouco de ar fresco. Levou consigo um
grande vaso de vinho para que esquentasse envolto dentro do manto.
Assombrou-se ao ver como era fácil passar despercebida ao cruzar o
pátio e a porta principal. Os guardas não se importava com quem
saía, mas sim com quem queria entrar.

Ranulf se sentou no duro chão de pedra com as costas apoiada


em uma árvore fazendo caso omisso do vento cortante.

20
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Seus pensamentos estavam completamente dedicados a essa


encantadora moça de olhos verdes. “Ah, Warbrooke”, repreendeu a si
mesmo, “ela não é feita para seus flertes. É uma dama, uma inocente
garota que deseja o matrimônio, o matrimônio com um jovem de mais
ou menos sua idade e classe social.” Mas ainda assim, não podia
renunciar à visão dela. Fechou os olhos e apoiou a cabeça contra a
áspera casca, afligido pela lembrança e por algo tangível, esses olhos
esmeralda sob as sobrancelhas arqueadas, esse pequeno nariz e a
boca, lábios carnudos e macios, tentadores. Seu cabelo o atraía e não
deixava de pensar em como ele se enrolava em caracóis, cobrindo
seus ombros e deixava cair sobre seus seios, e em sua cor incomum,
ruivo, avermelhado, dourado...

“Mon Dieu!” O que estava acontecendo com ele para estar ali
sentado sonhando com uma moça quando tinha tanto trabalho para
fazer? Tinha conhecido muitas garotas bonitas, muitas em efeito, mas
esta era de alguma forma diferente. Quando havia tocado no seu
queixo, pensou que faria a desonra de beija-la diante seus pais e seus
homens. Qual teria sido sua reação se tivesse afundado sua mão no
cabelo dessa jovem desconhecida e...

— Trouxe um pouco de vinho. — A suave voz de Lyonene limpou


seus pensamentos.

Olhou-a fixamente sem sorrir, estudando-a, sem ter em conta


sua proposta.

— Faz frio e ainda falta um momento para o jantar... — afastou


a vista do olhar intenso do conde, sentindo-se de repente tímida e se
arrependendo de sua impulsividade.

21
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Sem deixar de olhar fixamente, o homem tomou a taça de vinho


quente e sorveu um gole do delicioso e doce vinho, que deslizou
brandamente por sua garganta.

— Quer compartilhar comigo?

— Sim. — Respondeu ela sorridente, acariciando brandamente


seus dedos enquanto pegava a taça.

Uma gota de vinho ficou na borda e ao resgatá-la com seus


lábios Lyonene se sentiu surpreendida por seu próprio atrevimento.
Devolveu a taça e tirou um pacote debaixo do manto onde levava o
pão e o queijo.

Dedicou um amplo sorriso e o Leão Negro se deu conta de que só


tinha olhos para ela. Os olhos de Lyonene pareciam muito as
preciosas joias e suas bochechas tinham se avermelhado pelo ar frio.
O capuz cobria quase todo seu belo cabelo, mas as peles brancas
emolduravam seu rosto e fazia um magnífico contraste com as
espessas e longas pestanas. Nenhum dos dois parecia necessitar
palavras e ambos se sentaram tranquilamente para saborear do vinho
e da comida. Uma repentina rajada de vento enviou as folhas secas do
bosque para eles.

Lyonene cobriu o rosto com a mão porque algo tinha entrado no


olho.

— Meu olho! — Gritou, com lágrimas e uma dor cada vez mais
intensa.

22
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Deixe-me olhar. — Suas cálidas mãos seguraram seu rosto e


com seus dedos delicados e fortes a obrigou a abrir os olhos.

— Há uma pedra, um pedregulho. — Soluçava.

— Não, não acredito. Olhe para cima e a encontrarei. Abre a


pálpebra devagar.

Sua voz era suave e tranquilizadora e, apesar da dor, se obrigou


a abrir a pálpebra, confiando nele completamente, segura de que a
aliviaria.

— Ali está! Era só uma partícula de areia, verdadeiramente


menor que uma pedra.

Piscou várias vezes para acalmar a ardência. Do momento em


que ele a tinha tocado, havia se sentido segura de que aliviaria a dor.
Agora estava muito ciente de suas mãos que se encontravam em cada
lado do seu rosto e que olhos escuros cercados por espessas e curtas
pestanas, a olhavam fixamente. Sua íris era totalmente negra e,
apesar disso, nessa curta distância podia apreciar neles um salpico
dourado.

— Está melhor? Já não dói?

Não respondeu imediatamente e, antes de começar a retirar sua


mão do rosto, sustentou-a por um momento ao lado de sua bochecha.

— Não, já não me dói. Obrigada.

Ele moveu a mão, olhou para outro lado e Lyonene teve medo de
tê-lo ofendido. Sentia que uma estranha estava tomando seu corpo, já

23
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

que não podia acreditar na ousadia dessa manhã. Tratou de começar


uma conversa.

— Pergunto-me como pode estar quente quando eu tenho tanto


frio, apesar do meu manto de peles.

Ranulf parecia confuso.

— Vamos para o castelo junto a lareira. — Ao ver o olhar de


desilusão de Lyonene, seu coração deu um salto. Como ele, ela não
queria abandonar sua companhia. — Ou venha comigo, ensinarei um
esporte que ajudará ficar mais quente.

Ficaram de pé e ela olhou como Ranulf agarrou o pau e o


dobrava para atar um comprido cordão de seda em cada ponta.

— Já viu antes?

Ela negou com a cabeça.

— Trata-se de um arco galés. Alguns o chamam arco comprido


por sua longitude.

— Não se parece em nada a um arco. — Disse com um olhar


cético. — Como pode um homem lançar uma flecha com um simples
pau?

— Não viu como funciona e já está menosprezando?

Lyonene elevou a cabeça.

24
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Deveria pedir ao meu pai que o ensine o funcionamento de


uma boa balestra1.

Ranulf levantou uma sobrancelha.

— Encontre um objetivo que esteja longe e que o melhor


arqueiro de seu pai pudesse alcançar.

Lyonene assinalou uma árvore de casca branca, não muito longe


de onde se encontravam. Lyonene observou como Ranulf puxava o
arco galês até a orelha, sustentando brandamente uma flecha de
plumas negras e verdes entre os dedos. Os músculos de seus braços
se sobressaíam.

A flecha saiu disparada com um nítido som de corda esticada.


Lyonene cortou a respiração quando viu que a flecha aterrissava,
além do dobro de distância, da árvore que ela tinha escolhido.

Ranulf lhe lançou um olhar rápido que fez recordar de como se


gabou da balestra. Então, antes que ela pudesse se recuperar da
surpresa, ele começou a tirar flechas da bolsa de couro que tinha
atada à cintura e as disparou com deslumbrante rapidez. Em menos
de um minuto tinha jogado dez flechas, e todas se cravaram na
mesma árvore.

Ela o olhou fixamente.

— Nunca tinha visto nada parecido. — Levantou a saia e


começou a correr para a longínqua árvore.

1
Balestra ou besta é uma arma com a aparência de uma espingarda, com um arco de flechas acoplado no
lado oposto da coronha, acionada por gatilho, que projeta dardos similares a flechas, porém mais curtos. (N.T)

25
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Enquanto tratava de tirar as flechas de plumas negras e verde


da casca, viu com sobressalto que Ranulf aparecia ao seu lado para
retirá-la. Não o tinha ouvido chegar.

Voltou-se para ele rindo.

— Não acredito que meu pai possa lhe ensinar grande coisa. —
Ranulf não disse uma palavra, mas com sua expressão ficou claro
que estava de acordo com ela. — Deveria mostrar o arco galés; assim
poderia explicar aos seus homens como usá-lo.

— Não, não acredito. Inclusive meus próprios homens se negam


a usá-lo. Acreditam que não é uma arma para cavaleiros e que os
rebaixaria a simples soldados rasos.

— Estou vendo que não compartilha seus temores. — Seus olhos


brilhavam e por pouco não começou a rir quando ele levantou a
sobrancelha. — Acredita que poderia aprender a disparar com esse
pau?

— Pode tentar. — Ranulf demonstrava em destro manejo com a


nova arma.

Olhou a Ranulf com impotência.

Rapidamente, ele se plantou atrás dela e, rodeando-a com os


braços, esticou o arco. Ao apontar com a flecha se deu conta de sua
fragrância „rosas e fumaça‟ e de sua fria bochecha perto da sua. Podia
sentir cada uma de suas cativantes curvas contra ele, e suas nádegas
contra sua virilha. Ansiava virá-la para ele, desejava sentir sua
suavidade de perto, beijar seus úmidos lábios, mas sabia que agora

26
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

devia se concentrar. Tratou de dar instruções para o manejo do arco,


mas em seguida notou que sua voz o traía e que era devorado pelo
desejo que sentia, ao ter seus lábios tão perto de sua orelha e quase
poder saborear a carne do lóbulo entre seus dentes.

Lyonene lançou a flecha.

— Eu acertei!

Ela se virou caindo entre seus braços e ele a abraçou com


delicadeza sem nem sequer respirar por medo de esmaga-la com o
seu desejo crescente.

Lyonene acreditou que seu coração ia explodir: de tão forte que


pulsava. Os braços dele a rodeavam com ambas as mãos pelas costas
e Lyonene podia sentir seu calor através de túnica grossa e da capa
de lã.

Olhou-o e desejou que a beijasse, sim, queria que a beijasse e


seu coração começou a pulsar mais rápido enquanto que,
inconscientemente, ia se aproximando mais dele, seus seios contra
seu peito. Ela sentiu sua aguda inalação, cálida e delicada. Como
seria beijar a um homem?

Ele retirou seus braços.

— O jantar será servido e minha mãe deve estar me esperando.


— Sorrindo, queria dizer algo tranquilizador. — Obrigado pelas lições
de arco. Agora, Leão, devemos retornar ao castelo porque o
aborrecimento de meu pai faria tremer a um leão se a refeição
atrasar. — Ao ver o olhar de desconcerto por sua maneira de nomeá-

27
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

lo, ela continuou falando. — Não lhe parece estranho que ambos
tenhamos recebido nomes de leão? Meu pai assegura que no dia do
meu nascimento o olhei com tanto desdém que me puseram nome de
leoa, mas minha mãe disse que pensou no nome de Lyonene pela cor
de meu cabelo.

Ranulf tocou ligeiramente uma mecha de seu cabelo ruivo.

— Não acredito que possa olhar com desdém a alguém.

Ela se pôs a rir.

— Não me conhece, tenho um caráter terrível.

— Então o nome vai bem, como o meu. Ao menos não leva a


maldição de um horrível negrume como o meu.

— Ora! Só os trovadores acreditam que todos os homens devem


ter o cabelo claro e os olhos azuis. Você faria com que o resto
parecessem descoloridos. — Virou rapidamente. — Vê aquela árvore
no final do bosque? Façamos uma corrida. — Recolheu a saia e o
manto, colocou em cima do braço e começou a correr.

Ranulf ficou quieto olhando a bonita visão das firmes e sinuosas


panturrilhas e, pequenos pés correndo de maneira tão inexperiente
através do bosque. Quando estava na metade de caminho da árvore, e
com apenas alguns passos a alcançou facilmente.

Lyonene olhou por cima do ombro e viu como a alcançava sem


problemas. Lembrou-se de um truque que utilizava desde pequena
com as outras crianças de Lorancourt. Quando Ranulf quase a tinha
alcançado, ela deu um passo para o lado por onde ele corria, o

28
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

homem tratou de se afastar para não golpeá-la e no intento perdeu o


equilíbrio.

Ouviu como Ranulf gemia atrás dela e riu com satisfação pelo
êxito de seu truque. Mas, então, quase cortou a respiração ao sentir
que ele a rodeava pela cintura com seu forte braço e a levantava do
chão, enquanto seguia correndo à mesma velocidade, apesar de levá-
la como carga.

Quando se recuperou da surpresa, Lyonene começou a rir,


quando tinham chegado à árvore, não podia conter-se mais. Ele se
sentou no chão e ela se apoiou na árvore, com tantas lágrimas
deslizando pelas bochechas que nublavam a vista.

— Eu ganhei. — Ofegou.

— Ganhou!? Nem sequer correu com honra. Fez uma armadilha.

Ela secou as lágrimas e, para sua imensa alegria, viu que Ranulf
sorria e suas feições se suavizaram: tinha o aspecto de um moço.

— Minha cabeça chegou antes à árvore, no memento que você


chegou lá, por isso ganhei a corrida. — Quase não podia conter a
risada.

Ranulf afastou um dos cachos que caía rebelde em cima de suas


bochechas, já que o capuz tinha caído.

— Nunca chegará a ser um cavaleiro. Suas mentiras


desonrariam ao seu senhor.

Lyonene fez uma careta de horror.

29
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E você, Leão, seria a pior mulher com essa maneira que têm
de pegar objetos grandes que cruzam em seu caminho!

— Objetos grandes! — Pegou Lyonene pela cintura e a levantou,


ela tinha a cabeça alta e pôs as mãos sobre seus ombros. — Mas pesa
menos que minha armadura...

De repente ficou séria. Enquanto o olhava de cima, dedicou um


sorriso que ele devolveu.

— Seja qual for o truque, é uma boa recompensa ao ver um leão


sorrir.

Ranulf a colocou no chão com delicadeza. Agora ele também


estava sério e seu desejo por ela havia voltado. Não podia tocá-la sem
que o sangue de suas veias começasse a ferver.

— Vá para o castelo. Eu irei depois. Sua mãe não gostará de ver


que sua leoa passou toda a manhã sozinha com um homem.

Sem pronunciar uma palavra, Lyonene saiu correndo para o


castelo e subiu os degraus gastos que levavam ao seu quarto. Não
parou de correr até que chegou ao seu quarto e então se atirou sobre
o colchão de plumas de sua cama.

Melite tinha visto quando Ranulf e sua filha entraram no


bosque. Se fosse outro homem, teria enviado imediatamente um
lacaio para pedir que Lyonene voltasse, mas sabia que ela estava a

30
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

salvo com Ranulf. Nunca questionou seu conhecimento sobre esse


homem, confiando plenamente em suas premonições e seus sentidos.
Sorriu para si mesma, ia tratar por todos os meios de organizar o
casamento de sua filha com o conde de Malvoisin. Preferiria que não
se tratasse de um conde, assim teria mais possibilidades de culminar
seu desejo. Sim, o desejo. Agora ria em voz alta, e olhou ao seu redor
para ver se alguém percebia. O desejo estava no centro de seus
planos. Não havia nada mais seguro que dois corpos um perto do
outro. Se William soubesse o que estava planejando, ficaria furioso.
Não gostava que os homens andassem perto de sua filha, apesar de
sua opinião sobre o matrimônio. Mas Melite tinha planejado dar uma
mão à natureza e animar que esse delicado broto de amor pudesse
florescer.

Lyonene observou Ranulf da janela com as venezianas fechadas


quando ele retornava do bosque. Ajoelhou e atiçou o fogo com uma
varinha de ferro. A imagem do rosto sorridente de Ranulf apareceu no
meio da fogueira. Não era capaz de ver outra coisa que não fosse ele;
podia ouvir sua voz, sentir suas mãos em sua cintura. Sentou em um
banco perto da lareira e deixou cair à cabeça entre as mãos. Tudo
girava. Nunca tinha se sentido tão estranha.

— Lyonene! — Lucy entrou caminhando como um pato. — Mas o


que está fazendo aqui, jovenzinha, quando sua mãe tem tantos

31
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

convidados? E o que faz com a lareira acesa pela manhã? Uma fada
dança em sua cabeça?

—Não Lucy, eu só estou contente. Não há nada de mal. Tenho


muita fome, não poderíamos descer?

32
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 02
Ranulf estava muito confuso. Durante muito tempo tinha se
sentido satisfeito. Sempre tinha existido mulheres que tinham lhe
devotado seu corpo livremente, mas em muitas ocasiões elas o
consideravam uma mera conquista, e o que queriam eram poderem
alardear que tinham ido para a cama do Leão Negro. Ranulf nunca
enganou a si mesmo sobre seu status na corte do rei Eduardo. Dos
onze condes, só dois eram jovens e solteiros: seu amigo Dacre de
Saunay e ele. Era consciente de que muitas mulheres venderiam suas
almas para se converter em condessas. E apesar de todos os flertes e
todas as declarações de amor para ele, nenhuma delas tinham
conseguido fazê-lo rir.

Lembrou-se de Lyonene, seus olhos claros e brilhantes pelo frio,


assim como suas bochechas ruborizadas. Mais acima de tudo, se
lembrava de sua risada. Durante uns poucos minutos se esqueceu de
si mesmo, de sua responsabilidade como conde e do passado. Sim, o
mais importante era que, por um instante, não havia sentido o peso
da lembrança de Isabel, cujos comentários desdenhosos tinham
amedrontado a esse jovem que tanto a tinha amado. Ranulf olhou o
céu cinza e nublado. Já não era mais aquele jovem, nesse instante,
não sentia o peso dos anos que tinham passado depois daqueles
fatos.

33
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— O que faz aqui sentado quando há uma festa aguardando?


Nunca estive tão faminto, já faz bastante tempo que comemos a
última vez.

Ranulf olhou para cima e viu Corbet, um membro de sua


guarda.

— Acredito que descuidei de meus homens. Tudo está bem?


Ficou de pé ao lado do cavaleiro; media uns cinco centímetros a mais
que Corbet. Se alguém se detivesse a observa-los, consideraria Corbet
como um cavaleiro forte e bonito, mas o aspecto dominante de seu
lorde o eclipsava totalmente.

— Isto não é Malvoisin, mas tampouco é uma tenda plantada no


solo molhado no meio do Gales. Lady Melite é agradável e sua filha
reconfortaria a qualquer homem.

Ranulf se voltou para ele.

— Não fale assim dela.

Furioso, deixou seu vassalo, e dando grandes passos, se dirigiu


para o castelo.

Corbet observou as largas costas de Ranulf e sorriu. Se havia


alguém que necessitasse de uma esposa, esse era seu lorde. Contrário
à muitos homens, Ranulf não se interessava em ter várias mulheres,
na realidade dava a impressão de evitá-las, simplesmente servindo-se
delas só quando era necessário, embora elas o assediassem
constantemente na corte. Corbet sentia muito orgulho de pertencer à
elite da Guarda Negra e, embora Ranulf mantivesse certa distância de

34
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

seus homens, eles sabiam mais sobre seu lorde do que ele poderia
imaginar. Todos viam nele um homem atento por debaixo essa férrea
aparência. Deixou de lado essas reflexões e seguiu a seu lorde até a
grande torre de pedra. Embora fosse só por ele mesmo, Corbet
desejava profundamente que a adorável lady Lyonene retornasse a
Malvoisin com eles; seria um prazer poder ver cada dia uma beleza
como dela. Invejava Ranulf.

Quando Ranulf entrou pela porta, viu que lhe tinham atribuído
uma cadeira junto a Lyonene e em seguida se sentiu nervoso como
um menino. Um servente verteu água perfumada sobre suas mãos de
um recipiente com cabeça de dragão, e outro ofereceu um pano de
linho limpo. O sacerdote abençoou a comida e todos sentaram nas
cadeiras. Observaram silenciosamente enquanto um menino cortava
um grande pedaço de pão e o colocava na toalha branca frente à
Lyonene e Ranulf. A comida deveria ser compartilhada entre dois
comensais. Cada um tinha seu próprio copo e os copos dos
convidados de honra e o da família eram de prata com pedras
preciosas incrustadas, sem esculpir.

Os primeiros pratos, compostos de diferentes variedades de


carne, começaram a chegar; havia cervo, cabeça de javali, porco e
cordeiro.

— Seus homens têm boas maneiras. Eu gosto que não façam


ruído enquanto comem. Os homens de meu pai não são tão
atenciosos. — Assinalou com a cabeça para o lado esquerdo da mesa.

Ambos observaram como os homens pegavam enormes peças de


carne e enchiam a boca sem se deter para usar uma faca.

35
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Dei um nome a cada um. Gostaria de ouvi-los? — Ranulf


assentiu com a cabeça. — Os dois do fundo se chamam Galinha e
Galo. Saberia adivinhar quem é quem? O seguinte é Gato. Vê como
move as mãos e os olhos? O seguinte é Urso. Uma vez, quando cortei
a perna sendo menina, começou a chorar. Também temos a Pomba,
chamo-o assim porque move a cabeça como as pombas. E o último é
Falcão, meu favorito.

Ranulf examinou com atenção ao homem que Lyonene dizia


preferir.

— E por que se interessa por ele?

— É bom e inteligente, sabe cantar e não é desagradável à visão,


não concorda?

Ranulf a olhou fixamente.

— Não saberia dizer quando um homem é agradável à vista. —


Sua voz soou dura.

Começou a estudar seus olhos negros e o cabelo encaracolado


que tinha deixado descoberto.

— Acreditava que você saberia.

Ranulf, para sua consternação, podia sentir o sangue correndo


em seu rosto. Confuso, olhou para seus homens e viu que tinham
deixado de comer para observá-lo. Voltou-se para Lyonene, que sorria
com malicia. Devolveu-lhe timidamente o sorriso.

— É uma diabinha. Que homem seguiria a um cavaleiro que


ruboriza?

36
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

A risada de Lyonene ressoou com um precioso som contagioso.


Lyonene pôs ambas as mãos sobre seu braço e tocou seu ombro com
a testa.

Ranulf tentava ignorar os olhares de seus homens.

Ninguém na sala parecia pensar que a risada de Lyonene fosse


algo fora do comum.

Com certo alívio, viu que chegava à mesa o seguinte prato:


capões, pombas e bolo de aves pequenas.

Lyonene pegou com uma colher uma metade do capão coberto


de molho de mostarda, colocando-o no prato comum. Nunca antes
tinha sentido tão cômoda com um homem, e mesmo assim, sentia a
mesma excitação por todo o corpo, a mesma que tinha aparecido
durante as poucas vezes que o havia tocado.

— Sinto muito. Não queria rir tanto. Meu pai diz que rio muito e
acredito que tem razão. Está zangado? Vou te dar a melhor parte do
frango.

— Não estou zangado. — Sorria de verdade. — E se consigo um


pouco de frango, já será mais que a carne que comi até agora, já que
comeu tudo, sem deixar nada para mim.

— Isso não é verdade! — Protestou, e logo começou a rir de novo,


dessa vez cobrindo a boca. — Está gozando de mim, leão! —
Sussurrou.

— Sim, leoa! — Se inclinou para ela com um intenso desejo de


beijar esses lábios carnudos e suaves, manchados de mostarda na

37
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

comissura. Com a ponta da língua, Lyonene tirou a mostarda e o Leão


Negro se sentiu traído. Perguntou-se se seria o vinho, mas começava
a fazer mais calor nessa sala de jantar do que faria em uma tenda em
pleno verão.

Várias pessoas tinham observando o conde de Malvoisin e lady


Lyonene. A Guarda Negra nunca tinha visto seu lorde se comportar
dessa maneira com ninguém. A única pessoa que conseguia fazê-lo
sorrir era a rainha Leonora e às vezes, Geoffrey ou Dacre. Mas essa
moça o tinha transformado em uma espécie de pajem de cavaleiro.

Melite estava sentada ao lado de Lyonene. Ela tinha cuidado de


organizar a distribuição dos comensais. Não queria que seu convidado
sentisse que devia dividir sua atenção entre ambas às mulheres. A
cada risada de sua filha, estava mais convencida de suas resoluções.

O reverendo Hewitt, o sacerdote do castelo, também estava


observando-os. Embora muitos dos contratos de matrimônios eram
alianças para unir propriedades, a Igreja não via isso com bons olhos
e incentivava os matrimônios entre casais, que sim, tinham
sentimentos mútuos. Agora sorria ao ver Lyonene com esse grande
guerreiro. Quando viu esse homem com sua Guarda Negra, tinha-lhe
parecido um grupo formidável e tinha temido sua presença.
Entretanto, Lyonene tinha domado tão bem ao Leão Negro, que
quando ela girava a cabeça este a olhava com uma expressão de
amor, igual à de um jovem cavaleiro que ver a dama de seus sonhos.

— Não há cisne dessa vez, mas o cozinheiro prometeu que


preparará um dentro de um ou dois dias. — Disse Lyonene.

38
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não posso ficar dois dias.

— Oh! Não sabia que ficaria tão pouco tempo, acaso Lorancourt
lhe parece um lugar aborrecido? — A voz e a expressão de Lyonene
não podiam ocultar sua decepção.

— Não, meu lacaio me avisou que devo retornar. Há vários casos


para julgar e meus vizinhos enviam éguas para Tighe.

— Tighe é seu cavalo negro? Eu acreditava que as éguas lhe


teriam medo.

— Tighe é muito manso, mas tem razão, ele não está


acostumado a nenhuma fêmea, nem égua, nem mulher.

— Sei muito pouco sobre você. Não é casado? — Ficou pálida e


suas sobrancelhas arqueadas se elevaram.

Ranulf a estudou.

— Não, não tenho mulher, nem irmã, nem mãe.

A cor voltou para o rosto de Lyonene. Poderia não fazer


nenhuma diferença para ela, mas estava contente de saber que não
era casado.

A comida chegou ao seu fim e neste momento, vários dos


homens começaram a procurar um lugar onde dormir. Lyonene
suspirou porque sabia que sua mãe tinha vários afazeres para ela no
castelo. Nunca antes tinha se incomodado em fazê-los, inclusive às
vezes, se divertia. Mas certamente, nunca tinha se sentido assim por
causa de um homem. Não queria abandonar sua companhia e
desejava ficar com ele.

39
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Agora devo atender as necessidades de Tighe. — Ranulf


vacilou. — Você gostaria de comprovar quão manso é?

Lyonene olhou para um lado. Estava muito ansiosa

— Sim, eu gostaria, mas terei que ir mais tarde. Minha mãe


necessita de minha ajuda.

Ranulf assentiu.

Lyonene não podia entender a sua mãe. Tudo o que fazia estava
errado, assim, depois de um momento, Melite disse a sua filha que
partisse, argumentando que estava muito desajeitada. Lyonene não
via no que tinha atuado diferente nesse dia, mas se apressou em
chegar ao estábulo antes que sua mãe mudasse de ideia.

Ranulf acariciava a crina de Tighe e assombrava a si mesmo por


sobressaltar-se a cada som e por olhar a cada instante para a porta
do compartimento. Teve que conter a respiração quando viu entrar
Lyonene, com um grande sorriso triunfal e seus olhos brilhantes por
ter corrido através do vento frio.

— Devo retornar logo. — Sussurrou e se comportavam como


conspiradores.

Ranulf assobiou baixinho e Tighe virou sua cabeça elegante para


ele. Com cuidado, Lyonene se aproximou e o belo cavalo negro roçou

40
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

seu ombro com o focinho. Ela soltou uma gargalhada enquanto


acariciava a linda cabeça.

— Tinha razão. É um encanto. É seu tamanho e seu negrume o


que me assustava. Como com você.

Parecia assustada e observava Ranulf que se encontrava muito


perto dela. Antes que ele pudesse responder, continuou.

— Por que tem que ser tão grande?

— Por sua força. A armadura de um homem fica mais pesada a


cada ano e necessita um cavalo que possa suportar o peso e que não
se canse facilmente. Dizem que um dia desses, os cavaleiros terão um
cavalo só para carrega-las para as batalha, mas que este será muito
grande para ser montado em outras ocasiões.

Lyonene esfregou o nariz do frísio.

— Não posso acreditar que haja um cavalo maior que Tighe, e


claro, nem outro mais bonito.

Do outro lado do estábulo, ouviram que dois homens


começavam a falar. Lyonene olhou para Ranulf com uma expressão
de pânico.

— É meu pai. Não vai gostar de me ver aqui sem a Lucy. Devo
me esconder.

A guerra tinha ensinado Ranulf a ter recursos e a pensar com


rapidez. Pegou uma capa avermelhada pendurada no fundo do
estábulo e a lançou por cima dos ombros de Lyonene, cobrindo seu
cabelo com o capuz. Trocou-a de lugar para que desse as costas à

41
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

porta e estivesse de frente para ele. Ela o olhou sorrindo ligeiramente,


confiando plenamente nele, e neste momento a rodeou com seus
braços e a beijou, brandamente no princípio.

Eles se esqueceram de William e nenhum dos dois ouviu seus


passos ou soube que estavam sendo observados. William viu que
Ranulf estava beijando a uma serva, já que só os servos usavam a cor
vermelha, e abandonou o estábulo rindo entre dentes. Gostava de
saber que seus convidados estavam bem entretidos.

Durante o primeiro contato com os lábios de Ranulf, Lyonene


pensou que tinha perdido todos os sentidos. Só notava sua boca, seu
corpo, nunca tinha experimentado nada parecido. Inclinou a cabeça
para um lado e rodeou seu pescoço com os braços, aproximando-o
cada vez mais. Os braços de Ranulf a apertaram mais e Lyonene pôde
sentir seu corpo forte e duro, cada centímetro de seu próprio corpo
faminto dele.

Ranulf abriu os lábios e ela seguiu seu exemplo, movendo-os sob


os seus. Estava agarrada a ele e cumpria com as exigências de sua
inquieta boca. O coração de Lyonene pulsava grosseiramente. Nunca
o soltaria, não queria que este momento terminasse.

Ranulf a afastou, seu corpo doía ao vê-la com os olhos fechados


e os lábios úmidos e abertos.

— Parte. — Sua voz soava severo.

Ela assentiu e abandonou o estábulo em silêncio. Suas pernas


fraquejavam e tremiam devido à força da emoção que sentia.

42
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Melite observou como sua filha entrava no grande salão.


Estudou esses olhos verdes que olhavam ao vazio.

— Lyonene! Necessito-lhe.

Lyonene estava contente pela chamada do mundo exterior. A


cabeça girava com todas essas emoções e pensamentos para poder
ficar sozinha.

— Tenho que preparar os banhos para nossos hóspedes e você


deve me ajudar. — Todos os membros da Guarda Negra eram nobres
e deviam ser tratados como tais.

Lyonene olhou-a surpreendida. Seu pai não permitia nunca que


ajudasse a dar banho nos convidados.

— Não sei o que devo fazer.

— Deve comprovar se Meg e Gressy fazem o que mandei, se há


sabão e ervas para a água, e que há toalhas limpas para cada
homem. Claro que sabe o que terá que fazer.

Um dos aposentos privados em uma ponta da torre se usava


como banheiro. Levavam até ali água quente da cozinha que havia
abaixo e enchiam e voltavam a encher a banheira. Lyonene já estava
muito cansada quando, dentro de algumas horas, Ranulf entrou no
banheiro. Lyonene sabia que sua mãe tinha deixado o convidado mais
importante para o final, assim não devia se apressar e lady Melite
podia reservar a honra de ajudar a dar banho em Ranulf. Sentia-se
tão confusa pelo que tinha passado nesse dia, confusa por esse
homem que tinha entrado em sua vida com um grande cavalo negro

43
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

e, que em poucas horas tomou posse de todas suas emoções e


pensamentos.

Meg se aproximou de Lyonene e a olhou com malicia.

— Deve dizer lady Melite que sir William a necessita e que deve
ir para lá imediatamente.

— Eu não posso... você deve dizer a ela, Meg.

Meg observou a porta do aposento com uma expressão de


horror.

— Está ali dentro, morrerei de medo.

Lyonene franziu o cenho e deixou que se fosse. Golpeou


timidamente a porta, deixou-a entreaberta e começou a transmitir a
mensagem a sua mãe.

— Lyonene, não seja boba! Entre e feche a porta, se não o calor


escapará. Bem, agora me diga qual é a mensagem.

Tentando não cruzar seu olhar com de Ranulf, cujos olhos podia
sentir ardendo em suas costas, comunicou a mensagem a sua mãe.

Melite colocou o manto sobre os ombros.

— Peço mil desculpas, milorde, — disse Melite — mas preciso


ver o que meu marido deseja. Minha filha lhe ajudará com o banho,
mas advirto que deverá ter paciência, porque para esta tarefa é
inepta. Escute-me, Lyonene, — se dirigiu a sua filha — faça o que te
mandei, mas recorda sua última experiência e tome cuidado em não

44
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

molhar a capa e o manto. Voltarei em um momento, mas agora


depressa porque a água está esfriando.

Uma vez a sós, Lyonene não podia olhá-lo. Sua voz ressoou e a
tristeza que havia nela trocou seu estado de ânimo.

— Não necessito ajuda, não é necessário que fique.

Ela virou-se para sorrir para ele e o observou com os olhos


arregalados, quando ele se sentou na banheira fumegante. Tinha
costas largas, peito espesso e braços grandes com músculos bem
definidos. A luz do fogo reluzia em sua pele suave e úmida, bronzeada
pelo sol. Todo seu peito estava coberto por uma capa espessa de pelo
negro encaracolado. Lyonene não pôde evitar voltar a rir.

— É verdadeiramente um leão negro.

Em seguida olhou para outro lado, horrorizada por seu


atrevimento. Ranulf devolveu o sorriso e ambos relaxaram.

— Sua mãe tinha razão. A água está esfriando e minha


paciência vai diminuindo. — Agarrou uma barra de sabão. — Vamos,
me lave as costas.

Enquanto se aproximava, recordou as palavras de sua mãe.


Retirou o manto de seus ombros, a capa aberta nos lados e o cinto
que usava por baixo. De uma pequena bolsa de couro, tirou uma
tesoura de ouro e cortou as estreitas mangas de sua túnica e as
deixou com o resto de sua roupa.

— Assim não se molhará.

45
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf observava como tirava a roupa e se alegrou de que a água


estivesse esfriando. Unicamente vestida com a túnica dourada, que
ficava justa como uma segunda pele, não havia nenhuma parte de
seu belo corpo que Ranulf não pudesse ver.

Seus seios se elevavam em cada respiração e ele lembrava muito


bem a sensação deles contra o seu peito.

Em silêncio, Lyonene agarrou o sabão da mão de Ranulf e fez


um pouco de espuma. Não sabia bem por onde devia começar ou que
devia fazer. Encolheu os ombros e pensou que deveria dar banho nele
como fazia com ela mesma. Todas suas dúvidas desapareceram a
partir do momento em que tocou a suave e cálida pele de suas costas.
Seus grandes músculos se amontoavam sobre a superfície brilhante,
criando vales e colinas, e onda de suaves níveis. Suas mãos se
deleitavam com as ondulações, causando uma tensão nada
desagradável em seu pescoço.

Continuou com os contornos de suas largas costas até chegar


aos seus braços, ensaboando generosamente o pelo de seus
antebraços. As mãos de Ranulf eram longas e tinham uma forma
muito bonita; as unhas eram finas e estavam bem cuidadas.
Agradava especialmente a sensação de tocar a dura palma da mão,
com seus dedos finos e sensíveis, pois suas calosidades faziam pensar
na força desse enorme homem sentado docilmente e perdido na
exploração de suas mãos.

Seu peito de aço e granito só ficava suavizado pela pele


bronzeada que o cobria, e pelo espesso arbusto de pelo negro
encaracolado. Ensaboou essa mata azeviche com vigor, vendo como

46
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se enredavam entre seus dedos e observando suas pequenas e leves


mãos contra essa massa escura.

O pescoço era o indicativo de como o cavaleiro moderava e


reservava sua força; seus músculos se alargavam e se esticavam
graças a anos de treinamento exaustivo. Com seus dedos, localizava o
tendão de aço e o seguia do pescoço por toda a coluna vertebral.
Apertava com muita força, mas Ranulf não parecia dar-se conta. Ela
sorriu e o olhou no rosto pela primeira vez.

Ele a observou com uma expressão estranha. Seja a razão que


fosse ela sentiu que ruborizava. Não sabia no que errou. Sua mãe
tinha ordenado que desse banho no convidado e tinha obedecido.
Sabia que estava desfrutando da tarefa, mas estava tão visível em seu
rosto?

— Acredito que te desagrado. Minha mãe nunca me ensinou


como fazer. Sou acaso muito lenta?

— Não. — sua voz não era mais que um sussurro. Seguiu


falando, mas dessa vez com mais dureza. — Se quiser parar...

— Mas ainda não terminei... — ela tentou não ruborizar. —


Feche os olhos, — pediu sem poder suportar mais que a examinasse.

Agora podia continuar tranquilamente e, ao mesmo tempo, podia


observá-lo, quieto e tranquilo, confiando nela, esperando
pacientemente que ela terminasse de lavá-lo. Passou seus finos dedos
por seu bonito rosto, tocando a pequena cicatriz que tinha na
bochecha, sem poder evitar seus lábios de curvas esculturais. Seus
próprios lábios ardiam e, inclusive sentia cocegas na boca quando seu

47
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

corpo recordava o beijo que trocaram. As pestanas de Ranulf se


moveram como se fosse se abrir, assim, rapidamente passou um dedo
cheio de sabão por cada pálpebra. Não queria que a visse, porque
tinha medo que seus pensamentos se refletissem no rosto. Devia
recordar que esse homem era um conde do rei. Quando se fosse em
poucos dias, não queria ficar com a lembranças que mais tarde
pudessem envergonhá-la.

Jogou um pouco de água quente para enxaguar o rosto e


ensaboou o cabelo comprido com grandes mechas negras, rebeldes e
encaracolados. Esfregou o couro cabeludo com força.

— Me diga se te machucar.

Seu gemido a fez rir, porque não deixava nenhuma dúvida do


que pensava sobre sua habilidade para lhe fazer mal. Jogou um balde
de água sobre a cabeça de Ranulf para enxaguar o cabelo.

Foi para o outro lado da banheira, indicou que tirasse uma


perna da água e ignorou seu apagado protesto. Estava encantada de
ver que suas pernas também estavam cobertas de pelo curto e escuro.

Quando terminou com as duas pernas, olhou-o e viu uma


expressão de satisfação em seu rosto; tinha os músculos relaxados e
o cabelo úmido grudado ao rosto. Não pôde evitar voltar a rir, e ele a
olhou surpreso.

— Meu pai, minhas criadas e seus homens andam nas pontas


dos pés, como se tivessem medo de você, mas neste momento, não
têm, precisamente, um aspecto muito aterrador. Agora o grande Leão
Negro se parece mais a um filhotinho molhado.

48
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf lhe lançou um de seus olhares, e ao mesmo tempo fez


uma careta divertida.

— Não posso entender como uma dama tão encantadora como


sua mãe, pode ter tido à maldição de ter uma filha tão mal-educada.
Agora, já basta de zombar de mim e traga água para me enxaguar.

O homem se levantou dando as costas a Lyonene, que observou


seu corpo nu, brilhante pela água. A luz da lareira brincava com as
gotas que escureciam e realçavam seus bronzeados músculos.

Ranulf lançou um olhar por cima do ombro, perguntando o


porquê de uma pausa tão longa. Apesar de suas boas intenções,
Lyonene tinha ensopado a parte da frente de sua justa túnica,
deixando muito pouco à imaginação.

Ele se virou rapidamente.

— Lyonene, a água está esfriando! — Protestou Ranulf.

A moça não pareceu se dar conta da desnecessária brutalidade


de seu tom, mas em seguida ficou de pé no tamborete e jogou água
sobre seu magnífico corpo. Ela se virou quando ele alcançou uma
toalha que estava esquentando frente ao fogo, e não voltou a olhar até
que Ranulf se plantou diante dela, vestido com uma pequena tanga.

Com um sorriso zombador, o homem lhe disse:

— Asseguro que nunca tinham me dado banho assim desde os


tempos em que minha mãe o fazia. Tem certeza de que não fez isso
muitas vezes?

49
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não, só uma vez. — As lembranças a fizeram sorrir, enquanto


tratava de controlar a risada tampando com a mão a boca. — Esse dia
terminou tão mal, que meu pai não permitiu que me aproximasse
nunca mais de minha mãe quando ela dava banho a alguém.

Ranulf se sentou em um banco perto da lareira. Tratava de não


pensar no vestido transparente e os olhos de Lyonene que brilhavam
divertidos. Ranulf se dava conta de que estavam sozinhos nesse
pequeno aposento. Sabia que devia se vestir e reunir-se com seus
homens, mas não podia. Ainda não podia cobrir a pele que ela havia
tocado.

— Eu adoraria escutar a história.

— Ocorreu neste mesmo aposento quando eu tinha doze anos.

— Faz muito tempo, tenho certeza. — Lyonene ignorou o


sarcasmo com dignidade.

— Um velho cavaleiro veio visitar meu pai, eu o considerava um


chato que sempre queria que me sentasse em seu colo. — Lyonene
não viu como Ranulf franzia o cenho. — Utilizava um chapéu com
uma grande pluma vermelha que enrolava em cima de sua cabeça e
se movia enquanto falava, era algo que fazia constantemente. Sempre
vinha aqui para escapar dele. Uma manhã, subi com meu novo falcão
e meu cachorrinho. Brincamos um momento, mas Lucy me chamou
para que a ajudasse em alguma tarefa, assim deixei meu falcão e meu
cachorrinho. Quando voltei, minha mãe estava ajudando o velho a
tomar banho. Não vi meus animais, mas pensei que minha mãe os
tinha afugentado do aposento. Abaixo, Gessy e o cozinheiro tinham

50
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

começado a brigar, por isso minha mãe abandonou o aposento e me


pediu que terminasse de dar banho no homem.

— Exatamente como hoje. — Acrescentou Ranulf.

Lyonene observou seu corpo quase nu que mostrava sua


evidente força e poder e, por um momento, pensou que era muito
pouca a semelhança entre os dois homens.

— Tudo passou muito rápido. Dirigi-me para a lareira por um


momento e, de repente, o velho cavaleiro saiu da banheira e começou
a se vestir. Ele pulou sobre mim e uma das cordas da calça se
rompeu, assim caiu até os tornozelos. Logo ele tropeçou e caiu de
frente. O falcão lançou um grito e o cachorrinho saiu de seu
esconderijo saltando sobre o chapéu com a pluma vermelha que
estava no banco.

O sorriso de Ranulf e o brilho em seus olhos animaram a


Lyonene a prosseguir.

— O que aconteceu então? Espero que tenha corrido para sua


mãe.

— Não, não podia, porque receio que comecei a rir. A porta se


abriu de repente e meu pai entrou gritando que não deveria ficar
sozinha com nenhum homem, mas então, parou ao ver o velho
cavaleiro estendido de barriga para baixo sobre um atoleiro de água,
com o falcão voando em cima de sua cabeça e o cachorrinho posado
sobre seu flácido traseiro, movendo a cauda e uma pluma vermelha
quebrada e pendurando na boca.

51
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf começou a rir, um acontecimento quase inaudito.

— Quase posso ver!

— Ele ficava gritando que foi atacado por demônios, centenas de


demônios.

Ambos riram imaginando a cena que Lyonene acabava de


contar.

— Tenho certeza de que sua risada não ajudou a acalmar o mau


gênio do pobre velho. Espero que seu pai a tenha obrigado a se
desculpar.

— Não, não me obrigou. Não me disse nada, mas me levou nas


costas até meu quarto. — Disse Lyonene, rindo.

—Te levou nas costas? — Ranulf secou uma lágrima.

— Sim, estava rindo tanto que caí no chão e não era capaz de
andar. — Respondeu Lyonene se desfazendo em lágrimas uma vez
mais.

Melite abriu lentamente a porta. Foi recebida por uma Lyonene


ensopada e um Ranulf quase nu que chorava de tanto rir. Lyonene
viu que sua mãe lhe dedicava um sorriso.

— Estava contando a história do cavaleiro da grande pluma


vermelha.

Melite se aproximou, rindo entre dentes.

— Minha filha não conhece toda a história. Depois que seu pai a
levou até seu quarto, o velho cavaleiro se negou a ficar um minuto a

52
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

mais em Lorancourt, assim William e eu o ajudamos a preparar sua


bagagem e a selar seu cavalo, mas não nos atrevíamos a olhá-lo no
rosto ou a falar do que tinha acontecido neste aposento. Justo
quando o homem estava montado sobre seu cavalo, à corda que o
mantinha preso se rompeu e lhe deu um golpe no tornozelo. Então,
William e eu, por muita vergonha que nos causasse, não pudemos
evitar cair na gargalhada como Lyonene. O homem foi gritando que ia
nos demandar assim que chegasse a Londres. Nunca mais tivemos
notícias dele.

O resto da história que tinha contado Melite trouxe novas


gargalhadas e os três riram até que doeram todos os músculos.

Foi Melite quem recordou que já era a hora do jantar e que o


convidado devia se vestir.

Uma vez vestido com calças perfeitamente confeccionadas, uma


túnica e um tabardo, Ranulf se preparava para abandonar o
aposento. Melite se adiantou em busca dos serventes e ele ficou uns
momentos a sós com Lyonene.

— Nunca tinha desfrutado tanto de um banho e me parece que


nunca tinha rido tanto. Muito obrigado.

Observou seu belo rosto com os olhos brilhantes ainda das


risadas, imaginou-a em Malvoisin e lhe agradou muito a ideia.

O jantar foi leve, sopas e guisados, pão esquentado, frutas


conservadas em mel, especiarias e queijos. Chegou, por fim, o
trovador que William tinha contratado e a noite transcorreu
tranquilamente, enquanto os comensais escutavam longas histórias

53
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

sobre antigos cavaleiros, Robin Hood e a corte do rei Artur. Sem


preparação prévia, compôs uma canção sobre a beleza de Lyonene.
Cantou-a com entusiasmo já que geralmente, as filhas dos barões não
são muito bonitas, mas a tradição pedia sempre uma canção de
louvor sobre as qualidades da jovem esposa.

Ranulf se lembrou das canções que os trovadores tinham


composto para Isabel, essas canções que tinham tido tanta influência
em um moço de apenas dezesseis anos. Viu como Lyonene sorria ao
trovador. Em um momento de ciúmes, pensou em agarrar o alaúde e
cantar ele mesmo uma canção, mas sabia que haveria tempo para
isso. Sim, começava a sentir que haveria tempo para essas coisas. O
sorriso que Lyonene lhe lançou o reconfortou e ele devolveu.

A comida tinha terminado e as mesas estavam amontoadas


contra a parede. Já era noite e o castelo começou a esfriar. Ranulf
não desejava que chegasse o dia seguinte, pois tinha medo de
despertar e se dar conta de que tudo tinha sido um sonho.

Lyonene não sentia tais medos e esperava com ânsia que o dia
seguinte fosse igual ao que estava terminando. Desejou boa noite aos
seus pais e aos convidados e subiu as escadas de caracol até seu
quarto. Encontrava frente à porta discutindo com a Lucy, quando
Ranulf apareceu.

— Posso ser de alguma ajuda? — Perguntou ele.

Lyonene o olhou com desespero.

— A irmã de Lucy, que vive no povoado, está doente, mas Lucy


tem medo de me deixar sozinha embora seja só por uma noite.

54
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Prometi que não vai me acontecer nada mau, se estou rodeada de


tantos guardas.

Ranulf tomou a mão roliça da anciã e a beijou.

— Se sentirá mais tranquila se fizer um juramento que


protegerei a essa dama com minha vida?

Lucy suspirou, mas o tratamento que tinha recebido de Ranulf


tinha surtido mais efeito do que estava disposta a admitir. Um conde
do rei tinha beijado sua mão!

— Quem protegerá a minha senhora de jovens e bonitos


cavaleiros como você?

— Lucy! — Gemeu Lyonene.

Ranulf fez uma reverência ante a rechonchuda mulher.

— Ouvi que lady Lyonene guarda em seu quarto cães ferozes e


um grande falcão que atacam aos intrusos como uma manada de
demônios.

Lucy não pôde evitar rir, pois conhecia muito bem a história.

— É um par de... Não têm nem um pingo de seriedade. Bom,


vou... e espero não viver para me arrepender — deixou cair seus
braços e se foi.

Lyonene e Ranulf observaram como Lucy partia caminhando


como um pato, resmungando entre dentes. O silêncio trouxe uma
sensação de desconforto, estavam muito calados.

55
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Espero que o quarto e todo o resto dessa casa sejam de seu


agrado.

Ranulf passou um dedo pela bochecha de Lyonene.

— Gosto de tudo em Lorancourt.

Sabia que não podia estar tão perto dela na escuridão do


corredor sem tomá-la em seus braços.

— Boa noite. — Disse Ranulf com brutalidade enquanto partia.

Lyonene entrou em seu quarto e começou a se despir.

Estar sozinha sem Lucy proporcionava uma agradável sensação


de liberdade. Estava de camisola de pé em frente à lareira. Tinham
passado tantas coisas nesse dia. Lembrou-se das risadas que
compartilharam durante a corrida. Afastou-se da lareira que fazia
muito calor.

Subiu na alta cama de plumas e se agasalhou com o grosso


cobertor de lã. Exausta como estava, dormiu em seguida.

Durante um momento, Ranulf andou por seu pequeno quarto


com seus silenciosos sapatos de couro. Fazia quinze anos que o moço
que uma vez tinha sido, dormiu no quarto dos pais de uma moça,
sonhando com uma vida feliz. Desde então, ele tinha mudado, se
convencendo que aquilo que procurava não era possível. Existiam

56
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

poucos matrimônios felizes e nunca mais tinha considerado a


possibilidade de tal futuro. O rei Eduardo insistia em que se casasse
com uma princesa castelhana, muito rica, mas muito feia. Quase
tinha se resignado ao destino desse casamento. Mas agora tinha
aparecido Lyonene.

Precisava pensar um pouco. Acaso era amor o que sentia, ou


simplesmente se tratava de pecado e luxúria? Em seguida descartou
esse último. Deixou-se levar várias vezes pela luxúria, mas jamais
tinha considerado a ideia de se casar com a mulher em questão.

Por um momento, formou na cabeça a imagem de Lyonene


sentada ante uma grande lareira em Malvoisin, com um bebê são e
gordinho no tapete. As luzes brincariam com seu cabelo e quando ele
entrasse na sala, ela se levantaria para saudá-lo.

Fez desaparecer essa imagem com a mão.

Deixou-se cair em um lado da cama. Tinha aprendido a arte da


guerra e, às vezes, tinha tido medo antes de uma batalha, mas nunca
havia sentido tanto medo como nesse momento. Seria capaz de
mudar de novo sua vida e seu coração por uma jovenzinha? Seria
capaz de superar uma traição de Lyonene?

Em silêncio, abriu a porta de seu quarto e se dirigiu para os


aposentos de Lyonene. Estava deitada de barriga para cima, com seu
rosto para ele. Tinha uma mão sob as mantas e a outra com a palma
para cima, sobre seu rosto.

Tocou-lhe o cabelo e pegou uma encantadora mecha que caía de


um lado do colchão, deixando que o cacho se enroscasse em seu

57
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

pulso. As pestanas de Lyonene eram como pequenas asas em suas


bochechas e sua boca se franzia, sendo ainda mais tentadora para
Ranulf.

— O que aconteceria se eu colocasse meu pequeno coração em


suas mãos, meu amor? — Sussurrou. — Você cuidaria ou o
rejeitaria? — Ranulf brincava com seu cabelo, tocando essa fina
textura com a ponta dos dedos. — Se me tratar bem, eu te amarei
mais do que qualquer mulher foi amada, mas...

Seu rosto se escureceu e se Lyonene tivesse despertado, teria


visto o rosto que fez merecedor do nome de Leão Negro.

— Se for falsa, se estiver somente brincando, viverá num inferno


sobre a Terra, como jamais conheceu.

Suas feições relaxaram e, cuidadosamente, tocou-a com a ponta


de seus dedos. Ela suspirou enquanto dormia e seus olhos piscaram.
Ranulf conteve o fôlego esperando que não despertasse. Lyonene
virou para o outro lado, mostrando um ombro nu. Ranulf se levantou,
beijou brandamente sua pele de cetim e a cobriu com a manta.

— Em breve a esquentarei e não necessitará nem de roupa nem


mantas. Recorde, pequena, a farei escolher entre o céu e o inferno.

Abandonou o quarto para se dirigir ao seu.

58
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 03
Na manhã seguinte, Lyonene dormiu até tarde, já que Lucy não
estava ali para despertá-la. Ouviu ruído de cavalos e de metal contra
metal. Abriu um pouco a portinhola para ver o que passava embaixo.
Seu pai tinha um campo preparado para treinamento, tinha tirado a
velha areia de um grande terreno e havia voltado a encher com areia
fina e suave. Ali estava a Guarda Negra com todas suas armas, as
armaduras de ferro e um calçado que mostrava a cor negra sob o sol
da manhã. Nunca tinha visto os homens de seu pai treinar tão
duramente e com tanto entusiasmo, como dos de Ranulf. Dois
homens lutavam entre si e outros dois combatiam com grandes
espadas. Outro saltava, sem utilizar as mãos, sobre seu cavalo uma e
outra vez, carregando a armadura de ferro sem problemas. O coração
de Lyonene pulsou forte quando viu como o Leão cavalgava para um
grande poste colocado no terreno e o partia em dois de um só golpe.

A moça sorriu satisfeita e fechou as venezianas. Quando quase


tinha terminado de se vestir sua túnica de lã cor marfim e com a
folgada capa escarlate, ouviu o som de uma trombeta que anunciava
a chegada de mais convidados. Seu coração quase caiu porque sabia
que mais convidados significava mais trabalho e menos tempo para
atividades de prazer.

Ouviu as vozes e se aproximou do grande salão. Seu pai


apresentou a dois homens, sir Tompkin e sir Hugh, um era alto e o
outro baixo, mas ambos eram fortes e robustos. Melite pediu a

59
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene que conduzisse sir Tompkin a um dos aposentos destinados


aos convidados.

Durante todo o percurso pelas escadas, William não deixou de


falar com entusiasmo de sua filha: de sua beleza, de seu encanto, de
suas perspectivas de matrimônio... Mas Lyonene quase não o
escutava, de tão consternada que estava ao ver que seu dia estava
arruinado.

— Warbrooke! — Ordenou o homem bruscamente. — Se


assegure de que minha cota de malha esteja limpa e não descuide de
suas obrigações só porque seu irmão está aqui.

Ao ouvir o nome Warbrooke, Lyonene levantou a cabeça


subitamente. Supôs que o jovem loiro que via devia ser o irmão de
Ranulf. Quando o jovem abandonou o aposento, Lyonene arrumou
uma desculpa para segui-lo.

— É o irmão do Leão Negro? — ela o deteve em um corredor


escuro. Era muito diferente de seu irmão, cabelo claro, sorridentes
olhos azuis e um olhar malicioso que percorria seu corpo.

— E o que fez meu irmão para despertar o interesse de uma


dama tão encantadora? — respondeu ele.

Lyonene ruborizou, seus sentimentos eram evidentes para todo


mundo.

Geoffrey sorriu para jovem de faces ruborizadas. Ranulf tinha se


dado bem dessa vez, geralmente considerava que seu irmão tinha um
gosto péssimo para mulheres. O que dizer das megeras que conhecia

60
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

na corte! Só as olhando era o bastante para revirar o estômago de um


homem.

— Suponho que é lady Lyonene, — prosseguiu o jovem — Sir


Tompkin está enfurecido por sua culpa há vários dias. Parece que
muitos aspirantes a pretendente de suas horrendas filhas falam em
excesso sobre sua beleza. Agora vejo quais são as razões de tantos
louvores.

Lyonene sorriu.

— Apreendeu muito bem a arte de fazer a corte e não se parece


absolutamente com seu irmão, embora seu sorriso seja um tanto
parecido.

Geoffrey perdeu toda expressão.

— Sorriso? E o que você sabe do sorriso do meu irmão.

— Sei que tem um sorriso agradável e que ri com gosto, embora


possivelmente muito alto.

O jovem escudeiro ficou olhando fixamente Lyonene, que franziu


o cenho de tão intenso que foi o olhar.

— Parece que falei algo que não devia. — Disse a jovem. — Não
pretendia ofender ao seu irmão quando disse que ria muito alto, mas
é que as paredes tremem. Minhas criadas se assombram do ruído que
faz.

Geoffrey se repôs.

— Ranulf está esperando embaixo e... — começou a dizer.

61
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Oh, não. — Repôs Lyonene. — Está com seus homens no


campo.

Geoffrey dedicou um amplo sorriso e ela olhou para outro lado.

— Me acompanhe, assim poderei saudar esse meu irmão


risonho. Tenho que reconhecer que o está confundindo com outro.
Tem o cabelo negro e... ?

— Oh, sim. E também tem olhos negros e seu cavalo é do mais


manso.

Geoffrey franziu o cenho e sacudiu a cabeça.

— Que Ranulf permita que alguém toque seu cavalo vai além de
meu entendimento. Imagino que esta informação não terá a mínima
importância comparada com algo, que sim deveria me inquietar, mas
pelo que diz respeito a mim, sou Geoffrey de Warbrooke, modesto
escudeiro de sir Tompkin.

Lyonene o olhou.

— Não se parece em nada com o Leão. Ali está! — Dirigiu-se


para ele a toda pressa.

Geoffrey a olhou completamente desconcertado. Ranulf sempre


tinha detestado que o chamassem Leão Negro, na realidade, sempre
tinha odiado qualquer referência a sua pele muito morena, por uma
razão que ele desconhecia. Tinha escutado histórias sobre seu irmão
e via como o povo comum o temia. Só na corte, entre seus
semelhantes, o tratavam sem medo. Essa jovem, uma simples filha de
barão, tinha chamado Ranulf de Leão.

62
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Já vejo que minha presença não é necessária. — Disse


Geoffrey enquanto ficava de pé ao lado de seu irmão, que olhava a
Lyonene fixamente nos olhos.

Ranulf se virou surpreso.

— Geoffrey! — Agarrou a seu irmão, menor em tamanho e o


abraçou, dando um beijo em cada bochecha e um leve beijo na boca.
— Não sabia que já tinha chegado. Onde está esse velho odioso a que
anda seguindo? Não me diga que o sagraram cavaleiro e que veio se
unir a minha Guarda Negra!

— Já sabe que falta ainda um ano para que seja sagrado


cavaleiro e, além disso, sou muito preguiçoso para me unir a uma
guarda como a sua. Não quero suar até acabar cada dia. Não entendo
como esta encantadora dama o suporta. Não conhecia esta sua
paixão. Soube manter bem o segredo.

Lyonene se virou para olhar como um homem da Guarda Negra


jogava uma lança na direção a um alvo longínquo. Não queria olhar a
nenhum dos dois irmãos.

— Devo retornar à torre. Vou te ver durante o jantar? — Disse


lançando um olhar fugaz a Ranulf.

Ele tomou sua pequena mão e a acariciou antes de aproximá-la


dos seus lábios. Nenhum dos dois percebia a quantidade de pessoas
que os observava. Ela levantou a saia e começou a correr para a velha
torre de pedra. Só ao chegar aos degraus de madeira que levavam ao
segundo andar, lembrou-se de caminhar corretamente.

63
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— O que pensa de lady Lyonene? — Ranulf tentava controlar o


entusiasmo em sua voz. Mas não podia enganar Geoffrey, este
conhecia muito bem seu irmão.

—Ouvi que tem muito temperamento, e que é de natureza


briguenta como uma pega-rabuda2 e... — Geoffrey começou a rir a
gargalhadas ao ver o rosto de seu irmão, deformado pela raiva o que
fazia quase irreconhecível. — Não me mate, irmão, por favor. Não
fazia mais que brincar.

Ranulf relaxou e olhou timidamente para outro lado.

— Admito que essa jovem cause um estranho efeito em mim.


Mas me diga à verdade o que pensa dela.

— Ouvi que o tem feito sorrir. — Neste momento, e para sua


grande surpresa, Geoffrey viu um tímido sorriso no rosto de seu
irmão mais velho.

— Não consigo entender, essa moça me enfeitiçou. Não é a


mulher mais bela, apesar de ser só uma menina?

— Sente-se ao meu lado, irmão, e me fale dela. Faz muito tempo


que a conhece?

Ranulf se apoiou contra a parede atrás do banco de pedra e


passou a mão pelos olhos afastando o cabelo molhado de suor.

— Vim aqui para te ver, mas ontem pela manhã conheci minha
leoa. Não sei o que está ocorrendo. Do primeiro momento em que

2
Pega-rabuda ou pega-rabilonga: (Pica pica) é uma ave da família Corvidae (corvos), com um aspecto
inconfundível.

64
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

contemplei esses olhos verdes, não posso ver nada mais. Ontem de
noite quase não dormi e agora tenho medo de morrer, porque não
consigo me concentrar em meu trabalho. O que me ocorre?

Geoffrey ficou atônito e reflexionou para responder.

— Meu irmão, acredito que se apaixonou pela moça.

— Apaixonado! — Repetiu Ranulf com ironia. — Pensei nisso,


mas não posso acreditá-lo. É uma menina. Minha filha Leah quase
teria sua idade.

— Bom, sempre poderia tê-la como amante e, quando se cansar


dela, dê-lhe como esposa a um de seus homens. — Ranulf franziu o
cenho, mas Geoffrey se pôs a rir. — Então, deve se casar com a
jovem. Vejo que ela também sente o mesmo por você, embora não
entendo por que razão. Estou totalmente seguro de que será um
marido desastroso.

— Não posso me casar com ela. — Quase não se podia ouvir a


voz do conde.

— Ranulf, deve esquecer Isabel! Muitos homens não têm sorte


em seu primeiro matrimônio. Você era só um menino e ela era só
alguns anos, mais velha. Não pode viver constantemente no passado.
Essa mulher te adora, se case com ela antes que outro a leve. É certo
que é somente a filha de um barão. Possivelmente, o grande conde de
Malvoisin não queira rebaixar-se a... Entende minhas palavras? Se
você não se casar com ela, outro o fará. O que você acha da ideia de
outro homem a segurando em seus braços, beijando-a... ? Ranulf me
solte! — Geoffrey se levantou do chão empoeirado aos pés de Ranulf,

65
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se libertando da mão do irmão. — Vou limpar a cota de malha de sir


Tompkin. Pensará no que te disse?

Geoffrey deixou seu irmão sozinho.

—Lyonene! Repeti quatro vezes a pergunta. Onde está com a


cabeça?

— Sinto muito, pai. O que me perguntou?

— Agora já não importa. O que há de errado com você hoje?

—Acredito que o problema de nossa filha está ali fora. — Disse


Melite olhando seu marido. A mulher abandonou por um momento a
costura.

William franziu o cenho.

— Sir Tompkin? — Disse incrédulo.

— Oh! Sir Thomas, é obvio! Esse velho gordo! — Respondeu


Lyonene com um tom de repugnância na voz.

— Não tolerarei uma falta de respeito como essa em minha casa,


jovenzinha.

— William, é o conde de Malvoisin o que está causando tantos


problemas a Lyonene. — Sussurrou Melite.

— Ranulf de Warbrooke! Pensa no conde do rei?

66
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene ficou de pé frente a lareira espreguiçando com uma


graça felina.

— Ele não é bonito? Ele não é o homem mais amável e mais


doce? Ele não tem um esplêndido cabelo encaracolado?

William arregalou os olhos e olhou boquiaberto a sua esposa,


que mostrava um sorriso de satisfação.

— Lyonene, vai se pentear um pouco. Diga a Lucy que acenda a


lareira e fique em seu quarto até a hora de jantar. — Ordenou Melite
a sua filha.

Lyonene obedeceu a sua mãe sem protestar.

— Agora, me diga, por favor, minha esposa, o que está


acontecendo em meu próprio castelo? — Perguntou William a Melite
quando ficaram sozinhos. — Minha filha está perturbada pelo Leão
Negro? Não pode esperar que um sonho como esse se realize. Ela se
casar com um conde é tão improvável quanto eu me casar com a filha
do rei.

— Primeiro teria que perguntar para ele.

— Perguntar! Acredita que sou tão idiota? Vai rir na minha cara.
Já é suficiente poder contar aos meus amigos que um conde me
visitou, mas que aspire a ter um conde como genro... ! Não, não vou
aguentar que zombem de mim.

— William, não percebeu que nosso conde também está tão


perturbado, como você diz, por nossa filha? — Ao ver que não
respondia, Melite sorriu. — Olhe pela janela. Verá que digo a verdade.

67
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Incrédulo, William se dirigiu para as janelas fechadas e baixando


uma das persianas, pôde ver o que se passava fora. Ranulf estava
sentado em um banco, com a cabeça apoiada contra a parede e
olhando o vazio. Enquanto William o observava, alguns guerreiros da
Guarda Negra olhavam perplexos ao seu lorde.

William voltou para o lado da lareira e sentou na cadeira.

— Não sei se aceitará a nossa filha como esposa, mas podemos


perguntar. — Prosseguiu Melite. — Não se dizia, faz muito tempo, que
o conde de Malvoisin tinha se casado com a filha de um barão, uma
mulher a quem amava?

O rosto do William se iluminou.

— É assim! Quando era só um moço, causou muito escândalo


por casar-se com essa mulher. Dizia que o rei Enrique estava muito
aborrecido. Depois de cinco meses do casamento nasceu um bebê.
Quando a mulher e o menino morreram uns anos depois, diz que ele
ficou louco pela dor e que nunca mais voltou a rir. — Virou para sua
mulher.

— Continue. Como é o resto da história? — Pediu ela.

— Dizem que a pessoa que o faça rir será...

— Sua mulher, eu acredito que é assim a lenda. Tenho certeza


de que começou como uma brincadeira, e não sei por que razão, mas
lorde Ranulf não é feliz. — Melite sorriu com doçura a seu marido e
deduziu que William recordava a risada de Ranulf no dia anterior. —
Quer que envie um pajem para procurar ao nosso convidado? Não

68
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

acredito devemos prolongar a agonia dos apaixonados. Não quero que


meus netos nasçam cinco meses depois da cerimônia.

Sentaram-se em silêncio até que Ranulf apareceu diante deles,


vestido com seu traje de treinamento, com suas calças justas, a
túnica curta e com o tabardo que quase não chegava às coxas. Não
deixava de olhar para as sombras provenientes do grande salão e para
o enorme buraco da escada.

— Lorde Ranulf... — começou William.

Não podia entender o que viam suas mulheres nesse enorme


homem sentado diante dele que pudesse provocar tanto amor. Sentiu
calafrios ao recordar a força que tinha demonstrado essa manhã.
Amava a sua filha e esperava não cometer um engano.

— Minha filha Lyonene não está... casada e tem idade para isso.
— Prosseguiu o barão. — Me deixou louco durante um ano,
recusando a dúzias de homens que desejavam contrair matrimônio
com ela.

Custava continuar, já que o Leão Negro tinha começado a franzir


o cenho e tinha o olhado com seriedade. Melite decidiu então ajudar
ao seu marido.

— O que William quer dizer é que temos razões para acreditar


que Lyonene te aceitaria, e por isso oferecemos a mão de nossa filha.
— esclareceu Melite.

William continuou:

69
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Posso oferecer um dote de dois feudos e meio de cavaleiro3.


Lyonene é também minha herdeira e, depois de minha morte, será a
proprietária de Lorancourt.

Ranulf tratou de acalmar os batimentos acelerados de seu


coração. Não importava o dote, mas por respeito a William devia
aparentar ter isso em consideração. As propriedades de Warbrooke
incluíam doze castelos, e um deles era Malvoisin. Os outros onze
eram tão grandes como Lorancourt. Cada um dos castelos era
mantido por vários feudos de cavaleiro, desde cinco até mais de cem.
Ranulf não sabia quantas centenas de feudos de cavaleiro possuía.

Melite parecia ler seus pensamentos. Apoiou sua mão sobre a


enorme mão de Ranulf que repousava sobre o joelho.

— Concorda comigo se disser que parece ter começado a


apreciar a minha filha. O que me interessa é seu bem-estar e não
falar de feudos de cavaleiro nem de heranças. Dizem meus olhos e
sentidos a verdade?

— Sim, ela é o prêmio. Nenhum dote poderia igualá-la.

William perdeu as mensagens que Melite e Ranulf se enviavam.


Estava pasmo.

— Então, estamos de acordo? — Concluiu.

3
No sistema feudal, o rei concedia terras a grandes senhores com títulos. Estes, por sua vez, davam terras a
outros senhores menos poderosos, chamados cavaleiros, que em troca, lutavam a seu favor e mantinham a ordem
entre os servos menores sem domínio de terras. Quem concedia a terra era um suserano e quem a recebia era um
vassalo. O vassalo, ao receber a terra, jurava fidelidade a seu senhor. (N.T)

70
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Com uma condição. Que primeiro pergunte a Lyonene. Não


quero que seja forçada a se casar. — Disse Ranulf. — Deve decidir
livremente. Não existe outro homem? Outro pretendente?

William agitou a mão.

— Não, e pode acreditar em minha esposa, a moça aceitará de


boa vontade. Vai querer convidados da corte na cerimônia?

Ranulf considerou a proposta por um momento.

— Não, não posso avisar a ninguém, já que Eduardo e Leonora


trariam todos seus criados, quase trezentas pessoas, embora alguns
dos outros condes viajam com bem menos pessoas. — Viu o olhar de
horror de William. Hospedar e dar comida a tantos convidados!
Ranulf prosseguiu: — Faz frio agora, muito frio para um torneio,
assim se não for uma ofensa para você, para sua esposa e para lady
Lyonene, o casamento será simples e partirei logo com minha esposa
para Malvoisin.

O sentimento de alívio de William era quase evidente.

— Sim, será como você deseja. Agora, falemos do dia em


questão. O anúncio deve fazer durante três domingos. Hoje é sábado.
Se assinarem o compromisso hoje, podemos organizar o casamento
para dentro de três semanas. Está de acordo, milorde?

— Sim, é obvio. — Ele se levantou. — Então partirei amanhã, já


que tenho muitos preparativos que ultimar, e voltarei dentro de três
semanas. — Seus olhos brilhavam ao olhar a sorridente Melite.

71
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Impulsivamente, colocou suas mãos nos ombros dela e a beijou na


bochecha.

Melite agarrou ao seu futuro genro pelo braço e o acompanhou


até as escadas.

— É quase a hora do jantar. Mandei avisar aos seus homens,


talvez, você gostaria de trocar de roupa. — Convidou-o.

Em silêncio, Ranulf subiu os gastos degraus que conduziam ao


seu quarto. Enquanto se lavava lentamente e colocava uma túnica e
um tabardo de veludo azul escuro, riu entre dentes. O que pensariam
os membros da Guarda Negra se soubessem que seu líder estava
nervoso como um menino, e tudo por uma leoa de olhos cor de
esmeralda?

Lyonene olhava fixamente pela janela. Necessitava de um sopro


de ar frio que a fizesse reviver. Estava de costas para seu pai. Ao
inteirar-se da notícia, quase tinha desmaiado. Lorde Ranulf estava de
acordo em se casar com ela! Não podia evitar sentir um pouco de
rebeldia pelo fato que fosse um matrimônio contratado, sem seu
conhecimento prévio. Lembrou-se de sua prima Ana. Um pajem a
tinha avisado de que seu pai a requeria no salão de abaixo. Algum
instante mais tarde ela já estava casada com um homem que jamais
tinha visto.

72
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene suspirou profundamente e pensou que, a final de


contas, tinha sido afortunada por ter um bom pai. Além disso, Ranulf
tinha estipulado que ela devia aceitar livremente a união. Fechou os
olhos e avançou um pouco para sentir o ar fresco nas bochechas.
Passar o resto de sua vida como tinha passado esse dia! Que a
beijasse quando ela o desejasse!

— Minha filha, dará uma resposta a esse homem.

— Sim pai, eu me casarei com ele. — Respondeu com delicadeza.

William sacudiu a cabeça e abandonou o recinto. Não podia


acreditar que sua filha fosse se converter em condessa. Não viu
Ranulf até que tropeçou nele.

— Ela está de acordo? — Perguntou o cavaleiro negro.

— Sim, ela está de acordo. — Respondeu William e olhou Ranulf


com algo semelhante ao horror. O Leão Negro ia ser seu genro. Não
era o genro que devia temer ao sogro? —V á até ela. Tenho certeza
que deseja te ver. — Encolheu os ombros e desceu as escadas.

Lyonene seguia olhando pela janela quando ouviu que porta


voltava a se abrir.

— Lucy vem aqui e contempla esse glorioso dia. — Disse ela,


mas virou-se ao ouvir a voz grave de Ranulf.

— E o que faz desse dia frio e cinza um dia tão glorioso. — A voz
do homem tinha um ar muito sério.

Ela sentiu de repente um grande acanhamento. Afinal de contas,


ele não deixava de ser um estranho. Ranulf caminhou para a arca de

73
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

carvalho esculpida colocada contra uma das paredes. Pegou o pente


de marfim da moça e examinou as figuras que havia nele.

— Falou com seu pai e aceitou o... acordo? — Perguntou.

Lyonene respondeu pausadamente.

— Sim, mas não se trata de um casamento em lugar de um


acordo? — Lyonene começou a sorrir. — Ao menos, eu acredito que é
um casamento, porque não se trata de um acordo muito vantajoso
para você, já que escolheu a pobre filha de um barão como esposa.
Não preferiria uma mulher rica com extensas propriedades e...?

— Os joelhos maltratados?

Os olhos de Lyonene brilharam.

— E como sabe que meus joelhos não estão maltratados?

— Certamente não sei, assim terei que averiguar. Não vou pedir
em matrimônio uma mulher com pernas feias. — Ranulf não sorriu,
mas em seus olhos advertia a alegria.

— Não se aproxime ou gritarei. — Lyonene se afastou dele.

— E quem se atreverá a deter o grande Leão Negro? Lançarei


pela janela a todos os homens que se aproximem e depois farei a
minha vontade.

Lançou um olhar lascivo enquanto Lyonene tratava de conter


sem êxito a risada. Ranulf a apanhou pela cintura e se sentou na
cama com Lyonene sobre o colo. A jovem tratou em vão se desfazer
dele, mas a risada a debilitava. Ranulf fez alguns intentos

74
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

desinteressados para levantar sua saia. Segurou suas duas mãos com
uma só das suas.

— Então esse tornozelo não está muito maltratado.

— Não está nada maltratado.

— Se não estiver, não ficará bem com o outro que está


completamente torcido.

— Mas o que é tudo isso? — Perguntou Lucy, que acabava de


aparecer do nada. — Sabia que não podia deixar a esta menina
sozinha. Tire as mãos de cima da minha menina e saia desse quarto
imediatamente! Não permitirei esses joguinhos enquanto eu esteja
perto.

— Lucy, vamos nos casar. — Protestou a moça.

A anciã deixou de pestanejar por um momento, como único sinal


de que provava o que tinha ouvido.

— Bom, mas até que estejam casados, está sob minha tutela. E
você, jovem, tire as mãos de Lyonene e saiam desse quarto. Não têm
permissão para ficar só com minha menina até depois do casamento.
— Ranulf afastou Lyonene de seu colo e se inclinou para beijá-la. —
Já basta com isso! Têm toda uma vida juntos pela frente. Não tem
sentido querer se cansar muito rápido um do outro.

Ranulf se dirigiu para a saída, obedientemente. A risada de


Lyonene o deteve.

— E o que acontece com suas ameaças, Leão? Não as cumprirá?


— A jovem fez um gesto com a cabeça apontando a janela.

75
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf olhou Lucy, que se dirigia para a janela, e esboçou uma


careta.

— Não sou tão forte para isso. Possivelmente deveria chamar a


Guarda Negra. — Depois de uma pausa, franziu o cenho. — E ao
frísio já...

A risada de Lyonene o seguiu enquanto fechava a porta.

— Não é fantástico, Lucy? Acaso não é o mais gentil e o mais


tenro...?

— Sim, sim.

Lucy estava impaciente e escutava o falatório de Lyonene


enquanto arrumava o quarto.

— Acaso não tem um corpo perfeito?

Lucy deixou cair às roupas que carregava.

—Lady Lyonene, se comporte! A senhora sua mãe e eu lhe


ensinamos as maneiras de uma dama e não os de uma... Uma mulher
qualquer.

Lyonene a olhou com os olhos abertos e ar inocente.

— A que se refere Lucy? Só estava falando de suas formas de


cavaleiro. Não pensa que referia a outra coisa...

Lucy olhou fixamente a sua jovem ama, dando-se conta de que


havia voltado a cair na armadilha. Felizmente o sino que anunciava o
almoço começou a soar e ambas se dirigiram para o piso de baixo.

76
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene perguntava-se quantos anos passariam até que seu


coração não desse um salto cada vez que visse Ranulf. Ele estava de
pé, lhe dando as costas e falando com sir Tompkin, muito mais baixo
que ele. Pareceu notar a sua presença, já que se virou e estendeu a
mão. Não a soltou enquanto sir Thomas franzia o cenho e se dirigia
para a mesa.

— Acredito que o homem está muito aborrecido, já que há anos


tenta que me case com uma de suas espantosas filhas. — Disse
Ranulf a Lyonene enquanto todos se sentavam a mesa. — Sir William
disse que o compromisso poderemos assinar depois do almoço. Tem
certeza de que quer passar o resto de sua vida comigo? Tem certeza
de que quer colocar seu bem-estar em minhas mãos?

— Tenho mais que certeza. Você que deveria andar com cuidado.
— Comeu uma parte do presunto.

Ranulf franziu o cenho.

— Que perigo oculto me espera?

— De mim, é obvio. Só sabe que tenho os tornozelos direitos.


Mas não sabe nada sobre meu caráter.

— Não estou convencido a respeito de seus tornozelos, mais me


diga quais são seus defeitos de caráter.

— Tenho um temperamento terrível e minha mãe diz que sou


muito vaidosa...

— E com razão...

77
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Muitas vezes não me comporto como uma dama deve, e digo o


primeiro que me passa pela cabeça.

— Esses são defeitos muito graves.

— Não ria de mim, Ranulf de Warbrooke! Também vejo seus


defeitos.

Ranulf não podia ocultar um sorriso.

— Chamam-me “feto do diabo” e ousa pensar que tenho


defeitos?

Lyonene sacudiu a mão com um gesto de desaprovação.

— O nome deve ter suas razões durante a guerra, mas como os


outros te chamam não é sua culpa.

— E o que acredita que tem de mal em meu caráter?

— Muito orgulho e arrogância. Há outros defeitos, mas esse é o


pior.

Ranulf beijou a bochecha de Lyonene, mas ao recordar onde se


encontrava se ergueu em seguida.

— O orgulho é o menor de meus defeitos. — Sua face endureceu


e ficou muito sério. — É minha e não permitirei que olhe a outros
homens. Lembre-se bem disso.

Dedicou-lhe um sorriso radiante.

78
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Esta é uma petição fácil, já que durante meus dezessete anos


eu nunca desejei nenhum homem para marido até que conheci você.
Não acredito que goste de outros homens no futuro.

— Só têm dezessete anos? É mais jovem do que pensava.

Ela começou a rir muito alto.

— Faço grandes confissões a respeito de minha fidelidade e você


se escandaliza com minha idade. Não me diga que me dobra de idade!
É verdade que parece muito velho. Tenho certeza de que não durará
até passar o inverno.

— É uma moça muito impertinente! Acaso não sabe que cada


dia antes do jantar, o Leão Negro come três meninas como você?

Alheio as pessoas olhando ao seu redor, ela colocou um dedo


sobre o lábio inferior dele.

— Não acho que seja uma maneira horrível de morrer de todo. —


Disse ela suavemente.

Ele olhou para ela por um momento e então mordeu seu dedo,
um pouco forte, até que ela puxou-o de volta.

— Você não sabe que é o homem quem persegue a mulher?


Comporte-se e coma o seu jantar. De novo estou dando motivos para
que meus homens não me respeitem, faz quase dois dias que veem
como me deixo enrolar por uma atrevida.

Felizmente, Lyonene deu pouco de atenção à comida e às


canções do trovador. Nem sequer tinha dado conta de quando tinha
começado a cantar.

79
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Terminou o almoço e retiraram as mesas para coloca-las contra


as paredes. O reverendo Hewitt trouxe plumas, tinta e os papéis para
que o compromisso fosse assinado e colocou em uma pequena mesa
que havia frente a lareira. Sir William assinou rapidamente, mas
Ranulf tomou uma pausa. O reverendo ancião colocou suas mãos
sobre o forte braço de Ranulf.

— Não está seguro, milorde?

— Só estava recordando de um momento muito parecido com


este.

Assinou com uma rubrica negra e grossa.

— Agora o costume diz que têm que trazer anéis e que os


prometidos devem se beijar. Lady Lyonene, acredito que têm um anel,
não é assim?

Estirou sua mão para alcançar a de Ranulf e com os dedos


tremendos colocou um anel de ouro no terceiro dedo de sua mão
esquerda, o braço mais perto do coração, o dedo que continha à veia
que ia direta ao coração.

— Eu não tenho... — começou Ranulf, mas seu rosto se


iluminou e tateou com a mão, dentro do tabardo onde encontrou uma
bolsa de couro que desabotoou do cinto. Havia algumas moedas e
várias joias, entre elas um enorme rubi, três chaves de ferro e um
pouco de lã enrolada. Tirou a lã e ao desenrolar apareceu um anel de
ouro com umas mãos entrelaçadas que representavam a união, e um
sol e uma lua que simbolizavam o vínculo para toda a vida do

80
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

matrimônio. Havia três esmeraldas que atravessavam a parte


superior.

— Era o anel de minha mãe. Pediu-me que o levasse sempre


comigo.

— Então não pode me dar, já que em algumas ocasiões estará


separado dele.

Tomou lhe a mão e colocou o anel no dedo.

— Envolverei em um pouco de lã a você e ao anel e os levarei


comigo. Agora vá com sua mãe, porque descuidei muito de meus
homens, meu cavalo e do meu irmão.

— Têm que me beijar.

Sua voz fazia um dano que quase tinha esquecido. Inclinou-se e


a beijou na bochecha, mas ela o rodeou pelo pescoço com seus braços
e o manteve perto dela. Por um momento ficaram abraçados.

— Parte antes que me envergonhe diante de sua família e de


meus homens. — sussurrou enquanto retirava os braços de Lyonene.
— Percebe que não te incluo entre os envergonhados porque
reconheço que é uma desavergonhada.

Lyonene riu tolamente.

— Parte com seu cavalo e eu farei minhas tarefas sem lhe


incomodar outra vez.

Melite seguiu a sua filha pelas escadas.

81
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Um dia desses pagarei pelo que está acontecendo. —


Murmurou. Ver sua filha tão feliz causava uma grande alegria, mas se
perguntava onde teria errado para ter criado uma moça tão atrevida.
— William tem culpa. Se tivesse dado o nome de Joan a sua filha, tal
como eu queria, não teria saído assim. Nenhuma mulher chamada
Joan rodearia com seus braços a um homem que não fosse seu
marido, nem lhe pediria que a beijasse, ao menos não diante de seus
pais. Mas, claro está, era uma moça com nome de leoa! — Disse.

Sorriu. Era uma sorte que Lyonene fosse casar com um homem
como Ranulf e não com um fracote como Giles, o garoto que vivia na
propriedade vizinha e que sempre tinha assegurado que um dia se
casaria com Lyonene.

— Mãe! O que está dizendo? Está falando sozinha!

— Moça, pode ser impertinente com lorde Ranulf, mas não


comigo.

Lyonene sorriu tranquila.

— Sinto muito, mãe. É que hoje mesmo ele também me chamou


assim. Acaso não é um homem maravilhoso?

Melite suspirou, pois sabia que lhe esperava várias horas de


bate-papo sobre os encantos de lorde Ranulf.

As duas mulheres passaram toda à tarde no grande dormitório


de William e Melite, que também servia de sala de costura, Lyonene
não podia se concentrar no trabalho. Constantemente pegava o anel e
o punha à luz para poder admirar o brilho das esmeraldas, e várias

82
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

vezes ia olhar pela janela para ver o que acontecia no campo de


treinamento.

— Lyonene, a colheita de maçãs deste ano foi muito boa. Vai à


cozinha e peça ao cozinheiro que lhe dê algumas. — Ordenou Melite a
sua filha.

— Não tenho fome.

— Pensava que possivelmente o cavalo negro de lorde Ranulf


poderia querer comer um pouco.

Lyonene deu um salto e correu para sua mãe para dar um


abraço rápido e um beijo na bochecha. Já quase tinha chegado à
porta quando veio uma ideia à cabeça e se virou.

— Qualquer dia desses perguntarei o que tinha de tão urgente


na mensagem que enviou meu pai, para que me deixasse sozinha
dando banho em lorde Ranulf.

Havia apenas um lampejo no rosto Melite, mas foi o suficiente


para responder a sua filha. Rindo, Lyonene foi para a cozinha.

Nos estábulos fazia calor e cheirava muito bem quando Lyonene


chegou com a cesta cheia de maçãs e se dirigiu para o grande cavalo
negro. Acariciou a cabeça e abriu a porta. O cavalo comeu as maçãs
delicadamente de sua mão, enquanto ela lhe acariciava o poderoso
pescoço.

— Lyonene! O que faz? Não deveria estar no estábulo de Tighe!


— Chamou-a Geoffrey.

Sorriu-lhe por cima da baixa parede de madeira.

83
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É tão doce como seu amo.

Esfregou o nariz aveludado, agarrou um pente de ferro da parede


e começou a escovar sua espessa e longa crina.

Geoffrey se encontrava de pé do outro lado da porta, com uma


expressão de assombro em sua face.

— Este cavalo é um garanhão, não é nada doce. Nunca se


comporta assim com ninguém, exceto com Ranulf. Sabe que mordeu
ao chefe dos estábulos?

— Certeza que o homem merecia um castigo. Vê como é doce?

Ficou frente a uma das patas de Tighe e penteou o comprido


pelo que crescia no joelho.

— Nunca tinha visto um cavalo com um pelo assim. Está claro


que Tighe é muito vaidoso, mas um cavalo tão bonito como ele tem
razão para sê-lo.

— Lyonene, jamais conheci uma moça como você. Meu irmão é


muito afortunado. — Reconheceu Geoffrey.

Ela ficou de pé e deu mais maçãs a Tighe.

— O que não compreendo é por que ainda não está casado. Sei
que o esteve, mas foi há muito tempo. Que as mulheres na corte do
rei Eduardo tenham deixado escapar a um homem tão terno e atento
está fora de meu entendimento.

— Oh, o tentaram. Mas sempre há algo que delata a cobiça em


seu olhar e em sua forma de atuar.

84
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene sentiu que ruborizava e olhou para outro lado.

— Bom, eu também o desejo muito.

Geoffrey riu.

— As mulheres da corte desejam suas riquezas e também a ele.


Isso é fácil de ver. Elas avaliam sua roupa, no forro azeviche do seu
manto, suas joias e as contas de suas propriedades.

— Propriedades? Mas só há Malvoisin, uma ilha no sul da


Inglaterra.

— Malvoisin é uma entre tantas. Há...

— Não me diga isso! Eu não gosto de pensar em Ranulf como em


um desses condes do rei. Assusta-me de verdade. Quase preferiria
que fosse um fazendeiro como meu pai, assim ficaria em casa e
brincaria com as crianças.

— O que estou ouvindo sobre crianças? — Ranulf se aproximou


deles. — Ainda não coloquei a mão sobre essa moça e já acredita que
é mãe.

Geoffrey olhou um e a outro.

— Vou falar com Maularde. — Disse finalmente.

Ranulf riu entre dentes.

— Posso saber o que é tão engraçado? — Perguntou ela.

— Maularde quase não fala com ninguém. — Respondeu e se


virou para ela com a porta do estábulo entre os dois. — Acredito que

85
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se casa comigo pelo cavalo. — Ranulf olhava como Lyonene penteava


a longa crina. — Quando estivermos em Malvoisin procurarei uma
boa égua, e assim possivelmente Tighe lhe poderá dar uma filha. — O
grande garanhão golpeou brandamente no ombro com a cabeça. — O
vê? Acredito que gosta da ideia. Agora, saia daí e venha comigo. Ou
vou ter que vendê-lo se o segue mimando. — Colocou suas mãos nos
ombros de Lyonene e olhou-a intensamente. — Quero me recordar
bem de você, já que partirei pela manhã.

— Não pode! Não tão cedo. — Lyonene se inclinou para ele. —


Não poderia ficar até que se leia o anúncio? Até o casamento? Então
poderíamos ir juntos ao meu novo lar.

— Não posso. Já disse ao meu lacaio que estaria lá antes disso,


não poderia ficar ao seu lado tanto tempo. Voltarei no dia do
casamento e então será minha. Agora deve ir com sua mãe.

Lyonene se separou dele.

— Sempre me manda para minha mãe. Eu gosto de ficar com


você.

— Não pode ficar comigo até que seja minha esposa, não seria
capaz de suportar. Agora parte, se não quer que a carregue nas
costas.

Lyonene sorriu zombeteiramente e ficou imóvel.

Sem nenhum olhar, Ranulf a carregou em seus ombros e ela


ficou em uma posição muito imprópria para uma dama. Lyonene

86
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

gritou para que a soltasse e ele a libertou antes de chegar à porta do


estábulo.

— Tenho certeza que sou a noiva mais maltratada de toda a


Inglaterra, e a única a que não recebeu um beijo como Deus manda
no dia de seu compromisso.

— Não entende... não posso te beijar a cada momento. Partirei


amanhã cedo, se vier para ver-me, então, te darei um beijo antes de
ir. Agora não me tente mais.

Lyonene caminhou lentamente para a velha torre e subiu as


escadas.

Durante o jantar anunciaram os esponsais e houve aclamações.


Os membros da Guarda Negra ficaram de pé e levantaram as taças
em honra de Lyonene. Cada um dos homens pronunciou umas
palavras a propósito de sua beleza e seu encanto.

— São homens muito agradáveis. — Disse Lyonene, sorrindo


adulada.

Não percebeu que Ranulf apertava os punhos, nem de que tinha


o cenho franzido.

Depois do jantar, Lyonene cantou e tocou o saltério, um


instrumento de corda parecido à harpa. Sua voz era clara e bonita, e
só tinha olhos para Ranulf enquanto cantava antigas canções de
amor.

Ranulf deu um beijo na mão, desejou-lhe boa noite e foram


todos dormir. Os dois prometidos eram conscientes de que

87
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

unicamente uma parede os separava. Ranulf estava contente de que


Lucy estivesse de volta, assim não teria a tentação de entrar no
quarto de Lyonene, como tinha feito na noite anterior.

Durante um breve instante, antes de adormecer, surgiram


algumas dúvidas em sua cabeça. Não tinha certeza se se casar com
essa desconhecida seria o mais certo. Certo era que ela o olhava como
nenhuma mulher jamais o tinha feito, mas também olharia assim a
outros homens? Acaso era melhor atriz que as demais mulheres da
corte, que conseguia o fazer acreditar que era ele quem lhes
importava e não as riquezas de Malvoisin? Deixou de lado todos esses
pensamentos, mas esses apareceriam mais adiante.

Lyonene espreguiçou lentamente como uma gata. Sentia que


esse dia ia passar algo, tinha uma agitação que ainda não sabia a que
era devida. Então, com os olhos já completamente abertos, saltou nua
da cama tentando não despertar Lucy e se vestiu depressa. Lyon
partiria pela manhã e tinha que vê-lo.

Apesar da tênue luz, viu os homens de seu pai dormindo


profundamente no grande salão; entretanto, a Guarda Negra não
estava presente. Em silêncio, chegou até a porta e se dirigiu aos
estábulos. Era tão cedo, que o sol ainda não tinha saído.

A jovem ficou de pé frente à porta do estábulo, com os olhos


fixos no edifício escuro.

88
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Minha leoa se levantou cedo. — Disse Ranulf em voz baixa e


com um fôlego suave que provocava estremecimentos por todo o
corpo.

Ela se virou e lhe dedicou um estupendo sorriso.

— Igual ao meu leão, parece.

— Cuidado com esses sorrisos leoa ou procurarei uma guarida


para os dois. — Lhe fez um gesto sedutor com os olhos.

Lyonene tampou a boca para segurar a risada que lhe escapava.


Foi então que viu que Geoffrey estava muito perto, em cima do ombro
levava uma brida de cavalo.

— Também vai?

Geoffrey era consciente da careta de aborrecimento que ia


aumentando no rosto de seu irmão, mas não se assustou. Esse novo
ciúme de Ranulf merecia mais algumas provocações.

Lyonene olhou fixamente seu cunhado de olhos azuis. Ele era


mais bonito de perto, com essas pálpebras que escureciam suas
bochechas. Observou-o com interesse enquanto o jovem tomava sua
delicada mão e a beijava. Seus olhos brilharam.

— Posso lhe dar um beijo antes de partir?

Segurado à moça pelos ombros, seus olhos se encontraram com


os de Ranulf provocativamente. Beijou-a brevemente com seus
agradáveis e doces lábios. Com um sorriso, deixou-a e foi terminar de
preparar seu cavalo. Lyonene se virou e viu como montava.

89
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Bem, irmão. O que está esperando? Beije lady Lyonene e


assim poderemos partir.

Levou seu cavalo para saída do estábulo, deixando Lyonene e


Ranulf sozinhos.

O coração e a respiração de Lyonene se aceleraram somente em


pensar em beijar de novo o Leão. Virou para ele, com uma expressão
tão séria como a do Ranulf. A enorme mão se enredou na cabeleira da
moça e bruscamente aproximou-a dele, com seu peito de aço contra o
corpo suave dela. Ranulf a beijou com uma sofreguidão que ela
igualou em seguida. Os braços dela rodearam seu corpo robusto,
aproximando-o mais. Lyonene podia notar as coxas de Ranulf contra
as suas e instintivamente aproximou seus quadris para ele.

Ranulf a afastou quase bruscamente e ela se apoiou contra a


parede do estábulo, respirando agitadamente, com seus suaves lábios
separados.

— Espera muito de mim. Será melhor que vá. Procure que sua
mãe te guarde em um lugar seguro. — Disse duramente e em voz
baixa.

— Se esquecerá de mim?

— Nunca, minha leoa. Não pensarei em nada mais.

— Eu tampouco. — As lágrimas sufocaram suas palavras.

Ranulf secou com um beijo cada lágrima que formava em suas


pestanas e logo partiu.

90
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene não soube quanto tempo ficou ali de pé. O sol já


brilhava quando finalmente entrou no castelo, embora para ela
qualquer pensamento ensolarado se evaporasse.

91
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 04
Melite viu a expressão perdida no rosto de sua filha quando
Lyonene entrou no grande salão. Sabia que seu futuro genro tinha
partido e que três longas semanas de espera se estendiam diante
delas. Suspirou. Para sua filha isso significaria uma eternidade, mas
para ela não parecia tempo suficiente para tudo o que teria que fazer.

Em primeiro lugar, deviam confeccionar todos os vestidos.


Embora o dote de Lyonene não fosse suficiente incentivo para um
conde, Melite tinha pensado vestir sua filha como correspondia a uma
condessa. Mandou chamar William, já que era ele que guardava a
chave das dependências onde se armazenavam as coisas de valor de
Lorancourt.

William se queixou um pouco, mas finalmente esteve de acordo


com sua mulher em que Lyonene deviria ser vestir adequadamente.
Desse aposento escuro e frio trouxeram joias, peles, cetins, sedas,
veludos e finas lãs. Lyonene suspirou ao ver a beleza de todo esses
tecidos e não se atrevia corta-los por medo de estragá-los.

Durante três semanas, Gressy, Meg, Lucy, Melite e Lyonene não


pararam de costurar. Traçaram diminutos leões com fio de seda verde
pela borda de uma túnica e os preencheram com lã de cordeiro,
conseguindo assim animais acolchoados. Cada leão estava enfeitado
com pequenas perolas.

92
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Deram especial atenção ao vestido de noiva. Era composto por


uma túnica de seda cor açafrão muito justa, e as mangas se juntavam
com uma fileira de pequenos botões, do pulso até o cotovelo. A capa,
aberta nos lados, era de veludo castanho avermelhado e tinha um
corte que revelava as curvas generosas de seus seios e seus quadris.
O manto era de brocado verde da Sicília, adornado com aves fênix de
grande beleza, tecidas em um verde mais escuro, e toda a capa e o
capuz estavam forrados com pele de coelho que tinha sido tingida
com tons verdes.

Lyonene adoraria conhecer a medida de seu prometido para lhe


oferecer um tabardo como presente de casamento, mas finalmente se
conformou em oferecer duas taças de ouro. Não percebeu a expressão
pálida de seu pai, quando combinou com dois ourives, que fossem a
Lorancourt para converter dois de seus quatro bonitos pratos de ouro,
em duas taças com a haste de joias incrustadas. Para Lyonene era
tranquilizador o martelar constante dos artesãos enquanto
trabalhavam nas taças de ouro ao redor de umas bolas de ferro que
serviam de molde às taças. Sabia que enquanto as taças fossem
tomando forma, ia aproximando o dia de seu casamento.

Cada noite caía exausta na cama, tal e como Melite tinha


planejado, mas sempre, antes de dormir, tinha tempo para pensar na
doce visão de Ranulf. Agora começava a recordar coisas que não a
tinham preocupado quando estavam juntos. Pensava muito
frequentemente em seu título de conde, na corte do rei Eduardo, onde
Ranulf devia ser um assíduo visitante. Começou a se questionar as
razões pelas quais ele se casava com ela e, quanto mais se

93
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

aproximava o dia, mais se sobressaltava por qualquer ruído e chorava


mais frequentemente. As histórias acrescentadas pela Gressy sobre os
horrores do Leão Negro não ajudavam a acalmar sua ansiedade, que
aumentava cada dia que passava.

Geoffrey fez uma careta. Se seu apaixonado irmão perguntasse


mais uma vez sobre a beleza de lady Lyonene, agarraria sua espada e
lhe cravaria o aço entre suas costelas. Tinham cavalgado muito para
chegar a Londres em uma noite e Geoffrey não fazia mais que pensar
em uma cama suave, para compartilhar possivelmente com uma
serva de taberna que o esquentasse.

Ranulf não gostava de Londres, com esses esgotos abertos pelas


ruas e com os porcos que pegavam o lixo e perambulavam comendo
lavagem. As ruas eram estreitas e o ar não alcançava aos cavaleiros
entre esses edifícios de três e quatro pisos. A estalagem onde
passaram a noite tampouco estava totalmente limpa.

Ranulf percorreu a cavalo a rua dos ourives até que encontrou a


loja que estava procurando. Só três membros da Guarda Negra o
acompanhavam, os outros quatro cuidavam de Geoffrey, que não
tinha querido deixar sua cama e sua roliça serva tão cedo.

Ranulf entrou na apertada e pequena loja. Um homem baixo e


moreno se aproximou.

94
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Quero comprar um presente de casamento para minha


prometida, e eu gostaria de adquirir seu trabalho mais refinado.

— Todos meus trabalhos são os mais refinados. Que tipo de peça


deseja?

Ambos os homens se olharam sem sorrir, mas compreendendo-


se.

— Quero um cinto, um cinto muito especial. Deve parecer do


mais puro ouro e do metal mais fino. Tem que ter leões, um leão e
uma leoa, e também deve representar cenas de leões caçando
juntos...

Ranulf parou de falar, um pouco envergonhado diante desse


homem solene.

— Entendo. E o que me diz das cores?

— O leão deve estar esmaltado da cor negra mais escura que


tenha e nos olhos de ouro deve colocar uma pérola negra. A leoa... —
Ranulf fechou os olhos durante um segundo, deleitando-se nessas
deliciosas lembranças — a leoa deve ser de ouro, ter o castanho
avermelhado dos leões, e para o olho têm que utilizar uma esmeralda.
— Ranulf fez uma pausa, recordando os olhos cor de esmeralda de
Lyonene. — Deve estar composto de várias peças, cada uma com uma
cena que não deve ser mais larga que meu dedo, nem mais longa que
meu polegar. Poderá fazer uma peça tão delicada?

— Se me der o ouro suficiente, posso fazer algo.

Ranulf ficou rígido.

95
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Haverá ouro em abundância.

— Qual e a medida da dama? Quantas peças deve ter o cinto?

Ranulf estava confuso. Levantou as mãos formando um círculo.

— Posso abranger sua cintura com minhas mãos. O joalheiro


tomou nota mentalmente.

— Acredito que leva 15 peças para o comprimento. E agora, o


fecho. Do que vai ser feito?

Ranulf refletiu um momento.

— Uma pérola negra e uma esmeralda.

Falaram do preço e fixaram a data para pegar o cinto quando


tivesse terminado. Quando voltou para a estalagem, Ranulf se sentia
satisfeito. Geoffrey tinha passado um dia tranquilo e agora já estava
preparado para partir. Os dois irmãos se prepararam para se
despedirem. Geoffrey se separava de seu irmão, já que devia voltar
para suas obrigações como escudeiro de sir Tompkin.

Levou dois longos e exaustivos dias chegar a Malvoisin e Ranulf


de novo se maravilhou ao ver as muralhas uniformes de pedra cinza
aparecer diante dele. Ele e seus homens se dirigiram ao castelo, onde
foram recebidos com ovações e saudações pelos moradores do castelo.

Desmontaram depois de passar pela muralha que protegia o


pátio interior. Seu lacaio, o falcoeiro, o primeiro cozinheiro e o chefe

96
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

dos estábulos viviam com suas famílias nas moradias que se


encontravam no pátio interno, mais tranquilo.

Os membros da guarda se dirigiram aos seus aposentos


enquanto Ranulf foi para a sala.

Durante todo o tempo que permaneceu em Malvoisin não deixou


de chover e, embora julgasse muitos casos em seu tribunal muito
frequentemente as pessoas não se atreviam a sair ao exterior por
causa do abundante lodo.

A chuva o manteve trancado entre as muralhas de pedra do


castelo. Algumas vezes se reunia com seus homens, mas agora eles
estavam com suas mulheres e se sentiam satisfeitos. Ranulf, em
troca, estava nervoso e o martelar da chuva ainda provocava mais
ansiedade.

Sentou perto da lareira com outra taça de vinho na mão.

Os aposentos estavam silenciosos, já que era tarde e os criados


tinham se deitado. Tentou se recordar os dois dias que tinha passado
em Lorancourt, mas não podia fixar uma imagem clara. Durante
muito tempo não tinha nenhuma razão para sorrir e as palavras de
uma mulher moribunda o tinham açoitado durante muitos anos.

Um relâmpago iluminou o aposento durante um breve instante.


Também tinha chovido naquela noite. Ela, a mulher que chamavam
sua esposa, tinha chegado tarde com Leah, sua filha de três anos que
tratava de seguir os passos de sua mãe.

97
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Estavam há três anos casados e não se deitara nenhuma só vez


com sua esposa. A princípio, havia se sentido perturbado por ela, era
um garoto inexperiente e ela tinha alguns anos a mais que ele. Ela
tinha rido dele e tinha dito que poderia amá-la quando fosse digno
dela, quando se convertesse no cavaleiro mais forte da Inglaterra.

Seus homens acreditavam, hoje, que treinavam exaustivamente,


mas naquele tempo, ele nem dormia e nem comia, de tão preocupado
que estava por agradar a sua esposa. Não protestou quando soube
que nasceria um bebê e, mais tarde, a menina se converteu em sua
alegria, um bálsamo contra sua malvada e adúltera esposa.

Quando percebeu que se deitava com outros homens, muitos


homens, já tinha muito carinho por Leah para pensar em jogar sua
mãe para longe dali.

Ranulf se levantou e se aproximou da lareira, apoiando as mãos


contra o suporte de pedra. Nunca tinha imaginado que ela o odiasse
tanto para ser capaz de matar a menina que ele tinha aprendido a
amar.

Em uma úmida noite ao voltar para casa, Isabel tinha um olhar


triunfante ao ver Ranulf levantar a menina nos braços enquanto ela
tremia.

Ele não se separou da pequena Leah durante os três dias em


que a febre a consumiu. Só depois de sua morte se inteirou da
enfermidade de sua mulher e de que ela também jazia em seu leito de
morte.

98
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf se lembrou das horríveis últimas palavras que Isabel


tinha lhe dedicado:

— Estou contente que ela esteja morta, porque eu também estou


morrendo e assim terei lhe tirado tudo. Amei somente um homem, o
pai de Leah, mas era pobre e meu pai não o queria. Você estava ali,
com suas riquezas e seus homens, e me tiraram da pessoa que eu
mais amava. De verdade acreditava que poderia suportar sua negra
feiura? O que outra mulher poderia fazer? Não, Ranulf de Warbrooke,
nenhuma mulher vai amar você, somente suas finas peles e taças de
ouro. Vá procurar um sacerdote e não me faça ver outra vez seu
negrume do diabo.

Ranulf se levantou e espremeu a taça de prata que sustentava


na mão. As joias que a tinha adornado se espalharam por todo o
quarto e sua mão ficou coberta de vinho e sangue. Não deveria ter se
prometido outra vez! Havia muita semelhança entre os dois
casamentos: um pai ansioso de ter um conde como genro, uma
moça... Sentou-se de novo.

Não, não havia nenhuma semelhança entre Isabel e Lyonene.

Mas quem era essa jovem? Tinha a impressão que os dois


tinham se sentido do mesmo modo. Entretanto, ele nunca havia se
sentido assim por ninguém. Sabia tão pouco dela, que poderia ter
tratado a muitos homens antes dele com a mesma ânsia, e o mesmo
desejo.

A tormenta piorou ao mesmo tempo que seu humor. As


lembranças de seu compromisso indicavam falsidade e engano.

99
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Pela manhã, Hodder encontrou seu lorde dormindo no chão e,


quando despertou, pôde ver que a escuridão de seu humor
correspondia a de seu aspecto. O fiel lacaio viu que o temperamento
de Ranulf piorava dia a dia, que comia pouco, bebia muito e não se
lavava nem se barbeava.

A chuva seguia caindo, molhando tudo, filtrando nos buracos e


desanimando os humores. Com muita alegria, Corbet viu sair o sol
justo no dia em que deviam partir para Lorancourt. Os sete homens
estavam preparados e esperavam seu lorde no pátio, mas Ranulf não
aparecia.

Hugo Fitz Waren, o membro mais antigo da Guarda Negra, foi


buscá-lo.

— Milorde, já saiu o sol. — Disse o homem — Devemos nos


apressar para chegarmos a tempo do casamento.

— Não vou. — Respondeu Ranulf. — Vou enviar várias carroças


de ouro a sir William como compensação, mas eu não volto a me
casar.

Hugo se sentou em um banco aos pés de Ranulf e tentou


controlar sua respiração ante o olhar de seu lorde.

— Então, o grande Leão Negro teme a uma menina que tem a


metade de sua idade e de sua estatura? E o que vai mandar à moça
para compensá-la pela perda de um marido que ama?

— Acaso não sabe que o conde de Malvoisin é muito rico para


que alguém o ame?

100
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não é muito rico para chafurdar-se em autocompaixão. Pode-


me olhar como quiser, mas não tenho medo. Sei tudo sobre essa
outra mulher que teve.

— Não me fale dela.

— Até que não me obrigue a calar, falarei. Não pode culpar a


todas as mulheres pelos enganos de uma só.

— São todas iguais, minhas mulheres.

— É certo que ambas têm certa semelhança, já que são filhas de


barões. Mais é um homem de palavra e faz tempo que não vê à moça.
Quando a vir de novo, seus temores desaparecerão. — Hugo se
aproximou de Ranulf, e se deu conta de que estava bastante ébrio. —
Hodder! — Ordenou. — Vista ao seu lorde. Vamos para Lorancourt e
voltaremos com uma esposa. Se assegure de que use os trajes para a
cerimônia de casamento.

Foi um Ranulf cansado e confuso o que cavalgou em direção ao


norte, para Lorancourt. Doía-lhe a cabeça e ardia o estômago, mas
isso era melhor que pensar e ouvir as vozes que o perseguiam.

101
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 05
Lyonene viu como os raios do sol da manhã iluminavam o chão.
Parecia que tinham passado horas desde que se vestiu. Seu
prometido e os homens de Malvoisin tinham chegado à noite anterior,
e tinham tido que preparar muitos banhos para que estivessem
apresentáveis para o casamento. Não tinha visto Ranulf.

Meg se precipitou no pequeno quarto.

— Está linda, milady.

Lyonene sorriu, sentindo os nervos no estômago.

— O que carrega?

A garota soprou.

— É para sua senhoria, um grande e escuro, seu...

— Me deixe ver. É para mim, não é assim?

— Oh sim. E também é lindo.

Tanto Melite como Lyonene lançaram um olhar severo, por ter


aberto um presente para outra pessoa. Meg entregou cuidadosamente
a sua jovem ama com uma reverência.

A caixa era longa e estreita e estava coberta com capa de marfim


tanto na parte superior como na inferior. Em cada lado, seis em total,
tinham representadas cenas de amor cortês entre um homem e uma
mulher.

102
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É linda. — Suspirou Lyonene.

— Não! Abra, o presente de verdade está dentro.

Assombrada de que houvesse mais presente, além da linda


caixa, Lyonene levantou a tampa pelas dobradiças de prata. O cinto
de leão brilhava e as esmeraldas cintilavam.

Melite agarrou a caixa enquanto sua filha examinava admirada


os pequenos leões e leoas.

— Nunca vi nada semelhante. — Sussurrou.

Aproximou-o da luz, tocando o fino fio de ouro e as suaves


pérolas esmaltadas.

— Acaso não é magnífico?

Melite sorriu a sua filha, contente de vê-la tão feliz.

— É verdadeiramente magnífico. Agora coloque ou vamos chegar


tarde ao seu casamento.

Com muito cuidado, Lyonene colocou o cinto ao redor da


cintura, deixou-o cair justo em cima de seu quadril e lhe acariciou
com suavidade.

— Fez chegar às taças a meu prometido? — perguntou Lyonene


a sua serva.

— Sim, milady.

103
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Tremia a mão de William quando segurou a de sua filha, para


descer as escadas. Ajudou-a montar em uma bonita égua. Ela tinha
que montar na maneira feminina para esta feliz ocasião, o resto da
família e os serventes iam a pé. William dirigiu o cavalo durante a
curta distância até a capela do castelo. Era um dia frio e claro, a
cerimônia se realizaria no exterior da igreja, já que o matrimônio era
considerado como uma questão legal mais que sagrada.

Lyonene sorriu ao ver os dois irmãos um junto ao outro. Ambos


vestiam as cores de Malvoisin. O irmão mais novo ia vestido de cor
verde, com uma faixa negra no manto, forrado de pele branca. O mais
velho ia vestido de negro com uma fina trança verde nos flancos do
tabardo, seu manto era forrado de marta negra.

William ajudou sua filha desmontar. O olhar de Ranulf quase


assustou Lyonene: não era como ela o recordava, franzia o cenho em
lugar de estar contente em vê-la, e tinha olheiras.

O reverendo Hewitt perguntou quem oferecia à mulher em


matrimônio e quem a recebia. William soltou seu braço e ela agarrou
o do Ranulf, que não a olhou nem um momento. Lyonene desejava ter
a segurança de que estava casando com o mesmo homem a quem se
prometeu.

Ambos responderam às perguntas do sacerdote e as portas da


igreja se abriram de par em par. Ela deixou sair um suspiro contido e
puxou o braço de Ranulf até que ele olhou para ela. Parecia cansado,
mas era seu Leão. A moça lhe sorriu.

— Sempre se esquece de me beijar. — Sussurrou Lyonene.

104
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf sorriu com acanhamento e se inclinou ligeiramente em


sua direção.

— É muito tarde, o reverendo Hewitt vai abençoar nosso


matrimônio.

Enquanto se ajoelhavam em frente ao altar para a missa, ela


percebeu ainda mais as mudanças em seu marido, mudanças que
não tinham sido provocados pela falta de sono. A longa cerimônia
terminou e ali estavam de novo, sob a luz do sol da manhã.

Ranulf levantou Lyonene para que se sentasse na grande sela do


frísio e logo montou atrás dela, rodeando-a com os braços e segurou
as rédeas. Enquanto, os convidados lançavam sementes diversas e
gritavam: “Viva aos noivos!”

— Agora cavalguemos para Malvoisin, nos afastemos daqui. —


Lhe disse ele.

Ela notou seu suave fôlego no ouvido. Virou e o abraçou.

— Sempre peço que me beije e você sempre me rejeita, e agora


quer me levar daqui e pede que desatenda aos nossos convidados.

As rédeas caíram quando Ranulf abraçou Lyonene, esmagando-a


contra seu corpo. Não foi um beijo doce, a não ser um beijo cheio de
saudade e de dúvidas que ainda tinha.

Lyonene se inclinou para ele e carinhosamente rodeou seu


pescoço com seus braços.

— Venha comigo. — Ele pediu.

105
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não posso. Não posso pensar só em mim.

— Então, pense em mim.

Ela o olhou nos olhos e viu a dor que carregava consigo.

— Amanhã todos meus dias serão seus, mas o dia de hoje


pertence a meus pais. Venha comigo. Dançaremos e comeremos o que
estivemos preparando durante dias.

— Haverá muitos homens convidados?

— Certamente, mas também haverá mulheres. Ranulf, o que


ocorre? Aconteceu alguma desgraça? Não sorri.

— Acaso não sabe que o Leão Negro nunca sorri?

Lyonene não pôde evitar que a atravessasse um calafrio.

Outro ser ocupava o corpo do homem que tinha começado a


amar.

— Vamos. Não me importa os outros. Cavalguemos para sua


ilha.

— Não. Você escolheu os outros, que assim seja. Não quero


negar nada a minha esposa. — Sua voz soava fria.

Ela apoiou suas costas contra ele e sentiu como Ranulf


endurecia. Ela estava assustada tanto dos seus atos como suas
palavras.

A velha torre de Lorancourt estava decorada com a bandeira


negra e verde de Malvoisin e haviam preparado uma grande festa.

106
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Havia um grande cisne branco assado e vestido de tal maneira que


quase parecia estar vivo, com cada pena reposicionado perfeitamente.
Também tinha assado um javali recheado com coelhos que foram
recheados de perdizes. E tinha tortas de todo tipo sobre toalhas
brancas.

Muitos dos convidados levantaram suas taças e beberam em


honra do jovem casal.

— Ranulf, parece cansado. Ou acaso está triste por esse


matrimônio?

Os olhos do Ranulf se viam frios e inexpressivos.

— Ainda tenho que ver com quem me casei.

Lyonene piscou para controlar as lágrimas que vinham aos


olhos.

— O cinto é muito belo. Agradeço-lhe.

Fez uma saudação mínima com a cabeça e bebeu de um gole


todo o vinho que havia na taça.

Lyonene estava muito silenciosa, ignorando o ruído e as pessoas


que havia ao seu redor. Onde estava o homem que ela recordava, o
homem sorridente que brincava com ela e a segurava com as mãos?

— Poderia dizer o que fiz para o contrariar tanto?

Ranulf se abrandou um pouco e tocou a bochecha com o dorso


da mão.

107
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sou um homem com um gênio muito ruim, e você não têm


culpa. Possivelmente poderíamos sair daqui um momento e encontrar
um lugar para ficarmos sozinhos.

— Basta! Terá toda uma vida com ela, e ao resto de nós só ficará
lamentar sua perda. — O que falava era sir John de Bano, um homem
muito amável que Lyonene conhecia de toda a vida. Dedicou-lhe um
sorriso. — Lady Lyonene deve nós ensinar esse maldito jogo irlandês
com as carroças. William nunca se lembra das regras nem eu
tampouco. Se Giles estivesse aqui, poderia nos ajudar, mas não veio.

— Quer jogar conosco? É um jogo pouco comum e necessita de


habilidade. — Propôs Lyonene a Ranulf.

— Não, não estou de humor para jogos. Vá com eles, já que


gostam tanto de sua companhia.

Ela começou a dizer Sir John que não iria deixar seu marido,
quando o homem mais velho puxou seu braço, fazendo sinal para ela
vir.

— Não se preocupe. — O homem disse quando estavam


sozinhos. — Estava desse jeito no meu casamento, meio morto de
medo. Sabia que minha vida tinha terminado. Via Maggie como uma
estranha, apesar de conhecê-la há muitos anos. Agora venha e nos
ensine este condenado jogo e se divirta. Ele se recuperará sozinho.

— Espero que tenha razão, entretanto parece uma pessoa


diferente do que conheci.

108
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É obvio que é. Agora é casado e não um solteiro


despreocupado.

— Se as coisas são assim, deveria ter fugido com ele sem


casamos.

John ficou boquiaberto.

— É como uma filha para mim, e por isso a atuarei como o faria
um pai e, por isso te direi que não pode falar disso com ninguém,
exceto com o reverendo Hewitt. Suas palavras são um pecado e deve
se arrepender de havê-las pronunciado.

Lyonene baixou a cabeça para que John não visse seus olhos.

— Sim, sir John.

— Bem. Agora vem para a mesa de jogo.

Lyonene não pôde desfrutar da brincadeira ou de nenhuma


diversão, e seu olhar sempre se perdia no silencioso Ranulf, que não
se unia a atividade alguma e ficou sozinho, bebendo. Cada vez que
tratava de aproximar-se dele, alguém a arrastava entre risadas para o
outro lado da sala. Somente Geoffrey falava com Ranulf, já que todos
outros convidados estavam a par de que era um dos onze condes do
rei.

Prepararam as mesas para o jantar. O vinho, a cerveja e as


demais bebidas alcoólicas acrescentaram animação ao bom humor
dos convidados.

— Está se divertindo? — A pergunta de Ranulf soou como uma


acusação.

109
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Encontrarei uma maneira de escapar para o jardim. — Ela


propôs. — Me esperará ali?

— Eu não gostaria de te privar da companhia de seus queridos


convidados.

— Por favor, meu Ranulf, não conheço a causa do seu


aborrecimento. Peço que me diga e assim não te desgostarei mais.

Não houve mais tempo para palavras, pois a banda que tocava
da varada que rodeava o grande salão, triplicou o som e o aposento se
encheu de moças que dançavam vestidas com túnicas. Os convidados
lançavam exclamações de aprovação e afastaram as mesas para que
todos pudessem dançar.

As danças se encaixavam com o humor das pessoas; agora


repletos de bebida e comida, todos se mostravam ruidosos e alegres.
Lyonene teve que suportar que a jogassem nos braços de um homem
a outro. As danças rápidas a deixaram sem fôlego.

— Então se vendeu para ser condessa. — Quem falava era Giles,


o filho de sir John, a cor de seus olhos delatava que tinha estado
bebendo muito.

— Me solte Giles! Como se atreve a se apresentar nestas


condições?

Giles a tinha agarrado pelos pulsos e a empurrou para o banco,


perto de uma janela escura que havia nas paredes de pedra de dois
metros de altura.

— Você é atrevida. O que seu marido pensa de nós?

110
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene olhava-o incrédula.

— De nós? Não há nada a dizer sobre nós. Conheço-te desde que


éramos crianças, isso é tudo.

— E o que me diz de nossa conversa sobre matrimônio?

— Nossa conversa sobre o matrimônio foi sobre com quem nos


casaríamos e quando. Não falamos de um matrimônio entre nós.

— Acaso não sabia que eu queria que fosse minha esposa?

— Giles, está me machucando! — O jovem não a soltava. —


Bebeu muito. Vá dormir e não diga mais mentiras sobre mim.

— Mentiras! Diz que meu amor é uma mentira? O que é que ama
mais nele, seu ouro ou sua condição de conde? Gosta de ser
condessa?

Apesar de saber que machucaria os dedos dos pés, já que usava


sandálias de couro brando, Lyonene lhe deu um forte chute na tíbia.
Surpreso, Giles a soltou o suficiente para que ela pudesse escapar.
Saiu correndo para Ranulf.

— Não me diga que se cansou das atenções dos convidados que


caíram em seus encantos. — Disse seu marido.

A moça se virou para ele, fez um gesto e partiu.

Dirigiu-se para a porta do vestíbulo e desceu as escadas para a


estufa. As pedras frias lhe faziam bem, já que a fúria fervia dentro
dela.

111
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O dia do seu casamento! Tinha que ser o dia mais bonito e se


converteu em um desastre. Um marido que se voltava um estranho
mal-encarado, um amigo de infância convertido em um louco bêbado.
Desejava com todo seu coração poder pegar um cavalo e escapar de
tudo isso.

— Então não pode suportar sua presença nem sequer um só dia.


Pagou um alto preço por suas sedas e veludos.

— Não se aproxime Giles. O que diz são tolices. Nunca te amei e


nunca quis me casar com você. Casei-me com Ranulf porque é um
homem bom e amável, não por suas riquezas.

— Está dizendo que o Leão Negro é bom e amável, quando toda a


Inglaterra conhece seu caráter? O próximo que dirá que é um homem
risonho e que lhe quer muito.

— Não vou dizer nada de meu marido.

Virou-se para voltar para castelo, mas Giles a apanhou pelo


pulso. A bofetada que Lyonene lhe deu fez que assobiassem os
ouvidos. Lyonene arregaçou a saia e começou a correr, mas os
soluços de Giles a detiveram. Giles tinha sido seu amigo e não podia
suportar sua dor. Virou-se para ele.

— Giles, não fique assim. Não sabia o que sentia por mim.
Sempre foi meu amigo.

Giles a agarrou pelo braço e apoiou a cabeça em seu ombro.

— Sempre te amei, sempre.

112
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene deu tapinhas no seu ombro, mas se afastou para o


lado.

— Uma cena muito comovedora.

Ambos se viraram para Ranulf, que se encontrava a poucos


metros deles e que falava com uma voz tão cheia de ódio que gelou o
sangue de Lyonene.

Uma risada horrível saiu da boca de Giles.

— Então é este o marido, o maravilhoso conde que pode comprar


qualquer noiva que queira. Poderá pensar que a conquistou, mas
sempre será minha. Entende minhas palavras? É minha!

Lyonene não viu que Ranulf se movia, mas de repente Giles voou
disparado e aterrissou com um som surdo vários metros mais longe.
Não disse nada mais. O olhar na face de seu marido era aterrador e
ela ficou imóvel.

Uma mulher que se encontrava perto os viu.

—Está aqui. Não podem separar-se um do outro. Chegamos a


tempo. — Disse sorrindo.

Logo, o frio pátio se encheu de mulheres risonhas que rodearam


Lyonene.

— Logo será sua, lorde Ranulf.

Só Melite se deu conta da expressão no rosto de seu genro.


Colocou uma mão no seu braço, mas ele não pareceu notar, assim
seguiu a sua filha.

113
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene estava tão rígida como uma boneca enquanto Lucy e


sua mãe tiravam seu vestido de noiva. Em silêncio, se meteu na cama
de dois metros quadrados. Seguia sem falar quando a cobriram até os
seios com finos lençóis de linho, e puseram algumas almofadas de
plumas atrás da cabeça. Arrumaram a grande cabeleira de mechas
ruiva ao redor de sua cabeça e ombros.

As lágrimas corriam pelo rosto rechonchudo de Lucy.

— Que bonita que é minha menina! Oh, milady! Não quero


deixa-la aqui como um cordeiro que vão degolar.

— Oh, te cale, Lucy! Já está suficientemente assustada. Não


aumente seu medo. — Ordenou Melite.

— E com razão deveria o ter, — respondeu Lucy — pois dizem


que foi gerado pelo diabo.

Melite se levantou e, com os olhos cheios de fúria, indicou à


mulher a porta com o dedo. Entre soluços, Lucy partiu.

— Lyonene, já te contei o que ocorre entre um homem e uma


mulher. É um ato de amor e não terá que ter medo.

Lyonene levantou a vista e olhou a sua mãe.

— Acredito que me odeia.

— O que aconteceu? O que têm feito?

— Não sei, só sei que estava mais que zangado. Giles contou
mentiras e agora me odeia.

114
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Giles! Sabia que ia causar problemas, então pedi a sir John


que viesse sem seu filho. Nem sequer o vi. — Olhou para a porta. —
Aqui chega. Sede amável e paciente com ele, não deixe que seja seu
temperamento que fale. Tenho que ir. Agora é uma mulher casada e
têm que resolver sua própria vida.

Deu-lhe um beijo na bochecha e saiu do quarto. Melite se


apertou contra a escada de pedra enquanto a Guarda Negra carregava
seu lorde, nos ombros com as pernas voltadas para cima das escadas.

— Agora saberemos a que tipo de homem nós servimos! Se


dentro de nove meses não tiver um bebê, iremos servir a Robert de
Vere, que tem seis filhos.

— Um leão em seu escudo e uma leoa em sua cama. Quem


poderia pedir mais?

À medida que foram entrando no quarto o faziam discretamente,


já que a visão de lady Lyonene na cama, com seus suaves seios
apenas cobertos pelos lençóis e o cabelo em forma de auréola sobre
sua cabeça, os fez pensar em todas as mulheres que seu lorde tinha
conhecido e em como nenhuma podia competir com ela. Ranulf
estranhou tanto silêncio, mas ele também, ao vê-la, respirou
pesadamente.

Quando ficou completamente nu, os homens o levantaram e o


colocaram depressa na cama ao lado de sua esposa. Corbet foi
apagando todas as velas, até que ficou somente uma ao pé da cama.
Sainneville, outro membro da Guarda Negra, deteve seu companheiro

115
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

quando este ia apagar a última e, apontando com os olhos ao casal na


enorme cama, disse:

— Se estivesse em seu lugar, ao se virar entre esses finos


lençóis, você gostaria que o quarto estivesse às escuras?

Fez silêncio e cada homem pensou nessas últimas palavras.


Rindo, abandonaram o aposento.

— Ranulf...

Ela começou a falar quando ficaram sozinhos. Ranulf deu um


sobressalto quando ela colocou sua mão sobre seu braço nu.

— Resigna-se à ideia de ter um marido rico? Têm a intenção de


suportar minhas carícias enquanto deseja a outro homem? Ou
possivelmente já o conhece bem no longo dos anos.

— Giles não significa nada para mim. E nenhuma vez significou,


ouve-me?

— O moço não parecia estar de acordo com suas palavras. Não


pode ter inventado toda essa história.

— Mas o fez. Estávamos acostumados a brincar juntos quando


éramos crianças e falávamos de quando nos casaríamos, mas eu
sempre referia a um homem desconhecido. Entretanto, parece que
esse não foi o seu caso.

— Agora entendo tudo. O moço a amava, mas você renegava o


seu amor porque queria entrar no círculo dos ricos. Teve sorte na
caça e trouxeram para a mesa um conde de Malvoisin. Quer que te

116
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

conte quantas são minhas propriedades, cavaleiros ou qual é a


quantidade de pratos de ouro que possuo?

— Basta! Sou inocente! É só um moço com a cabeça cheia de


sonhos e nunca significou nada para mim. É você a quem eu...

— Ama? — Disse com desdém. — Então pode dizer que me ama?


Ouçamos essas doces palavras. Talvez aplaque a ira do leão e ele
voltará outra vez a ser doce e dócil, em suas pequenas mãos.

Lyonene lhe lançou um olhar gélido cheio de raiva.

— Eu não minto, e não posso dizer que te amo ou que alguma


vez vá amá-lo.

Com um poderoso movimento, ele rasgou o lençol que a cobria e,


sem querer, emitiu um gemido ao vê-la, mais encantadora do que
poderia imaginar.

Lyonene viu sua expressão, e a fúria se converteu em medo, já


que viu o rosto do Leão Negro, um rosto que tinha obrigado a homens
robustos a se ajoelharem e se renderem. Não tinha acreditado que
pudesse ter um olhar tão assustador, um olhar que agora se dirigia
para ela.

Instintivamente, tratou de se cobrir quando ele arrancou o


lençol. Com uma mão poderosa e forte tomou-lhe um seio. Sua boca
se aproximou de Lyonene e machucou seus lábios. Com uma coxa
abriu suas pernas enquanto ela tentava se defender com as mãos,
mas era tanta a sua força, que não se dava conta dos esforços de
Lyonene.

117
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ela arranhou a pele de seus braços e das costas e ele respondeu


com um gemido. Lyonene ficou sem ar, quando os lábios dele se
moveram para um lado de sua boca. Com a outra perna, separou as
pernas de Lyonene e ela gritou quando sentiu a primeira pontada
forte. Vieram lágrimas aos olhos enquanto ele parecia querer enchê-la
até que a arrebentasse.

Ele ficou imóvel durante um instante e ela sentiu que a dor


diminuía, mas Ranulf se moveu de novo e a dor começou outra vez.
Passou um minuto e ele se moveu lentamente, deliberadamente e, em
seu interior, Lyonene sentiu uma faísca de paixão. Podia sentir sua
respiração forte e rápida em seu ouvido, mas, enquanto ele ia
movendo-se cada vez mais rápido, a dor ainda a inibia.

Sentiu como Ranulf se estremecia e logo como seus músculos


relaxavam, deixando cair todo seu peso sobre ela. Abraçou-o forte,
esquecendo por um momento suas palavras carregadas de fúria.

Ranulf se afastou dela para o outro lado da cama, não a olhou e


nem lhe dirigiu a palavra, deixando bem claro que ainda seguia
zangado.

Ela se aconchegou no outro lado da cama, deixando cair


lágrimas por suas bochechas em silêncio.

118
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 06
Ranulf se sentou em frente ao fogo morto, com o manto
escorregando, por seus ombros bronzeados, sem que ele percebesse,
totalmente alheio ao frio. Voltou a encher a taça e deu um grande
gole, com seus sentidos quase anestesiados pelos efeitos do vinho.
Não esperava que a moça fosse virgem. Seus olhos avermelhados
olhavam fixamente ao fogo faiscante. Não tinha esperado muitos dos
acontecimentos das últimas semanas, e estava furioso consigo mesmo
por sua própria falta de honra e por sua falta de controle.

Bebeu mais vinho e, nesse momento, ouviu uma respiração


entrecortada atrás dele. Ao perceber sua pureza, tinha vacilado e
tratado de reparar a brutalidade de seu ato, com evidentes poucos
resultados. O medo em seus olhos, e sobre tudo o ódio que
mostravam, havia devolvido a raiva que sentia por ela.

Quando o moço disse que lhe pertencia, que só se casava pelo


ouro, sentiu-se possuído por uma raiva tão violenta que o impedia de
ver ou pensar. Foi uma sorte que as mulheres a levassem porque não
queria imaginar como teria reagido.

Sua esposa! Sim, estava casado com ela, apenas uma menina,
cujos olhos verdes o tinham perseguido e ocupavam seu pensamento
inclusive nesse momento. Tinha provado ser pura em um sentido,
mas e se era verdade que desejava outro homem, esse moço? Quem
dizia a verdade, ele ou ela? Só o tempo lhe daria uma resposta, uma
vida juntos, de desconcerto e escuridão, estendia-se diante deles.

119
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O débil sol de inverno iluminou o quarto, fazendo-a parecer


ainda mais fria. Ranulf se levantou e se vestiu, sem afastar a vista da
moça que dormia na cama.

Quando esteva preparado, aproximou-se dela e observou seu


cabelo emaranhado e seu rosto marcado de lágrimas.

— É hora de se levantar, temos que sair logo. — Falou


brandamente.

Ranulf a observou enquanto ela abria seus grandes olhos cheios


de medo. Neste momento afastou o olhar.

Lyonene moveu uma perna e fez um gesto de dor pelas


contusões que tinha em todo o corpo. Então era isso um ato de amor,
pensou, o que sua mãe havia descrito como uma união prazerosa.
Não tinha encontrado nada de prazeroso nesse horrível ato, só havia
sentido muita dor.

Seu marido olhava fixamente através das venezianas de madeira,


enquanto ela se vestia rapidamente. Estava muito agradecida que
essa manhã não tivesse a intenção de repetir o ato.

Apertou os dentes e se preparou para suportar mais fúria.

— Estou pronta. — Disse a moça.

O homem se virou para ela, mas Lyonene se assustou ao ver que


seu rosto estava desprovido de toda expressão, vazio e indiferente.

— Meus homens esperam embaixo, logo começaremos a viagem.


Seus pertences estão preparados?

120
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene levantou o queixo.

— Sim, estão.

Ranulf tocou sua cintura brandamente e ela não pôde evitar


fazer um movimento de resistência ao sentir o contato. A lembrança
da dor era ainda muito recente, e se sentiu muito aliviada quando viu
que não a voltava a tocá-la.

Desceram junto às escadas de pedra e Ranulf se deteve antes de


saudar as pessoas que os estava esperando com impaciência.

— O castelo de Gethen será seu dote. Vale mais ou menos o


feudo em taxas de doze cavaleiros.

Lyonene não sabia por que este comentário a incomodava tanto.


Notava como aumentava sua cólera.

— Nunca quis suas propriedades. — Disse, lhe lançando um


olhar que mostrava claramente que seu aborrecimento estava
aumentando.

— E eu nunca quis... — ele se reteve — lhe pagarei pelo que


perdeu. — Disse mais atento dessa vez.

Lyonene não pôde evitar olhá-lo fixamente com raiva.


Espontaneamente, vieram-lhe à cabeça maldições que os homens de
seu pai costumavam utilizar. Tinha perdido mais que o pouco de
sangue que tinha manchado os lençóis, quando decidiu se casar com
esse homem.

Ele acreditava que podia comprar tudo o que desejasse. Os ricos


não eram só um amontoado de riquezas, mas também era uma raça

121
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

além do povo comum, convencidos de que seus bens davam controle


sobre outros ou que davam atributos que outros não possuíam.

Fez o gesto de desagrado.

— Não pode me pagar pelo que perdi. — Passou diante dele.

— Irmão meu! Alegra-me ver que sobreviveu a esta noite. —


Disse Geoffrey.

Os olhos do jovem brilhavam, mas em seguida se obscureceram


tão logo viu os rostos dos recém-casados, que nem sequer se tocavam
e permaneciam solenes, com olhos que se mostravam duros e afiados
como um vidro partido. Assim, já tinham discutido e tinha certeza de
que Ranulf tinha a culpa.

Geoffrey agarrou o braço de Lyonene e a levou à parte.

— Algo vai mal, irmãzinha?

Ela não respondeu e durante um momento Geoffrey se perdeu


nas profundidades cristalinas desses perfeitos lagos de fogo verde.
Deus! Era uma mulher muito bela e, durante um instante, qualquer
pensamento sobre seu irmão se desvaneceu. Sacudiu ligeiramente a
cabeça.

— Meu irmão não será um marido fácil, pois temo que esteja
obcecado pelo passado.

Lyonene lhe dedicou um tímido e gélido sorriso.

— Sou sua esposa, assim não acredito que minha felicidade ou a


falta dela tenha alguma importância. — Olhando de esguelha a

122
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf, que falava com sua mãe, acrescentou. — Tenho certeza que
me recompensará bem pelo que faça. Agora, se me desculpar, devo
me despedir de minha mãe.

Só neste momento, Geoffrey viu um brilho de emoção em seus


olhos.

Lyonene montava escanchada na pequena égua castanha,


tentando não pensar na emotiva despedida ou no futuro incerto que a
aguardava. Passou diante da guarda e continuou ao lado de seu
calado marido, cujos pensamentos eram indecifráveis.

— Senhora, posso lhe apresentar aos membros da guarda? —


Disse para a jovem com olhos sorridentes, um cavaleiro da guarda.
Era um homem baixo, forte e bonito. Contente pela distração, ela se
virou para olhar aos sete homens. — Aqui temos a Herne, com sua
barba ruiva, Robert, Gilbert, Sainneville, que tem tendência a ser um
pouco bufão, Hugo Fitz Waren e Maularde.

Todos os cavaleiros fizeram uma reverência desde suas selas e a


olharam com simpatia, o qual lhe levantou um pouco os ânimos.

— E você, como se chama?

— Corbet, ao seu serviço, não há ação sem importância ou


insignificante quando se trata de estar ao contínuo serviço da bela
dama de meu lorde.

123
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene não pôde conter a risada e Hugo viu como as costas de


Ranulf se endureciam.

— Pode ser que Sainneville atue às vezes como um bufão, mas


você é um adulador de primeira ordem.

— Senhora, deve acreditar. Antes de ver o brilho desses olhos de


esmeralda, eu era tão tímido como meu cavalo, não podia soltar uma
palavra frente a uma dama. Juro-lhe que foi a visão de uma beleza
superior e o som de sua melodiosa risada o que me liberou do
mutismo. Para sempre serei seu servidor.

Corbet fez uma reverência.

Assombrada, Lyonene se voltou para os homens que havia atrás


dela.

— Sempre é assim?

Todos sorriram junto.

— Sempre. — Responderam em coro.

Sainneville tomou a palavra.

— Lorde Ranulf, deveria tomar cuidado com sua esposa.


Conforme parece, Corbet começou a cobri-la com seu mel, e nos dá a
impressão de que não só está caçando moscas. — Havia um tom
risonho em sua voz.

A risada se deteve quando Ranulf se virou para eles com o


semblante franzido. Lyonene se deu conta em seguida do medo que
seu marido infundia em seus homens e se voltou para frente.

124
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Fizeram uma pausa para comer e Ranulf a ajudou a desmontar,


pegando-a pela sua cintura.

— Não está cansada?

Ela conseguiu esboçar um leve sorriso.

— Não, não o estou, mas me parece bem que paremos. Você está
bem? Seus olhos... — Olhou para o outro lado, tímida e confusa pela
lembrança da noite anterior.

Ranulf não respondeu, mas a levou junto a uma árvore e a


deixou ali, enquanto dava ordens aos seus homens e aos criados que
os serviam. Voltou para seu lado com um guardanapo que continha
pão, queijo e carne fria. Abriu-a e deixou que ela escolhesse primeiro.
Havia tensão no ar que respiravam. Finalmente, Lyonene decidiu
romper o gelo.

— Sua ilha está muito longe?

— Sim, está há cinco dias a cavalo, mas temos alojamento para


cada noite.

Seus indecifráveis olhos a olhavam duramente.

Tomou outra parte de queijo e, ao roçar a mão de Ranulf, ficou


sem fôlego. De repente, encontrou-se grudada nele, com seu rosto
contra o seu, sentindo seu fôlego suave e quente. Ranulf não
precisava falar para expressar seus sentimentos, já que seus olhos
diziam tudo. Queria acreditar nela, estava desesperado para confiar
nela de novo. A dor estava ali, como um prego de aço atrás de seus
olhos, com uma antiga ferida curada que ocultava veneno. Ela viu a

125
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

dúvida em seu olhar, viu os pedidos silenciosos e a única maneira


que conhecia de aliviá-lo era aproximar os lábios aos seus.

A suave música dos pássaros se uniu ao vibrante cheiro do


desejo que envolvia o corpo de Lyonene. O aroma do pasto se
mesclava com o suave e delicioso sabor dos lábios de Ranulf que se
moviam contra os seus delicadamente no princípio, indagando,
explorando a busca do tesouro. Com seus fortes braços sustentava o
corpo dela cada vez mais débil.

Lyonene só tinha olhos para ele, mas o instinto fez que Ranulf se
afastasse e a olhasse enquanto sustentava sua cabeça com a mão e
lhe acariciava a têmpora com o polegar. A contra gosto, Lyonene abriu
os olhos, esfregando o rosto na palma de sua mão, sentia-se tão
pequena ao seu lado!

— Eu gostaria de acreditar. — Sussurrou Ranulf. Quando


Lyonene abriu a boca para falar, ele a fechou com a ponta do dedo. —
O averiguarei. As palavras não têm importância, pois as dizem muito
facilmente. Temo que essas pequenas mãos guardem muita coisa que
me pertencem.

Não sabia por que, mas essas palavras inspiraram um violento


tremor de medo, como se tivesse uma premonição do que aconteceria
no futuro.

126
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Viram o fogo antes de divisar as muralhas da torre do castelo de


Bedford. Lyonene se sobressaltou ao ver a reação imediata dos
homens e esporeou sua montaria para poder manter o ritmo dos
estrondosos cavalos negros que galopavam diante ela.

Parecia que o povoado inteiro ardia, e os gritos dos serventes e


dos animais apanhados no furioso ardor das chamas a envolveram,
paralisando-a por um momento.

— Dirigi-vos à torre! — Vociferou Ranulf enfurecido.

— Posso ajudar? — Gritou Lyonene, ao ver um menino correndo


pelo pátio.

Começou a desmontar, mas Ranulf a agarrou com força pelo


braço e a obrigou a se deter. Sua voz se converteu num rugido e uma
horrível luz escureceu seu rosto convertendo-o em uma criatura
desconhecida, sobrenatural, em um diabo negro.

— Não tenho tempo para isso. Obedeça!

Lyonene não podia fazer nada mais, exceto obedecer, e deu a


volta com o cavalo para o pátio interior, cujas portas estavam
fechadas como uma espécie de amparo contra o fogo ameaçador.

Não havia ninguém exceto os solitários guardas, já que todos os


moradores do castelo tinham deslocado para ajudar a extinguir o
fogo. Encontrou os estábulos e fez uma breve pausa, observando as
chamas que tentavam passar por cima das muralhas, procurando
mais combustível, mais sacrifício para sua gulodice. Tirou a sela de

127
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

seu cavalo e foi procurar uma capela onde pudesse orar pela
segurança dessa gente.

— Sabia que não deixaria que sua joia preciosa estivesse perto
de tanta destruição. — Ouviu dizer a uma voz entre dentes.

— Giles! O que estar fazendo aqui?

Lyonene olhou nervosa ao seu redor. O rugido do fogo era


ensurdecedor, inclusive dentro do estábulo, ou possivelmente se
tratava do medo e do pânico que ameaçavam afunda-la.

— Considerava-me um amante tão insensível para dar por


perdido a batalha tão facilmente? Tinha certeza de que me conheceria
melhor.

— Não lhe conheço em nada. Por que me seguiu?

— Esta é uma pergunta de fácil resposta.

Enquanto Lyonene retrocedia para a parede de madeira do


compartimento e se apoiava nela, os olhos de Giles examinaram todo
seu corpo. Não podia escapar desse moço que tinha sido seu amigo
durante a infância e que agora se converteu em um louco.

— Estava disposto a admitir que tivesse perdido uma batalha


justa, mas como poderia competir contra as riquezas de seu conde?
Eu tinha você em um altar, justo depois da Virgem Maria, e todo este
tempo estava conspirando para me trair.

— Giles, está errado.

128
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Apoiou-se um pouco mais na parede, como se uma porta fosse


aparecer por arte de magia. O calor aumentava no estábulo e um
cavalo não parava de mover-se por medo ao fogo.

— Não deve me temer. Não tenho a intenção de lhe fazer mal.


Não, aprendi muito sobre suas manobras. Perdi o que mais ansiava.
— Seus olhos se dirigiram para seus seios, perfeitamente perfilados e
palpitando de medo. — Mas como se vendeu, eu também vou vender o
pouco que fica. Lembra-se disso? — Fez ondear uma folha de papel
ante o rosto confuso de Lyonene—. É uma de suas cartas.

— Eu não te escrevi nenhuma carta.

— Sim, isso é verdade, mas Lucy disse uma vez que estava
acostumada a escrever contos e esse tipo de coisas. Lembra-se do
Gilbert?

Lyonene estava totalmente desconcertada; não se lembrava de


nenhum Gilbert em Lorancourt. Mas de repente, do fundo da
memória veio uma lembrança. Olhou fixamente o papel e a suja mão
que o sustentava.

— Foi você quem provocou o fogo. — Sussurrou.

Giles começou a rir.

— Sim, e me alegra você saber e ver até que ponto eu estou


disposto chegar para obter o que quero. — Deu um passo adiante e
lhe acariciou o ombro. — Quando for rico, comprarei a várias
mulheres como você.

— Giles... Basta!

129
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Giles jogou a mão para trás e Lyonene virou o rosto antecipando


o golpe. Ele se afastou e a observou enquanto acariciava o papel que
tinha em suas mãos.

— Tenho cinco cartas como esta, foi muito fácil trocar o nome de
Gilbert para Giles. Quer que leia essa bela missiva de amor que me
escreveu?

Lyonene sacudiu a cabeça, pois conhecia perfeitamente o


conteúdo das cartas. De menina, sempre tinha sido um pouco
sonhadora e quando seu indulgente pai tinha permitido a sua única
filha que aprendesse a ler, ela tinha decidido não estudar retórica ou
os evangelhos, a não ser um livro de lendas corteses, comprado em
segredo por sua mãe em Londres. Lyonene tinha lido os relatos uma e
outra vez, e sempre pedia novas narrações aos trovadores. Logo,
começou a criar suas próprias histórias, às vezes como relatos e
outras vezes como canções que cantava a seus pais durante as noites
tranquilas. Mas um tempo atrás, além das histórias, criou também o
seu próprio amante, um jovem cavaleiro imaginário, forte e valente, ao
qual escrevia cartas. Sabia o que dizia as cartas, e sabia que destino
lhe apresentava Giles nessa mão que já tinha causado tanta
destruição. Nela sustentava o fim de suas esperanças de felicidade
com seu marido, uma felicidade que, como um delicado fio, não
poderia resistir outra sacudida.

— Lyonene, é muito fácil adivinhar seus pensamentos. Acaso


desconfia tanto de você?

— Ainda têm que dizer o que espera de mim. — Seus ombros se


afundaram pelo cansaço.

130
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ouro.

— O único que tenho é minha roupa. Não me deu nada.

— Não se faça de ingênua.

Lançou uma olhar fora do estábulo e viu que não se viam mais
chama por cima da muralha. Voltou o olhar para Lyonene.

— Vejo que seu marido conseguiu dominar o fogo antes do que


eu esperava. Agora, me escute. Quando voltar, estará cansado e
dormirá profundamente. Quando tiver certeza de que não despertará,
me lance uma pedra preciosa da bolsa que leva no cinto.

— Não! Não posso fazê-lo!

— Esta carta é o menos grave que posso utilizar como


pagamento, se não me obedecer. O que lhe pareceria ficar viúva tão
cedo?

— Não sabe o que estar dizendo. Acaso esqueceu que se trata do


Leão Negro?

Giles adotou um ar depreciativo.

— Vejo que não se esqueceu. Mas eu não sou como esses


cavaleiros nobres do rei, como bem sabe. Eles se regem por leis que
não me afetam. Como acredita que me introduzi no castelo? Ninguém
vê um servo. Acredita que ele percebe quando um simples servo passa
ao seu lado? Não perceberá até que se encontre com uma espada
entre as costelas.

131
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene perdeu a fala, o terror subia pela espinha dorsal,


rastejando como um silencioso e nojento animal de centenas de
patas.

— Ah! Sabia que tinha razão. Agora devo ir. Faça o que lhe disse
e não me traia.

De novo sozinha, com uma respiração superficial, seu corpo se


agitava por dentro, como se ossos tremessem. O que deviria fazer?
Entrou na torre deserta, tentando correr, mas era incapaz de fazê-lo.
Em uma escura esquina havia um banco no que se sentou, quase
caindo contra a fria parede.

Pensou no que teria acontecido se tivesse ido com Ranulf depois


do casamento, se não se afastasse dele durante todo o dia, se não
tivesse saído... pensamentos inúteis e estéreis. Desejava que sua mãe
estivesse perto, que não estivesse sozinha com um marido, que tinha
caído sobre ela com violência na noite de bodas e que esse dia lhe
tinha devotado uma trégua, uma trégua que parecia destinada a se
fazer em pedacinhos.

Giles estava louco, porque nenhum homem podia atuar dessa


maneira e ao mesmo tempo estar em seu juízo perfeito. Agora o via
muito claramente, via o que tinha deixado acontecer fazia muito
tempo. Melite havia dito uma vez que Lyonene sempre resgatava os
fracos e aos menores de uma ninhada, se fosse um porco, um cão e,
às vezes, uma pessoa, e como todo mundo riu do comentário,
acrescentou que estava acostumada a conseguir que esse
animalzinho se convertesse em um pavão.

132
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Giles era a prova de seu fracasso. Recordou a primeira vez que o


viu, escondendo-se em um canto, temeroso de sua própria sombra,
impressionado com seus dois bonitos irmãos mais velhos e pela
menina de sete anos com um lindo nome de leoa a adorada por todo
mundo. Lyonene mal olhou os outros dois moços, mas em troca
procurou o adoentado e pálido Giles, com suas pernas fracas e débeis
por causa da falta de exercício.

Sir John protestou ao ver que as duas crianças, da mesma


idade, mas tão radicalmente diferentes, andavam de mão dadas e
caminhavam juntos sob o sol de abril. Melite o tranquilizou e ambos
deixaram que as crianças partissem.

Lyonene e Giles passaram muito tempo juntos durante os dez


anos seguintes. Uma vez, Lyonene ouviu a queixa do pai de Giles que
seu filho já não servia para nada em casa, enquanto que a pequena
Lyonene dava ordens e insistia até que Giles fizesse o que ela queria.
O que surpreendia mais sir John era que ela nem lhe suplicava nem
tratava de convencê-lo. Ele mesmo tinha tentado por todos os meios
que Giles montasse a cavalo, mas não o tinha conseguido.

A menina de oito anos tinha alardeado diante ele:

— O que significa isso que não pode montar a cavalo? Eu posso!


Monte agora mesmo e deixe já de se queixar!

A menina tinha pouca paciência para admitir suas desculpas e,


ante os olhos de sir John, finalmente o menino se converteu em um
moço saudável.

133
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene tratou de se concentrar no presente, de sair das


lembranças que uma vez foram doces, mas que agora chegavam ao
nível da imundície das ruas de Londres. Não tinha passado
despercebido para ela às pequenas coisas que a incomodava nele,
mas nunca tinha dado importância. Recordou do gato que uma vez o
tinha arranhado e como se estremeceu ao descobrir, que um dos cães
farejava os restos do pobre animal.

Mais lembranças vieram à mente: as ancas machucada do


cavalo que tinha derrubado Giles, a mão queimada de uma serva que
caiu sobre o fogo, depois de ter tropeçado na perna de Giles...
Lyonene afundou o rosto em suas mãos. Também havia bondade nele,
pensou, suficiente bondade para salvá-lo.

O som dos cascos de um cavalo sobre as pedras do exterior a fez


voltar a realidade. Levantou lentamente, como uma anciã cansada, e
olhou para a porta. Um dos membros da Guarda Negra estava ali de
pé. Não recordava seu nome.

— Milady, encontra-se bem? — Disse o homem com voz pausada


e profunda, o que fez recordar que se tratava de Maularde, o cavaleiro
tranquilo que quase não falava.

Fez um gesto com a cabeça e, com certa dificuldade, conseguiu


esboçar um pequeno sorriso que não convenceu de seu bem-estar ao
cavaleiro.

— Posso ajudar? — as palavras dela lutavam por sair.

— Sim, necessitamos de comida. Onde estão as mulheres?

134
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Pela primeira vez, olhou ao seu redor e, para sua surpresa, viu
as sólidas muralhas e que a vida tinha continuado durante essa
última hora.

— Não sei. Irei ver. — Ela se dirigiu para a porta seguida pelo
cavaleiro.

A cozinha estava situada longe das dependências principais,


com o objetivo de evitar os incêndios. O ar era espesso por causa da
fumaça, mas Lyonene não percebeu, nem tampouco que Maularde
examinava cautelosamente o pátio deserto. Um servente coxeava
perto dos cavalos. O negro cavaleiro o observou durante um
momento, obviamente considerando que havia um problema.

Lyonene encontrou uma das moças que trabalhava na cozinha


rodeada pelos braços de um jovem, e seus próprios problemas lhe
voltaram vividamente para a mente. Tinha um ar absorto quando
pediu ao moço que saísse para ajudar a apagar o incêndio e ela que
começasse a preparar comida. Ao pouco, já tinham preparadas várias
cestas para os homens famintos. Maularde tinha conseguido reunir
vários serventes e em seguida começaram a assar um cordeiro.

Lyonene ajudou Maularde a carregar as carretas e o cavaleiro


não protestou ao vê-la subir ao lado do cocheiro, enquanto ele
montava em seu cavalo. Lyonene queria estar ocupada, tudo que
fosse para retardar o momento em que teria que tomar uma decisão a
respeito das palavras de Giles.

Mais da metade do povoado tinha ficado destruído e a muralha


tinha caído em algumas partes. Ainda se viam chamas que se

135
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

dirigiam para o bosque. Foi então quando ela ouviu a voz de Ranulf,
gritando e dando ordens que não deviam deixar para mais tarde.
Lyonene deu uma cotovelada no cocheiro que dirigiu os cavalos para
onde estava Ranulf.

— O que faz aqui? Volte para a torre. — Ordenou seu marido

— Mas e os feridos? Não é necessária minha ajuda?

A visão de Ranulf, coberto de imundície da cabeça aos pés


horrorizou-a.

— Não, chegaram os monges.

Lyonene viu então às simples vestimentas marrons e as cabeças


tonsuradas dos monges que, com calma, ajudavam às pessoas que
tinham sofrido queimaduras. Assentiu com a cabeça em silêncio e
logo olhou para frente quando o cocheiro virou com os cavalos e
voltou para a torre.

Ranulf concedeu uma pausa nos extenuantes trabalhos para


observá-la, não muito seguro do que devia pensar, mas em seguida o
incêndio não deixou mais tempo para pensar em qualquer outra
coisa.

Lyonene voltou para a cozinha para se assegurar de que todos


estavam trabalhando. O longo dia de viagem e o abalo emocional
começaram a pesar sobre ela, e sem forças, arrastou-se para a torre.

— Pensou em minhas palavras?

O moço aparecia sempre do nada.

136
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Giles, não pode me pedir isso. Fomos amigos. Como pode se


voltar contra mim?

O jovem saiu das sombras, com seus olhos azuis, enfurecidos e


penetrantes.

— É você que se voltou contra mim. É você quem se converteu


em uma deusa pagã e a que decidiu que rumo devia tomar minha
vida. — Deu um passo ao redor dela e seu rosto passou a ser do moço
que ela tinha conhecido durante anos — Se lembra da égua marrom,
que te jogou na água? Se não estivesse ali...

— Não me recordo desses dias distantes.

Bruscamente ela se virou para a porta, mas Giles a apanhou


pelo pulso.

— Conheço-lhe muito bem. Então, agora, me denunciará para o


guarda? Nem minha captura e nem minha morte te libertará de mim.
Olhou os homens que havia ao redor de seu marido? Sabe qual de
entre eles são meus homens ou qual o mataria se me ocorresse uma
desgraça?

— Não acredito.

Os olhos do Giles ardiam.

— Lyonene, acredita que minto? — Murmurou enquanto lhe


acariciava uma mecha de cabelo, mas trocou o gesto ao ver que ela se
separava dele. — O que significaria para ele uma ou duas pedras
preciosas? Pude observar que seus vestidos estão cheios delas.

— Me deixe em paz!

137
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, a deixarei em paz, mas tome cuidado com todos os que


se aproximam dele. O ouro tentaria inclusive ao mais leal dos
cavaleiros. — Sorriu quando viu que ela tinha compreendido que
inclusive um membro da Guarda Negra poderia estar comprometido
na traição. — Esta noite, enquanto dorme, esperarei debaixo da
janela. Se não estiver ali, amanhã receberá a carta ou uma faca no
estômago. Ainda não sei qual das duas coisas, mas não acredito que
deseje nenhuma delas. — Disse encolhendo os ombros. Depois de
dizer essas palavras, partiu.

Lyonene se dirigiu lentamente para o quarto maior e começou a


se lavar e se preparar para dormir. Devia confiar em Ranulf e contar
os planos de Giles. Pensava em como esse dia em que tão bem tinha
passado com ele, quando ela o tinha chamado Leão, esse homem que
a compreendia que a acreditaria, se tornara longínquo. Se Giles não
tivesse estado bêbado nem houvesse dito todas aquelas coisas a
Ranulf no dia de seu casamento... Não, não queria voltar a ver essa
raiva.

Enquanto tirava o vestido de veludo verde de um dos fardos que


tinham jogado tão rapidamente no aposento caiu ao chão uma
pequena bolsa. Pertencia a Ranulf e, não sabia como, tinha ido parar
entre suas coisas. Conhecia muito bem as pedras preciosas que
continha na bolsa.

— Não! — Exclamou em voz alta, e voltou a colocar a bolsa


dentro do fardo. Não podia começar um matrimônio com tantas
mentiras e enganos. Apertava as mãos uma e outra vez, o frio lhe

138
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

embranquecia a pele e a aliança de casamento parecia solta. Ausente,


brincava com o anel e notava o metal entre suas apertadas mãos.

Já era tarde quando ouviu um ruído proveniente do pátio, os


cães ladravam e se ouvia barulho de água. Sabia que os homens
haviam voltado e que estavam tirando a fuligem de seus corpos no
poço. Sentou-se e ficou muito quieta, notando que seu coração
pulsava com força.

Uma tocha que piscava no corredor delineou a forma escura de


Ranulf na entrada, cujos amplos ombros pareciam decair devido ao
cansaço. Caminhou para o fogo e aproximou as mãos para esquentar-
se, Lyonene viu que seu cabelo estava úmido. Virou-se para ela tão
rápido para agarrar a espada com uma mão, que Lyonene soltou um
grito apagado.

— Ainda está acordada? Está a ponto de amanhecer, deveria ter


dormido. — Estava muito cansado para mostrar suas emoções,
fossem de alegria ou justamente o contrário.

— Queria... queria falar com você.

Ranulf se afundou em um banco frente ao fogo, com sua cabeça


entre as mãos. Com que queixa viria agora, perguntava-se. Quase não
podia pensar. Tudo o que via era carne queimada, as bocas abertas
com gritos silenciosos pedindo água e os corpos carbonizados.

— Não pode esperar até manhã? Estou derrotado.

— Sim, suponho que pode esperar.

139
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Não podia acrescentar isto à carga que já levava em seus


ombros, não havia joia que valesse isso. Ficou de pé frente a ele e lhe
acariciou uma mecha úmida do cabelo com doçura e acanhamento,
sem saber como ia reagir.

Ranulf tomou sua mão e esfregou a mandíbula com ela, sua


barba espetada quase conseguiu lhe arranhar a pele.

— Estou muito agradecido.

Ouvindo suas palavras, Lyonene notou que os olhos se enchiam


de lágrimas.

Quando Ranulf se levantou e se dirigiu para a cama, ela já sabia


o que tinha que fazer: Desfazer-se de Giles. O vínculo entre Ranulf e
ela era muito frágil ainda, e uma carta com palavras como as que
estavam ali escritas o destruiria em seguida.

Ouviu que as cordas chiavam, quando Ranulf se meteu na


cama.

— Venha para cama. — Disse ele em voz baixa e cansada.

— Sim, em seguida, vou jogar mais lenha ao fogo.

Tal e como esperava, em uns instantes ouviu o ritmo pesado e


constante de sua respiração. Rapidamente, encontrou a bolsa com as
pedras preciosas e se dirigiu em silencio para a janela. Só devia mover
uma lâmina da veneziana e deixar cair à bolsa. Suas mãos tremiam
enormemente e rezou por estar fazendo o correto. Ouviu um ligeiro
ruído quando soltou a bolsa e em seguida voltou para o lado de
Ranulf, que seguia respirando com força.

140
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ainda tremendo, tirou o vestido e se meteu na cama ao lado de


seu marido. Ali estava ela, imóvel, rígida, muito consciente dessa
proximidade que lhe era tão pouco familiar. Ranulf virou para ela e
moveu um braço, que foi parar sobre seu pescoço. Apenas sem poder
respirar, levantou o pesado braço como pôde e, para sua surpresa,
encontrou-se com a mão de Ranulf que tinha começado a acariciá-la.
Tinha os olhos fechados, mas sua mão procurava o corpo nu de
Lyonene. Sem pronunciar nenhuma palavra, colocou-a debaixo dele e
Lyonene, assustada ao sentir seu peso e recordar a dor da noite de
bodas, esticou todos os músculos do corpo.

Com a coxa, Ranulf lhe separou as pernas, Lyonene notou como


os olhos se enchiam de lágrimas e sentiu as primeiras dores quando
ele entrava nela. Ao menos, dessa vez tudo foi mais rápido, mas
Lyonene ainda demorou um pouco para dormir, com o cabelo em sua
têmpora, molhado por tantas lágrimas.

Ranulf despertou primeiro pela manhã, como sempre fazia,


antes que saísse o sol. Lyonene estava estendida ao seu lado, o rosto
virado ligeiramente para ele. Seu primeiro pensamento foi perguntar
se era possível que sua esposa parecesse ainda mais jovem e mais
bonita enquanto dormia. Não pôde passar muito tempo com ela
durante seus dois primeiros dias de matrimônio. As palavras do moço
o perseguiam, eram palavras muito semelhantes com as de sua
primeira esposa. Deseja acreditar na menina que dormia junto a ele,

141
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

de saber que não estava tratando de enganá-lo, que não era falsa com
ele. Não? Que queria? Dava-lhe a impressão de que as mulheres
tinham medo do Leão Negro ou o desejavam por suas riquezas.
Lembrou-se de quando seu pai disse uma vez, que seu filho mais
velho nunca poderia matar um homem e nem tampouco poderia
converter-se em campeão da justa do rei. Ranulf se perguntava como
teria reagido frente a esse filho, que tinha sido preparado para a
Igreja, e que hoje era temido por muitos, odiado por alguns, mas
amado por muito poucos. Uma só mulher tinha mudado isso.

Lyonene se moveu enquanto dormia e isso lhe fez voltar à


realidade. Voltava a entrar na batalha, desarmado e nu. Não sabia
quantas feridas receberia dessa vez que poderia curar. Tocou-lhe a
bochecha, perto da pequena orelha que se ondulava uma maneira
misteriosa. Seus olhos se abriram imediatamente e o medo que
Ranulf viu neles o sobressaltou.

Lyonene viu a curva de seus lábios, a doce expressão de seu


olhar e acreditou reconhecer seus pensamentos. Ainda não estava
pronta para mais dessas relações amorosas tão dolorosas. Virou e se
vestiu rapidamente. Logo, nervosa, ajoelhou-se frente ao fogo e atiçou
o carvão. E se a chamava para que fosse à cama? Era seu marido e
não podia rejeitá-lo.

Ranulf deitou de barriga para cima e franziu o cenho. Ela tinha


direito ter medo, já que tinha sido muito violento na primeira noite.
Era uma pena que essa tivesse sido sua iniciação às relações sexuais,
mas mudaria essas lembranças essa mesma noite no castelo de
Aylersbury, onde haveria tempo para a ensinar a arte de amar.

142
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Virou-se apoiando o rosto em suas mãos. Desfrutava vendo-a


tão nervosa, observando como tratava tão obviamente de evitá-lo. No
dia seguinte de Aylersbury, depois da noite que prepararia para ela,
perguntaria o que pensava das duas noites anteriores.

— Levantará logo? — Perguntou Lyonene, com a voz um pouco


tremente.

— Sim, logo.

Ele a observou enquanto ela guardava alguns objetos em um


fardo e viu como introduzia rapidamente nele uma bolsa de couro
marrom. Franziu o cenho, já que a bolsa lhe fez relembrar algo que
tinha esquecido. Pareceu recordar uma figura imprecisa, mas não
podia ver toda a imagem. Veio à memória uma visão da noite anterior,
quando Lyonene se aproximou da janela. Certamente tinha sido um
sonho.

— Ontem de noite me disse que queria falar comigo. Posso saber


qual era o motivo?

Tentou manter uma voz neutra, diferente da que sentia em seu


interior. Tentava relaxar enquanto via as mãos tensas de Lyonene,
que não se atrevia a olhá-lo nos olhos.

— Não queria... Eu só... Ranulf! — ela correu para a cama e se


refugiou em seus braços.

Lyonene tremia e ele a segurava com força, maravilhado com a


delicadeza de seu corpo e temeroso de lhe fazer mal. Algo a tinha

143
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

aborrecido enormemente. Com o dedo lhe levantou o queixo e viu que


seus olhos estavam secos.

— O que ocorre? O que te preocupa?

— Quero... Quero que tome cuidado, que se mantenha em


guarda.

Um nó na garganta a impedia de seguir falando.

— Acaso é o incêndio o que tem feito que tema por minha


segurança?

— Sim... Não, é outra coisa.

— Então, me diga do que se trata. Não lhe farei mal por umas
poucas palavras.

— Trata-se de Giles, ele...

Ranulf a empurrou.

— Atreve a pronunciar seu nome diante de mim! Deveria estar


contente que não tenha matado seu amiguinho. Deveria saber que era
seu amante e ver que agora me rejeita, teria matado a ele e
possivelmente a você também. Deveria me agradecer que tenha
acreditado em suas palavras e não nas desse homem. Agora, chame a
sua serva e se prepare, porque partiremos logo.

Retirou os lençóis precipitadamente e começou a se vestir, dois


dias de matrimônio e lhe tinha provocado mais fúria do que jamais
tinha conhecido, uma fúria intensa que chegava até o mais fundo de
seu ser, machucando mais que as suas feridas de machado,

144
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

provocando mais raiva do que sentiu contra os galeses, durante os


anos de guerra ou contra os sarracenos durante as cruzadas. Essa
moça o tocava mais profundamente que nenhuma outra coisa.
Somente Isabel... Deteve de repente, esses pensamentos, causava
sofrimento cada vez que pensava nela.

— Se aproxime Lyonene, se aproxime. — Lyonene ficou de pé


frente a ele, juntando todas suas forças. Para Ranulf custava muito
dizer tudo isso. — Temo não poder suportar que fale de outro homem.
Agora já me acalmei, pode me dizer o que quer.

Se o mero feito de nomear o nome de Giles tinha causado tanta


raiva, como ele reagiria às cinco cartas supostamente dirigidas a
outro homem? Acaso era tão inocente para pensar que ouviria a razão
antes de fazê-la em pedacinhos? Possivelmente depois se arrependeria
de seus atos, mas nesse momento não queria arriscar-se.

— Não há nada a dizer. — Sussurrou, e se virou.

Ranulf também se virou, porque soube que ela tinha mentido.


Abandonou o aposento sem lhe dirigir a palavra. Uma vez no pátio,
em um primeiro momento não ouviu que Maularde lhe falava em voz
baixa. Estava usando todo seu autocontrole para acreditar nela, para
tratar de reconquistar os primeiros dias de felicidade. Como duas
pessoas que tinham tanta sintonia, podia ter-se afastado tanto?

A suave voz de Maularde insistiu.

— Lorde Ranulf, tenho notícias que você precisa saber.

145
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf escutou com incredulidade o que estava contando seu


cavaleiro, franzindo o cenho cada vez mais, com cada palavra, com
cada revelação.

— Vigia-o. — concluiu Ranulf.

— E milady?

— É minha e deve ser minha... responsabilidade.

Quase lhe escapou a palavra fardo.

146
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 07
Lyonene observou como Lucy entrava na carroça: era muito
velha e obesa para montar a cavalo. Logo virou para retornar para
junto do seu marido. Durante um momento, Ranulf a olhou
intensamente com seus olhos negros, perscrutando seu rosto antes
de ajudá-la a montar em seu cavalo.

Enquanto ambos cavalgaram em silêncio, várias vezes Lyonene


teve um desesperado desejo de contar a Ranulf tudo sobre Giles, mas
cada vez, sua solenidade e inclusive sua magnitude, a impedia de
fazê-lo.

— Logo pararemos para jantar. O incêndio nos cansou muito e


não temos nenhuma pressa.

Ajudou-a desmontar e a deixou um momento para atender às


pessoas que tinha a seu comando, logo voltou para ela.

— Quer dar um passeio? — Pegou-a pelo braço.

Contente, deixou-se guiar pelo bosque, não muito longe, já que


podiam ouvir as vozes, mas o suficiente para perdê-los de vista.

— Temo que seja um mau marido, tal e como disse meu irmão.
Vamos nos sentar aqui e conversar um pouco. — O solo gelado
pareceu penetrar no corpo dela e não pôde reprimir de estremecer. —
Têm frio.

147
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Retirou seu manto e se aproximou dela, cobrindo-a com seus


braços e sua capa, com seu coração pulsando contra sua bochecha.

— Está contente de retornar a sua casa, milorde?

Ranulf não pôde impedir de franzir o cenho, pois tinha passado


tão rapidamente de ser Leão para ser milorde.

— Sim, o clima galés é muito duro, e eu me criei na suavidade


de minha ilha.

— Me fale dela.

Descreveu com grande prazer a ilha, os prados e a proximidade


do mar.

— Vive ali só com seus homens? Não têm família?

— Meus pais faleceram quando eu era muito jovem. — Ele


levantou um cacho de cima de sua perna e o esfregou entre os dedos.
— Tenho a impressão de que não sabemos muito um do outro e que
nos custa encontrar as palavras e, entretanto, quando nos
conhecemos, nunca tínhamos tempo suficiente para dizer tudo o que
queríamos.

Lyonene tratou de deter as lágrimas antes que brotassem, pois


ela se sentia do mesmo modo. Olhou-o e sorriu ligeiramente. Ranulf
aproximou seus lábios dos dela, e Lyonene se perdeu em seu
apaixonado beijo. Era como se Ranulf tratasse de extrair a essência
de sua alma com esse beijo. Mas sua paixão se via substituída por
outro sentimento, um sentimento mais elevado que da pura paixão

148
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

mundana. Lágrimas cálidas e dilaceradoras deslizaram por suas


bochechas. Ranulf se afastou dela.

— Me diga o que a preocupa? — Perguntou Ranulf.

Uma voz saiu de entre as árvores e Giles apareceu

— Eu lhe direi. Acaso não se pergunta por que uma recém-


casada há três dias chora quando seu marido a beija? Desembainhe
sua espada e lutemos lorde Ranulf, e então veremos quem ganha essa
mulher.

— Só é um menino. Não posso lutar com você. Minha esposa me


falou de você, e eu acredito.

Lyonene pôde ver a dor no rosto de Ranulf, enquanto


pronunciava essas palavras.

— Então, possivelmente isso o convencerá de que estou dizendo


a verdade.

Jogou uma bolsa de couro aos pés de Ranulf.

— Não! — gritou Lyonene, e em seguida se lançou para pegar as


cartas, mas Ranulf foi mais rápido que ela.

Lentamente, tirou uma carta da bolsa e depois as outras


enquanto empalidecia e mudava a expressão de seu rosto. Quando
terminou, virou para sua esposa. Lyonene poderia ter lidado com a
raiva, a violência ou qualquer outra demonstração de emoção, mas
não essa expressão de desconcerto total e de agonia nos olhos de
Ranulf.

149
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Você escreveu essas cartas? — Perguntou com calma.

— Não as escrevi para Giles, eu juro. Eram...

— Para outro? — Ele afastou a mão dela de seu braço e jogou


um olhar ao jovem que tinha diante dele. — Ela é agora minha
esposa, apesar do que tenha feito no passado, eu não vou matar a
nenhum moço.

— Bastardo! É tão bom, tão puro, que não pode sujar sua
espada com um plebeu, mas já a ensanguentou quando a empunhou
contra a filha de um barão. Acaso acredita que foi amor à primeira
vista ou que foi a prata de sua cota de malha? Tínhamos tudo
planejado, não percebeu? Ontem mexeu entre seus pertences e me
deu esta pedra preciosa. — A jogou nos pés de Ranulf.

Ranulf olhou a pedra e logo contemplou o rosto aterrorizado de


sua mulher.

Lyonene viu a raiva e o ódio em seus olhos.

— Se afaste de mim. Agora devo matar esse moço por você.


Ficará alegre quando estiver morto? Procurará logo a outro que o
substitua?

— Ranulf, deve me escutar! Está mentindo. Escrevi essas cartas


a um homem imaginário, o sonho de uma menina. E disse que te
mataria se não lhe dava esta pedra preciosa.

— E tenho que acreditar que esse moço estava ameaçando me


matar? Que me roubou para me proteger desse menino? Não, mulher.

150
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Acreditei em você uma vez, mas já não posso acreditar mais. Agora,
desapareça da minha vista.

Fez um sinal com a cabeça a alguém que se encontrava atrás


dela e um cavaleiro da guarda a agarrou pelo braço e a afastou da
clareira.

— Ranulf, por favor!

— É muito tarde para suas súplicas. Leve-a daqui para que não
veja o horror que causou.

Lyonene abandonou o lugar e se deteve junto aos cavalos


quando ouviu o primeiro ruído de aço contra aço. O duelo não
demorou muito em terminar, mas para Lyonene pareceu que tinha
passado horas, e cada ruído, cada som prolongava sua agonia.

Ranulf se deteve diante dela, e Lyonene viu frieza e dureza nos


olhos de seu marido.

— Olhe o sangue que se derramou hoje. Um moço que nunca


chegará a ser homem por sua culpa.

Subiu a sua sela, deixando que Hugo Fitz Waren ajudasse sua
esposa a montar em seu cavalo. Lyonene não se atrevia olhar aos
outros homens, segura de que estes a odiavam. Por isso,
surpreendeu-se ao notar uma mão no seu joelho, foi um momento
breve, mas tranquilizador. Um por um, saudaram-na solenemente
com a cabeça, indicando que acreditavam em suas palavras e que
aquele moço tinha perdido o juízo.

151
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Só uma vez durante a longa viajem para o castelo de Aylersbury


Lyonene tentou falar com seu marido, mas o ódio que viu a fez
morder língua.

Pask, o intendente do castelo de Aylersbury, saudou


calorosamente Ranulf.

— Sua senhoria, estamos orgulhosos de que nos honrem de


novo com sua visita. O cozinheiro trabalhou durante dias para
preparar a comida, e promete ser um banquete digno de você e de
seus homens. Oh, trouxe uma dama?

— É minha esposa. — O tom de Ranulf fez com que o homem


fizesse um gesto de assombro. — Ponha suas coisas no quarto que há
em frente de Eduardo, eu usarei o seu.

Lyonene se sentia muito fatigada para preocupar-se de onde


dormiria. Estava atormentada pelas lembranças de seu amigo de
infância, agora morto, e por um marido que a odiava.

Lucy se deixou cair sobre a estreita cama.

— Foi um dia fatídico. O filho de sir John sempre foi um pouco


estranho. Só você lhe dava atenção e dedicava tempo. Sempre soube
que...

— Por favor, Lucy, poderíamos não falar disso? Estou esgotada e


desejo descansar.

152
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, lady Lyonene. Quer algo para comer? — Perguntou para


a jovem enquanto a ajudava a despir.

— Não, não acredito que volte a comer. O único que eu gostaria


agora é dormir e esquecer tudo.

Lucy saiu do quarto nas pontas dos pés.

Ranulf dava voltas pelo quarto, sem olhar para bandeja de


comida que tinha diante dele. Tinha sido um idiota casando-se de
novo, e sobre tudo um matrimônio que nem sequer servia para
melhorar sua posição. A princesa castelhana não teria causado tantos
problemas como o que tinha agora.

Lyonene, essa beleza de olhos cor de esmeralda, com o cabelo


castanho avermelhado e pestanas grossas e escuras, era agora sua
mulher, e olhe para o inferno que tinha passado nesses três dias.
Maularde o tinha prevenido da presença de Giles, e ele tinha dado a
ela todas as oportunidades para explicar-se, para ser honesta com
ele, mas não o tinha sido. Tinha tentado não matar ao moço, mas
havia ficado louco quando este o atacou. Ranulf esfregou os olhos
com a mão, como se quisesse apagar a lembrança. Sabia
perfeitamente o que era ser jovem e estar tão apaixonado.

Apaixonado? E o que sabia ele do amor? A moça o tinha levado


ao matrimônio tão facilmente, mas agora que estavam casados se
comportava de um modo diferente. Já não o desejava como antes,

153
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

nem parecia ser feliz como quando estava na casa de seu pai. Tudo
parecia indicar que se tratava de uma armadilha, pela verdade das
palavras do moço.

Muitas lembranças se ocultavam. Frustrado, despiu-se e se


dirigiu para cama vazia e fria e, por um momento, sentiu-se confuso.
Sem se vestir, saiu para o gelado corredor e abriu a porta do quarto
de Lyonene. Ela não despertou até que sentiu que alguém a levantava
repentinamente, envolvendo com os lençóis seu corpo adormecido.

Os olhos escuros de Ranulf ficaram mais escuros sob a luz fraca,


com sua face escurecida pela espessa barba de um dia. Não a olhou
enquanto a transportava em silêncio, mas ela ansiava por ver seu
olhar e por ouvir sua voz. Jogou-a sobre o colchão de plumas da
enorme cama. Nesse instante ela percebeu a nudez dele, e a visão de
seu corpo a fascinou, acelerando seu coração quando ele a olhou,
com sua perna e seu quadril expostos entre os lençóis retorcidos.

— O quer que você seja, segue sendo minha esposa, e não pode
me expulsar de seu leito. — Esticou as mantas e se meteu na cama,
aproximando-a dele.

— Ranulf...

— Não quero falar do que aconteceu hoje, nem agora nem


nunca. O moço está morto e averiguarei se suas palavras eram
verdadeiras ou não.

— Como saberá? Eu lhe direi...

—Não, neste momento somente quero uma coisa de seus lábios.

154
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Com sua mão acariciou seu ventre e notou que estava tensa e
rígida. “Possivelmente esteja pensando no jovem”, disse a si mesmo
enquanto a puxava com força para ele, fazendo que ofegasse de dor.
Agarrou-a pelo queixo para aproximar sua boca da sua.

— Está pensando nele? Preferiria que fosse ele quem estivesse


do seu lado?

— Não, não o preferiria. — Soluçou, tratando de afastar-se dele.


— Por favor, não me machuque mais. Ficarei deitada sem me mover.
Assim doerá menos.

Ranulf deixou cair à mão e se afastou para observá-la


pensativamente.

— Ontem à noite, depois do incêndio, lhe machuquei de novo? —


Ela assentiu com a cabeça. — Caramba, não para de me provocar
dolorosamente! Conheço-te há apenas algumas semanas e já alterou
toda minha vida, o presente e o passado. De manhã li uma carta
escrita por você a um moço que tive que matar. Não tenho nenhuma
prova de sua inocência. Na realidade, tudo parece indicar que é
culpada. No primeiro dia que te conheci se jogou em meus braços
com uma força ofuscante, e não tenho provas de que não tenha feito o
mesmo com outros homens. Agora estou casado com você há três
dias e me vi obrigado a te violar duas vezes e a matar um menino por
você. Entretanto, aqui está estendida diante de mim com o cabelo
emaranhado, e tudo o que desejo e fazer amor.

Lyonene pestanejou confusa entre o desejo de que a beijasse e


de evitar o que o beijo implicaria.

155
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ele puxou-a e ela afundou seu rosto no espesso arbusto de pelo


de seu peito, esfregando sua bochecha contra a suavidade de sua
pele.

— Ainda não sei de sua lealdade, se é inocente ou pior do que


Eva, mas sei que te desejo mais do que a qualquer outra mulher que
tenha visto em minha vida. Não se afaste. Não te machucarei mais.
Temo que lhe provoque dor com meus torpes intentos, mas vou tentar
recuperar o tempo perdido.

Levantou sua boca para se encontrar com a dele e, suave e


cuidadosamente, beijou-a durante um tempo, com delicadeza
suficiente antes de aumentar a pressão em sua sensível pele. Ele
moveu os lábios, passando seus dentes pelo lábio inferior dela, antes
de beber do suave mel de sua boca.

Lyonene sentiu que o novo tato delicado em sua pele e seu


grande tamanho a derretia. Ele a virou, colocando-a de barriga para
baixo, ela se enrijeceu pensando na dor que seguiria e lamentando o
fim dos doces beijos. Mas ele não pareceu perceber seus movimentos
e começou a beijá-la apaixonadamente do lado da boca até a orelha,
detendo-se no lóbulo e acariciando-o com a ponta da língua.

Seus lábios desceram pelo seu pescoço e Lyonene arqueou, se


entregando mais e mais a ele. Sua mão tocava seu quadril e sua
cintura, segurando-a com força perto das costelas, depois tocou seu
seio e ela quase protestou pela surpresa, mas a sensação de sua mão
em toda sua pele não podia ser melhor. A boca de Ranulf viajou por
todo seu corpo, acendendo novos e deliciosos fogos.

156
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ela sentiu-se deixando seu corpo, sua razão fugindo, e tudo o


que restava era um desejo novo, por cumprir, um desejo por algo
desconhecido. Parecia como se ele tivesse centenas de mãos, centenas
de lábios e todos procuravam, tocavam e enchiam sua mente, até que
toda ela era pura sensação. Freneticamente, tocou o cabelo de Ranulf,
esse espesso arbusto de cabelo que se encaracolava entre seus dedos
sensíveis e vibrantes.

— Leoa, doce leoa. — Murmurou ele com um tom de voz


profundo, acrescentando ao seu espírito selvagem os tremores que
sacudiam todo seu corpo.

Ele a penetrou e Lyonene não teve medo, nem sentiu dor, só


sentiu o princípio do fim de um desejo que a consumia e a cegava.

Lyonene não precisou seguir seu exemplo, pois o desejo que a


dominava tomou posse dela e igualou a paixão de Ranulf. No final,
lançou um grito, afundou as unhas em suas costas e se arqueou para
aproximar-se mais a ele. Lentamente, as quebras da onda de paixão a
sacudiram e foi relaxando progressivamente até cair sobre os lençóis
brancos de linho. Quando Ranulf se moveu para virar-se e sair dela,
Lyonene não quis soltá-lo, regozijando-se com sua musculatura e com
a maneira em que sua pele escura cobria seu corpo úmido, que
desprendia um forte e primitivo aroma de suor masculino.

Ranulf, brincalhão, esfregou seu rosto úmido no pescoço de


Lyonene, acariciando-a com sua barba, logo se deslocou para um lado
para poder ver seu rosto sob a luz de uma grossa vela que havia ao
lado da cama. Acariciou uma mecha de cabelo que caía por sua
têmpora.

157
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Agradei-lhe? — Sussurrou ela.

Olhou-a com estupor, pois se divertiu com a pergunta.

— Se soubesse... — começou ela, mas logo se deteve.

— Sim, agradou-me muitíssimo e temo que tenha me tirado toda


a força. — Acrescentou, enquanto via que ela fechava os olhos de
cansaço.

Lyonene dormiu antes que Ranulf terminasse de falar. Apesar de


estar satisfeito e cansado, observou-a durante um momento, estava
enroscada e grudada nele, e parecia ainda mais jovem do que era.
Afastou-se um pouco dela e se dispôs a dormir. Esta noite teria
sonhos agitados.

Apesar da paixão da noite anterior, a manhã não aliviou a dor


entre Ranulf e Lyonene. A morte de Giles pesava sobre ambos, assim
como as acusações do moço. Cruzaram de barco até a ilha de
Malvoisin e, durante alguns instantes os pensamentos de Lyonene
foram ultrapassados pela beleza e a força do enorme castelo. O Black
Hall era uma casa de pedra, com novas tapeçarias que a rainha
Leonora havia trazido de Castela e suas janelas estavam cobertas com
cristais chumbados. Entendeu o orgulho que sentia Ranulf por seu
lar, que ela teria compartilhado se ele tivesse dado alguma causa para
se sentir desejada ou um pouco mais de carinho, e que não
lamentasse constantemente por ter se casado com a filha de um
barão.

158
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Em sua solidão, já que Ranulf estava quase sempre ausente,


tratou de ocupar seu tempo com os trabalhos que teria que fazer no
castelo.

— O que faz quando não estou? William de Bee disse-me que


interfere na gestão do meu castelo. — Lhe disse uma noite, enquanto
lançava seu tabardo a Hodder. Lyonene olhou-o atônita. — Toda
Malvoisin sempre esteve nas mãos do meu assistente durante anos. É
um homem livre e não quero lhe dar razões para reclamações.

Lyonene se ergueu e olhou com raiva os olhos negros.

— Perdoe minha impertinência, milorde, mas só queria ser util.


Diga-me, por favor, o que devo fazer cada dia, já que não posso me
meter no que se supõe que é minha própria casa. Não estou
acostumada ficar sem fazer nada.

A expressão de Ranulf era fria e indolente.

— Possivelmente William possa encontrar ouro para que o conte.


Acredito que ganhou esse prazer. — O homem jogou um olhar à cama
onde compartilhavam os únicos momentos de felicidade.

Lyonene o olhou fixamente, com olhos arregalados e, de repente,


sentiu-se suja e desprezível. Saiu correndo do aposento e encontrou
um corredor que estava bloqueado pela enorme figura da Lucy. Girou
e atravessou uma porta que conduzia à torre de Black Hall. A
escuridão da torre era absoluta e teve que subir as escadas às cegas.
Como o aposento de cima estava muito iluminado, cegou sua vista.

— Minha filha, venha e sente-se aqui e beba isto.

159
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Era a voz de um homem gordo com a cabeça raspada e traje de


monge que pôs o braço sobre seus ombros. Levou-a até uma
rudimentar cadeira de madeira e lhe ofereceu uma jarra de vinho
tinto.

— Sou o irmão Jonathan. E você deve ser a encantadora lady


Lyonene, a esposa de lorde Ranulf. — Começaram a brotar as
lágrimas dela. — Venha comigo. Casados só há um mês e já
discutiram?

Lyonene tomou o vinho tão rápido que engasgou, mas sentia que
necessitava de calor. O irmão Jonathan lhe acariciou o braço.

— Me conte o que passou. Sei escutar muito bem.

Com muito esforço, Lyonene só conseguiu dizer:

— Não posso.

O monge permaneceu calado durante um momento e logo falou


pausadamente.

— Ouvi dizer que o seu matrimônio foi por amor, que se amaram
desde o primeiro momento.

Lyonene fez um grande esforço por recordar esses dois primeiros


dias com Ranulf.

— Sim. — Sussurrou Lyonene, olhando fixamente ao fogo e


pensando no dia em que Ranulf tinha ajudado a sustentar o arco
comprido.

160
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Mas passou algo depois? Algo que a tenha feito perder de


vista o amor que sentiam?

— Sim, algo passou.

O irmão Jonathan sorriu e se perguntou que pequeno incidente


poderia ter acontecido que teria produzido a mudança.
Provavelmente, o ciúme de Ranulf, disse a si mesmo. Desde sua
primeira mulher, não podia suportar que ninguém tocasse o que era
dele, se fosse seu cavalo, seus homens ou, conforme podia supor sua
mulher.

— Conheço lorde Ranulf desde que era menino e tem suas


razões para ser... um pouco intolerante. Diga-me, ainda o ama? Não
pode ter deixado de amá-lo tão cedo, não se for um amor verdadeiro.

Lyonene pestanejou com seus olhos imprecisos.

— Eu... não sei. Mudou tanto... Quando o conheci, não


parávamos de rir, agora não deixa de franzir o cenho e, às vezes me
dá medo. Tentei explicar sobre Giles, mas não quer me escutar.

Então era isso! Disse-se Jonathan. Havia outro homem, um


homem que, provavelmente, olhava à esposa de Ranulf. Sorriu
pacientemente.

— Lorde Ranulf não é um homem cruel, mas às vezes não sabe


raciocinar sobre certos assuntos. É um homem amável debaixo dessa
capa de dureza. Acaso não viu isso?

161
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim. — Agora sorria de novo e veio à cabeça algumas


lembranças desse Ranulf, apagando da mente tudo o que aconteceu
na noite do casamento.

O monge sorriu.

—Bem, então. Tudo depende de você.

— De mim? Mas como vou mudá-lo? Não gosta de nada do que


faço.

— Isto não é o que ouvi pelas fofocas dos serventes. Têm que
provar que o quer. Deve fazer tudo o que possa para lhe demonstrar
que se preocupa com ele.

— Sim, tenho que provar. — Sussurrou, deixando a taça vazia.


— Provarei que não sou como pensa. Encontrarei uma maneira de
fazê-lo. Obrigada, Irmão Jonathan.

Lyonene abandonou o aposento e o monge ficou sentado,


refletindo, antes de voltar a encher sua taça. Ah, os jovens, tinham
problemas tão pequenos... Perguntou-se de novo o que era o que teria
angustiado a Lyonene. Certamente uma discussão sobre um vestido
novo, ou possivelmente algo ainda menos importante.

Ranulf não retornou a Black Hall essa noite e Lyonene se deitou


em sua grande cama olhando ao teto, com a expressão perdida. Dava
a impressão que tudo tinha sido culpa dela, que seu marido a odiava

162
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

por algo que tinha feito. Pensou nas palavras de irmão Jonathan e
prometeu que, de algum jeito, provaria que seu amor por Ranulf era
verdadeiro e que só amava a ele.

Pela manhã se dirigiu ao sul da ilha para ver como estavam os


servos ali. Sir Bradford, um dos cavaleiros mais jovens da guarnição,
acompanhou-a em seu caminho de volta ao castelo.

— Acredito que sinto um toque da primavera no ar. Ou


possivelmente é porque o desejo tanto que o sinto assim. — Disse sir
Bradford.

Lyonene riu.

— Sim, eu também estou cansada desse frio. Amanhã pela


manhã seguirei o curso do rio e procurarei indícios da primavera nos
prados.

Ambos viram como Ranulf se dirigia rapidamente para eles, com


a expressão cheia de raiva. Com um braço puxou sir Bradford de seu
cavalo, desceu do frísio negro e, pondo um pé em cima do moço,
colocou a espada sobre ele.

Lyonene saltou de seu cavalo e ficou no meio dos dois.

— Mas o que está fazendo? Por que desembainha sua espada


contra este moço?

— Acredito que você poderia responder melhor do que eu essa


pergunta. Acredita que poderiam se encontrar aqui sem que eu
soubesse? Já te avisei, mas sempre está me desafiando e dessa vez foi
muito longe.

163
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ergueu-se ante ele, negando-se a se curvar.

— O que diz não tem nenhum sentido. O moço não fez mais que
cavalgar ao meu lado e falar comigo, isso é tudo. É você com esse
temperamento que vê coisas que não existem.

Ranulf respondeu com uma frieza sepulcral.

— Ah, e alguma vez não me deu nenhuma razão para duvidar de


você? Em nossa noite de casamento, te encontrei com um moço que
mais tarde tive que matar. Roubou-me para pagar ao seu amante e
agora começa de novo com esse outro jovem. Também quer ver seu
sangue? Acaso sua avareza não pede só sua semente, mas também
seu sangue?

A ira quase a transtornou.

— É o único homem que permiti me tocar e me arrependo cada


dia que seja dessa maneira. Deveria ter escapado com Giles ou com
qualquer outro, antes de me comprometer com alguém com uma
natureza tão vil como a sua.

Ranulf lhe deu uma bofetada na boca, fazendo um corte no seu


lábio e derrubando-a no golpe.

— Então, vamos desfazer o que fizemos. Amanhã pela manhã


irei a Gales e quando retornar não me deixe te encontrar aqui.

Montou seu cavalo e partiu.

Lyonene ficou deitada. O sangue lhe corria pelo machucado da


boca. Fez gestos a sir Bradford para que se afastasse, e ele a deixou
só. As lágrimas chegaram primeiro, lágrimas de desespero e

164
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

desolação. Oxalá não tivesse dito todas essas coisas, mas seu
temperamento era incontrolável. E o que acontecia com suas nobres
promessas de provar seu amor? Seu marido tinha ordenado que se
afastasse dele, assim não haveria mais oportunidades para provar
seu amor.

— Ranulf. — Gritou estendida no prado, sentindo como seus


soluços a rasgavam. Na manhã seguinte, Ranulf partiria para Gales e
a história entre os dois teria terminado.

De repente, sentou-se e entre lágrimas olhou para frente.

Para algo tinham posto seu nome de leoa. Acaso não tinha mais
coragem que uma serva? Não se renderia tão facilmente.

Rondava várias ideias pela cabeça. Se viajasse para Gales, não


viajaria sozinho. Viajaria com mulheres que cozinhassem e limpassem
para os homens.

Secou as lágrimas e começou a sorrir em segredo. Não a


rejeitaria quando tivesse passado a cólera. Sabia que precisava de
mais tempo, e poderia emendar de algum modo o que tinha
acontecido. Sabia que encontraria uma maneira de demonstrar seu
amor.

Outra vez segura de si e com um propósito em mente, montou


sobre seu cavalo e se dirigiu para Black Hall. Tinha que preparar
muitas coisas para o dia seguinte.

165
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 08
As carroças estavam preparadas no pátio exterior, Lyonene
colocou uma capa avermelhada sobre os ombros e colocou o capuz
para tampar seu rosto. A preparação de seu plano havia levado
bastante tempo e não queria arruinar todo esse trabalho deixando
alguém no pátio descobri-la. Sua nova criada, Kate, tinha seguido o
seu plano, mas Lyonene a tinha surpreendido olhando-a com uma
expressão estranha no rosto. A moça devia fingir que Lyonene estava
doente e que ninguém podia incomodá-la, exceto ela. Quando a trama
fosse descoberta, Lyonene provavelmente já estaria em Gales. Deu um
chute no chão e pegou o grosso manto de lã de sua serva, já que fazia
muito frio no início da manhã. Lyonene refletiu sobre o que estava
preste a fazer, perguntando-se como seria a reação de Ranulf quando
revelasse sua identidade ante ele. Tinha dito que não queria voltar a
vê-la e se tivesse ousado demais nesta farsa? Não lhe agradava usar
somente um manto de serva, mas embora tivesse tentando, não pôde
levar o fardo com trajes forrados de peles na carroça, já que eles eram
revistados constantemente por vários homens, e o descobrimento de
alguns vestidos como os seus a teria desmascarado e arruinado seu
plano.

— Você, moça!

Lyonene se deu conta de que uma mulher a estava chamando.


Agachou a cabeça e tratou com todas suas forças de reter a cólera

166
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

que ameaçava explodir em rebelião contra as ordens dessa mulher


grosseira.

— Não fique aí parada todo o dia! Vem me ajudar com esses


barris!

Lyonene seguiu à mulher para o pátio interior e seu coração


começou a pulsar forte, ao ver a Guarda Negra montada em seus
belos corcéis com o frísio, sem cavaleiro, no meio. Lyonene jogou um
olhar ao bonito cavalo negro, sua crina majestosa a espessa cauda
que chegava até o chão, e o bonito pelo negro que lhe saía do joelho
até o casco, estava se movendo e levantando uma pata como sinal de
impaciência por partir. Era o cavalo perfeito para o Leão Negro.

Lyonene sustentou os barris, um em cada braço, e começou a


seguir à mulher para o pátio exterior até que se detiveram
repentinamente. Lyonene seguiu seu olhar. Ranulf caminhava para
seu cavalo e, com satisfação, viu como todos os olhares se dirigiam
para ele e para seus homens evidentemente orgulhosos de seu lorde.

Ele montou de um salto na sela do frísio e se deteve um


momento para olhar para uma das janelas do segundo andar de
Black Hall. Lyonene quase cortou a respiração ao ver que se tratava
da janela de seu pequeno quarto.

— Que as torturas do inferno desçam sobre essa mulher! —


Disse entre dentes uma mulher que se encontrava do lado de
Lyonene.

Lyonene a olhou pela primeira vez. Era velha, quase tão velha
como sua mãe, mas as feições de seu rosto mostravam que tinha sido

167
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

bonita. De fato, seus olhos a fascinavam, pois eram pouco comuns,


estreitos, inclinados em forma de amêndoa excepcionalmente bonitos.
Os estreitou enquanto se fixava no que Ranulf olhava e Lyonene se
surpreendeu ao ver que continham malevolência.

— Dizem que não lhe importa meu Ranulf.

Um brilho de raiva a rasgou e teve que fazer força para


controlar-se.

— O que quer dizer com seu Ranulf? Por acaso não tem uma
mulher?

— Sim, tem uma mulher.

A mulher usou um tom depreciativo e se virou para o Leão que


voltou a vista para outro lado. Voltou a olhar Ranulf

Lyonene apertou os punhos, ao ver que os olhos estranhos da


mulher se desfaziam em um olhar de adoração.

— Tem uma mulher, mas ela não o cuida tal e como ele merece.
É uma estúpida por ter preferido fazer amor com outro que com meu
lorde Ranulf.

— E o que você sabe da vida amorosa de meu lorde Ranulf? —


Lyonene não poder conter a raiva em sua voz, nem a leve ênfase que
pôs na palavra meu.

A mulher a olhou indolentemente e Lyonene encontrou seu


sorriso de suficiência e um olhar provocador que não tratava de
ocultar.

168
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ah, então meu Ranulf encontrou alguém que me substitua.


Não tinha ouvido falar de ti; esconde-te muito bem. Mas se for sua
amante, reconhecerá que é muito habilidoso e por isso estou
agradecida.

Lyonene franziu o cenho e esteve a ponto de perguntar a que se


referia, quando ambas se deram conta de que os cavalos tinham
começado a mover-se. Ficou petrificada ao ver que Ranulf se dirigia
para ela, montado em seu frísio, mas Ranulf só tinha olhos para a
mulher que havia ao seu lado. Antes que pudesse vê-la, Lyonene
cobriu o rosto com a sombra de seu capuz.

— Maude, estou contente de te ver nesta magnífica manhã.


Alegra-me saber que vai viajar conosco.

— Só por você, meu lorde. Viajo só por você, e se houver alguma


coisa que você precise... Terei prazer em providenciar.

Lyonene olhou furtivamente Ranulf apertando os dentes, ao ver


sua expressão de adoração quando olhava a essa velha insolente.
Ranulf não se importava que todo mundo no pátio tivesse ouvido
essas palavras e que entendessem bem seu significado. Lyonene se
voltou para o outro lado, antes que Ranulf virasse e a visse, como se
fosse perceber ela enquanto essa mulher gorda de olhos rasgados se
oferecia a ele tão obviamente.

— Ah, Maude, sinto muito sua falta desde que foi viver no
povoado. Preparou... Algum espetáculo para esta viagem?

— Trouxe caixas com sedas de todas as cores e tudo que posso


necessitar.

169
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Sua voz melosa era como uma carícia e Lyonene sabia que ia
tirar o capuz, se isso não terminava logo.

— Esperarei com ânsia que cheguem as noites.

Nem sequer olhou uma vez sequer a face oculta de Lyonene


antes de virar e partir com a guarda atrás dele, Maude ao seu lado,
fez um ruído e ao levantar a vista Lyonene se encontrou com um
olhar malicioso. Sorrindo, viu os olhos ainda cintilantes:

— Tem uma vontade de ferro. Se estivesse em seu lugar, não


teria sido capaz de controlar tão bem minha raiva.

Lyonene elevou o rosto.

— Não sei de que raiva está falando.

Maude lançou de novo uma risada rouca.

— Não deve ter medo de que tire seu lugar com o lorde, já que
meus dias terminaram e devo viver com a lembrança de suas doces
carícias.

Lyonene sacudiu a cabeça.

— Eu não conheço nenhuma doce carícia.

Dessa vez a risada foi mais longa e mais profunda.

— Então é isso o que ocorre. Ainda não o conhece de todo, só o


está desejando. — Olhou para a janela de Black Hall e endureceu a
expressão e falou com voz desumana. — Se ouviu, ela o rejeita, e que
apodreça no inferno! Então Maude te ajudará a cumprir seu desejo.

170
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Fala com muita leveza que deseja que uma mulher que não
conhece apodreça no inferno. Possivelmente é lorde Ranulf quem a
rejeita e não é como você pensa.

Maude a olhava fixamente.

— Então deve ser porque é muito feia ou porque é muito mal-


humorada, para que ele não possa suportar tocá-la. Ou tem varíola.

— Claro que não!

Lyonene respondeu acaloradamente, mas se deteve e virou o


olhar para outro lado quando descobriu o olhar penetrante de Maude.

— Parece que sabe muito deste assunto. E como está tão segura
de que não conheço a mulher de lorde Ranulf? Guarda muito orgulho
para ser uma serva.

Gelou o sangue, pois estava a ponto de tirar o capuz e não podia


responder. Maude rompeu o silêncio ensurdecedor.

— Vem comigo, levaremos estes barris à carroça e começaremos


a viagem. Teremos tempo suficiente para saber quais são suas razões,
mas o mais importante é que terei tempo para te ensinar a satisfazer
ao meu lorde Ranulf, e para que aprenda tudo o que deseje sobre seu
doce tato.

Lyonene mordeu a língua para não replicar às brincadeiras da


velha. O único que queria era chegar a Gales e conhecer a rainha. O
que passasse durante a viagem não era assunto dela.

171
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene viajou muito incômoda, montada em um burrinho atrás


das quatro carroças, da Guarda Negra e de Ranulf. Não via seu
marido e várias vezes teve que olhar para outro lado, pois Maude não
deixava de observar seus movimentos.

Por alguma razão que só Maude conhecia, ela ajudava que


Lyonene permanecesse no anonimato e evitou várias situações
incômodas. Lyonene agradecia a sorte de que os homens da Guarda
Negra não fossem como os de seu pai, de cujas insinuações não
escapavam nenhuma serva. Os homens se sentaram sob algumas
árvores e Lyonene os observou. Maude estava lhes servindo a comida
e eram muito amáveis com ela. Lyonene removeu o caldeirão sobre o
fogo com golpes secos, enquanto Ranulf dizia algo à mulher, a risada
rouca de Maude flutuando no ambiente.

Ranulf tinha razão quando disse que viajariam muito rápido, e


ao final do dia só ficou tempo para uma breve comida. Como não
estava acostumada a cozinhar, Lyonene teve dificuldades em ajudar a
Maude a preparar o jantar e estava muito agradecida por sua
paciência. Observou a grande tenda negra de Ranulf e se sentiu
aliviada ao ver que Maude lhe levava comida, mas ao mesmo tempo,
reteve a respiração até que a mulher retornou. Maude lançou um
olhar provocador e se pôs a rir.

Observou como Maude se dirigia a uma das carroças e tirava


uma caixa de madeira. Chamou-a por cima do ombro.

172
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Se aproxime.

Curiosa, Lyonene a seguiu, apesar de que se desgostava que a


mulher assumisse que ela iria onde a chamassem.

O fogo em que cozinhavam estava afastado das quatro tendas


dos homens, e Lyonene se perguntou qual era a razão. Agora via que
devia ser para poder ter uma certa privacidade. A caixa tinha
incrustações de pérolas e de prata que reluziam sob o reflexo da luz
da lua. Quase com admiração, Maude abriu a tampa e tirou o que
parecia ser uma peça de seda muito suave e transparente. Pareciam
calças de homem, um pouco mais largas, com joias incrustadas ao
longo da perna e que deviam chegar até o tornozelo. Ao redor da
cintura também havia uma faixa de ouro e joias resplandecentes.

Outra peça de roupa que Maude tirou da caixa foi uma faixa de
seda cuja utilidade Lyonene não soube adivinhar. A peça seguinte era
um corpete diminuto, delicado e transparente. Também tirou muitos
véus, suaves e sedutores. Lyonene não tinha visto nunca uma seda
como aquela. Ajoelhou-se para tocar esses ornamentos.

— Pertenceram a minha mãe e depois a mim. Agora estou muito


gorda para poder usar isso.

— O que é isto e como alguém pode usar estes objetos? Revelam


mais do que podem cobrir.

Maude deixou escapou a risada.

— Tem razão, este é o propósito deste objeto. — Viu a cara


confusa de Lyonene.

173
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Minha mãe era uma sarracena que meu pai trouxe da Terra
Santa. Apaixonou-se por ela durante uma noite em que ela dançava
em algum lugar por lá. Era um homem bom, e não se preocupava que
ela tivesse dançado muitas vezes. — Sua voz soou tensa. — A trouxe
com ele das cruzadas e sempre foi muito bom com ela. Eu era muito
jovem quando ele morreu e, de um dia para o outro, minha mãe
envelheceu. Embora tivesse dançado muitas vezes para meu pai,
depois de sua morte, não voltou a dançar. Mas me ensinou a dançar e
me deu de presente estas roupas de seda. Não fui tão fiel como minha
mãe a nenhum de meus maridos.

Levantou-se e pediu a Lyonene que seguisse seu exemplo Um


gemido assustado saiu dos lábios de Lyonene quando Maude pôs as
mãos no corpo da jovem mulher.

— O fará. Agora tire estas roupas.

— Não o farei! Não sei quais são suas razões, mas não tirarei a
roupa.

Imperturbável, Maude continuou.

— Como supõe que vai pôr estas roupas se não tirar as que está
vestida? Assim não entrarão.

— Não tenho intenção de pôr sua roupa de baile. A seda é muito


bonita, mas não quero pôr isso.

A voz do Maude ficou depreciativa.

— Acaso acredita que é a única moça que veio nesta viagem? É


que não viu às outras duas que olham para Ranulf com desejo?

174
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Pagaram muito para vir nesta viagem e não pagaram com ouro.
Entende o que quero dizer? Sabem que, às vezes, lorde Ranulf escolhe
uma moça para passar a noite em sua tenda durante estas viagens, e
estão dispostas a vender o que for para obter este privilégio, porque é
um amante suave e complacente, e depois é muito generoso e lhes dá
de presente ouro. — Via como Lyonene olhava com crescente
ansiedade para a tenda de Ranulf — Esta noite não há nenhuma
mulher lá, mas me diga, como se sentirá quando ouvir a risada suave
de uma mulher que vem da tenda ou quando gritar de prazer? Estará
contente de ter rejeitado as sedas de dança de minha mãe? Estaria
satisfeita se se sentasse para ouvir os suspiros de Ranulf quando... ?

— Basta!

Maude sorriu.

— É o que pensava. Ensinar-te-ei a dançar. Demoram-se anos


em ser uma perita, mas estes soldados ingleses não sabem apreciar
uma dança como esta. Meu lorde Ranulf só te verá à luz das velas.

Lyonene empalideceu. Vestir-se com essas roupas, e diante de


um homem! Era impensável. Maude leu seus pensamentos.

— Se não for a sua tenda, terá que ouvir os gritos das outras
mulheres. Quer que te descreva o que me disse uma mulher na
última viagem sobre a cama de lorde Ranulf? — Pôs-se a rir ao ver
que Lyonene cobria os ouvidos. — Então venha comigo e veremos se
aprende a dançar.

Com as mãos tremendo, Lyonene começou a tirar roupas de lã e


ficou de pé diante de Maude, escondida entre as árvores. Quando

175
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

estava completamente nua, Maude a girou várias vezes para


examinada, enquanto Lyonene apertava os dentes, pensando
unicamente em sair daí para desfazer-se do olhar penetrante da velha
mulher.

— Bem, muito bem. É difícil acreditar que eu também tive um


corpo como o teu. Agora vamos vesti-la.

Colocou-lhe o cinto com joias, que apenas a cobria, em torno de


seus quadris e entre suas pernas. Colocou roupa transparente sobre
suas pernas e ajustou as fitas douradas ao redor de seus finos
tornozelos. Agora entendeu por que o cinto era tão largo, já que não
devia usar na cintura a não ser sobre os quadris, por debaixo do
umbigo. A faixa de seda cobriu seus seios amarrada nas costas. Ficou
sem respiração quando Maude atou com força e se horrorizou ao ver
que, como resultado de ter ajustado bem o tecido, seus seios se
destacavam mais e quase saltavam por sobre a seda, ocultando muito
pouco. O minúsculo corpete só enfatizava as curvas de seus ombros e
ressaltava a forma de seus seios e a curva profunda de sua cintura,
destacando seus quadris por cima do resplandecente cinto.

O constrangimento de Lyonene só durou um momento, pois a


beleza dos trajes lhe proporcionava uma estranha sensação de
sensualidade e gostava de sentir como sua cabeleira roçava os braços
nus e a cintura.

— Sim, sim. Tem efeito sobre ti. Esta seda viu muitas noites de
prazer e guarda estas lembranças.

176
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Apesar de si mesmo, Lyonene não podia apagar o sentimento de


sensualidade que lhe davam sua pele nua e o vestido de seda.

Maude trouxe um estranho instrumento de corda de detrás de


uma árvore e Lyonene a escutou tocar uma música estrangeira, por
algum momento. Se levantou e, cantarolando, começou a fazer
movimentos sensuais lentos com seus quadris e seu ventre. Maude
fez-lhe um sinal com a cabeça, para que esta seguisse seus
movimentos, surpreendida ao ver a facilidade com que ela os
realizava.

— Bem, sim, muito bem. — Murmurou Maude enquanto voltava


a tocar o instrumento. Lyonene escutava as indicações de Maude, que
pareciam misturar-se com a música.

— Dobra um pouco mais os joelhos. Assim, lentamente Agora


mais rápido. Quero ouvir os sinos.

Lyonene tinha ouvido vagamente um toque de sinos, mas agora


se dava conta de que provinha do traje, que os pedaços de ouro que
cobria os lados do corpete, no cinto e nos punhos eram centenas de
sinos. Quanto mais rápido se movia, mais ouvia seu som tilintarem.
Agradou-lhe saber que esse som o produziam seus movimentos. A
música era cada vez mais rápida e os sinos soavam mais alto.

Quase podia imaginar os olhos de Ranulf, escuros e


inescrutáveis, enquanto a observassem. Sentiu uma sensação de
derrota quando a música parou e Maude ordenou que tirasse o traje
de dança.

177
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Tem-no feito muito bem. Amanhã direi a milorde que temos


uma nova bailarina e ficará muito contente. Mas agora precisa
dormir, ou amanhã estará muito cansada.

Com o sentimento de desilusão ainda nela, Lyonene voltou para


o acampamento para deitar-se perto de Maude, sob as estrelas.
Estava tão esgotada que dormiu profundamente.

Pela manhã, tinha os músculos doloridos e qualquer movimento


em cima do asno doía. Mas preferia sentir essa dor, porque lhe
impedia de pensar no que estava fazendo.

Fizeram outra pausa antes do jantar, e Lyonene observou às


outras duas mulheres que rondavam constantemente ao redor de
Ranulf. Ouvia como Corbet não cessava de realizar comentários
sarcásticos a propósito das mulheres e do modo como elas se
exibiam.

Seguia maravilhando-se da conduta da Guarda Negra. Ela


nunca tinha entrado no salão principal de Malvoisin, mas algumas
vezes tinha visto umas mulheres no pátio. Eram mulheres tranquilas
e bem vestidas, e sabia que viviam com os cavaleiros da Guarda
Negra. Pensou na disciplina que tinham esses homens, tão diferentes
aos que tinha conhecido de menina.

A queda da noite trouxe novas práticas da dança que Maude a


ensinava. Gostava dos movimentos graciosos e aprendia rapidamente.
Passado um momento, sentiu-se cansada e se deixou cair sobre o
colchão de palha.

178
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Um leve som a despertou e olhou para Maude que dormia


profundamente. Instintivamente, virou-se para a grande tenda negra
e viu Ranulf de pé, vestido somente com uma tanga de linho branca.
Ficou de barriga para baixo e fingiu que dormia, enquanto olhava
para o lugar de onde procedia o ruído. Com o queixo sobre suas
mãos, observou Ranulf que se sentou em uma rocha não muito longe
dela. A luz da lua brilhava sobre sua pele bronzeada e viu seus
ombros caírem, nem tanto pelo cansaço a não ser possivelmente pela
tristeza.

Teve um repentino desejo de aproximar-se dele, de agarrar sua


cabeça com esse cabelo alvoroçado e aproximá-la de seu peito, para
tranquilizá-lo. Ele se levantou, bocejou e se espreguiçou, ficando os
músculos das costas e sua pele dourada bem pronunciada. Lyonene
estremeceu ligeiramente e se cobriu melhor com a manta, já que a
ideia de o reconfortar tinha fugido dela e foi substituída por outra
emoção mais forte.

Começaram a viagem antes que saísse o sol e Lyonene montou


no asno meio adormecida. Durante o jantar, as duas mulheres foram
ainda mais atrevidas em sua perseguição a Ranulf. Cheia de ira,
Lyonene lançou a panela de ferro na carroça. A voz de Ranulf a
deteve. Ainda estava debaixo da árvore, mas Lyonene podia sentir seu
olhar sobre ela. Rapidamente, com sua cara bem encoberta pela
sombra do capuz, virou-se para ele durante um breve instante.
Maude estava inclinada sobre ele e sussurrava perto de seu ouvido.
Ranulf não fazia nenhum esforço por afastar-se dela e dirigia seu

179
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

olhar para Lyonene, enquanto ela guardava os utensílios de cozinha


na carroça. Estavam falando dela!

O jantar chegou a seu fim e Lyonene tratou, com sutileza, mas


sem êxito, saber do que tinham estado falando. A risada de Maude
era irritante, mas ao menos sabia que Ranulf não estava ciente de
que sua esposa viajava com eles, disfarçada de serva.

Na terceira noite saíram da rota principal e se dirigiram para um


castelo. A ideia de um fogo faiscante a reconfortavam enquanto foram
aproximando-se das muralhas da torre. Ao entrar no bailey4, um
homem chegou correndo até eles, meio nu, com as calças e uma
camisa de linho aberta, mostrando seu forte e duro peito. Era um
homem bonito, de cabelo loiro, costas largas e quadris finos. Correu
para Ranulf com os braços abertos e ambos se abraçaram dando
voltas e levantando um ao outro do chão.

— Ranulf, cada vez que o vejo está mais feio!

Lyonene abriu a boca para falar, mas sentiu a pressão da mão


de Maude em seu braço. Não era fácil recordar que se passava por
uma serva.

4
BAILEY - era um pátio interno fechado com vista para o motte (colina feita a mão) e cercado por uma cerca
de madeira chamado paliçada e outra vala. O bailey era frequentemente em forma de um rim para caber de encontro
a um motte circular, mas poderia ser feito em outras formas de acordo com o terreno. O bailey contaria com um
grande número de edifícios, incluindo um salão, cozinhas, uma capela, quartéis, lojas, estábulos, forjas ou oficinas e
era o centro da atividade econômica do castelo. (N.T.)

180
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E você é tão fraco como uma moça. Mais fraco que algumas
moças. — Dizia Ranulf.

Voltaram-se a se abraçar, beijaram-se na bochecha e, com os


braços entrelaçados, dirigiram-se para as escadas de madeira que
levava ao segundo andar da torre.

Lyonene esperou impaciente que a Guarda Negra seguisse seu


lorde, para obter a permissão que ela podia entrar no castelo. Ranulf
tinha escolhido uma cadeira frente a lareira, em um lado da sala. O
outro homem estava de pé ao lado de outra cadeira, vestindo-se
vagarosamente com as roupas que lhe segurava um servente.

— O que há de novo em Malvoisin? Ouvi algumas histórias sobre


você, mas não acredito em nenhuma.

— E quais são estas histórias? Estou seguro de que, ao menos,


são meias verdades. Venha, Dacre, sentem-se aqui e deixe de perder
tanto tempo se preocupando com sua beleza.

Dacre sorriu e se sentou em uma cadeira ao lado de Ranulf,


fazendo um aceno com a mão para que o servente se retirasse.

— Não sou eu quem deve questionar os intuitos do Senhor, mas


às vezes me pergunto por que Ele te deu o aspecto de um demônio e o
temperamento de um anjo, e me deu o corpo de um anjo e o caráter
de um demônio.

Ranulf deu um gole em seu vinho quente.

— Há muita gente que não estaria de acordo sobre qual é o


corpo do diabo e qual o do anjo.

181
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

A risada de Dacre foi como um estrondo.

— Assim está de acordo em quem tem um temperamento de


anjo. Não esperava menos de você.

Nenhum dos dois homens se deu conta da presença da jovem


serva, que se achava muito perto do respaldo das cadeiras. Maude
empurrou uma cesta com uma vassoura pequena e uma pá para
Lyonene e lhe indicou que fosse limpar a lareira. Não tentou
convencer a Maude de que não era seu dever como serva de Ranulf,
mas sim, ficou contente de poder ouvir a conversa entre Dacre e seu
marido.

— Contudo, saberia distinguir a verdade em uma história, a de


que se casou com uma moça jovem, mas pobre.

Lyonene ardia de desejos de voltar-se para ver o rosto de Ranulf,


mas se ocupou das cinzas da lareira.

— É verdade. — Respondeu finalmente com calma Ranulf.

— E também ouvi que lhe puseram um estúpido nome de leoa,


porque quando nasceu tinha um rosto largo e achatado, com um
nariz grande, sem lábios ...

— Pois você ouviu errado!

Dacre riu ao ouvir a veemência na voz de seu amigo.

— Bem, me diga então o que pôde apoderar-se de seu pai, para


que pusesse o nome de leoa em sua filha.

182
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf se apoiou na cadeira de carvalho esculpido. Explicou com


voz pausada:

— Ela tem o cabelo castanho-avermelhado da cor de um leão,


uma grande e grossa juba dele. Olhos verdes que colocariam uma
esmeralda em vergonha, um nariz minúsculo e uma boca cheia e
macia. Quando ela está com raiva, uma sobrancelha...

De repente se deteve e olhou a taça de vinho.

— Continue. Precisa me contar mais sobre esta mulher. E


quanto ao resto dela? Tem uma cintura larga? E o que me diz de suas
pernas?

— Dacre! Estar indo muito longe. Está falando de minha esposa.


Não é uma serva que possa ser compartilhada.

A voz do Ranulf soava cheia de ira.

— Entendo. Tem as pernas largas como o pescoço de um frísio e


uma cintura do mesmo tamanho que a tua. Se eu tivesse uma esposa
assim, tampouco quereria falar dela.

Lyonene ouviu a risada de Ranulf, um som que tinha escutado


muito poucas vezes.

— É... Não, não morderei seu anzol. Têm que vir a Malvoisin
para vê-la.

— Ou poderia perguntar a Corbet. Tenho certeza que ele pode


me dar uma opinião verdadeira, sobre esta sua esposa misteriosa.

Ranulf franziu o cenho enquanto bebia de sua taça.

183
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Corbet fala muito às vezes.

— Mmm. Ciúmes tão cedo! Deve ser muito bonita. Têm que me
contar o que se apoderou de você para que se casasse com ela.
Acreditava que Isabel o tinha amargurado para sempre.

Lyonene esperava ansiosamente a resposta de Ranulf, a razão


pela qual se casou com ela.

Passou muito tempo e Lyonene soube que Ranulf não


responderia. Voltou a concentrar-se no pesado trabalho de limpar as
cinzas. Ao menos ao lado da lareira fazia mais calor.

— Lembra-se da serva ruiva em Londres? Pela que disputaram


Corbet e Sainneville?

Ranulf voltou a rir.

— Estavam bem embriagados e...

— Nem você nem eu estávamos muito sóbrios. Graças aos céus e


a Hugo Fitz Waren.

— Sim, Hugo ajudou a separá-los porque eu não podia. Não me


importava quem ficasse com a mulher.

— Era muito inteligente. Sabia quem era o conde. Nunca me


esquecerei de seu rosto quando colou aquele corpo gordo diante de
você, enquanto contava entre soluços que a havia salvado a vida e
que lhes devia tudo. Lembro-me que quando disse “tudo” pôs os olhos
arregalados de uma maneira...

— Seu “tudo” não esteve nada mal. — Dacre gritou.

184
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E o que sabe você do que ela tinha para oferecer, porque ela
veio a meu quarto naquela noite?

— A seu quarto! E para que ela quereria um fracote como você


quando poderia ter a um homem de verdade!

— Fracote! Pois aquela pequena doçura sussurrou que você lhe


dava mais medo que o diabo!

— Pois me disse que passar a noite com você seria como passar
a noite entre meninas bonitas.

— Tem graça! Já te mostrarei, bonitas!

Lyonene se virou e viu como Dacre se lançava no pescoço de


Ranulf e como os dois homens rolavam pelo chão de juncos, medindo
suas enormes forças Que dois homens adultos lutassem dessa
maneira entre si pelo chão e que, além disso, fosse por uma mulher
era absurdo! Rolaram até seus pés, agarrados um ao outro, com seus
rostos separados unicamente por uns poucos centímetros. Lyonene se
levantou calmamente e deixou cair à cesta quase cheia de cinzas de
sua cintura para o chão, muito perto de seus rostos. Não esperou
pare ver os destroços que tinha causado, mas tranquilamente,
afastou-se deles. Sorriu timidamente quando ouviu que deixavam de
brigar e que começavam a tossir e a amaldiçoar.

Maude apareceu de repente e agarrou o esbelto corpo de


Lyonene, fazendo-a apoiar o rosto em seu ombro.

185
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Matarei a esta serva. — Gritou Dacre perto de onde Maude


estava segurando Lyonene. — Maude, solta-a. Tenho o meu próprio
castigo para ela.

— Deu um susto de morte a pobre moça. É muito jovem e não


está acostumada as brincadeiras violentas entre os condes do rei.

Maude acariciou o cabelo de Lyonene, completamente escondido


sob o véu de lã que caía por suas costas. A voz de Maude tinha um
tom sarcástico e Lyonene começou a rir em silêncio, tanto que seus
ombros começaram a mover-se.

— Veem? Está tremendo de medo.

Este comentário fez rir ainda mais Lyonene e lhe escapou um


som parecido a um soluço.

— É a esta que está ensinando a dançar? — A voz de Ranulf era


gentil.

Maude assentiu com a cabeça.

— Então, que fique contigo na cozinha e me envie alguém com


água para limpar todo este pó.

Maude moveu um pouco a cabeça de Lyonene para que pudesse


ver a confusão que tinha causado. Sentia que eles mereciam por
terem falado de servas de tabernas. Quando Maude a levou para a
cozinha, Lyonene ouviu como falava Ranulf.

— Maude está ensinando a esta moça a dançar. Disse que é


muito boa e que estará pronta para atuar quando chegarmos ao País
de Gales.

186
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Bom, então vejamos o que sabe fazer. Podemos perdoá-la se


dançar bem.

— Esta é minha, Dacre. É jovem, muito jovem para as


recompensas que você tem em mente. Dentro de uns anos, quando
dançar melhor, então poderá “perdoá-la”, mas ainda não.

Maude levou Lyonene à cozinha e lhe deu uma montanha de


cebolas para cortar, como castigo pelo que tinha feito. Cortava e
picava com raiva, pensando nas palavras de Ranulf a respeito da
garçonete de Londres. Também recordava que havia dito: “Esta é
minha”. A quantas mulheres tinha ensinado Maude a dançar para
ele? Não soube quando se começaram a misturar as lágrimas
causadas pelas cebolas e as verdadeiras.

Lyonene notava que Maude se esforçava em mantê-la separada


de Ranulf, sempre havia tarefas que fazer que requeressem sua
presença longe dele. Estava mais que exausta quando se deixou cair
no colchão frente da lareira. A palha era muito incômoda e sentia
falta de seu agradável colchão de plumas de Malvoisin.

A manhã chegou muito rapidamente e, meio adormecida,


montou no asno.

— Esta será a noite, porque amanhã chegamos ao País Gales.


Esta frase de Maude despertou a Lyonene e, durante todo o dia,
tratou de convencer-se de não seguir com a ideia da dança. Quando

187
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se detiveram para jantar e viu como uma das mulheres acariciava a


mandíbula de Ranulf com o dedo e como este lhe segurava a mão
durante um instante, Lyonene se decidiu. Não pensaria nas
consequências desta noite, o único que queria era que a visse, que
segurasse sua mão e a de ninguém mais.

Quando terminaram de montar a tenda de Ranulf, Lyonene viu


que Maude falava com ele e soube que Ranulf estava de acordo com
as sugestões da velha mulher. Seu coração começou a pulsar
rapidamente.

Não teve tempo de pensar enquanto Maude a levou até um lugar


isolado no meio do bosque. Os primeiros protestos terminaram
quando já a tinha despido completamente. Logo, o vestido da dança a
envolvia. Era como se já não fosse ela mesma, como se fosse outra
pessoa: uma beleza escura, uma sarracena a que tinham ensinado
desde pequena a seduzir e a atrair aos homens com seus fluidos
movimentos corporais. Podia ouvir a estranha música em sua cabeça
e seus quadris começaram a mover-se lentamente, com um sorriso
secreto em seu rosto.

Maude tirou um objeto de vidro prateado, um espelho, de uma


caixa de madeira e também um pote de pó negro. Maquiou-a: Aplicou
o Kohl escurecedor nas pálpebras superiores e inferiores e nas
sobrancelhas. Havia véus transparentes, suaves e com cores tênues
que se acrescentavam ao traje. Um dos véus cobria seu cabelo e a
parte inferior de seu rosto.

Era outra mulher a que a olhava desde desse pequeno espelho e


esses olhos escuros e sensuais prometiam coisas das que Lyonene

188
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

sabia muito pouco, promessas de paixão e de pele suave como a seda.


Caminhou com soltura e segurança para a tenda iluminada com
velas.

Ranulf estava meio recostado na cama e, em um primeiro


momento, não viu a garota morena que entrava em sua tenda, só
ouvia a música de Maude junto com uma flauta e uns instrumentos
que vibravam como tambores. Em seguida se sentiu impressionado
pela confiança que mostrava a moça, fazendo movimentos seguros e
sedutores. Esqueceu que sabia que era uma serva já que, de algum
jeito, transformou-se em algo que ele tinha visto, fazia muitos anos,
na Terra Santa.

Cada ondulação lenta era um gesto de amor e começou sentir


que ela dançava somente para ele como nenhuma mulher o tinha
feito antes. Seus quadris se moviam para ele, seus braços acenavam
em gestos e seus olhos verdes o acariciavam. As danças que Maude
conhecia tão bem, sempre o tinham excitado, mas esta moça dava
mais, dava-lhe um sentimento de saudade e de ternura. Um véu caiu
a seus pés, revelando uma longa e esbelta perna escondida, mas
visível sob as calças de seda. A música se fez mais rápida, a moça
ficou de costas e Ranulf alcançou a ver um pouco de seu cabelo
através do véu escuro.

Outro lenço se moveu pelo espesso ar e pôde ver a curva de um


quadril e o cinto dourado resplandecente sob o reflexo da luz das
velas. Seus quadris começaram mover-se mais depressa e as
campainhas tilintavam ao ritmo de seus movimentos. O quadril nu
era dourado, cremoso, enquanto que o outro provocava seu olhar

189
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

perplexo, quando se movia detrás de um véu dobrado, aparecendo e


desaparecendo de novo.

A moça ficou de lado e pôde ver a forma de seu corpo através


das sedas. Seus seios se elevavam um pouco, outra vez quando os
quadris se moviam para diante e para trás. Seus olhos o fascinavam,
sorriam, franziam o cenho, provocavam-no, rejeitavam-no. Seus ágeis
braços enfatizavam seus movimentos fluídos.

Caiu outro véu e Ranulf pôde ver mais de seu bonito corpo. Seu
ventre ondulava, mostrando o adorável segredo de seu umbigo.
Ranulf estava petrificado em sua cama, incapaz de romper o feitiço
paralisador do desejo e a fascinação que ela tinha tecido.

A rapidez da música aumentou e lhe cortou a respiração,


quando viu que tinha caído outro véu ao chão. Seus seios se
sobressaíam por cima da seda, brilhando, movendo-se e tremendo
enquanto dançava, e Ranulf ouviu sua suave risada baixa e gutural
que enchia seu corpo com estremecimentos de uma paixão ainda
insatisfeita.

Ranulf temia mover-se, tinha medo de que fosse uma aparição


de prazer que desaparecesse com um só suspiro. Lyonene se
aproximou dele tortuosamente, lenta e sinuosamente, sua pele emitia
um delicado perfume. Com medo, mas sem poder controlar seu
desejo, tentou tocá-la com uma mão. Um breve sussurro de sua pele
suave e cremosa contra seus dedos e, ela se afastou e jogou sua
cabeça para trás, deixando louco seus sentidos, com sua risada
suave, baixa, mas impregnada de promessas.

190
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Com seu braço, Lyonene roçou seu rosto, passando perto de


seus lábios e excitando-o até os extremos do que parecia ser, uma
nova parte de seu ser. Então, de repente, ela se afastou dele, para
longe, para o lado mais escuro da tenda. Seus olhos escuros e seu
corpo dourado brilhavam, em contraste com a seda de cor creme da
tenda. Ele não podia suportar o vazio que ela tinha deixado. A música
estava chegando ao ponto mais frenético e, com seus olhos, Lyonene o
desafiou, abrindo os braços e animando-o enquanto seu corpo
aumentava os movimentos palpitantes.

Uma mão poderosa a arrastou para ele, estreitando com força as


curvas de sua cintura e, com a outra mão, apertando-a contra ele.
Ranulf se deu conta de que a tenda estava escura, muito escura,
enquanto olhava nos olhos dela semifechados, pôde ver a boca que
esperava sob o véu e, a paixão e a fome que demostrava mais que a
sua.

Aproveitaram e prolongaram cada momento delicioso, ele


acariciou sua pele, ligeiramente úmida pela dança, como também
estava a dele. Ela emitia uma espécie de ronronar, cada vez que a
tocava. Durante um breve instante, ela abriu os olhos para encontrar
os dele, enquanto ele afastava o véu para beijá-la, seus lábios
procurando os dela, e então Ranulf fechou seus olhos.

A música que vinha do exterior diminuiu até converter-se em um


ritmo sensual, como se tivesse adivinhado o que estava ocorrendo
dentro da tenda.

Lyonene deixou que Ranulf sustentasse seu corpo totalmente


com suas fortes mãos. Os lábios dele tocaram brandamente os seus,

191
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

saboreando as sensações deles, degustando-os. Sua língua passou


pela borda de seus dentes, deleitando-se nas partes mais secretas. A
lentidão agonizante com que ele tomou seu prazer dela, enfraqueceu
seu corpo, quase a fazia sentir como se estivesse morrendo sob sua
doce tortura. Com seus dentes passou por todo seu lábio inferior
provando sua firmeza e desfrutando de seu sabor especial. A
comissura dos lábios recebeu atenção especial e a urgência que ele
sentia a envolveu, seus lábios apaixonados e seus movimentos
esmagando os dela, enquanto deleitava-se do néctar de sua boca.

Lyonene puxou-o para ela, mais perto, cada vez mais perto, e
passou as mãos pelos grandes músculos das costas, glorificando o
poder reservado que detinha. A sensação de seus dedos acariciando
sua pele nua a deixava louca, por sentir sua pele escura e suave sob
suas mãos. Os lábios de Ranulf se transladaram a sua orelha
sussurrando palavras tenras, desconhecidas para ela, sem sentido,
mas ao mesmo tempo, cheias de significação.

Possivelmente, foi uma nota discordante da música que a fez


voltar para a realidade e dar-se conta de que ela era a esposa
indesejada de Ranulf, e não uma serva como ele acreditava. Ele fazia
amor com uma serva, uma serva que dançava para ele, mas não
abraçava e nem acariciava a sua esposa. Seu orgulho, o orgulho de
uma leoa, voltou a habitar seu corpo e soube que não podia continuar
fazendo amor com ele, sabendo que ele pensava que era outra pessoa.

Armou-se de coragem e se recusou a escutar mais palavras de


amor. Mais duro foi rejeitar o tato dos lábios que beijava seu pescoço.
Livrou-se dele tão rapidamente que levou um segundo, antes que ele

192
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

se desse conta que tinha fugido da tenda. Correu tão rapidamente


como pôde antes de deter-se

As lágrimas retidas brotaram como uma violenta corrente.


Amaldiçoou-se a si mesmo cem vezes por ser uma estúpida. Sua
mente não podia deixar de pensar em meio de toda a confusão. Como
podia ser que o tato desse homem a inflamasse dessa maneira, e
como podia fazer amor tão meigamente a uma mulher que ele
acreditava que era uma serva, alguém que não lhe importava?

Maude a encontrou e a ajudou a banhar seu rosto inchado e a


trocar de roupa. No caminho de volta ao acampamento, não
intercambiaram uma palavra e a velha mulher protegeu
cuidadosamente Lyonene de ser vista da tenda escura de Ranulf,
silenciosa, agora, depois do estrepitar de fúria de uma hora antes. Só
a longa compreensão de Maude, que conhecia fazia muito tempo
Ranulf, tinha sido capaz de acalmá-lo da raiva que tinha se levantado
contra a moça. Lyonene respirou irregularmente toda a noite em seu
sono e Maude, indignada, sacudiu a cabeça.

Pela manhã, Maude enviou Lyonene para procurar água longe


do acampamento. Ranulf apareceria logo e adivinharia facilmente
qual das quatro mulheres era a que tinha dançado para ele na noite
anterior. Tudo o que podia fazer era atrasar o inevitável.

Os pensamentos de Lyonene ainda combatiam em seu interior,


enquanto tirava o pesado balde da água. Estava tão absorta em seus
pensamentos que não ouviu chegarem os cavalos. Antes que pudesse
protestar, uns fortes braços a agarraram e a aproximaram de um
corpo ossudo, as mãos manuseando-a por debaixo de seu traje de

193
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

serva. Uma boca com um aroma nauseabundo a beijou e ela começou


a dar chutes e a arranhar. Então ouviu uma voz risonha que lhe
pareceu familiar

— Sir Henry! Acredito que não sabe tratar a uma dama.

O velho a soltou e ela se virou. Mantendo a cabeça baixa, olhou


cautelosamente e viu Geoffrey frente ao homem que a tinha atacado.

— Dama? Mas se é somente uma serva — soltou sir Henry.

A voz de Geoffrey escondia o desprezo.

— Se me permitir sir, todas as belas jovens são damas.

Lyonene se sentiu muito agradecida pela intervenção de


Geoffrey.

Sir Henry começou a rir.

— Entendo o que quer dizer.

— Permitem-me tentá-lo?

— Parece-me que você tem mais experiência.

Sem nem sequer olhá-la, Geoffrey a agarrou em seus braços


começou a beijá-la. Lyonene estava aterrada de que fizesse isso, tinha
o mesmo respeito por ela que sir Henry.

— Vejo que meu irmãozinho encontrou um entretenimento que o


agrada. Possivelmente a possa excitar mais que eu, porque esta foge
de minhas carícias. Há jovenzinhas que preferem a meninos bonitos
em lugar de homens, Dacre provou isso.

194
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Geoffrey se virou e viu Ranulf montado no Tighe e lhe dedicou


um leve sorriso.

— Parece que me considera suficientemente aceitável, obrigado


pela comparação com lorde Dacre. — Olhou para o rosto de Lyonene
que agora estava inevitavelmente exposto. Geoffrey a olhou com uma
expressão de horror e a virou para que encarasse Ranulf.

O olhar de dor de Ranulf, antes de converter-se em um olhar de


ódio, assustou-a. Então adotou um ar depreciativo.

— Vejo agora por que ela te acha tão... aceitável. Deve pedir a ela
para dançar para você. Ela está...

O olhar de dor voltou a aparecer e então virou o cavalo e partiu.

195
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 09
— Lyonene, qual é o significado disso? Não, não me diga, pois
estou certo de que é Ranulf. Ele é tão insuportável para viver?

Lyonene só pôde sacudir a cabeça, já que estava formando um


grande nódulo na garganta e não podia falar. Maude apareceu do
nada e levou Lyonene com o burrinho. Estava muito consternada e
não viu que Geoffrey cavalgava ao encontro de seu irmão.

— Ranulf, o que aconteceu para que a trate assim? Por que está
vestida de serva e montando um asno? — Geoffrey implorou a seu
impassível irmão. Esperou uma resposta, mas não obteve nenhuma
— Não entendo por que a trata desse modo. É bonita e atrativa, como
pode rechaçá-la? — Seguia sem receber resposta e Geoffrey suspirou
exasperado. — Vou partir com sir Tompkin. Hoje mesmo iremos para
a Cornualha. Ranulf, recorde que é sua esposa.

— É ela quem o esquece.

Geoffrey franziu o cenho para Ranulf.

— Insinua que ela teve algo que ver com o que aconteceu esta
manhã? Que possivelmente deseja a atenção de outros homens?

A resposta de Ranulf foi encolher os ombros.

— Se não fosse seu irmão e não amasse tanto a vida, o


desafiaria para um duelo pelo que acaba de dizer. Qualquer dama que

196
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

seja acusada falsamente e se veja forçada a atuar como uma serva,


merece um campeão.

— Você tem tanta certeza de que ela é falsamente acusada? Que


prova tem de sua inocência?

Geoffrey sorriu.

— Porque conheço você. Porque se preocupa mais com suas


posses e aquela sua ilha, ao ponto de que se ela espirrasse, saberia
imediatamente. E essa Guarda Negra mataria a qualquer homem que
se aproximasse de lady Lyonene. Tenho razão, ou não? Você sempre
soube de seu paradeiro, a cada minuto.

— Sim, até que partimos para o País de Gales. Soube esconder-


se muito bem.

— Esconder-se! Então é realmente afortunado por ter uma


esposa que o quer tanto que se veste como uma serva para seguir a
seu amado. Diga-me, acaso suas damas da corte fariam o mesmo por
seus amados maridos? Preocupo-me muito. Lyonene fará sempre o
que quiser, mesmo se isto incluir um marido zangado, indignado e
acusador. — Sorriu ao ver o olhar escuro de Ranulf. — Não entendo
às mulheres. Não consigo entender como elas escolhem ou aceitam
um marido. O que eu não teria dado para que uma mulher assim me
escolhesse. — Geoffrey franziu o cenho ao ver a ferocidade no olhar de
seu irmão. — Agora vou partir. Possivelmente possa sair da
Cornualha e ir a Malvíssima, mais adiante, durante este ano. Fique
em paz, irmão.

197
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene não sabia que Geoffrey partia, na realidade, estava


ciente de muito poucas coisas que passavam ao seu redor. Seus
pensamentos se enfrentavam constantemente.

Nem sequer ouviu os estrondosos cascos de Tighe, quando


Ranulf cavalgou para o burrinho. O único que sentiu foi que a
levantavam e a sentavam sobre o lombo do frísio, segura firmemente
pelos braços de Ranulf. Sabia que estava furioso, mas não se
importava. Ao menos no momento se encontrava em seus braços.
Cavalgaram para a cabeça do grupo. Ranulf rasgou bruscamente a
capa avermelhada que levava Lyonene e a jogou no chão. Então a
agarrou pelo cabelo, puxando sua cabeça para trás, seu rosto virado
para ele, para que o olhasse. Apesar da dor que sabia que estava lhe
causando, Lyonene sorriu com olhos brilhantes.

— Ouça-me agora, esposa, e ouça-me bem. Você é minha e eu


não a compartilho com ninguém.

Lyonene sustentou seu olhar.

— Nunca fui de outro, meu Leão.

Ranulf a olhou fixamente, durante um momento e, desviou o


olhar. Lyonene apoiou suas costas nele e viajaram em silêncio.

— Me diga o que tenho que fazer com você. — A voz de Ranulf


era áspera quando a encarou, as paredes de seda de sua tenda os
cercando. — Acreditava que ia a Gales para procurar diversão? Diga-

198
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

me, acaso sempre faz as coisas como você quer? Acha que um homem
que se dirige à guerra deve ter a carga acrescentada ao ter que
socorrer a uma mulher?

— Guerra? Não há nenhuma guerra. — Respondeu Lyonene


acaloradamente.

—Acaso acha que minto? O galês Rhys decidiu que queria ser
rei. Agora cavalga para o norte. O rei Eduardo me enviou uma
mensagem para que o encontre e detenha esta rebelião. Acreditava
que deixaria minha ilha para viajar por este frio país somente para
apreciar a paisagem? Já tinha suficiente cuidando com meus homens
e agora tenho que carregar e cuidar de uma nobre.

— Não, não pensei que...

— É isso! Não pensa. Agora já se divertiu, vestindo-se de serva e


me enganando. Mas, me diga milady, qual era o propósito em tudo
isto? Se não me falha a memória, a última vez que falamos ficamos de
que voltaria para casa de seus pais.

Merecia tudo isto, ela sabia. Não tinha pensado bem quando
decidiu disfarçar-se de serva. Quantas vezes sua mãe a tinha
castigado por rebeldia e desobediência como essa?

— Diga algo, mulher! Sei que têm língua.

Ela levantou o queixo e se alegrou de que a cólera fosse


substituindo esses sentimentos de culpabilidade.

— Não queria... não queria partir. Queria...

— Siga ... estou escutando.

199
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ela levantou-se e tocou a seda, contente de não usar mais o


manto de lã grosso. Virou-se para poder vê-lo, seus olhos ardentes e o
cabelo completamente desalinhado.

— Você é meu marido e eu te amo. — Ela esperou sem fôlego por


sua resposta.

Seus olhos negros não suavizaram o olhar.

— Têm uma maneira muito estranha de demonstrar seu amor.


Roubando-me, me...

Lyonene tampou os ouvidos.

— Basta! Sei tudo. Acaso não vivi todos esses horríveis


momentos? Acaso não me vi apanhada entre ameaças e cólera dia
após dia? Existe alguma maneira em que posso demonstrar isso?

Ranulf a observou e logo se aproximou dela, tocando


brandamente a bochecha com a mão.

— Não sei. — Disse em voz baixa.

O som de metal contra metal fez com que Ranulf levantasse a


cabeça.

— O que é esse ruído? — Ofegou Lyonene.

Corbet entrou de repente na tenda e olhou brevemente Lyonene.

— Rhys ataca. — Disse sem rodeios.

200
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Guarde-a! — Ordenou Ranulf, enquanto agarrava seu escudo


e saía da tenda para o ruído da batalha que se fazia cada vez mais
intensa.

— Por aqui. — Disse Corbet enquanto cortava a sarja da tenda


na parte de atrás. Lyonene o seguiu, olhando constantemente por
cima do ombro.

A luz do sol era muito brilhante, o aroma de sangue já começava


a ser muito forte e se mesclava com o pó e o horrível som dos gritos
dos homens, seus gemidos agonizantes, o estrondo dos cascos de
cavalos.

Imediatamente, Lyonene viu Ranulf no meio do campo de


batalha, a pé, pois não tinha tido tempo de selar seu cavalo. Viu o
brilho da espada que tinha apertada com as duas mãos, arremetendo-
a com força contra um homem montado a cavalo. Cortou a respiração
e sentiu que gelava seu sangue.

Corbet a sacudiu pelo braço para que caminhasse para diante.


Tropeçou e caiu de joelhos, agarrando-se ao tronco de uma árvore
para recuperar o equilíbrio. O guardião novamente a puxou, mas ela
não conseguia tirar os olhos de seu marido ou parar o rugido
ensurdecedor da batalha que a cercava. Ranulf estava coberto de
sangue agora, mas ainda assim, ele lutava.

Uma flecha passou assobiando a seu lado e se cravou na árvore


a poucos centímetros de sua mão e Lyonene a olhou com
incredulidade. Vagamente, dava-se conta de que Corbet lutava contra

201
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

um homem atrás dela, mas Lyonene continuava olhando fixamente


para a flecha. O medo começou a fazê-la tremer.

Captou um movimento acima da árvore e viu que um homem se


escondia em meio das folhas e que esticava a balestra apontando para
Ranulf. Lyonene gritou, mas ninguém a ouviu.

— Não, não. — Sussurrou.

Levantou-se, ergueu a saia e começou a correr para o coração da


batalha, para Ranulf. Correu em sua busca e ele a olhou incrédulo,
com o rosto coberto de suor e sangue.

Ela o alcançou no mesmo tempo que a flecha. Abraçou-o e com


seu ombro direito protegia seu coração. A flecha atravessou sua pele e
músculo alcançando o peito de Ranulf, que estava protegido pela cota
de malha. A ponta de aço perfurou a armadura de ferro, o tecido e a
carne de Ranulf, mas o corpo de Lyonene diminui sua velocidade e
não chegou mais adiante. Olhou-o sabendo que seus corpos estavam
unidos por um pedaço de madeira.

— Leão, eu... — ela sussurrou e depois desmaiou.

Ranulf a segurou para que não caísse, e então pôs a cabeça para
trás e deu seu grito de guerra.

No princípio, Sainneville não viu o pequeno corpo tão


terrivelmente unido a seu lorde.

— Rompa, homem! Não fique aí parado. — Ordenou duramente


Ranulf. A voz tremia.

202
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Hugo apareceu, olhou sua senhora e se virou para proteger as


costas de seu lorde. Sainneville rompeu a ponta com plumas,
tratando de não olhar o rosto sem vida de Lyonene.

— Pode tirar a flecha de ferro? Ela liga-nos juntos.

— Sim, milorde. — Sainneville levantou seus dedos trementes.

— Fitz Waren! Venha e faça isto. Rápido! Está despertando. Não


quero que ela sofra mais.

Com destreza, Hugo pôs seus dedos entre o ombro de Lyonene e


o peito de Ranulf. A flecha estava incrustada profundamente e
entrelaçada com as peças da cota de malha. Rodar a flecha sem
dobrar a haste era uma tarefa muito difícil.

— Feito, milorde. — Disse por fim Hugo. — Deixe-me que pegue


à dama e que a tire desta coisa. Segure a flecha firme para que não se
mova, irei retirar milady.

Ranulf obedeceu a seu homem e, cuidadosamente, Hugo


conseguiu tirar Lyonene da flecha cravada no peito dele. Ranulf tirou
a ponta de aço do peito e a atirou ao chão com fúria. Então pegou
Lyonene nos braços, com seu sangue fluindo sobre ele.

— Ranulf, dói-me. Dói-me o ombro. Está bem? Não o feriu a


flecha? — Suspirou Lyonene.

Ranulf não respondeu e se dirigiu para a tenda com grandes


passos.

203
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— O que ocorre? Ela desmaiou? — perguntou Maude, mas em


seguida ofegou ao ver o sangue que cobria Ranulf e Lyonene. — Eu
cuidarei dela. — Disse, enquanto Ranulf a colocava na cama.

— Não! — Disse Ranulf. — Vai. Não preciso de ajuda. Traga-me


água, roupa limpa e nos deixe.

Maude saiu rapidamente da tenda e Ranulf dedicou toda sua


atenção a Lyonene. Seus olhos estavam completamente abertos, mas
não parecia que pudesse ver nada. Desembainhou sua espada e
cortou toda sua roupa, cobrindo-a cuidadosamente com as mantas de
veludo. Quando Maude trouxe a água, Ranulf lavou e enfaixou a
ferida. Só então ele se sentou, quieto, e olhou para ela com ternura.

— Milorde? Ela está bem?

Era Hugo que esperava de pé na porta. Ranulf girou para ele,


com os olhos brilhantes, seu rosto e corpo ainda cobertos com a
sujeira e o fedor da batalha.

— Está bem para uma menina que protegeu seu marido com seu
próprio corpo. O galês que disparou a flecha...

— Está morto. Maularde se ocupou dele. A batalha terminou e a


ganhamos. — Neste momento, olhou para Lyonene. — Esta noite
rezaremos por ela.

Ranulf assentiu com a cabeça enquanto Hugo partia. Chegou a


noite e ele ficou ao lado de sua cama, de joelhos, rezando
fervorosamente. Nem sequer viu ou ouviu que Maude acendeu velas
por toda a tenda.

204
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ranulf...

Levantou a cabeça ao ouvir o sussurro de Lyonene. Acariciou


sua testa, dando-se conta pela primeira vez que ela tinha febre.

— Fica quieta meu amor, não fale.

— Ainda usa a armadura. — Sussurrou, tocando as peças de


ferro em seu pulso.

— Sim, não tem importância.

— Ainda está zangado comigo?

— Sim, estou zangado com você, mas esperarei que se recupere


para te repreender.

— Não queria desobedecer. Vi o homem e soube que ele


dispararia contra você. Gritei, mas você não me ouviu.

— Então usou seu corpo como escudo. — Disse sem rodeios.

Lyonene se moveu para poder tocar com sua mão esquerda o


ponto em seu coração, onde a cota de malha estava rasgada e coberta
com sangue seco.

— Se não tivesse feito, estaria morto.

— Sim, meu amor. Salvou a minha vida. Por que razão não sei.

— Porque te amo, meu Leão, porque te amei desde o primeiro


momento em que te vi, porque sempre te amarei.

205
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Pela manhã, a febre de Lyonene tinha piorado. Frequentemente,


Ranulf tinha que sustentá-la para impedir que caísse da pequena
cama de armar.

— Milorde, têm que comer. — Ordenou Hugo a seu lorde, depois


de dois dias de comida mal tocadas. — Assim não ajudará à moça.

O conde comeu distraidamente, sem tirar os olhos de sua


esposa.

Ranulf teve longas e dolorosas horas para pensar na mulher que


jazia diante dele, com o rosto vermelho e fervendo da febre. Quantas
vezes havia dito que o amava? E quantas vezes ele tinha zombado
dela por suas declarações de amor? Sabia que essa mulher tinha
muito orgulho, entretanto, tinha engolido esse orgulho para segui-lo,
depois de havê-la golpeado e haver dito que desaparecesse de sua
vista.

Mergulhou o pano em água morna e enxugou sua testa, tocando


sua boca gentilmente. Se lembrou vividamente do sangue em seus
lábios quando ele a golpeou, e seu estômago apertou em nojo e
remorso.

Lyonene não se movia e jazia tranquila, como se estivesse morta.


Ergueu sua mão quente e a aproximou de seus lábios. Tinha lhe
perguntado o que devia fazer para demonstrar seu amor.

Ele a tinha amado uma vez. Não, retificou enquanto esfregava


sua mão contra sua bochecha, a amou desde o primeiro momento em
que a viu, quando ela o olhou fixamente com esses brilhantes olhos
verdes. Por que tinha se esquecido desses primeiros dias?

206
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lembrou-se de Giles e de sua primeira esposa, Isabel e de


repente tudo pareceu muito claro. Giles estava louco. Tinha querido
sua própria morte, utilizando Ranulf como meio e ele havia acreditado
no moço, em lugar de confiar em sua esposa. Se tivesse observado
bem, teria visto a luz antinatural que projetavam dos olhos desse
jovem. Lyonene não tinha visto dor em seus olhos quando eles se
encontraram pela primeira vez, a mesma dor que, agora, estava
seguro de ter visto nos olhos de Giles?

Começou a dar-se conta do injusto que tinha sido com ela, o


quanto a havia ofendido e a dor e a febre que a consumiam lhe
pesavam ainda mais. Lyonene era tão diferente de Isabel, como ele era
de Geoffrey, e tinha errado muito em compará-las. Isabel nunca tinha
dado a ele qualquer confissão de amor. Tudo o que tinha dado era
ódio.

— Segue igual?

Ranulf não tinha ouvido entrar Hugo na tenda.

— Sim, segue igual.

— Os homens estão rezando por ela. Aprenderam a querê-la e a


admirar sua valentia.

Ranulf se virou com uma expressão de cólera em seu rosto

— E de que pode servir esse amor, quando está aqui, tão perto
da morte? Por que eles não a “quiseram” quando ela estava no meio
da batalha, quando teve que proteger seu marido com seu frágil
corpo? Por que ninguém a impediu que viesse nesta viagem? Por quê?

207
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Hugo pôs uma mão no ombro de Ranulf que rompeu a chorar.


Afundou o rosto em suas mãos e deixou sair todas as lágrimas que
fazia tempo se ocultavam em seu peito.

— Água.

Ranulf estava sentado com os olhos entrecerrados e não ouviu o


leve sussurro. Durante cinco dias, não tinha saído da tenda e os
últimos três não tinha comido nada.

— Água. — Repetiu Lyonene.

Ranulf saltou e olhou com incredulidade para os olhos abertos


de sua esposa. Passaram-se alguns segundos antes de se recuperar o
suficiente para tomá-la em seus braços e levantar uma caneca de
água fresca para seus lábios.

— Não recordo nada. Por que estou aqui?

Ele a segurou perto dele, sentindo seu coração batendo. Ela


ficaria bem! Lyonene se recuperaria!

— Silêncio agora. Abrace-me, amor, não fale. Recebeu uma


flecha que ia dirigida para mim. — Conteve as lágrimas e tratou
duramente de não a abraçar muito forte.

— Está bem, não está ferido?

De repente, Ranulf se sentiu feliz, porque sabia que tinha toda


uma vida para amá-la, para fazê-la esquecer sua cólera e hostilidade.
Afastou-a e sorriu para ela.

208
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ileso! Estou mais que ileso! Você salvou minha vida e eu devo
tudo a você. E você, minha doce Leoa, vai ficar bem. E agora têm que
comer.

Lyonene conseguiu sorrir.

— E se não o faço?

Ranulf levantou uma sobrancelha.

— Não tinha pensado nisso, mas tendo em conta sua constante


desobediência, provavelmente terei que obrigá-la a comer.

Lyonene pôs uma mão sobre a de Ranulf.

— Eu gostaria de... — Disse com calma.

— Sim? O que deseja?

— Esta manhã, tudo é distinto. É como se estivéssemos de novo


em Lorancourt e você fosse o homem que conheci, e não há mais ódio
entre nós.

— Eu diria que o ódio desapareceu. — Disse Ranulf calmamente.

Nenhuma outra frase poderia ter sido mais expressiva para ela.

Os dias que se seguiram foram para Lyonene de grande


felicidade, que aprendeu a conhecer seu marido, de muitas risadas e
de esquecimento desse medo que sentia dele.

209
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Milorde! Chegou um mensageiro do rei Eduardo anunciando


um torneio. — Gritou Corbet.

— Um torneio? — Disse Lyonene desde sua cadeira cheia de


musgo. — É seguro? E esse Rhys? Se deseja tirar o trono do rei, é
seguro ir?

— Rhys e seus três filhos morreram na batalha. Seus homens


não causarão nenhum problema se não tiverem um líder. — Ranulf a
olhou. — Você não gostaria de ver a corte e o torneio?

— Oh, sim, Ranulf, Oh, sim, eu adoraria ir.

Ranulf se ajoelhou e pôs uma mão no seu ombro.

— Então, vamos. — Ele se voltou para Corbet. — Diga ao


mensageiro que o Leão Negro e sua Guarda Negra desafiam a todos.

Corbet sorriu.

— Já o temos feito, milorde.

O rosto do Ranulf se endureceu, mas antes que pudesse falar,


Lyonene se pôs a rir.

— É bom ver como seus homens conheçam tão bem a seu lorde,
não é certo?

Ficou olhando Corbet por um momento e logo relaxou.

— Sim, é certo. Vá agora e se preparem. Sairemos pela manhã.

Quando ficaram a sós, virou-se para Lyonene.

210
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Está o suficientemente bem para viajar? A ferida não dói


muito?

— Não, não me dói tanto. — Ela levantou a mão para ele e


puxou-o para sentar-se ao lado dela. — Me conte tudo a respeito da
corte, do rei, da rainha, de outros condes, de ...

— Você vai muito rápida. Fique quieta e vou contar tudo o que
puder sobre uma mesa redonda.

— Uma mesa redonda? Como a das histórias do rei Artur?

— Sim, o nome é o mesmo, mas se refere a três dias de jogos,


justas e festins. Acha que poderá sobreviver a tanta excitação? —
Seus olhos brilhavam.

Lyonene sabia que ele estava brincando.

— Me fale da rainha, é muito bela?

Ranulf se pôs a rir e começou a falar da vida que era tão familiar
para ele e que era completamente nova para sua esposa.

211
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 10
Lyonene e Ranulf estiveram no castelo de Caernarvon durante
seis dias e ela tinha passado o tempo conhecendo às pessoas da corte
e à rainha Leonora. A rainha era uma mulher baixa e tranquila, muito
mais interessada em seus filhos do que na política estadual. Ela e
Lyonene se levavam às mil maravilhas. O rei era um homem
tremendamente alto, ruivo e com uma energia enorme. Não parecia
ficar quieto durante muito tempo.

Pelas noites, Ranulf e Lyonene cantavam duetos, ela tocava o


saltério e ele um alaúde. Estavam sempre acompanhados por muitos
convidados, que começavam a chegar em grande número. Cada
hóspede foi tratado de acordo com sua classificação. Os condes
tinham prioridade e o melhor que se podia dar para eles, enquanto
que os cavaleiros menores, os mercenários receberam um lugar onde
montar suas tendas, pasto para os cavalos e o privilégio de uma
refeição diária com o rei Eduardo.

A excitação cada vez maior afetou Lyonene que estava se


divertindo muito. A rainha Leonora tinha começado a depender dela e
Lyonene era uma anfitriã muito eficaz.

— Passa muito tempo com estes homens. — Uma mão a rodeou


pela cintura e a levou para um canto escuro da sala.

212
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene ficou tensa no início, mas depois relaxou quando se deu


conta de que estava tão intimamente perto de Ranulf. Quando ela
lançou um sorriso, seus dentes ficaram expostos a tênue luz.

— Só quero que se sinta bem. Havia uma dama, uma tal lady
Elisabeth, que parecia estar muito interessada no corte de seu
tabardo, especialmente nos ombros e os braços, pelo menos isso é o
que parecia pela maneira em que acariciava... seu tabardo.

Ele a apertou contra ele até que ela mal conseguia respirar

— Possivelmente percebeu que minha própria esposa estava


negligenciando-me. Não a vi muito nestes dias. Possivelmente deveria
me fazer passar por um convidado para ter seus cuidados.

Seu coração batia rapidamente e ela podia sentir o dele sob suas
mãos. Conseguiu tirar as mãos e as colocar em seu peito.

— Claro, milorde, é muito bem-vindo ao castelo de Caernarvon.


Por favor, me diga o que temos que possamos lhe oferecer Posso
oferecer vinho ou comida, ou... ?

— Uma bailarina. Eu gostaria que me enviassem uma bailarina


sarracena com véu ao meu dormitório. Uma que seja atrativa, que
mostre seu corpo dourado e lance fora os véus quando dança.
Acredita que poderá encontrá-la? Só quero a melhor.

— Você gostou da minha dança, então?

Sua resposta foi um beijo, um beijo feroz, esmagador e exigente


que a obrigou a atraí-lo para mais perto dela e responder com fogo
igual. Ouviu-se uma voz perto deles

213
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Está aqui! Vejo que meu amigo não mudou muito depois de
haver-se casado com a filha de um barão. Deixa em paz à moça,
Ranulf, e venha falar comigo. Estou seguro de que esta jovem o
esperará, não há dúvida.

Ranulf afastou-se dela, e ela o sentiu tão relutante como ela.

— Dacre, há momentos em que você é mais uma maldição que


um amigo.

O belo homem loiro colocou as mãos nos quadris, pernas


separadas, e seu riso aberto, fazendo com que muitas pessoas se
virassem e olhassem. Eles se abraçaram, cada um aparentando
tentar quebrar as costelas do outro. Eles sorriram um para o outro
com o olhar especial de velhos amigos, que não haviam se visto há
muito tempo.

— Inteirei-me de seu casamento e dois meses mais tarde o vejo


atracado com uma das damas do castelo. Eu disse que deveria tê-la
trazido para o País de Gales. Pelo menos, espero que esta não seja tão
bem usada como Lady Adela, com quem você se deitou tantas vezes
no ano passado. — Se deteve ao ver que Ranulf franzia o cenho.

Lyonene estava atrás de Ranulf, enquanto os dois falavam e ele a


puxou para tê-la ao seu lado, segurando seu antebraço e sua mão
possesivamente entre as suas.

— Esta é minha esposa, lady Lyonene. E você, creio eu, já


conhece lorde Dacre.

214
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Do que está falando? Lembrar-me-ia de uma beleza assim se


a tivesse conhecido.

Ranulf lançou um sorriso a seu amigo e a sua esposa.

— Ela me seguiu até o País de Gales em meu cortejo, vestida de


serva. — Em sua voz podia notar um certo orgulho.

— Parece-me uma história incrível. Inclusive vestida de serva,


reconhece-se a uma beleza como ela. Não importava o que ela usasse,
seguiria sendo uma dama. Milady, casou-se com um bobo. Deveria
havê-lo feito comigo, pois eu a reconheceria embora estivesse vestida
de homem.

Ranulf seguia sorrindo.

— Lembra-se daquela noite em seu castelo, quando estávamos


conversando enquanto uma serva limpava a lareira?

Dacre olhou atônito para Lyonene, que desviou o olhar, o sangue


começando a subir até suas bochechas. Disparou em risadas de novo.

— Então foi você que deixou cair o cesto de cinzas em nossos


olhos!! — Agarrou-a dos braços de Ranulf e a levantou acima de sua
cabeça. — Prometi que a castigaria pelo que tinha feito e vou cumprir.
— Suas palavras frenéticas foram dirigidas a Ranulf

—Não o faça! — Falou Ranulf colocando a mão no punho da


espada.

Dacre reconheceu de repente o tom de advertência e, com suas


mãos ainda na cintura de Lyonene, voltou-se rapidamente para
Ranulf. Então franziu o cenho por um momento ao ver a carranca do

215
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Leão Negro no rosto do amigo e o desafio em seu olhar. Surpreso,


soltou Lyonene e deu uma forte palmada no ombro de seu amigo,
seus lábios se torceram em um sorriso contido.

— Não estou brincando, Dacre. Ela é...

As pessoas no grande salão tinham parado de falar, os músicos


na galeria tinham deixado de tocar. O certo é que não muitos homens
tinham visto a ira de Warbrooke e tinham vivido suficiente para
contá-lo. Lyonene ficou no meio de seu marido e lorde Dacre.

— Então, sua velha aflição terminou por voltar a aparecer, e


agora vai fazer um nobre discurso sobre como daria sua vida para
proteger sua esposa. — Brincou Dacre.

O corpo de Ranulf relaxou e sua mão deixou a bainha. Ele


desviou o olhar, uma expressão tímida em seu rosto.

— É certo, daria minha vida para protegê-la.

— Bem, então meu amigo, se eu prometo não fazê-la


desaparecer como por arte de magia, permitirá que a observe mais de
perto?

Ranulf devolveu o sorriso zombador a seu amigo e aproximou


Lyonene da luz. Os convidados voltaram a falar e os músicos
começaram a tocar de novo.

Lyonene tentou controlar sua cólera, enquanto Ranulf a fazia


dar voltas perto da luz das velas. Sentia-se como um cavalo que
estivessem pensando em comprar.

216
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Fez muito bem, Ranulf. Só por este glorioso cabelo vale a pena
perder a liberdade. — Dacre deu uma palmada no ombro de Ranulf.

Lyonene se voltou e jogou um olhar fulminante de seus olhos cor


de esmeralda. Sua voz estava cheia de desdém.

— Se os cavaleiros terminaram a inspeção, o gado deste castelo


tem trabalho a fazer.

Ela virou no calcanhar em meio de um redemoinho de cabelo


castanho-avermelhado e se afastou furiosamente. Ela ouviu a voz
baixa de Ranulf, mas não suas palavras enquanto ele falava atrás
dela. Ela fechou as mãos em punhos ao ouvir a risada de resposta de
Dacre.

Esqueceu-se rapidamente de Dacre e de Ranulf quando a rainha


Leonora apresentou a Berengaria. De pequena, Lyonene nunca tinha
tido muitos amigos, já que a maioria dos convidados que foram a
Lorancourt eram muito velhos ou muito jovens, mas ao ver
Berengaria, soube imediatamente que tinha encontrado uma amiga. A
rainha Leonora as apresentou e se deram a mão como se fossem
amigas de toda a vida, que se perderam de vista durante muito
tempo.

— Acredito que se sente como eu, que fomos amigas durante


muito tempo. Vamos causar uma agitação onde quer que vá, você e
eu.

— O que quer dizer? Não vejo a razão para tal agitação.

217
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Você é uma criança inocente! Olhe ao seu redor os homens


que há no salão e aos olhares estreitos de suspeita de suas mulheres.
Agora olhe como seu bonito marido a observa. Está pronto para saltar
ao ataque se algum homem se aproximar para falar com você.

— Mas por que...?

— Eu não vou explicar, porque você vai aprender em breve.

Ranulf, de fato, vigiava sua esposa, pois sua beleza foi realçada
pela de lady Berengaria. As duas mulheres tinham a mesma altura,
uma com tez clara e cabelos castanho-avermelhadas que caíam por
debaixo de sua cintura, em uma abundância de grossos cachos, e a
outra com cabelo ruivo escuro e olhos da mesma cor. Seu cabelo
chegava a uns centímetros de seus quadris e se enrolava a seu redor
em uma perfeita curva. Havia três tranças minúsculas em cada lado
de sua testa, puxadas para a parte traseira de sua cabeça e presas
com uma fita vermelha longa, bordada com pérolas brancas e
minúsculas. A túnica de seda que perfilava sua voluptuosa figura era
da mesma cor que seu cabelo, coberta por um sobretudo impecável de
veludo branco sem mangas.

Lyonene estava vestida de cor azul, com uma túnica verde e azul
que se refletia em seus olhos e uma capa de veludo azul marinho. As
duas mulheres, extraordinariamente belas e delicadas, estavam
causando uma grande confusão no grande salão, uma agitação cheia
de inveja, ciúmes, desejo e, por parte de ambos os maridos, um
instinto de cautela e amparo.

— Venha comigo, nos sentemos aqui.

218
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Berengaria se deslocou para um banco apoiado contra a parede,


onde poderiam aproveitar de uma melhor visão das pessoas que havia
no salão.

— Deve me contar como capturou lorde Ranulf, pois houve


muitas mulheres que cobiçaram seu dinheiro e esse bonito corpo
dele. Embora, eu tenha ouvido, que ele está disposto o suficiente para
compartilhar uma dessas.

Lyonene sacudiu a cabeça.

— Não me diga qual delas, pois admito que todas as mulheres,


exceto a rainha, já me contaram sobre as aventuras passadas de meu
marido.

Berengaria riu, provocando que muitas pessoas presente, que


estavam esperando uma ocasião para admirar a beleza de ambas as
mulheres, virassem a cabeça.

— Posso imaginar quais foram suas palavras. Mas ainda não me


respondeu qual foi a poção mágica que utilizou para caçá-lo e, se as
intrigas dizem a verdade, em apenas dois dias.

Lyonene encolheu os ombros.

— Só o fiz rir.

Berengaria refletiu um momento e assentiu.

— Sim, entendo por que poderia apaixonar-se por uma mulher


que o fizesse rir. — Antes que Lyonene pudesse protestar, a amiga
continuou. — É tão maravilhoso ser rica? Têm suas criadas que se

219
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

ocupam de todos seus caprichos e que servem línguas de colibri


assadas em três molhos?

Lyonene começou a rir a gargalhadas. Sentia-se feliz em estar


com uma pessoa tão singela e sincera.

— Não acreditará, mas não tenho nenhuma criada.

Ao ver a incredulidade refletida no rosto de Berengaria contou


como se fez passar por Kate na viagem ao País de Gales e que como
não mencionaram nenhuma criada, não tinha pedido nenhuma.
Havia centenas de serventes em Caernarvon com poucas coisas que
fazer, de modo que todas as suas necessidades eram atendidas.

— Acredito que seremos boas amigas e tenho vontade de contar


a Travers que não sou a única mulher que comete loucuras e que não
sou a única que continua fazendo travessuras. Ele jura que sou a
única que ainda me mantenho assim e que todas as outras mulheres
são o próprio decoro em todos os momentos.

— Ranulf estava muito zangado, mas à rainha Leonora ficou


satisfeita por eu ter vindo e repreendeu Ranulf por me obrigar a ir a
tais extremos para chegar aqui.

As duas mulheres explodiram em risada.

— Temos muita sorte de ter a uma rainha como ela. Meu pai
ainda conta horrores da anterior.

— Este Travers é seu marido?

O rosto da Berengaria se iluminou de um modo especial ao ouvir


o nome de seu marido.

220
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Olhe ao seu redor e me diga se pode adivinhar qual deles é


meu Travers.

Lyonene tentou com vários homens, todos bonitos, e Berengaria


soprou com cada um, fazendo comentários depreciativos como “bate
em sua esposa”, “não gosta das mulheres”, “ambicioso”, movendo as
sobrancelhas. Quando Lyonene se rendeu, Berengaria assinalou a
seu marido.

— É o que está falando com lorde Dacre. — Disse, com olhos


cintilantes e observando a esperada reação no rosto de sua amiga.

O interlocutor de lorde Dacre era o homem mais feio que


Lyonene tinha visto em sua vida. Era de estatura média e parecia ser
feito de pedra, de tão quadrado que era seu corpo. Não tinha nenhum
tipo de graça ao mover-se, só uma inquebrável solidez. Mas seu rosto
era o mais aterrador. Suas orelhas eram enormes e seu cabelo uma
mescla apagada de cores indefinidas, um matagal áspero e rebelde.
Sua testa se sobressaía vários centímetros por cima de seus olhos e
as sobrancelhas se uniam em uma só. Profundas rugas corriam ao
lado do nariz para uma boca com finos lábios. Seus olhos eram
diminutos.

Tratou de manter a compostura enquanto se virava para


Berengaria. Certamente só estava brincando.

Berengaria sorriu.

— Ele não é um troll? Mas vou dizer-lhe que o amei desde que
eu tinha apenas três anos e continuarei a fazê-lo até morrer.

221
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Me conte, porque me dá a impressão que há uma boa história


detrás de tudo isto.

— Contar-lhe-ei com agrado, embora o tenho feito a poucas


pessoas. Procedo de uma família numerosa. Tenho seis irmãos e cinco
irmãs. Meu pai sempre esteve contente porque suas filhas são bonitas
e dóceis, e seus filhos bonitos e independentes. Eu sou a exceção.
Desde o meu nascimento, eu parecia ser o sexo errado, porque eu já
fiz coisas que uma jovem não deveria. Um dia, quando fazia pouco
que tinha completado três anos, estava caminhando com minha babá
pelos campos ao redor de nosso castelo. Em um momento em que ela
estava olhando para o outro lado, escondi-me atrás de uns arbustos e
a observei enquanto me buscava e me chamava.

— Como pode se lembrar de algo que passou faz tanto tempo?


Eu não tenho nenhuma lembrança de quando tinha três anos. —
Inquiriu Lyonene.

— Pois eu não tenho outras lembranças, e isto poderia ter


acontecido a semana passada, tão vívido me parece. Quando a babá
voltou para o castelo para me procurar, eu me dirigi para o lago dos
patos, um lugar onde ela nunca queria me levar. Estúpida mulher!
Tinha um medo constante que me acontecesse algo, assim sempre
evitava me levar aos lugares que eu achava mais divertidos. Quando
cheguei ao lago, um rosto me observava atentamente dos juncos. Ao
princípio, é certo que pensei que se tratava de um troll, mas segui
olhando fixamente quando saiu de seu esconderijo e vi que se tratava
de um moço. Olhamo-nos durante um bom momento, e tive um
sentimento muito forte de que esse menino era meu e que sempre o

222
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

seria. Ele tinha doze anos e quase tinha a mesma estatura de agora.
Elevei os braços e ele me levantou. Carregou-me por horas, me
falando e me ensinando os ninhos dos pássaros, os insetos que se
arrastavam e compartilhando comigo a bolsa de comida que levava.
Nenhum dos dois se deu conta da hora que era, assim quando
chegamos ao castelo já era tarde. Àquela hora, todos estavam
desesperados e pensavam que estava morta. Minha mãe se
aproximou para me agarrar pelo braço, mas eu não queria soltar
Travers, e quando meu pai finalmente me puxou para longe, eu
chutei e gritei até que Travers veio, beijou minha testa e me disse
para fazer o que era desejado de mim.

— Certamente seus pais se perguntaram a razão de seu


comportamento.

Berengaria deu de ombros.

— Sempre quis fazer as coisas a minha maneira. No dia


seguinte, neguei-me a me separar um minuto sequer de Travers.
Andei a cavalo com ele, enquanto seu pai e o meu inspecionavam
uma parcela de terra que meu pai queria vender. Pela manhã eu já
sabia que Travers ia partir, assim gritei, chorei e disse que o amava e
que ele não devia crescer e que tinha que me esperar. Ele beijou
minha testa e disse que quando eu estivesse pronta para o
casamento, ele viria me buscar.

— Você não pode me dizer que isso, é exatamente, o que


aconteceu!

223
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim. Quando tinha quinze anos, meu pai trouxe para mim,
um jovem e seu pai e me disse que deveria me casar com esse
homem. Sabia que meu pai acreditava que conseguiria casar-me,
assim, diante de todos, disse que tinha me casado em segredo e que
levava o filho de meu marido no ventre.

— Não fez isso! Claro que não era verdade!

— Não, não podia ser verdade, já que não tinha visto Travers
desde aquele dia e não tinha permitido que nenhum outro homem me
tocasse.

— Seu pai deve ter ficado muito furioso.

Berengaria revirou os olhos.

— É uma afirmação muito suave para referir-se ao


temperamento de meu pai. Fez-me examinar por uma parteira e
soube que tinha mentido, assim, me encerrou em uma torre a pão e
água. Aleguei que estava muito doente e uma velha babá me trouxe
papel e pluma para escrever meu testamento. Escrevi a Travers que
era o momento de vir me buscar, ou meu pai me obrigaria a me casar
com outro. Introduzi a carta na fenda de uma seteira, junto com um
anel de ouro e a dei a um servo para levar ao destino certo.

Lyonene começou a rir.

— Acredito que minha história de me disfarçar de serva não é


nada comparado com esta. Contem-me o resto!

— Travers chegou dentro de três dias com um exército! Mais de


trezentos homens se aproximaram do portão do castelo de meu pai e

224
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

ele, para dizer a verdade, estava muito satisfeito de ver que teria um
genro com caráter. Mais tarde, disse que seria necessário um homem
assim para viver comigo, já que considerava uma árdua tarefa.

— Mas e você? Não tinha visto Travers desde que era um bebê.
Sentia o mesmo por ele depois de todo esse tempo

— Oh, sim. Corri para ele quando me tiraram da torre, ele me


agarrou em seus braços e me beijou, mas desta vez não na testa. —
Seus olhos brilharam. — Se tivesse tido alguma dúvida, o beijo a fez
desaparecer.

Lyonene se apoiou contra a parede e suspirou.

— E agora vivem em contínua satisfação.

— Ah! Não há nada doce a respeito de meu Travers. Tem


temperamento tão feio como sua cara. Se você pudesse ver seu braço,
veria onde eu o cortei uma vez.

— Não o entendo. Se você o ama...

— O amor não é a coisa bonita como contam os trovadores, é um


sentimento interior e que nos diz que formamos uma só unidade com
esse homem, seja quem for e como for. Se Travers vendesse sua alma
ao diabo, segui-lo-ia amando e tentaria conseguir um bom preço pela
minha.

Lyonene sabia que deveria sentir-se escandalizada, entretanto,


olhou fixamente a Ranulf e sentiu de novo a dor da flecha galesa em
seu ombro.

— Temo que eu também seguiria a meu Leão Negro.

225
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Berengaria sorriu.

— Venha, vamos comer e não falemos mais de demônios. Temo


que a penitência por meus pecados seja muito elevada.

Dirigiram-se juntas para as mesas.

Mais tarde, Lyonene e Ranulf se encontravam a sós no quarto,


enquanto Ranulf tomava um banho quente.

— Queria perguntar algo. — Disse Ranulf.

Como ele estava silencioso, Lyonene deixou de lavá-lo um


momento e o olhou.

— É tão terrível o que vai perguntar-me?

— Alguns assim acreditam. Henry de Lacy me pediu que aceite a


seu filho pequeno de pajem. Mas o garoto só tem seis anos e deveria
esperar outro ano antes de abandonar seu lar. — Fez uma pausa e,
como Lyonene não falava, continuou. — Esta vez será sua decisão, já
que um pajem está sob a responsabilidade da mulher, até que chegue
à idade de converter-se em escudeiro.

— Como se chama o moço, e por que pensa que eu poderia ter


alguma objeção?

— Chama-se Brent e embora seja muito jovem, ele...

— Brent! Não se trata do menino que atou a perna de sir John à


mesa durante o jantar?

— Esse mesmo.

226
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— O menino que soltou às pombas na sala de estudo dos


monges? O menino que...

— Ele é o responsável por tudo isto e já entendo qual é sua


resposta.

— Assim que se converteu em bruxo e agora pode ler meus


pensamentos! Então deve saber que eu gosto deste menino. Tem
muito bom humor e seus pais tratam de acalmá-lo.

Lyonene começou a ensaboar seu rosto, enquanto se preparava


para barbeá-lo, uma nova tarefa para ela.

— Não sabe o que diz, o moço é um diabinho. Ele é o último


daquela grande ninhada de Lacy's, e os pais estão cansados e
precisam descansar. Pelo que vejo, Berengaria não era o suficiente
para levá-los a tumba.

— O que tem que ver Berengaria com meu Brent?

— Seu Brent! Então já adotou o menino. É o irmão mais novo de


sua amiga. Acaso não sabia que ela era a filha de um conde?

Ela raspou um pedaço de barba.

— Como sou a humilde filha de barão, sei muito pouco da


hierarquia da corte. — Disse com altivez.

Ranulf entendeu a indireta que carregavam essas palavras.

— Sabe muito pouco de como criar filhos e ainda assim está


ansiosa em adotar este. Sabe que quatro mulheres o rejeitaram?

227
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Dizem que uma delas quase desmaiou quando ouviu o nome do


pequeno monstro.

Lyonene não podia barbeá-lo enquanto Ranulf falava.

— Primeiro me pede que o aceite e agora tenta me dissuadir, e o


que está dizendo de minha falta de conhecimento no cuidado de criar
filhos? Não vejo que você tenha tanta experiência neste assunto, e
ainda assim, não parece recuar diante da ideia de acolher Brent.

— Sim, mas sempre posso golpeá-lo se se comportar mau. Não


acredito que você vá ter pulso tão forte com esse menino. — Disse,
com ares de suficiência.

Lyonene o olhou indignada.

— Fala muito de golpear, primeiro a sua frágil esposa e agora a


um menino que é menor que sua enorme cabeça. Agora deixe de
discutir comigo para que possa terminar de barbeá-lo, e concentre
sua arrogante mente se pode ou não adotá-lo, antes que me escape a
adaga da mão e corte suas petulantes palavras de sua garganta.

Agarrou-a do pulso, ao mesmo tempo, em que ela aproximava o


afiado aço perto de suas bochechas, lhe lançando um olhar de prazer.

— Começo a sentir pena por esse pobre menino que vai ter a
uma leoa como mãe. Ele sempre pensará que fará tudo como deseja,
mas na verdade, ela sempre vai ganhar.

— Em minha vida só quis ganhar um prêmio, e o consegui. —


Sorriu baixando a cabeça.

Ranulf apoiou a cabeça contra a esquina da banheira.

228
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Termine de me barbear e não me contradiga mais.

Lyonene sorriu para Ranulf, que tinha os olhos fechados, e


terminou de barbeá-lo.

Juntos, entraram no grande salão e sentiram o aroma de


comida. Ranulf a apresentou a Henry de Lacy, conde de Lilcoln e
Salisbury, pai de Berengaria e Brent. Quando os homens começaram
a falar da administração de terra, Lyonene foi sentar se em um banco
que havia contra a parede. Brent se aproximou de seu pai e o homem
a apontou e enviou o menino para ela.

— É lady Lyonene?

— Sim, e você é lorde Brent?

— Sim, sou-o, milady.

Ela deu um tapinha no banco e Brent se sentou perto dela. Ele


olhou para ela com olhos arregalados e depois com uma expressão
curiosa sobre seus cabelos. Uma mãozinha levantou-se e puxou com
força uma de suas mechas.

Lyonene levou a mão à cabeça em um gesto de dor.

— Qual é a sua razão para isso?

Brent não parecia estar surpreso de sua ação.

— Só queria ver se seu cabelo é real. Ouvi que duas senhoras


afirmavam que não o era, e outra disse que deveria levá-los cobertos.

Lyonene sorriu.

229
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E o que você acha?

Brent encolheu os ombros.

— Não me importa. Não me interessa o cabelo das mulheres, já


que vou me preparar para ser um cavaleiro. — Pôs seus pequenos
ombros eretos.

— Acaso não é bom para um cavaleiro se preocupar por suas


damas? Acaso não me protegeria do perigo, se fosse necessário? Pois
foi escolhido que o treinem em Malvoisin e como eu vivo ali...

Brent relaxou de novo, contente que Lyonene lhe deu uma razão
para ficar ao seu lado, pois era evidente que gostava dela.

— Está contente de ir para Malvoisin?

— Oh, sim. — Ele respondeu. — Você é uma boa dama, pois não
é velha nem feia.

Lyonene sorriu.

— Agradeço-lhe o elogio. Agora, me conte algo sobre esses ardis


que ouvi sobre você. São certos?

Brent deu de ombros novamente.

— Vê aquelas meninas? Ontem à noite as fiz chorar. — Disse,


muito orgulhoso.

— E o que fez para fazê-las chorar?

— Contei-lhes uma história sobre um dragão que atravessa


voando as paredes e come às meninas, só às meninas. Ouvi dizerem a

230
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

sua mãe que não puderam dormir toda a noite. — Disse sorrindo
Brent, que a olhou de esguelha para ver sua reação.

— Meninas estúpidas! Teriam que te haver contado histórias


piores para que você não pudesse dormir.

Brent lhe dedicou um olhar de desdém.

— Tenho certeza de que nenhuma menina pode inventar piores


histórias que as minhas.

Lyonene se aproximou dele.

— Eu posso e quando estivermos em Malvoisin, farei-o. Não só


as escreverei, mas sim, transformarei em música e as cantarei. — Fez
com que as últimas palavras soassem como uma ameaça.

Brent a olhou agora com um renovado respeito.

— E o que fará se ponho um rato morto debaixo de seu


travesseiro?

— Cortá-lo-ei, e o servirei de jantar e não direi nada até que o


tenha comido.

Seus olhos se abriram e pôs uma cara como se imaginasse o


gosto de uma comida assim. Sentou-se contra a parede, contente de
ver que Lyonene tinha coragem.

— Meu pai só me disse que vou viver com você, mas não
conheço seu marido, que será meu lorde.

— Vê o homem que fala com seu pai? O homem que está vestido
de negro?

231
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O menino se sentou totalmente ereto e a surpresa estava


presente em seu rosto.

— Mas esse é o Leão Negro. — Sussurrou.

Ela o olhou intrigada.

— Acaso não deseja ser o pajem de lorde Ranulf?

Brent estremeceu involuntariamente.

— Meu primo me disse que ele corta os meninos de minha idade


em pedacinhos para praticar, para manter afiada a ponta de sua
espada.

Lyonene o agarrou pelos ombros.

— Isso é horrível! Como você criou uma história para as


meninas, assim seu primo inventou esse conto de meu marido.

Ele olhou para ela com admiração.

— Não têm medo dele?

Lyonene sorriu.

— Na realidade, às vezes sim, mas quando tenho medo, tento


que ele não o veja. E você tampouco deve mostrá-lo.

Parecia que o menino iria chorar.

— Ou se não, ele...

— Não diga isto! Não pense! Fique aqui e agora vou buscá-lo.
Verá que é muito amável. Se eu, que sou uma simples moça, não lhe

232
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

tenho medo, tenho certeza de que o pajem de um cavaleiro não o


temerá.

Brent tentou levantar os ombros de novo, mas seu lábio inferior


continuava tremendo.

— Isso é verdade.

Lyonene murmurou algumas palavras sobre como os homens


começam tão jovens com sua arrogância e se dirigiu para onde se
encontrava Ranulf. Estava absorto em uma conversa com Henry de
Lacy e quando apoiou a mão em seu braço, ele simplesmente a
segurou e acariciou cada um de seus dedos. Lyonene deu um passo
para trás para que Brent pudesse ver, e o menino olhava com
fascinação.

— O que é isso que você faz?

— Me desculpe, lorde Henry, mas gostaria de falar um momento


com meu marido.

— O filhotinho já está dando problemas? Se quiser anular o


acordo, entendê-lo-ei.

Lyonene respondeu imediatamente.

— Oh, não. Estou muito contente com o menino e não quero


perdê-lo.

Henry riu.

— Certamente, em uns meses se arrependerão e pensarão o


contrário. Depois de doze filhos, a gente acredita que está preparado

233
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

para todas estas coisas, mas não posso com este moço. Possivelmente
esteja ficando velho. Bom, gostei de falar com você, meu filho.

Henry deu uns tapinhas no ombro de Ranulf e partiu.

— Agora, o que há de errado com o menino?

— Não se trata dele, mas sim de você.

— De mim? Mas se não falei com ele.

— Ele está apavorado com você. Um primo encheu seus ouvidos


com histórias horríveis de você.

Ranulf esboçou um meio sorriso.

— E como sabe que não são verdades?

Lyonene contou a história de Brent e Ranulf fez uma careta de


desgosto com o lábio superior. Caminhou para o menino e Brent
quase deu um salto do banco de madeira.

Ranulf olhou para a cabeça curvada do menino e viu que ele


tremia. Aproximou uma mão para tocar seus cabelos loiro
avermelhado, mas não o fez. Sentou-se no banco.

— Milorde, é uma honra ser seu p... p... pajem. — A voz do


menino era quase inaudível.

— É também uma honra para mim o ter a meu serviço. Então,


você tem medo do Leão Negro? — Brent não respondeu nem olhou
para Ranulf, mas seu tremor não fazia mais que aumentar
visivelmente. — Me diga Brent, acha que a Guarda Negra teme a seu
lorde?

234
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Brent levantou a cabeça.

— Oh não Milorde, pois eles pertencem a você, e eles também...


— seu medo aumentou ao recordar as histórias que lhe tinham
contado.

Ranulf falava com calma, com voz tranquilizadora.

— Se for como diz e eles não têm medo é porque formam parte
de minha família, então você tampouco deve me ter medo. Meu pajem
me pertence, assim como a Guarda Negra. Possivelmente o
conhecerão como o “Pajem Negro”.

Lyonene viu como mudava a expressão de Brent enquanto


digeria suas palavras, então começou a sorrir e fez uma pergunta:

— Como posso ser o pajem negro se não tenho o cabelo negro?


Todos os cavaleiros da Guarda Negra têm o cabelo da mesma cor que
o seu.

Ranulf estendeu a mão ao menino, mostrando o dorso.

— Vê? Tenho suficiente cabelo negro para os dois.

Lyonene não pôde evitar tornar a rir.

— É verdade. Todo seu corpo está coberto de cabelo negro.

Ranulf dedicou a sua esposa um olhar intenso e Lyonene não


notou que estava se ruborizando. Voltou-se, mostrando um repentino
interesse pelas figuras de uma tapeçaria que havia do outro lado.

Brent não se atreveu a tocar a mão que Ranulf lhe estendia.

235
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— De verdade vou ser seu pajem, milorde? Poderei ver seu


garanhão negro e conhecerei sua guarda, tocarei sua espada e... ?

Os olhos do Ranulf começaram a brilhar.

— Sim, tudo isto e muito mais. Agora vamos jantar e, assim que
acabemos, iremos ao estábulo e verá meu cavalo.

O moço se ergueu e ficou imóvel, de algum jeito, deu a


impressão de saltar de alegria. Brent sorriu para Lyonene, deu a volta
e correu para um grupo de meninos maiores do outro lado da sala.
Em alguns segundos, todos os moços se viraram boquiabertos para
olhar Ranulf.

Lyonene sussurrou ao seu marido:

— Não tenho dúvidas de que ele está dizendo que você come três
meninos por dia e que o escolheu para ajudá-lo em seu horripilante
açougue.

Ranulf se levantou e lhe deu o braço. Quando Lyonene ficou ao


seu lado, Ranulf a olhou da mesma maneira que antes.

— Estou mais preocupado por seu interesse no cabelo negro que


cobre meu corpo. Possivelmente possa me demonstrar um pouco
deste interesse.

— Possivelmente. — Disse, olhando-o com os olhos


entrecerrados. Ranulf puxou seu braço para aproximá-la a seu corpo,
como se tivesse medo de que desaparecesse.

— Venha, mostraremos Tighe ao menino, mas mais tarde leoa,


mais tarde... — Murmurou, beijando sua mão.

236
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Na manhã seguinte, Lyonene se levantou primeiro e vestindo sua


bata verde, foi reavivar o fogo. Ranulf dormia ainda e ela o observou,
com as rugas de seu rosto suavizadas pelo sono. Tocou um cacho que
caía sobre seu olho. Com a mão, Ranulf agarrou seu pulso e ela
ofegou de surpresa. Lyonene se aproximou com entusiasmo,
amaldiçoando à manta e à bata que os separavam. Os lábios de
Ranulf não a provocavam, mas sim exigiam.

— Venha para mim, leoa. — Disse ele, com um grunhido


autoritário, e a aproximou dele, pressionando-a com seu peso contra
o colchão de plumas. Os braços de Lyonene estreitaram-no com força
Ranulf e o beijou com paixão.

Golpearam à porta e o juramento que proferiu Ranulf foi tão vil


que a fez estremecer. Ranulf não percebeu que Lyonene tremia,
enquanto dizia a gritos à pessoa que entrasse. Um pálido Brent
entrou carregando um pesado cântaro com água quente.

— Trago água quente, meu lorde. — Disse com voz tremente.

Lyonene viu o cenho franzido no rosto de seu marido e deu uma


boa cotovelada nas suas costelas. Ranulf grunhiu e virou a carranca
para ela. Lyonene lhe sorriu com doçura.

— Seu pajem trouxe água para que se lave e quer ajudá-lo a se


vestir para o desfile das justas. — Lyonene deu um beijo na
comissura dos seus lábios, que era uma linha dura e sombria.

237
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Imediatamente a agarrou e a ameaçou empurrá-la de novo na cama.


— Ranulf! — gritou e deu um golpe no seu peito.

Ranulf parecia recuperado, soltou-a e saiu da cama atando uma


tanga sobre seus quadris.

Brent se deteve diante de Ranulf e o olhou intimidado.

— É verdadeiramente um Leão Negro por todas as partes. — Não


entendeu por que seu lorde e sua lady riam, pois não sabia que foram
exatamente as mesmas palavras que Lyonene pronunciou, quando
viu Ranulf nu pela primeira vez.

Demorou um pouco em estar preparado para o desfile. Esse dia


usava uma cota de malha coberta por uma capa de prata, que só
usava para as cerimônias. Lyonene tinha ajudado Brent a levantar a
cota de malha e, embora o menino ainda não fosse escudeiro, Ranulf
permitiu que também o ajudasse.

— Irei comprovar como estão os cavalos e voltarei dentro de uma


hora. Procure não me fazer esperar.

Lyonene sacudiu a cabeça.

— Não tenho o costume de causar seu atraso.

— Não banque a leoa comigo. Venha aqui e dê um beijo em seu


cavaleiro.

Levantou-a do chão com um braço e lhe deu um beijo rápido


quase esmagando suas costelas. Deixou-a cair bruscamente e piscou
um olho para Brent.

238
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Veja como terá que beijar as mulheres, devem saber que está
beijando a um homem. — O pequeno Brent assentiu com a cabeça,
como se acabasse de aprender uma lição importante. — Aproxime-se
Brent, já houve suficiente lições sobre mulheres por hoje. — Disse,
rapidamente indicando a saída do quarto, dedicando um amplo
sorriso a Lyonene antes que ela fechasse a porta de repente.

Ela tinha pedido a uma donzela que a ajudasse a vestir-se para


o desfile e foi muito cuidadosa com cada dobra de sua túnica verde,
com a capa de veludo e com o manto forrado de pele da Marta
zibelina. A maioria das mulheres foram vestidas com as cores de seus
maridos, ou com as de seu lorde, mas Lyonene considerava que às
vezes, as roupas eram muito chocantes. A serva costurou as estreitas
mangas de seda. Muitas mulheres usavam as mangas de maneira que
a parte superior do antebraço fosse de uma cor e a parte de debaixo
de outra. O resto da túnica era acostume ser de uma terceira cor.
Lyonene opinava que alguns vestidos eram muito coloridos. Tinha
gostado do penteado de Berengaria e esperava que sua amiga não se
incomodasse de copiá-lo. Abriu uma pequena caixa que havia no
fundo do baú, para assegurar-se de que a faixa ainda estivesse ali.
Era uma cópia do cinto do Leão e o daria de presente a Ranulf na
justa, para que o levasse em seu elmo. Tinha-lhe encantado costurar
cada ponto desses leões negros e dourados.

A serva saiu espavorida quando Ranulf entrou no quarto. Ele se


deteve e olhou sua esposa.

— Você gosta, milorde? — Disse ela fazendo uma reverência.

— Você usa as cores de Malvoisin.

239
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Que outras cores deveria usar a condessa de Malvoisin? —


Perguntou, arrogante.

Ranulf se sentou na cama desfeita.

— Vire-se para que eu possa olhar para você. Não é muito


apertada esta túnica?

— Está folgada, vê? — tentou mover o tecido para mostrar, mas


a serva tinha fixado bem a seda. Olhou-o, pôs-se a rir e encolheu os
ombros. — É a moda. Atrevo-me a dizer que a de lady Elisabeth será
igualmente apertada.

— Elisabeth não é minha esposa e não me importa se os homens


a olham boquiabertos.

— Acha que os homens olharão este pobre corpo? — Perguntou


com uma fingida inocência.

Ranulf a olhou entrecerrando os olhos.

— Está tentando me deixar com ciúmes?

— E se estiver?

— Então, direi que não deveria fazê-lo. Acredito que não


necessito ajuda para isto. Venha comigo, pois começaremos dentro de
pouco. Consegui um cavalo negro para você. Não se importa em não
montar um cavalo branco como as demais damas?

Lyonene sabia que não receberia nenhum elogio de sua parte.


Agarrou-o pelo braço coberto pela cota de malha.

240
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— A esposa do Leão Negro não pode montar um cavalo branco,


não ficaria bem para o resto de seu homem.

Os olhos de Ranulf brilharam enquanto a olhava e tocou os


broches dourados em forma de leão que fechavam seu manto, com
seus olhos cor de esmeralda perfeitamente combinando. Deu-lhe um
terno beijo na bochecha.

Os cavaleiros da Guarda Negra esperavam embaixo, estavam


resplandecentes, formados e preparados para o desfile. Hugo Fitz
Waren cavalgava primeiro, com sua cota de malha verde e o tabardo
negro com um leão negro correndo por um prado verde. O frísio e a
égua negra estavam preparados para Ranulf e Lyonene.

Quando Ranulf parou diante do cavalo de Lyonene tirou algo da


alça da sela de montar. Retirou o tradicional diadema de ouro da
cabeça de Lyonene e a lançou a um servo do castelo. Em seu lugar,
colocou uma coroa de ouro com esmeraldas e pérolas negras.

— Uma condessa não pode apresentar-se como uma simples


dama. — Disse, sorrindo para ela.

Lyonene tirou uma fita verde do cabelo e a atou no braço dele; a


seda ficava muito bem com a reluzente prata.

Ele ergueu-a no cavalo e Lyonene ajustou a perna na sela de


montar. O cabelo caía solto sobre os ombros e a saia roçando a
garupa do cavalo.

Dirigiram-se lentamente para seus postos na longa fila de


pessoas. Hugo Fitz Waren levantou o estandarte preto e verde de

241
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Malvoisin, o leão rosnando vivido contra o verde esmeralda do chão. O


tabardo negro formava redemoinhos contra a sarja verdes que cobria
seu cavalo.

Ranulf encabeçou a linha dupla que seguiam o lorde de sua


Guarda Negra. Tanto seu tabardo como as roupas que usava Tighe
eram de um negro intenso. Atrás dele se encontrava Corbet, com
roupas verdes e negras para seu cavalo. As cores se alternavam ao
longo de toda a fila. Lyonene estava totalmente vestida de verde, como
seu cavalo, e os homens que a seguiam também alternavam as cores.

Diante e detrás dela, ondeavam os estandartes do rei e de seus


condes. Destacava o unicórnio azul e dourado de lorde Dacre, os seis
leões do Humphrey de Bohun, as três coroas de Robert de Vere, as
marcas de sabres de John de Montfort e os três leopardos de
Edmund, o irmão do rei. As cores e as joias brilhavam, e os cavalos se
mostravam excitados e davam coices e empinavam ameaçando
atirarem ao chão seus cavaleiros.

Lyonene pensou em Brent. Sabia que estava com o grupo de seu


pai. Teria gostado de ter tido tempo para lhe fazer um traje com as
cores de Malvoisin.

A grande ponte levadiça de carvalho que conduzia as muralhas


do novo castelo estava baixado e começou o desfile. O ruído da
multidão que esperava dissipou todo pensamento enquanto os
cavaleiros se dirigiam ao campo. Durante várias semanas tinha
chegado gente de todas as partes: homens livres, servos cujos amos
estavam presentes nas celebrações, mulheres cuja profissão era o
entretenimento e mercadores, centenas de mercadores.

242
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Os cavaleiros que desfilavam se situaram em uma pequena


costa, que parecia viva com o movimento dos estandartes e das
bandeiras. Construíram-se dois grupos de bancos elevados, um a
cada lado da barreira, um para a nobreza, com um toldo de sarja com
raias vermelhas e brancas e outro para as damas e os cavaleiros de
grau inferior que entravam nas competições, com o teto aberto ao céu
da primavera. Em cada extremo do estreito campo se situavam as
tendas. Em um estavam às tendas dos desafiadores e no outro as
tendas para os recém-chegados. Lyonene viu o estandarte do Leão
Negro na zona dos desafiadores.

Atrás das cadeiras de madeira e das tendas estavam as


pequenas tendas e as carroças dos mercadores, cujas bandeirolas
eram muito perceptíveis. Entre a multidão que aplaudia, circulavam
muitos homens que levavam caixas, seguras com uma correia, que
continham comida, bebida, tecidos, relíquias de Santos,
medicamentos que garantiam curá-lo de tudo e objetos procedentes
de toda partes do mundo.

Parecia que as cercas não fossem suportar a enorme massa de


gente que queria ver os ricos trajes dos cavaleiros e das damas.
Quando Hugo Fitz Waren fez sua entrada pela porta e seu cavalo
começou a caminhar sobre o terreno da justa, coberto de areia,
alguém aclamou o Leão Negro. Lyonene estava especialmente
contente e sorria a todo mundo, mas um olhar rápido a Ranulf
mostrou que ele não respondia às ovações, de fato, tinha um aspecto
muito imponente com seu negro traje e suas costas erguida como
uma barra de aço.

243
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O grupo seguinte esperou que o conde de Malvoisin desse a volta


com sua esposa e seus cavaleiros ao redor do terreno da justa.
Lyonene tinha a impressão de que o público os aclamava mais forte,
mas em seguida se repreendeu, pois sabia que era seu estúpido
orgulho o que lhe dizia isto.

Deixaram o portão para atrás e entraram no terreno das tendas


no outro extremo da areia. Esta área também estava cercada, pois
estava reservada para o uso dos cavaleiros escolhidos pelo rei.

Havia três pavilhões que ostentavam as cores de Malvoisin, dois


para os homens e uma para Ranulf, o conde e a condessa de
Malvoisin entraram na maior.

Lyonene não pôde evitar recordar de sua dança quando viu a cor
creme do interior. Ranulf deixou de despir-se para observá-la. Então
se desenhou um sorriso no seu rosto. Começou cantarolar a canção
daquela noite.

Lyonene começou a rir.

— Acredito que já me perdoou por me haver escondido e ter


vindo a Gales.

— Eu disse que te perdoaria.

Ela não gostou da presunção de Ranulf.

— Deveria o pôr a prova.

— Não se atreva a fazê-lo. — Grunhiu, mas logo compreendeu


que Lyonene brincava.

244
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Brent entrou na tenda.

— Milorde, venho para ajudá-lo a se vestir. É apropriado que


uma dama esteja presente na tenda de um cavaleiro?

Lyonene estreitou os olhos, dando as costas a Ranulf que se


dirigiu ao menino:

— É uma honra, Brent. Todo cavaleiro que vai a uma batalha,


embora seja um simulacro, deve obter os favores de sua dama. Agora
venha e ajude a me preparar para o combate. Deve me pôr óleo por
todo o corpo.

Lyonene resmungou algo sobre como os pajens tinham as mais


deliciosas tarefas e se afastou quando Ranulf olhou para ela. Proferiu
um grito quando ouviu a voz da Berengaria e sua amiga entrou.

— Sempre quis ver esta tenda. — Tocou com os dedos a seda


das paredes. — Lorde Ranulf, acredito que hoje entra em combate.

— Sim. Pedi a Eduardo que fizesse oito taças de ouro, todas com
esmeraldas como prêmio.

Berengaria fez um gesto com as sobrancelhas para Lyonene, que


lhe respondeu com um sorriso.

— Milorde, é uma honra que duas damas estejam presentes? —


a voz de Brent soava exasperada.

Berengaria riu.

245
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É um de Lacy, sempre impaciente e mal educado. Escolheu a


um diabinho, Lyonene. Venha e procuraremos uma cadeira de onde
possamos ver o triunfo de seu marido.

— Pode se sentar com minha esposa na seção reservada para os


de Malvoisin. Não acredito que lhes seja difícil ver daí.

As duas mulheres abandonaram a tenda.

— Como é que as mulheres suportam tanta arrogância? —


olharam-se de uma à outra e puseram-se a rir.

Ranulf tinha razão, as cordas verdes e negras delimitavam uma


boa parte dos bancos em forma de degraus. Havia lugar para uma
dúzia de pessoas. Lyonene e Berengaria sentaram nas cadeiras da
primeira fila. Ainda faltava um bom momento para que começassem
os combates, assim compraram uma torta e bolos de queijo a um
mercador.

Os trompetes começaram a soar cortando o ar fez-se um silêncio


espectador. Os cavaleiros começaram a entrar desde ambas as partes
do terreno, vestidos unicamente com tanga. Lorde Dacre e seus cinco
homens causaram pouca comoção, o corpo de Dacre era de uma
suave cor dourada e seu peito estava coberto de um fino pelo loiro.

Quando Ranulf entrou no terreno da justa, seguido de seus sete


cavaleiros negros, Lyonene apertou com força o braço de Berengaria.

Berengaria exclamou:

— Agora vejo por que ama a este homem: é magnífico.

Lyonene sorriu com orgulho.

246
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

As prendas das mulheres das tribunas choviam sobre o campo:


flores, fitas, mangas de vestidos e túnicas. Ao seu redor, Lyonene
ouviu gritar os nomes dos homens da Guarda Negra, especialmente
os do Corbet e Maularde. Corbet agradeceu as ovações lançando
beijos e deu as prendas a um servo. Maularde só recolheu uma fita
que lhe tinham jogado e sorriu a alguém que se encontrava atrás de
Lyonene. Ela se virou e viu uma jovenzinha a quem, ao sorrir ao
guarda, lhe desenharam graciosamente as covinhas.

Ranulf fez a sua esposa um sinal com a cabeça e ela pôde ver
que tinha atado no braço a fita verde que tinha lhe dado.

— Travers nunca permitiria que homens assim estivessem perto


de mim. Não seria fácil escolher a um entre eles.

— Mas meu Ranulf é, com diferença, o melhor, não acha?

— Dizem que o amor é cego, mas certamente não é em seu caso.

Dacre não lutaria contra Ranulf, tal e como o Leão Negro tinha
esperado, embora tivesse gostado de ganhar de seu amigo, mas os
dois condes e seus homens desafiavam aos recém-chegados. Primeiro
lutavam os homens da guarda. Se algum dos recém-chegados
ganhava dos cavaleiros do rei, então deviam lutar contra Ranulf ou
lorde Dacre.

As batalhas começaram. Ranulf e Dacre observam enquanto os


cinco grupos de cavaleiros rodeavam uns aos outros. Seus corpos
lubrificados de azeite brilhavam sob o sol da manhã e as ovações do
público os inspiravam. Um dos homens de Dacre caiu, mas tentou

247
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

aguentar até que o oficial do rei o declarou derrotado. Lyonene viu


como Ranulf dava uma palmada efusiva no amigo.

Os três cavaleiros da Guarda Negra ganharam sem problemas os


três combates e Lyonene sabia que outros homens não poderiam ter
sido treinados na luta, como os homens de seu marido.

Os trompetes voltaram a soar e entraram onze homens para


desafiarem aos cavaleiros. Lorde Dacre e Ranulf observaram como um
dos recém-chegados, que tinha ganhado facilmente aos homens de
Dacre, era derrubado por Sainneville.

A segunda rodada também foi fácil de vencer, e Lyonene viu de


novo a petulância nos rostos de Ranulf e Dacre e os pretendidos
bocejos.

Os trompetes voltaram a soar e o terreno se esvaziou, mas já não


havia recém-chegados. Ranulf e seu amigo se ergueram quando os
trompetes começaram a bramar outra vez. As portas do fundo se
abriram lentamente e duas carroças tampadas foram levadas ao meio
do terreno.

Fez-se um grave silêncio entre a multidão e todos os olhares


estavam postos nas carroças, de conteúdo secreto. Dois homens
saíram correndo detrás e fizeram soar os trompetes; as sarjas das
carroças caíram sem revelar nada de seu interior. Os que carregavam
as carroças se baixaram ao chão e dois homens altos e fortes saíram
delas, com suas cabeças e seus corpos completamente raspados e
cobertos de azeite que davam um efeito muito brilhante. As carroças

248
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

foram retiradas rapidamente e os dois homens ficaram ali em pé, com


as pernas abertas e as mãos sobre os quadris.

— Viemos de Angilliam, somos os irmãos Ross e desafiamos


lorde Dacre e lorde Ranulf a lutar até que um dos dois grite: “Paz!”

O clamor da multidão foi ensurdecedor, um rugido que fez vibrar


as cadeiras. Berengaria começou a rir e a aplaudir e logo olhou para
Lyonene que sorria agradada.

— Parece segura do resultado desta luta.

— Ranulf vai ganhar, mas terá que lutar duramente para


consegui-lo. Estou contente de que não seja fácil receber as taças de
ouro.

— Oh, acredito que terá que fazer um esforço para ganhar


desses homens.

Ranulf rodeou ao enorme homem e Lyonene observou com


satisfação que seu marido o igualava em altura. O primeiro choque
levou Ranulf a cair de costas com um forte ruído. Lyonene viu seus
músculos em tensão enquanto tentava se livrar do homem, as pernas
travadas juntas e a pele escura de Ranulf bem visível. Desfizeram a
chave de pernas e voltaram a rodear-se, mas desta vez Ranulf
conseguiu agarrá-lo primeiro. Os braços de Ranulf rodearam o
pescoço do homem e Lyonene pôde ver as costas de seu marido
enquanto o outro homem se liberava. Os músculos tensos enquanto
se empurravam, cada um tratando de agarrar ao outro, usando sua
força para tratar de desfazer a pressão do outro. Ficaram de pé e se
agarraram pelos braços, puxando, empurrando com as pernas,

249
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

enquanto lutavam um contra o outro. Durante vários minutos


nenhum se moveu, se não fosse pelos músculos de seus pescoços
tensos como cordas e, os nós que formavam os músculos de suas
costas, pensava-se que o único que faziam era descansar.

— Ross está se cansando. Suas pernas começam a fraquejar,


mas Ranulf não parece cansado. Deve haver treinado muito para este
combate. — Disse Berengaria.

Lyonene só fez sorrir, pois toda sua atenção se dirigia a seu


marido e só podia imaginar a dor que sentia neste longo combate.

Romperam a chave de braço e a multidão aclamou, pois o


homem da cabeça rapada mostrava claros sinais de cansaço, e Ranulf
aproveitou para retomar o ataque.

— Lorde Dacre também está lutando bem, embora o outro Ross


é mais pequeno que o que luta com lorde Ranulf.

Os dois homens continuaram lutando até que Ranulf o fez cair


quando lhe bloqueou os tornozelos pelas panturrilhas. O homem não
pôde desfazer-se da chave de perna. O grito do “Leão” encheu o
ambiente quando o homem gemeu “Paz”. Ranulf ficou de pé e,
solenemente, ajudou ao homem calvo a levantar-se e a ficar de pé a
seu lado. Ele abandonou o terreno e Ranulf ficou ali mostrando o
triunfo. Só passou um momento até que lorde Dacre se uniu a ele e
juntos passeavam se vangloriando ao redor do campo.

Ranulf se deteve um instante diante Lyonene e ela deu um beijo


em uma fita e a lançou para ele. Ele a pegou em pleno voo enquanto
olhava para ela, um olhar que a fez ruborizar-se. Com a fita fez um

250
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

rolo e a meteu em um lado da tanga, com as pontas caindo por cima


de seu quadril e sua coxa. Ranulf sorriu com um lado da boca, um
sorriso quase lascivo. Lyonene cobriu o rosto com as mãos, enquanto
a multidão, os homens e mulheres que a rodeavam elogiaram seu
gesto. Ela não voltou a levantar o olhar até que ele saiu do campo.

— Você pode mostrar seu rosto novamente, porque ele se foi e os


trompetes soam para o jantar.

Uniram-se à fila de gente que começavam a abandonarem os


terrenos do torneio.

— Minha lady. Minha Lady Lyonene! — Se virou e viu Brent, sem


fôlego e com os olhos muito abertos. — É o cavaleiro mais forte!
Viram-no?

— Sim, o vi. — Lyonene não se dava conta de que a expressão


em seu rosto era a mesma do menino.

— Ordenou que vá vê-lo em sua tenda, pois vai jantar aí. Diz que
não deve vestir-se ainda, já que pode haver outros homens como os
irmãos Ross com quem terá que lutar. — Seu rosto se encheu de
pena. — Tenho que ir comer com meu pai.

Berengaria se pôs a rir.

— Temo que nosso pai seja um pobre substituto do Leão Negro.


Venha comigo, Brent, possivelmente poderá se conformar com meu
pobre Travers.

Lyonene se deu pressa em chegar à tenda de Ranulf. A princípio


não o viu, pois estava muito quieto estirado na cama de armar.

251
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Lyonene? — Sussurrou.

Lyonene se apressou a chegar ao seu lado.

— Ranulf! Está ferido!

— Estou mais que ferido, estou morrendo. — Foi sua apagada


resposta. — Não há uma parte de meu corpo que não esteja doendo.
Nenhum dos ferimentos de machado no meu braço e na minha perna,
nem os dois juntos, me causaram tanta dor.

Lyonene acariciou seu cabelo úmido de suor, com uma faísca de


risada na voz.

— Mas Brent disse que estava preparado para combater com


outro homem, é claro, um mais feroz do que acaba de ganhar. —
Lyonene pôs-se a rir ao ouvir seu gemido.

— Você é muito cruel. O que acha que diria o menino se me


visse como você me vê agora?

— Ao menos não acha que devo me sentir impressionada.

Ela puxou a fita verde que pendia de sua tanga e sua mão
instantaneamente cobriu a dela, mas não sem seu gemido de dor.

— Isto é meu. Ganhei e não me faça lutar de novo para mantê-


lo.

— Mmm! Não poderia nem sequer me chicotear agora.

Com seu braço, rodeou-a pela cintura e entre gritos e risadas,


atirou-a sobre ele na cama de armar. Pôs uma pesada perna sobre

252
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

suas coxas e um braço por cima de seus seios, seu rosto se


aconchegou contra sua orelha.

— Deleita-se em me causar dor. Primeiro devo me vangloriar


diante meu pajem e logo devo provar minha força a minha esposa.
Deite-se e não me atormente.

Lyonene fez como ele tinha ordenado e agradeceu sua


proximidade.

— Bom dia, meu lorde. — Os saudou Brent abaixo, nas escadas,


com cara solene.

Ranulf franziu o cenho para o menino.

— Sinto-me um pouco cansado esta manhã. Possivelmente


estaria disposto a me tirar um pouco de peso, até que cheguemos ao
campo de batalha. Desprendeu a larga espada.

Lyonene acreditou que as pálpebras do menino podiam virar-se


de tão abertos que tinha os olhos.

— Oh, milorde, não é esta a espada que utilizou para matar aos
infiéis na Terra Santa? — Sussurrou Brent.

—Sim, é esta.

— E como se chama?

253
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Challouns. Está aqui escrito na folha. Há uma lasca da cruz


verdadeira na bola de cristal do punho e dizem que essa esmeralda
veio da coroa de rei Artur.

Fazendo uma reverência, Brent sustentou a espada diante dele,


com sua cabeça para trás e os braços levantados. Lyonene e Ranulf o
seguiram e ela apertou seu braço.

— Você é muito amável com o menino. Agora vejo por que ele o
adora. Meu pai nunca passou tanto tempo com os pajens, nem com
seus escudeiros.

— Eu gosto de crianças. Possivelmente poderia me dar alguns.


— Olhou seu ventre de maneira significativa.

— Esteja seguro de que vou encher cada canto de Malvoisin com


filhotinhos de leão.

Ranulf sorriu com malicia.

— Se eu durar as noites exigidas de mim para isso.

Lyonene sacudiu o cabelo e se negou a responder, o que o fez rir


e lhe dar um beijo na bochecha.

No campo da justa, os bancos já estavam cheios e vários dos


membros da Guarda Negra ocupavam a seção reservada para o conde
de Malvoisin, ficaram de pé até que Lyonene se sentou. Falou com
cada um dos quatro cavaleiros e os felicitou por seu êxito nas lutas do
dia anterior. Corbet e Maularde estavam sentados à parte, cada um
junto a uma bonita jovem. Para sua surpresa, Hugo Fitz Waren
também estava sentado junto a uma moça.

254
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene deu uma cotovelada em Ranulf.

— Hugo é tão solene... não acreditava que fosse um...

Os olhos de Ranulf brilhavam.

— Nenhum de meus cavaleiros tem dificuldades em encontrar


uma mulher. Sentem-se muito honrados de pertencerem a Guarda
Negra. Apesar de que outros façam mais ostentação, Hugo tem
muitas mulheres que tentam apanhá-lo.

Lyonene se sentou junto a Ranulf, as coxas de ambos bem


juntos.

— Do mesmo modo em que eu lhe apanhei?

— Sim, do mesmo modo.

O som dos trompetes fez com que todos prestassem atenção ao


campo da justas coberta de areia. As provas de salto seriam pela
manhã, e consistiam em saltos de obstáculos e de grande distância.
Os cavaleiros de lorde Dacre começaram esta competição.

Os trompetes soaram de novo para anunciar que a comida


estava servida. Nesta ocasião, Berengaria se sentou à esquerda de
Lyonene e Ranulf a sua direita. Foram entretidos por três jovenzinhas
que tocavam e cantavam.

O rei Eduardo se levantou e todos fizeram um silêncio


respeitoso.

— Tenho um anúncio a fazer neste dia. Lutamos para conquistar


Llewellyn, e o conseguimos, mas todos conhecem a história de seu

255
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

irmão traidor, David. Quando foi capturado, sua família foi levada ao
castelo de Rhuddlan. Havia dois filhos e sete filhas. Demos os filhos
gêmeos de três anos, a meus cavaleiros para que os educassem. As
filhas e a mulher pediram que as levassem a viver com as monjas. À
mulher e a quatro das filhas o permiti. Agora tentei casar às outras
três. Uma se suicidou. — A multidão emitiu um grito afogado pelo
horror desse pecado mortal.

— A outra filha pude casá-la com sir John de Bohum. Alguns de


vocês poderão tê-lo... conhecido. A moça o matou durante sua noite
de bodas. — A sala ficou em silêncio absoluto, todos os rostos
expressavam horror.

— Agora espero evitar que a última filha desperdice sua vida. —


Se voltou para o homem que havia perto da porta e todo mundo olhou
para ele. Dois homens grandes e fornidos, vestidos com cota de
malha, entraram na sala acompanhados do som de correntes, que se
arrastavam atrás deles. A moça era muito pequena para que a
pudessem ver a princípio. Tinha a cabeça baixa e escondia o rosto,
mas seu cabelo negro caía em cascata sobre sua capa azul de veludo.

— Devem se perguntar por que tenho acorrentada a uma moça


tão pequena, mas já matou a um de meus homens e podem ver as
feridas que têm estes outros.

Lyonene se fixou nos sulcos que havia nos rostos dos homens,
onde a garota tinha arranhado com suas unhas.

Berengaria deu uma cotovelada em sua amiga.

256
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Se estivesse em seu lugar, — afirmou — eu teria feito o


mesmo. Acredito que os galeses não acreditavam que David fosse um
traidor.

— Chama-se Angharad, — prosseguiu o rei Eduardo — e a


ofereço em matrimônio a qualquer cavaleiro que esteja à altura de sua
posição.

Neste momento a garota levantou o rosto e a multidão lançou


uma exclamação de admiração por sua beleza. O cabelo negro
emoldurava um bonito rosto com um nariz diminuto e lábios
voluptuosos, mas eram seus olhos o que mais sobressaia, pois eram
de um azul radiante e vibrante. Agora ardiam de febre, e seu olhar de
desafio e desprezo era evidente para todo mundo.

Berengaria chamou a atenção de Lyonene para lorde Dacre,


sentado algumas cadeiras mais à frente. Olhava boquiaberto à moça,
e seus olhos ficaram frágeis como se tivesse perdido a razão. Lyonene
deu uma cotovelada em Ranulf para que observasse seu amigo.

— Dacre tem senso comum. — Ele sussurrou baixinho.

Enquanto ele falava, Dacre jogou sua cadeira para trás


provocando um ruído alto, quando caiu no chão, vários dos
convidados se sobressaltaram. Saltou por cima da mesa para a
mulher surpreendendo-a para que não pudesse reagir. Atraiu-a para
si com força, esmagando entre seus corpos suas mãos acorrentadas
enquanto seus lábios tomavam os dela.

Dacre se afastou com um grito de dor e todos viram a gota de


sangue em seus lábios.

257
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— No futuro se arrependerá deste sangue, mas lhe juro ante


Deus, que um dia me amará mais que a sua própria vida. Você é
minha!

Ela começou a soltar a gritos uma corrente de palavras em


língua galesa. Os silenciosos comensais se horrorizaram ao ver que
cuspia em Dacre. Este, entretanto, sorriu e esfregou seu queixo
molhado de cuspe contra o dela. A moça tentou mover seus braços,
mas não pôde.

Dacre se voltou para seu rei.

— Eu a reivindico em matrimonio agora, e se um padre não vier


logo, deitar-me-ei com ela sem que esteja casada.

De repente, rompeu-se a tensão do ambiente e todos se puseram


a rir.

O rei Eduardo fez um gesto com a cabeça para um homem que


se achava no outro extremo da mesa.

— Stewart! Prepare os papéis. Não há dote, já que seu pai


perdeu tudo por seus atos de traição.

Angharad investiu contra o rei, que se afastou, apesar de que


lorde Dacre a segurava com força.

— Meu pai não era nenhum traidor!

Pronunciou essas palavras com um tom estranho, ao tentar falar


em uma língua que não era a sua.

258
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Leve-a lorde Dacre. Não o invejo, procure que não o assassine


durante sua noite de bodas.

Dacre a ergueu nos braços, enquanto ela tentava desfazer-se


dele, mas sua tarefa era inútil, devido à força desse homem. Dacre
sorriu para o rei.

— Não tema por minha vida. Só é uma mulher que ainda não
conheceu a um homem. Esta noite conhecerá um que a domará.

A multidão rompeu em risadas e Dacre levou da sala à moça que


se debatia contra ele. Todos estiveram de acordo que nunca tinham
participado de uma refeição tão animada como essa.

— O que pensa agora de seu amigo? — Perguntou uma risonha


Lyonene a seu marido.

— Que Dacre sempre teve muito pouco senso comum com


respeito às mulheres. — Tomou sua pequena mão e a beijou. — Lutei
em duas guerras e não me importo em ter uma batalha constante.
Mas em meu próprio dormitório eu gosto de ter paz.

— E considera que nossos encontros são pacíficos?

A risada retumbava na garganta de Ranulf.

— Não, minha leoa, acredito que sua proximidade é tudo menos


pacífica. Se não fosse porque devo participar dos jogos de Eduardo,
gostaria de me juntar ao esporte que Dacre desfruta hoje.

Lyonene sentiu que se ruborizava e olhou a seu redor para ver


quem estava escutando. Lyonene voltou a pôr sua mão sobre sua
própria saia.

259
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— A julgar por nosso comportamento, haverá muitos que


pensarão que somos recém-casados. Depois de tanto tempo,
deveríamos estar cansados um do outro e começar a nos buscar
amantes.

Ranulf apertou seu pulso, causando dor.

— Não diga estas coisas!

— Ranulf, eu só fiz uma brincadeira. Não me machuque. Eu não


vou olhar para qualquer outro homem, eu juro. Não vê que estava
brincando?

Ranulf a soltou.

— Sinto se te machuquei, mas não posso rir de coisas como


esta.

— Algum dia me contará quem o machucou e lhe causou tanta


dor?

Ranulf olhou para outro lado, sem responder.

Estiveram em silencio durante o resto da refeição, mas para o


final, o bom humor de Ranulf havia voltado. Caminharam juntos para
sua tenda no final do terreno. Brent esperava impaciente por seu
lorde. Ranulf deu um beijo muito casto em Lyonene e esta foi
encontrar-se com Berengaria nas arquibancadas. Iniciou-se o
lançamento de lança. Cilbert de Clare, outro conde e o cavaleiro de
Robert de Vere, começou a prova.

Ranulf apareceu com um pequeno traje com as cores de


Malvoisin e fez uma demonstração do grande arco. Lyonene percebeu

260
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

que havia muitas exclamações de júbilo feminino perto dela.


Berengaria se pôs a rir ao ver o cenho franzido de sua amiga. O grupo
de servos e os homens livres não estavam presos às regras da
cavalaria, como os cavaleiros, e suas ovações pelas distâncias que
alcançava o novo arco eram ensurdecedoras, pois Ranulf era um de
seus cavaleiros favoritos. Ranulf os saudou, desfrutando de sua
adoração.

Depois da exibição, Lyonene acompanhou Ranulf à tenda.

— Eles gostaram de meus lançamentos? — Perguntou, sorrindo


astucioso para ela. — Brent está dividido entre as palavras de seu pai
e as de seu novo lorde. Acredito que verá as coisas a minha maneira,
não acha?

— Tenho certeza de que assim será, pois acaso não conseguiu


que eu também veja as coisas a sua maneira?

Aproximou-a dele e a beijou.

— Estou mais satisfeito por tê-la ganhado que ao pajem. Você


gostaria de esquecer do jantar e ficar em minha tenda? — Sossegou
seus protestos com os lábios, e tudo o que Lyonene pôde fazer foi
submeter-se, enquanto a boca dele se dirigia lentamente para seu
pescoço.

Fizeram amor tão apaixonadamente como se fizesse meses que


não estavam juntos. Mais tarde, Lyonene e Ranulf descansaram
deitados um junto ao outro, nus e satisfeitos.

261
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Você me enfeitiçou. Como ganharei a justa amanhã se minha


mente não deixar de pensar em você? — Disse ele.

— Não me importo se entrar na justa ou não. Fica comigo todo o


dia e olharemos dos degraus.

Agarrou-a pelos ombros e a afastou dele, olhando-a com o cenho


franzido.

— Desonrar-me-ia. O Leão Negro deve lutar, porque se não


perderia aos homens que o seguem. — Mudou de assunto. — Me
pergunto como irá Dacre com sua nova esposa.

— Você a achou bonita?

— Muito bonita.

— Mais que eu?

— De longe. Você é uma lesma comparada a ela. — Ranulf só riu


quando Lyonene lhe deu um golpe no peito.

No dia seguinte, Lyonene despertou cedo e se voltou lentamente


para olhar Ranulf enquanto dormia ao seu lado. Tinha uma das mãos
enrolada em seu cabelo e a outra segurando firmemente sua cintura.
Lyonene sorriu pensando que nem sequer quando dormia, deixava-a
solta.

— Parece-me que me têm preparado alguma bruxaria esta


manhã.

— Não, só estou o olhando. — Se aproximou dele, colocando


suas mãos ao redor de seu pescoço. — Voltaremos logo para casa?

262
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Acredito que está tão cansada da corte como eu. Voltemos


para casa amanhã. — Ela deu-lhe um beijo rápido. — Estou ansioso
pela a viagem. — A atirou em cima do colchão e ficou em cima dela.
— E que entretenimento têm preparado para quando voltar? Embora
não poderia igualar a dança.

Lyonene lhe lançou um olhar perverso com seus olhos cor de


esmeralda. Com suas mãos percorreu todo seu corpo até que
encontrou o que procurava.

— Não acha? — sussurrou Lyonene antes que as palavras lhe


escapassem.

No campo de justa, Lyonene olhou com temor aos competidores


de Ranulf. Ele levava uma esplêndida cota de malha prateada, com
sua faixa, a cópia do cinto de leão atada ao elmo. Permitia-se levar
um máximo de três por cada homem. O som ensurdecedor dos cascos
dos cavalos, as lanças estilhaçadas, as ovações e zombarias da
multidão eram avassaladores. O homem seguro de si mesmo, sentado
sobre seu cavalo negro era um estranho para ela. O sorriso tinha
desaparecido, o homem sorridente com quem tinha passado tantas
horas de prazer dava lugar a esse rosto intenso e escuro de campeão
do rei, o Leão Negro. Não se fixou no temor que infundia a tantos
homens.

A justa não se deteve quando chegou a hora do almoço; ao


contrário, os servos trouxeram comida às arquibancadas e os

263
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

espectadores comeram e beberam com entusiasmo enquanto


ovacionavam seus preferidos. Lyonene não pôde evitar sentir-se
orgulhosa de que nenhum dos cavaleiros de Malvoisin tivesse sido
derrotado.

Os cavaleiros mercenários pediam grandes somas de dinheiro


para o resgate dos homens que derrubavam, e mais de um pobre
cavaleiro perdeu grande fortuna esse dia. Em várias ocasiões,
Lyonene viu Brent cheio de júbilo, sujo e cansado.

Lady Aleen, a mãe de Brent, foi expressar seu agradecimento por


ter acolhido a seu oneroso filho. Lyonene ria enquanto ela relatava os
contos do moço sobre lorde Ranulf e referia sua completa adoração
pelo cavaleiro.

Já era tarde quando as justas terminaram. Lyonene e


Berengaria riram ao observar que algumas moças só vestiam suas
túnicas, pois tinham tirado todos os adereços para lançá-los como
prendas a seus cavaleiros favoritos. Começaram a desmontar as
tendas e as duas mulheres se dirigiram de volta ao castelo.

Lyonene ouviu o som da água quando abriu a porta de seu


dormitório. Ranulf estava submerso em uma grande banheira cheia
de água fumegante.

— Venha aqui e me lave as costas. Estou contente de poder me


ocupar de outras coisas agora. Não têm medo de molhar sua roupa?
Não penso somente nas mangas. — Ranulf sorriu maliciosamente.

Em poucos minutos, Lyonene se encontrava com Ranulf dentro


da banheira, a água caindo pelos lados.

264
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Riram enquanto passavam os dedos ensaboados por todo o


corpo, explorando lugares sensuais.

Duas pessoas muito limpas se uniram a outros convidados para


o jantar do final do torneio.

O falcoeiro principal de Eduardo havia trazido vários falcões à


sala e, depois dos dois pratos principais, soaram os trompetes. Da
cozinha trouxeram doze enormes bolos, cada um levado por dois
meninos. Quando os cortaram, saíram vários pássaros voando do
interior e o bater das asas encheram o salão. Os aplausos e as
zombarias da multidão ainda acrescentaram mais confusão. Os
falcões desciam para caçar aos pássaros enquanto os convidados
cobriam as cabeças com os braços e desfrutavam do espetáculo.

Momentos mais tarde retiraram os pássaros, mas a excitação


ainda estava presente. Apareceram bailarinas e as brincadeiras e os
gritos começaram a ser mais fortes e mais grosseiros.

Lyonene tinha tomado muito vinho e a cabeça começava a dar


voltas. Pediu um pouco de água para diluir a embriagadora bebida.

— Me escute, milorde Ranulf, dê a sua esposa um pouco de


água.

Os olhos do rei Eduardo cintilaram enquanto dava uma jarra de


prata a seu conde. Ranulf duvidou um momento, mas depois sorriu
com malicia a seu rei.

— Entendo o que quer dizer. Possivelmente um pouco de água


ajudará.

265
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O vinho aguado não pareceu muito mais suave para Lyonene,


mas o enjoo não era desagradável. Olhou Ranulf e pareceu esquecer a
presença de outros. Um movimento rápido captou sua atenção e viu
que um cavaleiro tomava a uma das bailarinas e lhe rasgava a túnica,
afundando seu rosto em seus grandes peitos.

Lyonene sentiu que todos seus sentidos ardiam. Passou sua


língua pelos dentes, apreciando o quando afiados eram. Sentia um
formigamento nos dedos e estes pareciam mais sensíveis que nunca.
Estudou o perfil de Ranulf e se sentiu incrivelmente faminta de provar
sua pele debaixo de sua boca. Nunca havia se sentido tão estranha.

— Warbrooke! Cuide de sua esposa. Acredito que a “água” de


nosso rei não saciou sua sede. — Gritou alguém entre o enorme
estrondo.

Ranulf voltou atônito seus olhos para sua esposa e viu um


grande sorriso. Levantou seus dedos para beijá-los. Ficou sério
quando ela passou um dedo por seus lábios. Ranulf não duvidou.
Agarrou-a nos braços, ignorando as gargalhadas atrás dele, e a levou
para seu dormitório.

Mais tarde, Lyonene não se lembrava com muita claridade de


todos os acontecimentos dessa noite. Pareceu-lhe que de repente
estavam nus na cama. Lembrou-se que lutou contra Ranulf e que este
a deixou ganhar. Ao final, ficou satisfeita quando pôde percorrer
avidamente a boca por todo seu corpo. Quando ele tentou aproximá-
la, ela o rechaçou até que não esteve pronta para ele.

266
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ela gemia e ria, porque sabia que tinha poder sobre ele, porque
sabia que era a única que tinha ganhado do Leão Negro. Passou suas
mãos por todo seu corpo, utilizando as unhas e explorando cada
centímetro dele.

Quase com violência, ele a deitou a seu lado. Fizeram amor de


maneira incontrolada, turbulenta, com ondas de uma furiosa
tormenta que rompiam, relâmpagos que causavam incêndios,
enquanto ela passava suas unhas pelas costas e pelo interior das
coxas.

A tormenta terminou com a mesma violência com a que tinha


começado. Separaram-se sem falar, sem tocar-se, satisfeitos, e
dormiram imediatamente.

267
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 11
À manhã seguinte Lyonene tratou de aliviar sua dor de cabeça,
mas as brincadeiras de Ranulf não ajudavam. Olhava para o outro
lado quando este a provocava por seus atos da noite anterior. Sentia
que o estômago dava voltas quando Ranulf a tirou da cama e a
segurou firmemente contra ele.

— Eduardo gosta muito destes truques. Deu-me vinho branco


para diluí-lo no tinto. E devo agradecer, porque os resultados foram...
— Lhe mordeu o lóbulo da orelha. — Não há um centímetro de pele
em minhas costas. Como explicarei estas feridas a meu pajem?

Lyonene podia notar o sangue quente que subia a seu rosto e


evitou olhar esses olhos zombadores.

— Mmm, minha leoa. — Ele enterrou seu rosto em seu pescoço.


— Me arrependo do tempo que perdemos. Sei que não se encontra
bem, mas está muito doente para começar a viagem de volta a
Malvoisin?

Apesar de sua dor de cabeça e de estômago, conseguiu sorrir


timidamente e sussurrou:

— Sim, estou pronta para voltar para casa.

Era tarde do dia antes que pudessem iniciar a viagem. As


roupas, a comida, as armas e armaduras, as tendas, devia colocar-se
tudo nas carroças, Maude e as outras duas mulheres de Malvoisin se

268
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

despediram. Lyonene lamentava ter que deixar Berengaria, mas


ambas intercambiaram promessas de visitas futuras.

Brent olhou sua mãe com tristeza, mas todo sinal de pesar
desapareceu quando Ranulf apareceu com um robusto pônei negro no
pátio e entregou as rédeas a seu novo pajem. Henry de Lacy sorriu e
acusou Ranulf de estar estragando o menino, mas Ranulf afirmou que
tratava a todos seus homens com honra, como mereciam. Lyonene
escondeu seu sorriso ao ver o solene rosto desse menino de seis anos.

Com um rápido olhar a Guarda Negra, viu que Corbet e


Sainneville estavam em pior estado que Lyonene. Ranulf deu umas
fortes palmadas nas costas dos dois homens e lhes perguntou se não
acreditavam que fazia um dia esplêndido. Piscou o olho para Lyonene,
que não podia entender que graça tinha essa brincadeira já que seu
próprio estômago se negava a ficar quieto.

A viagem de volta a Malvoisin transcorreu lentamente


demoraram uma semana inteira. Não pernoitaram em nenhum
castelo e preferiram montar suas tendas e passar as noites protegidos
somente pelo fino tecido que os separavam do ar quente da
primavera. Passearam frequentemente agarrados pela mão entre as
árvores, rindo, beijando-se e apreciando-se.

Do momento em que cruzaram com o navio para ilha de


Malvoisin, Lyonene sentiu uma forte excitação. À primeira visão das
bandeirolas, ela e Ranulf intercambiaram olhares e sorrisos secretos,
apertaram o passo com seus cavalos. Lyonene se inclinou para tocar
as mãos que lhe eram oferecidas.

269
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Tão somente houve um ponto negro em sua feliz volta para casa:
a visão de um cavaleiro que os observava, meio escondido nas
paredes dos estábulos. Ela se lembrou de tê-lo visto uma vez antes,
durante uma guarda. O cavaleiro lhe dedicou um sorriso malicioso e
ela se virou imediatamente.

Ranulf desceu Lyonene de seu cavalo, mantendo as mãos na


diminuta cintura de Lyonene. Levantou-a no alto um momento e,
olhando-se nos olhos, sorriram-se.

— Milady, retornou! Quase morro de medo por estar tão longe.


— Lucy caminhou como um pato para sua ama.

— Suas preocupações não parecem ter afetado o seu apetite. —


Sussurrou Ranulf, ao ver que Lucy tinha ganhado peso.

— E toda esta bagagem! Parece que alguém a ajudou em sua


malvada conspiração. — Acrescentou Lucy apontando com a cabeça a
serva, Kate, que sorria.

Lyonene sabia que, apesar das palavras de Lucy, esta nunca


seria mesquinha nem com Kate, nem com ninguém. A velha mulher
se virou para Ranulf pela primeira vez.

— Parece que ao final recuperou a razão. — Disse entre soluços,


vendo a cumplicidade entre eles.

Ranulf não sorriu, mas Lyonene viu uma expressão divertida em


seus olhos.

270
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Se está falando desta leoa, não tive escolha. Passou horas


inteiras procurando uma maneira de me seduzir. Os homens têm um
limite de resistência.

— Ranulf! — Lyonene o olhou horrorizada.

Lucy os olhou de um e a outro, com o semblante sério.

— Disse-lhe que assim o fizesse. Uma mulher não deveria


depender das frequentes mudanças de um homem para obter o que
ela quer.

Lyonene não podia falar, de tão envergonhada que estava.


Ranulf sorriu com malicia e tomou a mão de Lyonene para aproximá-
la dos seus lábios, sempre olhando a Lucy.

— Agora obteve o que queria. Mas não foi fácil para mim, todos
os dias e todas as noites. — Ignorou o grito de Lyonene, segurou
firmemente sua mão contra ele.

Lucy sorriu zombeteiramente.

— Mas o certo é que parece que seus desejos se alinharam bem


com os seus.

Lyonene sacudiu a mão com força e conseguiu livrar-se de


Ranulf.

— Não vou permitir que falem de mim como de uma serva de


taberna!

Manteve a cabeça erguida e se dirigiu para a porta de Black Hall.


Teve que fazer uso de todas suas forças para evitar perder a

271
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

compostura quando ouviu que Ranulf dizia algo sobre... “a melhor


serva de taberna que jamais tive” e justo depois a risadinha de alegria
de Lucy.

Brent, que já não podia conter mais sua excitação por estar
nesse grande castelo, passou correndo ao lado de Lyonene. Ela estava
contente de poder ensinar ao menino a beleza de Malvoisin, e
observou de novo a maravilha dos vitrais, tapeçarias e tapetes.

O dia passou ouvindo os informes dos acontecimentos dos quase


dois meses que tinham estado fora. William de Bee, assistente,
contou-lhes os problemas do castelo de Gthen, em Dower para
Lyonene. Ao que parecia, um vizinho pretendia que uma grande
parcela das terras lhe pertencia. Ranulf enviou William e a seis
cavaleiros de suas tropas para tratar o assunto.

Para Lyonene, os dias se alargavam e passavam em uma efusiva


felicidade. Ela e Basset, o jardineiro, trabalhavam para encherem o
Jardim da Rainha com rosas, lírios, malmequeres, papoula
narcisistas e muitas outras ervas. Cerejeiras, macieiras e pêssegos
cobriam os muros. Nas noites cálidas, ela e Ranulf se sentavam junto
à fonte e conversavam ou cantavam.

Ranulf passou quase duas semanas ocupando-se de seus outros


feudos. Quando voltou, o encontro dos dois esposos foram momentos
cheios de felicidades. Passavam muitas horas na sala de repouso,
bebendo da mesma taça e contando histórias, o que tinha ocorrido
enquanto tinham estado separados.

272
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

No fim de julho, estavam um dia sentados na sala de repouso


enquanto Brent cochilava sobre um tapete, aconchegado junto ao
cachorrinho que Ranulf lhe tinha presenteado, quando um servo
entrou com a notícia de que havia um incêndio no povoado. Ranulf se
dirigiu para ali imediatamente, com Brent o seguindo muito de perto.

Já era tarde quando a Guarda Negra voltou com seus corpos


enegrecidos pela fumaça.

— Não pudemos salvar as casas, mas todos vivem, embora haja


alguns com queimaduras. Poderia cuidar deles? — Perguntou Ranulf
com voz cansada, enquanto os homens se dirigiam para o rio para
lavar-se.

A luz do dia viu um lorde e sua senhora não tinham podido


dormir por toda a noite. Subiram as escadas agarrados de braços
dados e com os olhos virtualmente fechados.

— Aqui está. — Lucy deu a Lyonene uma cesta que ela recolheu
com um movimento lento.

— Ninguém vai deixar você dormir aqui. Logo todo o povo do


castelo estará acordado, William terá um problema que necessitará
uma solução urgente, Basset necessitará a ajuda de sua senhora...
Devem partir. Preparei-lhes comida e esse seu cavalo malvado está
selado, assim partam. Não lhes quero ver até que caia a noite.

Encolhendo-se os ombros, Ranulf estremeceu de cansaço.


Passou a mão pelas costas de Lyonene e lhe beliscou o traseiro,
sorrindo com malicia quando ela deu um salto.

273
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Lucy, me roubou o coração. Estou tão contente que nem


sequer me incomodarei em defender o ultraje ao Tighe. Vamos leoa,
conheço uma clareira que você gostará.

Agarrou-a pela mão e puxou-a para a porta. Lyonene só teve um


instante para lançar um sorriso de agradecimento a Lucy.

A clareira provou ser mais bonita do que Ranulf tinha


prometido. Estavam a salvo de olhares indiscretos e o terreno era
suave, coberto de musgo e pequenas flores rosa.

Lyonene só vestia sua túnica de linho e Ranulf a tanga. Ele se


apoiou em uma árvore e Lyonene aconchegou suas costas contra o
peito de Ranulf, cujos braços a rodeavam.

— Já não é infeliz por haver se casado comigo? — Perguntou ela.

— Nunca fui infeliz.

Ela sorriu e se aproximou mais dele, passando uma mão por sua
coxa.

— Está contente com o Brent?

Ranulf, levantando uma sobrancelha, virou-a para ela para que


esta o olhasse.

— A que vem tanta pergunta? Há algo que a desgoste? — Ela


apoiou-se nele.

— Não. Sou feliz. Mas queria saber como se sentia com respeito
a mim e em relação aos filhos.

Ranulf soprou.

274
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Você é uma carga pesada, mas os homens devem acostumar-


se a suas esposas. Por isso e com relação aos filhos, pelo menos ao
Brent, a cada dia eu gosto mais do menino. O irmão Jonathan disse
que é muito inteligente e que já sabe escrever seu nome. Corbet o
esteve ensinando a...

Deteve-se de repente e voltou a virá-la para que o olhasse, com o


cenho franzido.

— Por que me faz estas perguntas?

Lyonene colocou a mão em seu peito e começou a rir.

— Você me machucou! — Ele a soltou tão rapidamente que


quase caiu para trás. — Ranulf, não sou sua inimiga para que me
olhe com essa cara. Como resposta, lhe direi que tenho curiosidade.
— Lyonene sorriu secretamente e sentiu que Ranulf se tranquilizava.
— O que acreditava que queria dizer, milorde?

Ranulf inspirou profundamente e logo suspirou, totalmente


relaxado.

— Você me assustou, é tudo. Pensei, por um momento, que você


queria dizer que levava uma criança.

— E se essas fossem as minhas palavras?

Ele a apertou novamente e depois relaxou.

— Me obrigaria a suportar esta notícia com a coragem que cabe


a um cavaleiro e a um conde.

275
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene estava contente de que não visse a expressão de seu


rosto.

— E de que coragem está falando? Não vejo grande façanha para


um homem criar um bebê.

— Não se trata de criá-la, mas sim da responsabilidade eterna.


Um filho é uma empreitada muito séria.

— E você suportaria a notícia com a gravidade que cabe à


ocasião?

Se ele pudesse ter visto seus olhos, não teria caído em sua
armadilha tão facilmente.

— Sem dúvida nenhuma. Depois de tudo, estou contente de que


não esteja grávida, pois não tive tempo de pensar nos deveres que
correspondem a um... pai.

Lyonene percebeu encolher seu coração.

— E o que me diz de sua filha? — Perguntou-lhe. Ranulf ficou


calado por um momento.

— Então era jovem e... — Fez uma pausa. — Não falemos mais
disto.

Lyonene se virou para ele.

— Mas meu esposo, devemos falar disto, pois no Natal lhe darei
o mais especial dos presentes.

Ranulf sorriu.

276
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E dê que pode tratar-se? Não há nada que não tenha.

Lyonene sacudiu a cabeça.

— Possivelmente pedirei ao irmão Jonathan que lhe dote de um


novo cérebro, não poderia ter menos substância do que este que usa
agora.

Ranulf franziu o cenho e ficou completamente pálido e com os


olhos totalmente arregalados.

Ela olhou para as mãos.

— Por favor, não me diga que está aborrecido. Acredito que não
poderia suportá-lo.

Sentaram-se em silencio um tempo, que pareceu horas, e então


Ranulf levantou seu queixo com as pontas dos dedos. Poderia ter
jurado que essa mão masculina e forte, a mão do Leão Negro, o
campeão do rei, tremia. Seus olhos tinham uma estranha expressão.

— Isso é verdade? Leva a meu filho no ventre?

Ela assentiu, não muito segura do que via em seu rosto. Ranulf
deixou cair à mão, levantou-se como um raio, e, com as pernas
separadas e as mãos nos quadris, levou a cabeça para trás e lançou o
grito de guerra mais forte, terrível e aterrorizante que jamais se ouviu.
Lyonene tampou os ouvidos para proteger-se desse alarido espantoso
que fazia tremer todo seu corpo.

O bramido seguiu e se propagou até muito longe, e aqueles que


o ouviram também se estremeceram desse som, que jamais se
escutou fora do campo de batalha.

277
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene permanecia sentada, quieta com suas mãos nos


ouvidos quando Ranulf se voltou para olhá-la. Levantou-a para
esquadrinhar seu rosto e lhe deu um beijo forte na boca.

— Com isto posso entender que a notícia não o desgosta?

Agarrou-a nos braços.

— Nenhum homem jamais foi tão feliz.

— Já não pensa nas responsabilidades e nas obrigações? —


Brincou Lyonene.

— Terminou sua diversão de zombar de mim. Primeiro eu


gostaria de um filho e depois um monte de filhas. Necessitarei a um
rapaz que me ajude a proteger as minhas bonitas filhas. E nunca
permitirei que se casem, sempre ficarão comigo para trazerem minhas
botas e me servirem vinho. — Fez uma pausa. — Tenho certeza de
que Eduardo se desapontará um pouco com isso.

— O que tem que ver o rei com nosso filho?

— Se nascer no Natal, então significa que foi concebido na Mesa


Redonda. — A olhou com ironia. — Meu pobre cérebro sempre foi bom
em aritmética e não em adivinhações de mulher. Eduardo dirá que foi
o vinho branco que me deu para misturar com o tinto. Certeza que
todo mundo estará de acordo, pois não tinha um aspecto muito
saudável quando a transportei do salão.

— Não me transportou!

— Claro que o fiz. Aclamaram-me e me sugeriram o que era que


eu devia fazer depois, mas temo que você superou todas as

278
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

expectativas de qualquer homem. Sim, tenho certeza de que nessa


noite fiz meu filho. — Ranulf começou a rir quando Lyonene lhe deu
um murro no peito. — O que dirá nosso filho de uma mãe que bate
em seu pai?

— Certamente fará o mesmo que eu, ou terei a sorte de ter em


meu ventre a um fanfarrão como você. Os primeiros passos dará
como um fantoche e suas primeiras palavras serão pura ostentação.

Ranulf rompeu em risadas e a abraçou.

— Então, têm que me dar filhas, pois do contrário, quem a


escutará?

— Tenho certeza de que você, sim, encontrará a alguém.

— Isso é certo, mas todas se desfazem em êxtase e elogios para


mim. Nenhuma outra mulher me obriga a fazer tantos esforços para
causar boa impressão ou me bate quando vou muito longe.

Lyonene riu com ele e lhe rodeou o pescoço com os braços.

— Vou dar-lhe tudo o que desejar. — Se beijaram com ternura.


— Está contente, feliz de verdade?

Ranulf mordiscou sua orelha.

— Você é difícil de convencer. Não há nada que possa dizer para


que entenda. Estou ansioso por este primeiro filho. Agora eu gostaria
de voltar para o castelo, colocá-la na cama e ir alardear diante meus
homens.

279
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Me solte e não seja tão bobo. Estou bem, e a força de que faço
a cada dia flui para este menino.

Deixou-a no chão com cuidado e pensou em suas palavras.

— Não sei... Lucy e Kate lhes cuidarão e evitarão que esbanje


essa força que você diz. Vista-se e voltemos. — Abriu os olhos
perplexo. — Pode montar?

Lyonene manteve o rosto perfeitamente calmo.

— Não, deveria caminhar até o castelo.

Ranulf estreitou os olhos.

— Não seja descarada, moça. Tenho maneiras de castigá-la que


não fará mal à criança.

Lyonene sacudiu o cabelo sobre um ombro.

— E como vai fazê-lo milorde?

Agarrou-a pelo braço e muito seriamente começou a fazer


cócegas até que ela gritou. Caíram juntos no chão e Ranulf ignorou
suas súplicas de piedade. A túnica ficou presa debaixo do joelho de
Ranulf e se rasgou, deixando seus seios a descoberto. Seus cuidados
se converteram em desejos de vingança.

Fizeram amor com suavidade e ternura, a celebração para a


notícia que os unia, ambos conscientes do que tinham criado uma
nova vida para alegria deles. Em estado de êxtase sensual, ficaram
adormecidos sobre o campo, rodeados de flores, a água que corria, o
zumbido preguiçoso dos insetos e a suave e cálida brisa do verão.

280
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene se sentou tranquilamente na sala de repouso e


começou a costurar um novo tabardo para Ranulf. O ruído da Guarda
Negra procedente do grande salão a fez rir, pois as zombarias soavam
cada vez mais fortes. A camaradagem entre seu marido e seus
homens era uma amizade verdadeira, construída depois de anos de
guerra, batalhas, dor e alegria, e podia supor, também de um
pequeno número de barris de vinho.

Estava estendida na cama quando Ranulf retornou, despiu-se


ruidosamente e se atirou sobre o colchão a seu lado. Aproximou-a
dele, como se fora uma boneca de trapo e lhe acariciou o ventre
endurecido. Deu um gemido de satisfação e adormeceu, com a cara
coberta pelo cabelo de Lyonene.

Ao final de duas semanas, começou a tormenta. Despertaram


sob um céu cinza, com relâmpagos a distância e o ar úmido.

Ranulf saiu com seus cavaleiros ao pátio e estudaram esse


tempo pouco prometedor.

— Acredito que deveríamos começar a preparamo-nos. — Se


virou e viu o rosto preocupado de Lyonene. — Na ilha de Malvoisin
sempre há tempestades terríveis e acredito que esta será uma das
piores. Meus homens e eu devemos alertar às pessoas do povoado.
Veja se tudo dentro das muralhas esteja seguro, não tenho vontade
de ver tábuas voando pelos estábulos entre as cavalariças. Designe

281
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

um menino para que fique com cada cavalo e o acalme. Encontre


William e lhe dê minhas ordens.

— Lorde Ranulf, estou aqui, comecei os preparativos. Estão


fechando as venezianas com pregos. — Pela voz de William podia se
notar que não necessitava de ninguém lhe dando ordens.

Ranulf só assentiu com a cabeça e partiu.

Os sons habituais do castelo se transformaram em um silêncio


inquietante. Todos pareciam caminhar nas pontas dos pés e falavam
em sussurros. O mestre carpinteiro e o aprendiz carregavam a caixa
de ferramentas por toda parte para fixar com pregos as tábuas que
apareciam soltas. Como os cavalos notavam que a tempestade estava
chegando, começaram a se mostrarem nervosos e assustadiços, e os
moços tentavam tranquilizá-los.

Os cavaleiros das tropas cuidaram das pilhas de lenha e do


armazenamento de comida na torre de pedra. Levaram para o interior
da torre artigos de couro, tecidos e animais. Esvaziaram
completamente os pátios e passarelas para evitar que a chuva se
misturasse com a sujeira e se convertesse tudo em um esgoto a céu
aberto.

As primeiras gotas de chuva caíram pela tarde.

— Lady Lyonene, deve me seguir. Lorde Ranulf me ordenou que


não ficasse fora quando a chuva começasse a cair.

Kate, que tomava muito a sério suas responsabilidades como


donzela de Lyonene, quase puxou forte sua ama para a segurança da

282
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

torre de pedra. Dentro da torre estava tudo escuro, as janelas


completamente fechadas.

— Hodder, por favor procure que o fogo esteja aceso na sala de


repouso, e levem toalhas e roupas para lorde Ranulf e Brent. Estarão
muito molhados quando retornarem. Procure que Dawkin tenha
comida e vinho quente.

— Sim, milady.

Enquanto Lyonene subia as escadas, a tempestade piorou. O


som do trovão retumbou sobre suas cabeças e sentiram o relâmpago
em lugar de vê-lo. Pensou em Ranulf, Brent e os cavaleiros da Guarda
Negra que estavam fora e estremeceu.

A sala de repouso estava quente e seca, mas cada golpe furioso


do vento trazia uma nova preocupação a seu rosto. Era impossível
olhar para fora, porque as venezianas estavam fechadas para o
exterior, protegendo os preciosos vitrais.

— Não posso trabalhar nisto! — Disse Lyonene deixando de lado


a costura. — Por que não voltam? Vá perguntar a alguém se soube
algo. — Disse a Kate.

— Milady, acabo de fazê-lo A ilha é grande e eles devem ver a


muitas pessoas. Todas as torres de vigia devem estar acesas.

— O que é isso? Por que devem acender uma luz?

— Para avisar aos navios da ilha. Há muitos naufrágios na Ponta


de St. Agnes.

— Naufrágios? — Perguntou com calma e voltou a sentar-se.

283
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim. Por isso os homens, os cavaleiros de lorde Ranulf, têm


que ir ver se houver sobreviventes.

— Por que ele deve ir? Acaso não há outros homens?

— Oh sim, milady, mas não há homem mais honesto que lorde


Ranulf. — Kate viu que Lyonene não entendia o que dizia, assim
começou a explicar. — Se trata da lei que diz que qualquer um que
encontre um navio sem sobreviventes pode ficar com seu
carregamento. Embora, se só uma única pessoa sobreviva, a essa
pessoa pertence todo o carregamento, não aos que o encontram.

— Ainda não vejo em que isto afeta ao meu marido.

— Muito frequentemente, os que encontram o navio matam aos


sobreviventes em lugar de abandonar o botim. Lorde Ranulf vai
comprovar que ninguém cometa um assassinato.

— Oh! — Se inclinou para trás e meditou nas palavras de Kate.


— Mas não é perigoso ir durante uma tempestade socorrer a essas
pessoas que estão se afogando?

— Oh sim, é muito... — Kate se deteve quando viu o olhar de sua


senhora. — Lorde Ranulf só dá as ordens. Não é perigoso para ele. Há
outros homens que sabem utilizar um navio e vão procurar às
pessoas. — Mentiu Kate.

Lyonene se sentiu aliviada pelas palavras da moça, mas não o


suficiente para continuar costurando.

— Acha que hoje houve um naufrágio?

284
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não, teríamos ouvido algo se tivesse ocorrido, apesar da


tempestade.

As horas passavam muito lentamente e Lyonene não deixava de


dar voltas em frente às janelas, esquecendo-se que estavam fechadas.
Ouviu ruídos e correu para as escadas para encontrar-se com uma
absoluta escuridão.

Já era muito tarde quando, desta vez sim, ouviu o inconfundível


som de portas se abrindo e de pessoas falando. Seus pés mal roçavam
os degraus enquanto se precipitava para baixo. Correu para Ranulf,
sem se importar com suas roupas molhadas. Ele a agarrou em seus
braços, dando-se conta dos fortes batimentos do coração de Lyonene.

— Bom, estou aqui quase afogado e ainda me quer molhar mais.


— Beijou suas pálpebras cobertas de lágrimas. — Deixe que me
aproxime do fogo, pois o frio e a umidade impregnaram em meus
ossos.

— E Brent? Onde está? — Perguntou.

— Corbet o levou. Suas mulheres se ocuparão dele.

Ela não pôde evitar sentir uma pontada de ciúmes. Ranulf se


deu conta em seguida.

— Não têm suficiente comigo? Deixa que fique aqui congelado e


que me converta em gelo? Deveria ter seguido meu pajem?

Lyonene sorriu e o puxou para as escadas, onde pediu que Kate


se retirasse. Rapidamente, ajudou Ranulf a tirar as roupas ensopadas
e o esfregou com toalhas secas.

285
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Hodder trouxe roupa limpa, sandálias forradas de peles, vinho


quente e uma fonte com sopa quente e frango assado. Uma vez que se
aqueceu, Ranulf atacou a comida e a bebida.

— É uma das piores tempestades que já vi. — Disse entre


bocados de comida. — O vento levantou um cão e o transportou a
metros de distância. Brent se agarrava a sua sela com ambas as
mãos. Hugo o colocou na frente dele e guiou o pônei. A chuva caía tão
forte que quase não se podia ver. Prepararam bem o castelo?

Lyonene esfregou suas panturrilhas com a toalha.

— Sim, as venezianas resistiram bem. Houve alguma notícia


sobre algum navio?

Ranulf fez uma pausa e com uma coxa de frango na mão


continuou.

— Não. Acendemos fogueiras em todas as torres e enviamos


homens à Ponta de St. Agnes. Se virem um navio cavalgaram para
aqui imediatamente.

— E deve você ir? Não pode enviar a alguém para que dê as


ordens?

Levantou uma sobrancelha.

— Não, ninguém mais pode... dar as ordens.

Enquanto falavam, Herne entrou no quarto.

— Há um naufrágio, e parece que é um importante. O chefe da


guarda está se vestindo.

286
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf se levantou bruscamente e caminhou com grandes


passadas em seu dormitório. Lyonene o seguiu e ficou observando-o
em silêncio enquanto tirava a roupa da arca.

— Não pode deixar isto para seus cavaleiros?

Ele se virou para ela com um rosto tão violento como a


tempestade que havia lá fora.

— Não, não posso. Não me peça nunca mais isso. — Sua voz era
baixa e mortal. Ele vestiu calças grossas de lã, depois a camisa de
linho. — Venha aqui, — disse finalmente — devo ir e não quero que
você se atormente.

Ela ficou quieta diante dele, em silêncio.

— Onde está minha leoa? — Perguntou. — Dê-me meu pesado


manto de lã. Acaso não vale todo o ouro que gasto em você, ou a
comida que lhe dou?

Então Lyonene levantou a cabeça.

— Possivelmente a chuva possa convertê-lo em um cavaleiro


cortês?

Quando terminou de vestir-se, estreitou-a com tanta força que


quase lhe esmaga as costelas.

— Se quer ajudar, vá à capela e reze. Não quero lutar contra o


mar sem ajuda. — Enquanto corria escada abaixo, ele gritou de volta
para ela. — E peça que recolham a água do chão. Não quero que
minha casa se molhe por causa da tempestade.

287
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene ouviu vozes e logo a porta que se fechava, de repente


ficou quieta como o silêncio que enchia o enorme vazio, a chuva que
arremetia contra o teto, o vento que ameaçava inclusive às pesadas
pedras da casa, quando se deu conta de suas palavras “de lutar
contra o mar...” O que queria dizer era que ia se unir aos homens nos
barcos.

Sua mente trabalhava com rapidez. É obvio! De que outra forma


ele poderia saber se havia sobreviventes? A menos que ele estivesse
lá, os homens nos barcos poderiam facilmente remover qualquer
vestígio de pessoas encontradas vivas. Ninguém jamais saberia.

Correu para seu dormitório e revolveu todos os baús para


procurar as lãs que precisava. Em poucos segundos, estava vestida e
envolta com roupas muito grossas.

Só tinha um cavalo no estábulo do pátio interior, um garanhão


negro indisciplinado, que em condições normais, teria temido montar.
Disse-lhe umas palavras tranquilizadoras, selou-o e o elegante animal
voltou os olhos para ela, mas não a mordeu, nem lhe deu um coice.

— Tem que correr por mim esta noite. Temos que esquecer os
preconceitos que temos um pelo outro, já que Ranulf nos necessita.
Devemos detê-lo antes que leve a cabo seus planos. — Conduziu o
grande cavalo para fora dos estábulos e subiu na sela de montar. O
animal protestou um pouco, mas ela deu um puxão às rédeas e ele se
acalmou. — Não temos tempo para brincar, vamos.

288
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O garanhão correu por ela, entre a cortante chuva e vento, que


deixou feridas na amazona e no cavalo convertidos em um, já que
tinham o mesmo propósito.

Havia muitos cavalos e homens que olhavam para a Ponta de St.


Agnes. Lyonene sabia que se a viam, algum cavaleiro da Guarda
Negra a escoltaria até o castelo. Deixou o cavalo perto de umas
rochas, sem atá-lo, já que sabia que estava adestrado para ficar
quieto. Ninguém se precaveu da forma escura que caminhava ao
longo da costa, a um lado do precipício, até chegar à praia.

Quando a luz de um relâmpago lhe mostrou os botes, viu que


era muito tarde. Três deles já tinham entrado nas águas turbulentas,
e a figura de Ranulf era facilmente distinguível no barco mais
distante.

Ajoelhou-se no pé do escarpado e começou a rezar com mais


força da que acreditou ser capaz. A tempestade continuou
ensopando-a, açoitando-a, arrancando suas roupas, mas ela não se
dava conta. O único que fazia era rezar, olhando para o mar.

Passaram horas até que viu as primeiras luzes dos botes que
retornavam. Então se precipitou para a praia, fazendo caso omisso
dos homens que corriam para ela e da água que a salpicava. Alguém
a agarrou pelos ombros, mas inquieta não o olhou, pois sua única
preocupação eram os botes que retornavam.

Viu imediatamente que Ranulf não estava aí. Começou a entrar


no mar, mas algo ao redor de sua cintura a impedia. Os botes foram
aproximando-se. Ela não podia mover-se.

289
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sinto muito, milady. Seu marido viu entre as águas a cabeça


de alguém e mergulhou tentando salvá-lo. Procuramos por todas as
partes durante horas, mas não pudemos encontrá-lo. — Gritou um
homem desde um dos botes sob a fúria da tormenta.

Braços fortes tentavam segurá-la. Ela afundou o rosto em um


ombro molhado e sentiu como lhe acariciavam as costas tratando de
consolada.

—Não! — Exclamou ela, fervendo por dentro.

Afastou ao homem que a segurava e quando se virou para o


homem do bote, este retrocedeu:

— A mulher se tornou louca! — Estava desfigurada pela raiva.

A Lyonene de doce voz já não estava aí. A voz que rugia através
do vento e a chuva não era a de uma mulher.

— Conhecerão o inferno sobre a Terra se não o encontrarem e o


trazerem para o castelo e, devolvê-lo a mim, vivo! Não existirá
torturas, nem sequer castelo, que possam igualar ao que vou fazer.

Deu um passo para diante e os homens a seu redor deram um


passo para trás. Estava possuída, por algo, contra o que não tinham
vontades de lutar.

— Ouviram-me? Não voltem sem ele.

Nenhum homem protestou quando voltaram a subir nos botes e


começaram de novo a remar vigorosamente, para irem de novo, de
volta ao mar mortal.

290
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Não havia mãos que a protegessem agora, quando Lyonene se


ajoelhou na água, mas todas as mãos se uniram seguindo o exemplo
de sua senhora e começaram a rezar.

Havia pessoas que observavam da colina e a visão da moça


ajoelhada entre a areia e as ondas, rodeada por sete Cavaleiros
Negros, também ajoelhados, fizeram-lhes esquecer do frio e a
umidade e se uniram às preces pelo retorno de seu amado lorde.
Ninguém se moveu nem deixou de rezar até que uma luz tênue
começou a aparecer e a tempestade diminuiu em sua fúria.

Não houve um só homem nos botes que não fizesse o sinal da


cruz ou rezasse ao ver todas essas pessoas que os esperavam.

Uma mão no seu ombro indicou a Lyonene, que os botes tinham


voltado, outras mãos a ajudaram a levantar-se. No princípio não o
viu, pois tinha a cabeça baixa. Quando descobriu que ele estava ali,
ela desabou e afundou seu rosto entre suas mãos. Ao desaparecer a
tensão, seus músculos se relaxaram e sentiu a debilidade de seu
corpo.

Alguém tinha se ajoelhado a seu lado e a tinha rodeado com o


braço. Ajudaram-na a levantar-se e caminhou para um lado do barco.
Ali estava Ranulf, concentrado em um vulto comprido e molhado que
sustentava sobre seu colo. Quando ele a viu, sobressaltou-se e logo se
enfureceu.

Gritou ao homem que havia perto dela:

— Não deveriam haver permitido que ela ficasse aqui.

291
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ela salvou sua ingrata vida, assim não fale dela desta
maneira.

Ranulf ficou perplexo ao ouvir o tom do homem: nunca ninguém


tinha ousado lhe falar assim.

— Falaremos disto mais tarde. Tome, — deu o vulto a Sainneville


— é uma moça, então tratem com cuidado.

A chuva tinha diminuído e agora era somente uma garoa. O sol


se esforçava em sair. Ranulf saiu do bote com as roupas ensopadas e
frias. Surpreendeu-lhe o comportamento de um dos homens do bote
diante da presença de Lyonene, parecia ter medo de sua pequena
esposa.

— O que fez nestas poucas horas para conseguir que meus


homens me repreendam e que estes outros lhes tenham medo? —
Perguntou-lhe franzindo o cenho.

— Ranulf... — Seus lábios tremiam e de repente se encontrou


em seus braços, com violentos soluços que sacudiam seu corpo.

Ranulf a aproximou dele, abraçando-a, ele mesmo temeroso da


ferocidade de sua emoção. Tirou-lhe o capuz e acariciou seu cabelo
molhado, alisando-o.

— Venha comigo, meu doce. Estou bem, retornei. Não chore


assim. Por favor, deve parar, não posso suportá-lo mais!

Ela tratou de acalmar-se.

— Quando voltaram sem você, não podia suportá-lo, não podia


acreditar... Oh, Ranulf, eles teriam deixado você.

292
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf olhou aos homens que havia a seu redor.

— O que é isto? Teriam deixado que me afogasse?

Corbet riu.

— Sim, nós pensávamos que tinha morrido, mas sua senhora


tinha outros planos para você, além de uma fria tumba no mar. Agora
está calma, mas não existe tempestade que possa se igualar a sua
fúria. Reconheço que me deu tanto medo que gelou meu sangue.

Ranulf franziu o cenho, pois sabia que Corbet estava brincando,


mas havia uma parte de verdade em suas palavras. Então sorriu,
mostrando seus dentes brancos perfeitos.

— É uma leoa. — Disse com orgulho, e a levou nos braços ao


topo da colina.

Deitou-a no chão um momento para ir ver como estava Tighe,


que tinha ficado esperando-o, fielmente, sob a tempestade. Lyonene
caminhou alguns metros para ir procurar o garanhão negro que a
esperava nas rochas.

— Milady!

Ela olhou aturdida como Maularde saltava para ela. Lyonene


saltou para trás e evitou o enorme corpo que voava para ela e que
caiu a seus pés.

— Lyonene, fique muito quieta.

Lyonene olhou com desconcerto para Ranulf e aos homens que a


olhavam fixamente. Ranulf se aproximava lentamente às escondidas.

293
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Notou que havia algum perigo, possivelmente algum animal selvagem


por perto, então não se moveu. Ficou pasma quando viu que Ranulf
dava um salto rápido e agarrou as rédeas do cavalo negro de suas
mãos.

Então o cavalo jogou a cabeça para trás, relinchou e começou a


dar coices.

— Mas o que está fazendo? Está assustando o pobre animal. —


Lyonene tomou as rédeas e acariciou o focinho do cavalo para
acalmá-lo e o animal baixou a cabeça para lhe acariciar o ombro.

Olhou de novo para seu marido e sua guarda. Estavam


boquiabertos e seus rostos mostravam um profundo assombro. De
repente, os oito homens puseram-se a rir. A risada começou
lentamente, mas pouco a pouco se converteu em gargalhadas.
Primeiro um e logo outro começaram a cair de joelhos, segurando o
estômago enquanto riam. Os oito homens caíram no terreno úmido e
coberto de musgo.

— Me perdoe, meu lorde, — brincou Sainneville, com os olhos


cheios de lágrimas — mas vai assustar o pobre cavalo.

— A cauda do cavalo pesa mais que ela. — Herne se desfazia em


lágrimas.

— E a cara que fez o barqueiro! — Novas risadas.

Ranulf era o que gargalhava mais forte.

— É sério? Ela realmente fez isso? Edkins estava aterrorizado!

294
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Eu também estava! Juro que ela parecia medir seis metros de


altura, e a tempestade era silenciosa comparada com sua voz
retumbante!

— Minha cotovia? Chamei-a de cotovia diante de Eduardo. Se ele


a tivesse visto! — Ofegou Ranulf.

Lyonene sabia que estavam rindo dela. Não tinha feito nada para
que rissem assim!

— Não quero afastá-los de seu divertimento, mas vou voltar para


casa perto da lareira e do fogo. — Disse Lyonene friamente.

Os homens começaram a acalmarem-se um pouco e a sentarem-


se. Então, cada um deles ficou tenso e na expectativa, quando ela
colocou o pé no estribo. Quando montou o animal e lhes deu, o que
ela esperava que fosse, um olhar repreendedor, zangou-se ao ver que
voltavam a deitarem-se no chão e rompiam em risadas mais fortes
que antes. Ficou ereta e partiu. Não quis ver nada mais.

— Lyonene! — Ranulf trovejou até que emparelhou Tighe ao lado


do cavalo dela.

— Eu o odeio! Você me usa como uma brincadeira para todos os


seus homens! Você é detestável!

— Sabe qual é a razão de nossas brincadeiras?

Lyonene não o respondeu, nem o olhou, e açulou o garanhão


para que ultrapassasse Tighe. Ranulf ficou a seu lado.

— Sabe que cavalo está montando?

295
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene franziu o cenho. Seu aborrecimento aumentou porque


acreditava que ele seguia brincando.

— O encontrei em um dos estábulos. — Respondeu. — Já tinha


visto antes esse cavalo, isso é tudo. Sinto-o se pertence a alguém,
mas não havia outro. — Lhe lançou um olhar feroz. — Se houvesse
pensando duas vezes antes de salvá-lo, certamente não o tivesse feito.

Ranulf se pôs a rir.

— Mas alguma vez viu se montavam a este cavalo?

— Não, nunca. Tem um passo muito suave e não sei por que
alguém deixa que engorde tanto.

— A razão, meu doce, é que Loriage nunca deixou que ninguém


o montasse mais que alguns segundos.

— Está brincando! Tem caráter, mas é muito gentil.

Ranulf tomou sua mão e a beijou.

— Como domou o leão, agora doma a esta fera. É o filho de


Tighe, e acredito que lhe prometi uma de suas crias, mas o que eu
pensava era em uma preciosa égua, não este demônio. Já tinha
decidido matá-lo. — Como se o garanhão tivesse ouvido, levantou
suas patas dianteiras do chão, mas Lyonene o controlou facilmente.

— Se lhe fizer mal, se o machucar, sua besta horrível, eu mesmo


torcerei seu pescoço. — Advertiu furiosa para Ranulf. Lyonene riu
quando o cavalo olhou Ranulf de lado.

296
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Estou perdoado? — Ela lhe deu um ligeiro sorriso, ainda não


tinha certeza se ele merecia o perdão. — Deve compreender que a
situação tinha muita graça, quando vimos que agarrava as rédeas do
cavalo e conduzia como se fosse um cordeiro, a este animal, que feriu
a muitos homens.

Lyonene se inclinou para adiante e acariciou o pescoço


aveludado do cavalo.

— Sempre consigo domar a grandes animais negros, Loriage,


mostremos a este velho o rápido que podemos galopar.

Ambos chegaram às portas do castelo ao mesmo tempo. Loriage


era mais rápido que o pesado frísio, mas a habilidade e o
conhecimento do cavalo de Ranulf eram maiores.

Ranulf a ajudou a desmontar.

— Não deve correr tanto porque pode machucar a meu filho. —


Avisou Ranulf.

Lyonene não pôde evitar sorrir para Ranulf, contente de ouvir


que falava de seu filho. Ele agarrou sua mão.

— Venha e vejamos o que nos trouxe o mar, esqueceu por que


me banhei esta manhã? E logo será hora de dormir, — Ranulf a olhou
de esguelha — e de outras atividades sob os lençóis.

Lyonene apertou sua mão.

— Estou contente de que esteja aqui e que não esteja... — Seus


olhos se nublaram.

297
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sentiria minha falta?

— Nunca!

Ele riu olhando para sua casa.

— Sempre está mentindo.

298
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 12
Tinham esquecido da mulher que Ranulf salvou do mar.

— Milady, a colocamos em um aposento para convidados.


Devemos mudá-la para um quarto de servas? — Perguntou Kate
quando os encontrou.

Por um momento Lyonene não entendeu do que falava, mas logo


se lembrou.

— Tirarei esta roupa molhada e irei vê-la eu mesma.

— Não pode cuidar da mulher. Faz muitas horas que não dorme.
Envie-a à Torre da Joia. — Ordenou Ranulf.

— Não se interessa por esta moça que quase lhe custa a vida? —
Inquiriu Lyonene.

Ranulf encolheu os ombros.

— Neste momento só me interessa uma coisa. — Lyonene


escapou de suas garras.

Ranulf bocejou e se meteu em um lado da cama. Dormiu antes


que ela terminasse de trocar sua roupa. Olhou com desejo seu corpo
imóvel antes de abandonar o quarto.

A mulher dormia em uma cama grande, Lyonene viu


imediatamente que não era uma menina, apesar de seu pequeno
corpo. Era discretamente bonita, com o cabelo loiro e as sobrancelhas

299
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

e as pestanas claras. Debaixo de suas grandes maçãs do rosto se


destacavam umas covinhas e seus finos lábios tinham uma cor
pálida.

— Agora está dormindo, milady, mas a fiz tomar um pouco de


caldo quente. Está muito magra, quase parece uma menina. Não foi o
naufrágio o que lhe tirou toda a carne dos ossos, não é certo?

Lyonene se pôs a rir.

— Não, não foi o naufrágio. Está em moda ser magra.


Possivelmente esta dama venha de uma terra onde a moda se toma
muito a sério. Procure que haja sempre alguém com ela. Agora irei
dormir. Diga a William que não façam muito ruído no castelo.

Despiu-se e se meteu na cama junto de Ranulf. Ele se


aproximou dela e suspirou enquanto dormia. Satisfeita, ela também
adormeceu.

Quando despertaram, os últimos raios de sol se dissipavam, e o


calor da cama os fazia sentirem sonolentos e lânguidos. Ao tentar
levantar-se, Ranulf a atraiu para ele.

— Hoje já escapou de mim uma vez, ou seja, que não voltará a


fazê-lo. Quero recompensá-la porque me salvou de uma morte
prematura. — Seus lábios se encontravam no pescoço de Lyonene,
saboreando a forma e a textura de sua suave pele.

— Estou contente de que Hugo não o resgatasse, pois ele não


poderia aproveitar sua recompensa tanto quanto eu. — Murmurou
ela.

300
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf a sossegou com seus lábios. Uns golpes na porta os


interromperam. Ranulf proferiu um insulto em voz alta e voltou a
prestar atenção a sua esposa, mas os golpes continuaram.

Ranulf, furioso, saiu disparado da cama, o aviso de Lyonene o


fez colocar a tanga antes de abrir a porta. Kate estava em frente à
porta e estirava o pescoço procurando a sua ama.

— Não queria lhes incomodar, milorde, mas se trata da mulher


que encontraram.

— Que mulher? — Ranulf rugiu à assustada moça. Lyonene


colocou um vestido e ficou diante de Ranulf lançando a serva um
olhar de reprimenda.

— O que aconteceu com a mulher, Kate? Não se recuperou como


acreditava?

— Oh sim, milady. Recuperou-se muito bem. Está sentada em


sua cama e exige ver sua senhoria.

— Exige? — Ranulf se adiantou. — Quase morro por tirar esse


vulto sem valor do mar e ainda exige mais? Ela deveria dar graças a
Deus por ter sido resgatada.

Lyonene tratou de detê-lo, mas ele a afastou a um lado para


dirigir-se atropeladamente, com raiva, ao quarto de convidados.
Ranulf entrou no aposento enquanto Lyonene ficava atrás dele.

— Mulher, o que quer de mim? — A voz de Ranulf soava


tranquila e cheia de sarcasmo.

301
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene viu como os olhos azuis claro da mulher se abriam ao


descobrir um Ranulf quase nu. Sua expressão era estranha,
procurava, calculava e agora baixava as pálpebras com astúcia, como
um método para aproximar-se do belo homem que tinha diante dela.

— Oh, milorde. — Chorou, forçando uma lágrima. Sua voz era


aguda e cantante. — Não sei o que lhes disse a serva. O único que fiz
foi perguntar por meu salvador. Devo-lhes minha insignificante vida.

Lyonene viu a surpresa no rosto de Kate e soube em seguida que


a náufraga mentia. Ranulf se sentou a seu lado e lhe agarrou a mão.

— Agora está a salvo e não têm por que chorar.

A mulher se inclinou para Ranulf. Colocou uma mão no seu


peito. Seus dedos brincaram com seu espesso pelo enquanto o olhava
com olhos bem abertos e um olhar inocente.

— Sempre estarei em dívida com você. — Murmurou. — Não lhes


posso pagar, pois todos nossos bens se afundaram com meu pai, o
duque de Vernet.

— Seu pai era duque? Então deve ser franco. — Ela assentiu
com a cabeça e brotou outra lágrima. — Me sinto muito honrado com
sua presença. Pode ficar conosco até que notifiquemos a seus
parentes do seu paradeiro.

Ela se inclinou ainda para ele, sua cabeça quase tocava o ombro
de Ranulf.

— Ai, milorde, não ficou mais parentes.

Ranulf deu umas palmadas na sua mão.

302
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Bom, pode ficar em Malvoisin tanto tempo como queira. Mas


agora deve descansar. — Se levantou e perguntou. — Como se
chama?

— Amicia.

— Eu me chamo Ranulf e esta é minha esposa, lady Lyonene.

A mulher olhou pela primeira vez Lyonene. A surpreendeu a


frieza do olhar dela, e seu tímido sorriso a fez sentir calafrios, pois era
um sorriso gelado. Lyonene, em troca, dedicou-lhe um brilhante
sorriso, mas quando seus olhos se encontraram com os de Amicia, ela
lhe lançou uma firme provocação, um desafio.

Quando o casal se encontrava sozinho em seu quarto,


começaram a se a vestir.

— Esta mulher se equivocou de lugar. Deveria estar em Londres.


É melhor que qualquer atriz que jamais tenha visto.

— Do que estar falando? — perguntou Ranulf.

— De nossa lady Amicia, evidentemente. Se ela for à filha de um


duque franco, eu sou a irmã da rainha Leonora. O que mais gostei foi
da parte de “minha insignificante vida”. Diga-me, você gostou dessas
escassas lágrimas que conseguiu tirar?

Ranulf a agarrou pelo braço e a sentou sobre suas pernas.

— Está com ciúmes!

— Não é certo. Acredito que há pouca substância para está-lo.

303
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Oh, acredito que eu gosto disto. Diga-me: Acaso você não


gostou da maneira como sua mão tocou meu peito?

— Ranulf, falo a sério! Esta mulher não é boa; não é como


parece ser. Além disso, mentiu sobre Kate e...

Ranulf a afastou do colo e voltou a se vestir.

— Como pode julgá-la tão duramente por umas poucas


palavras? Quando a vi pensei que era uma mulher comum, mas se for
a filha de um duque devemos tratá-la com respeito. Agora se ocupe de
nosso almoço e não se preocupe com ela. Só é uma mulher. Que dano
poderia fazer?

Lyonene se dirigiu à cozinha para ordenar que preparassem a


comida. Ranulf não estava sendo razoável! Sabia que não podia fazer
nada para convencê-lo de que as palavras dessa mulher não eram
mais que um teatro.

Encontrou Dawkin na porta da cozinha.

— Milady, a mulher não está muito contente. — Lhe informou.


— Rechaçou a comida duas vezes, uma porque dizia que não estava
suficientemente cozida, a outra porque estava muito cozido. Kate
quase se alagou na cozinha com tantas lágrimas.

Lyonene tratou de acalmar ao cozinheiro principal:

— Já falarei com ela, mas sobre tudo não diga nada disso a lorde
Ranulf.

Lyonene temia a reação de seu marido às queixas sobre Amicia.


Se dissessem mais queixas contra ela, possivelmente, ele pediria que

304
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

ela ficasse em Malvoisin para sempre. Agarrou uma grande bandeja


carregada de comida para Ranulf e para ela e levou para sala de
repouso. Mas para seu desgosto, Amicia estava sentada junto a
lareira, envolta em peles.

— Oh, Lyonene, lady Amicia decidiu que está bem o suficiente


para se juntar conosco no jantar. — Disse Ranulf, agarrando a
bandeja das mãos de sua esposa.

— Que atenciosa de sua parte... — Seus olhares se encontraram


durante um breve instante.

— Nos fale de sua terra. — Pediu Ranulf a Amicia. — Faz anos


que não visito a França.

— Ah, então já esteve lá. Soube que era um homem educado no


primeiro momento em que o vi. Há algo em seus olhos que o diz.

Ninguém viu nos lábios de Lyonene um gesto de desgosto pela


maneira com que Ranulf reagiu às suas açucaradas palavras.
Lyonene observou como a mulher franca se inclinava para Ranulf a
cada oportunidade e lhe tocava o braço muito frequentemente. Seu
único consolo foi que nenhuma vez Ranulf sorriu para a mulher ou
riu de seus comentários.

Kate se aproximou e escoltou Amicia a seu quarto.

— Você quase não falou durante o jantar. — Reprovou Ranulf a


Lyonene. — Não gosto que seja descortês com nossa convidada.

— Não fui descortês. Tenho certeza de que falei quando tive a


oportunidade de dizer uma palavra. — Se defendeu ela.

305
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Venha aqui. — A fez sentar-se em suas pernas. — Não tenho


certeza de que gosto muito deste seu ciúme. Nunca a vi tratar a
alguém desta maneira. Nem sequer lady Elisabeth na corte lhe
causou tanto aborrecimento.

— Não o entende. Esta Amicia não é como elas. De algum modo,


elas se preocupavam com você. Esta mulher só se preocupa com si
mesma.

— Como pode falar deste modo de alguém que acaba de


conhecer?

Lyonene suspirou. Era inútil continuar. Tinha ouvido sua mãe


passar horas tratando de convencer seu pai, sobre o caráter de uma
pessoa a que acabava de conhecer, e Melite sempre tinha terminado
por desistir. Parecia que estava condenada a esperar que Ranulf
chegasse, pouco a pouco, à mesma conclusão que ela. O único que
restava, era desejar que fosse o mais rápido possível.

A manhã nasceu brilhante, o sol estava radiante e a terra


tratava de repor-se da tempestade.

— Vou passar o dia com meus homens e não retornarei até a


hora de jantar. — Disse Ranulf. — Procure que nossa convidada se
sinta cômoda.

Lyonene fez uma careta de desgosto, mas faria a tarefa que lhe
tinha encomendado.

306
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Quando Amicia chegou à sala de repouso, vestia uma roupa de


Lyonene. A condessa se assombrou por seu descaramento, pois nem
sequer a tinha pedido emprestado. Os olhos de Amicia a desafiavam a
lhe perguntar por que estava usando seus vestidos, mas Lyonene
simplesmente riu, pois ficavam grandes e parecia que se penduravam
pelo corpo de moça.

— Parece que vamos ter que passar o dia juntas, já que todas as
suas roupas se danificaram, quer costurar comigo?

Amicia não se dignou a olhar para Lyonene.

— Não, eu não costuro. Uma dama tem servas que cumpram


estes deveres por ela.

— É certo? Então deverei informar disso à rainha Leonora, pois


sempre borda suas próprias roupas.

Amicia lançou um rápido olhar de ódio antes de dirigir-se a


cadeira junto à janela. Passou um dedo pelos cristais enquanto
falava:

— Lorde Ranulf é o Leão Negro, não é assim? — Não esperou


uma resposta. — Ouvi falar dele, inclusive, na França. Meu pai, o
duque, — se assegurou de que Lyonene ouvisse bem estas palavras —
falava muito frequentemente dele. Inclusive uma vez o teve em conta
para que fosse meu marido.

Lyonene não afastou os olhos dos buracos da agulha.

307
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Meu marido é um homem amável e poderia ter aceitado casar-


se, pois com seu primeiro matrimônio provou que não tem objeção em
casar-se com uma mulher mais velha que ele.

Fez-se um silêncio entre as duas.

— Parece muito segura em seu matrimônio... Lyonene.


Chamam-lhe assim, não é certo? Um nome estranho. Suponho que
ofereceram um dote enorme a sua senhoria.

— Na realidade, não, mas não acredito que seja um assunto que


devamos tratar.

Amicia não fez caso de seu comentário.

— Então, trata-se de um matrimônio por amor.

Lyonene se deteve um momento para pensar.

— Acredito que assim é.

— Acaso lorde Ranulf lhe jura amor eterno a cada momento do


dia?

— É minha convidada e lhe devo tratar como tal, mas não falarei
da vida privada entre meu marido e eu, com você — deixou a costura
na primeira cadeira que encontrou e abandonou a sala. Não ouviu a
risada triunfal de Amicia.

Lyonene se dirigiu à torre da Joia para averiguar se havia


alguém ferido da tempestade. Amicia a tinha feito duvidar como
ninguém tinha feito antes. Claro que Ranulf a amava; o seu foi um
matrimônio por amor, embora ele nunca tenha pronunciado essas

308
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

palavras, tal e como lhe tinha falado muitas vezes do amor que sentia
por ele. “Sou estúpida”, disse-se. As palavras não importavam: claro
que ele a amava.

Sacudiu a cabeça e se obrigou a concentrar-se em suas tarefas,


mas uma pergunta rondava sua cabeça: Seguiria amando-a quando
fosse velha e feia?

Essa noite, Amicia voltou a jantar com eles. Não deixava de


sorrir e de desculpar-se por todas as moléstias que estava causando e
se inclinava para Ranulf cada vez que falava. E ele não parecia se
incomodar.

Uma vez a sós em seu quarto, depois do jantar, Ranulf se


interessou pela saúde de Lyonene:

— A criança não dá problemas? Está muito calada.

Lyonene se afastou dele.

— Meu bebê não me dá problemas. Às vezes acredito que é o


único perfeito em minha vida.

Ele a abraçou e lhe acariciou o cabelo.

— O que lhe preocupa? Arrumarei se puder.

— Fá-lo-ia? Faria que carregasse seu filho sem engordar ou que


não envelhecesse com os anos?

Ranulf sorriu, enquanto passava seu polegar pelo ângulo


extremo do olho dela.

— Faz bem em se preocupar, já detecto uma ruga em sua pele.

309
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene o afastou com um empurrão.

— Não estou brincando.

Ranulf franziu o cenho.

— Há algo que te inquieta. Não fará mal em compartilhá-lo


comigo. — Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Nunca a vi
assim. Sempre está de bom humor, inclusive quando não sou uma
boa companhia.

Um tênue sorriso surgiu entre as lágrimas de Lyonene.

— Estou muito contente de ouvir o que sempre soube.

— Venha para a cama antes que lhes dê uma surra como


merece.

Atraiu-a para ele e com suas mãos afagou seu ventre nu, como
se inspecionasse como crescia seu filho dia a dia.

— E o que pensará se minha barriga cresce até aqui? —


Sussurrou ela fazendo um gesto com a mão.

— Esperarei que sejam gêmeos. — Murmurou ele enquanto


adormecia.

Quando na manhã seguinte Lyonene decidiu que iria a cavalo


até o povoado, Amicia disse que já se encontrava bem para cavalgar
com ela.

Como o moço do estábulo tinha medo de Loriage, Lyonene o


selou.

310
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E não faz que lhe deem uns açoites? — Perguntou Amicia


muito surpreendida.

— Só é um moço. Mais tarde o ensinarei que Loriage é muito


tranquilo se lhe fala com suavidade.

— Estou segura que este cavalo é fácil de montar e você


inventou esta história de ferocidade. Posso lhe demonstrar isso?

— Claro. — Lyonene recuou para trás.

O garanhão negro nem sequer deixou que a mulher subisse à


sela, parou sobre duas patas e lutou enquanto ela tentava pôr um pé
no estribo. Muito zangada, Amicia desistiu.

As duas mulheres se detiveram no pátio exterior para falarem


com um dos cozinheiros que levava alguns repolhos para que Lyonene
desse sua aprovação. No fundo do pátio viu que rondava um homem e
que Lyonene fugia dele.

— Quem é? — perguntou Amicia.

Lyonene olhou para o cavaleiro.

— Não recordo seu nome. Sempre está vadiando e suas


maneiras são muito insolentes para meu gosto.

— Não acha que é muito bonito?

Não se virou para olhar o homem que sorria.

— Não, não acho. — Lyonene esporeou o garanhão.

311
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Encontrou um grupo de servos reunido com suas esposas. Ela


deu atenção aos bebês, aos campos alagados e a produção de ovos de
algumas galinhas. Olhou para cima e viu que Amicia falava com o
cavaleiro da guarnição do castelo. “Merecem o um ao outro!”

Já tinha passado a hora do jantar quando as duas mulheres


voltaram para castelo. Ranulf estava no pátio junto aos cavaleiros da
Guarda Negra e apresentou os sete homens a lady Amicia. Lyonene
percebeu que Hugo e Maularde desconfiavam de suas palavras
melosas, como ela.

Quando Lyonene entrou no salão, o primeiro que viu foi Brent,


que tinha estado ausente durante dois longos dias. Não tinha dado
conta de quanto tinha sentido falta dele.

— Brent! — Lyonene se ajoelhou e abriu os braços para receber


o menino e ele correu para ela, lhe dando um feroz abraço,
demostrando seu amor cada vez maior por ela.

De repente, o menino se lembrou de sua condição de pajem e se


separou rapidamente, ao tempo que se virava para ver se seu lorde
Ranulf tinha visto essa debilidade, mas o Leão Negro estava olhando
atento para fora da janela.

Lyonene se levantou e obrigou a si mesmo a não acariciar mais o


menino.

— Passou vários dias na grande sala da Guarda Negra? Deve me


contar como é, pois nunca entrei ali.

— Não entrou? — Brent estava muito surpreso.

312
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf interveio na conversa:

— Não, só os homens podem entrar na sala de minha guarda.

— Mas também há mulheres em... — o moço se deteve ao ver a


clara piscada de Ranulf. — Oh, não pode entrar as esposas.

Lyonene sorriu inocentemente.

— Então deve me contar tudo a respeito deste lugar. É muito


escuro, sujo e está cheio de aranhas?

Brent caminhou com muito orgulho diante dela e depois fez um


giro com o ombro.

— Só há algumas, mas quase nem as vi.

Lyonene queria rir com Ranulf, mas viu que ele tinha a mesma
expressão que o moço. Passou a mão no ventre e pediu a Deus não
trazer para o mundo um terceiro fanfarrão.

Brent se deteve frente à porta da sala de repouso, onde Amicia


estava sentada.

— Quem é esta? — Sussurrou a Lyonene, enquanto Ranulf se


aproximava para saudar a mulher.

— Lorde Ranulf a tirou do mar. Não lhe contaram isso?

— Oh sim, Martha disse que lorde Ranulf resgatou a uma


mulher e que você salvou a ele. É certo? É muito pequena para fazer
isto e o Leão Negro não necessita que ninguém o salve.

313
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Acredito que está equivocado, Brent. — Disse-lhe Ranulf. —


Venha e conhecerá lady Amicia e, lhe contarei como minha diminuta
esposa dominou a mais de vinte homens e conseguiu que amainasse
uma tempestade aplacando sua ira.

Brent quase não fez caso da mulher que lhe apresentaram. Em


troca, esperou com impaciência que contassem a história que tinham
prometido. Ranulf começou ignorando a pergunta sussurrada de
Lyonene.

— Quem é Martha?

Contava muito bem as histórias e inventou um conto muito


original com que Lyonene considerava um acontecimento ordinário.

Brent a olhou com admiração.

— Pode fazê-lo de novo? Pode levantar tanto a voz e quebrar as


paredes de pedra?

— Ranulf! O menino acredita em suas mentiras. — Se zangou


ela.

Tanto Brent como Ranulf se mostraram indignados.

— Um cavaleiro de verdade não mente! — Exclamaram ambos de


uma vez.

Lyonene não pôde evitar tornar a rir ao ver o quanto se


pareciam.

Amicia, que não tinha feito caso durante todo o momento,


terminou com a alegria:

314
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não queria atrapalhar um momento de felicidade familiar.


Sinto-me um pouco cansada e devo me retirar.

— Desculpe nossas más maneiras, lady Amicia, — respondeu


Ranulf — o jantar será servido aqui e eu gostaria que jantasse
conosco.

— Não se senta à mesa com os homens de sua guarda?

— Não. Têm suas próprias casas. Acostumei-me assim quando


era solteiro e sigo mantendo a mesma tradição.

Os olhos acesos da mulher esquadrinhavam os olhos escuros de


Ranulf.

— Então recentemente se casou, milorde?

— Sim, agora faz...

— Seis meses. — Completou Lyonene a frase.

Ranulf se virou e sorriu a Lyonene, que de repente parecia ter


um grande interesse nas janelas.

— Oh, Hodder chega com a comida. Jantará conosco?

— Como poderia rejeitar um convite tão amável?

Lyonene viu que Hodder olhava Amicia com ar depreciativo


enquanto punha a mesa. Não estava acostumado a estar de acordo
com esse homem presunçoso, mas desta vez, sim, o estava. Pela
primeira vez, seus olhares se encontraram em um instante de
cumplicidade.

315
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Amicia falou durante toda a comida, elogiando Malvoisin,


pedindo a Ranulf que lhe contasse suas tribulações durante as
cruzadas, elogiando seu grande talento ao estruturar o castelo.

Brent escutava encantado as histórias de Ranulf, mas Lyonene


viu que lançava olhadas furtivas a Amicia de vez em quando. Não
ajudava em nada ver que um menino de seis anos via como era essa
mulher.

Na manhã seguinte, Ranulf irrompeu em seus aposentos.

— Hodder! — Rugiu.

As paredes se estremeceram enquanto ele bramava pelas


escadas, subindo os degraus de dois em dois.

— Onde está esse homem? Hodder, se der algum valor a sua


vida, virá imediatamente!

— O que ocorre, Ranulf? Por que está tão zangado? — Perguntou


Lyonene.

Ele colocou roupas em uma bolsa de couro.

— Me ajude a colocar minha cota de malha e minha armadura,


se apresse. — Ordenou a Hodder quando este entrou no quarto. —
Não, a de prata não. Vou fazer guerra, não me divertir.

Lyonene sentiu que suas pernas fraquejavam.

— Por que fala de guerra?

— Esse canalha! As ameaças de William não foram suficientes.


Agora envia servos para cultivar minhas terras.

316
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Que terras'? Do que estar falando?

— O castelo de Gethen, seu castelo! Meu lacaio, seu lacaio! Não


me importo a quem pertença esse lugar. Por Deus, matarei a esse
homem com minhas próprias mãos. Atreve-se a questionar quais são
os limites de suas terras.

Lyonene tinha medo de seu marido e se assombrou da calma


que demonstrava Hodder. Lyonene observou com o estômago revolto
como agarrava a maça, a bola de ferro com pontas perfurantes, o
machado de guerra e o martelo de guerra da parede.

— Ranulf, não pode falar com o homem?

— Falar! Já passou a hora de falar. Agora o que tem que


preocupar-se é de estar bem abastecido, porque penso sitiá-lo.
Veremos quanto tempo aguenta esse modesto barão diante do Leão
Negro. Você cuidará do castelo enquanto eu não esteja aqui. Levarei
minha guarda e cem cavaleiros da guarnição. Se precisar de mais,
enviarei uma mensagem para que me enviassem. Entende quais são
suas obrigações?

— Estou bem treinada. — Respondeu ela friamente, ele lançou


um olhar rápido, mas seu aborrecimento não diminuiu.

— Brent virá comigo. — Disse Ranulf, ao tempo que se


levantava, e vestia-se com roupas de viagem. — Venha aqui e me beije
para que me lembre de você por um tempo. Não me dê razões para me
preocupar com você. É seu castelo o que vou defender. — Lyonene
não disse o que pensava, que não trocaria um dia em sua companhia
em troca desse castelo que não conhecia. Mas conteve as lágrimas e

317
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

os protestos enquanto ele a beijava com cólera e urgência, fazendo do


beijo algo violento e doloroso. — Lhe enviarei notícias do que ocorre.
— Lhe prometeu e desceu correndo as escadas.

Lyonene tratou de seguir seus passos.

— Espere, espere! — Rogou ela.

Lyonene subiu correndo as escadas e procurou a toda pressa a


fita que tinha bordado, e que era uma cópia do cinto com o leão.
Alcançou Ranulf quando este já estava no pátio, esperando com seus
homens. Rodeou-lhe o pescoço com seus braços, pôs uma mão dentro
da abertura de seu tabardo e atou a fita ao cinto de couro. O que fez
depois com sua mão fez ofegar Ranulf, mas a empurrou para que se
afastasse.

— Não sabe se comportar. — Disse Ranulf, mas seus olhos


brilhavam.

— Se lembre de mim. — Sussurrou ela, lutando por conter as


lágrimas.

— Não poderia fazer outra coisa. — Foi sua resposta.

Quando os homens saíram cavalgando do pátio central, os


soluços de Lyonene se uniram aos de outras quatro mulheres que se
despediam dos cavaleiros da Guarda Negra. Olharam-se sem falar:
havia camaradagem entre as mulheres solitárias, condenadas a
esperar e a rezar por seus homens que partiram para a guerra.

Lyonene e Amicia passaram toda a tarde na sala de repouso, a


condessa com sua costura e a outra mulher vadiando.

318
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Invejo-lhe, lady Lyonene, por sua aparente serenidade e paz.


Estou segura de que não poderia estar como você nesta situação.

— E o que quer dizer com isto?

— Acredito que leva o filho de lorde Ranulf no ventre. Suponho


que é seu, mas claro, disto ninguém pode ter certeza. — Lyonene
lançou um olhar curto e frio a essa mulher mais velha que ela. — Não
queria a ofender. É que lorde Ranulf é um homem tão bonito... Tenho
certeza de que deve ser muito popular entre as mulheres. Eu o acho
um homem verdadeiramente fascinante.

— Não permitirei que fale assim de meu marido.

— Peço que me desculpe. Na realidade, não falo de seu marido.


É você quem me assombra. Se eu fosse engordar por um bebê,
preocupar-me-ia de que meu marido estivesse a muitos quilômetros
de distância, na companhia de homens, que com certeza, se
entreterão com mulheres, de classe baixa, claro, mas mulheres afinal
de contas.

— Lady Amicia, se for verdade que é uma dama, suas


insinuações não são muito sutis e eu não gosto absolutamente. Seria
melhor que guardasse seus pensamentos para você.

— Estou de acordo. Tampouco eu gostaria que me recordasse


minha difícil situação.

Lyonene se limitou a olhá-la. Amicia sorriu e passou a mão pela


tapeçaria.

319
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— A pesar do breve contato com ele, acho que lorde Ranulf é...
muito suscetível a menor insinuação de... romance, digamos assim.
Contem-me, lady Lyonene, como foi seu noivado. Foi difícil chegar a
um acordo com ele, ou o apanharam rapidamente? Interessa-me
muito isto saber. Fazia muito tempo que o conhecia quando se
comprometeram?

Lyonene ficou olhando à mulher sem poder articular palavra

— Certamente que foi coisa de alguns dias... — Amicia cobriu a


boca. — Tenho certeza que lorde Ranulf não é o tipo de homem que se
apaixona facilmente, é muito sério para estas coisas. Ah, perdão, é
verdade que mencionou que lorde Ranulf ainda não tenha declarado
seu amor. Humm... Pergunto-me o que estão preparando na cozinha
para comer. Sinto-me um pouco fraca e me retirarei a meu quarto.
Que passe um bom dia, milady. Espero não haver dito nada que a
tenha ofendido.

Lyonene se sentou aturdida e logo estremeceu. Sabia que Amicia


era uma mulher malvada e não devia surpreender-se quando fizesse
comentários como estes. E se Ranulf estivesse com uma mulher
enquanto se encontravam separados? A maioria dos homens faziam.
Era natural e ela devia aceitar a ideia.

— Oh! — Gritou quando cravou a agulha no polegar. Olhou o


tabardo novo e seguiu costurando. Cravou-se com a agulha várias
vezes. “Não, não, não!” Não aceitaria que outra mulher tocasse a
Ranulf.

320
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Fazia quatro dias que ele se fora quando chegou o primeiro


mensageiro. Primeiro o viu pela janela da sala de repouso: carregava
no cavalo uma bolsa com o leão de Malvoisin bordado. Baixou as
escadas correndo, quase tropeçando, por causa de sua rapidez. Não
percebeu que Amicia ia atrás dela.

O moço trazia dois envelopes selados com o leão de Warbrooke.


Quase os arrancou violentamente de suas mãos.

— É lady Lyonene? — Reteve-lhe a mão para que não abrisse as


missivas.

— Sim, sou eu.

— E quem é lady Amicia?

— Eu sou lady Amicia. — Lyonene ficou quieta enquanto o


menino agarrava um dos envelopes de suas mãos e o dava à pálida
mulher.

— Vá ... vá à cozinha e pegue o que necessitar.

A primeira faísca de felicidade se apagou. Ranulf tinha escrito a


Amicia! Observou-a enquanto rompia o selo.

— Está bem. — Murmurou, e logo olhou para Lyonene,


sustentando a carta perto de seus seios. — Não se apressa em abrir
sua carta?

321
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene passou a seu lado e se dirigiu a seu quarto. Seu


primeiro impulso foi atirar a carta nas chamas, que ainda não tinha
lido, mas não pôde.

Sitiamos o castelo e temo que isto vá demorar meses. Enviei


homens a Malvoisin para que os carpinteiros construam nossas armas.
Ofereci-lhe todas as possibilidades para que se retire, mas as
rechaçou. Já estou aborrecido de tudo isto. Tornei-me brando estes
últimos meses e agora só quero a comodidade de meu lar.

Brent está bem e sempre falamos de você. A fita nunca me


abandona.

Seu amoroso marido e cansado cavaleiro,

Ranulf

Ela se afundou na cama e começou a chorar. A carta era tenra,


sem rastro da arrogância que ele sempre fazia alarde. Sabia o que ele
devia sentir. Amaldiçoou-se por ter duvidado dele um só instante.
Levou tempo, mas por fim tinha banido suas dúvidas e agora voltava
a sorrir pela primeira vez depois de vários dias. Entreteve-se para
escrever sua resposta a Ranulf, informando de seu bom estado de
saúde e o da criança que esperava, contando o que tinha ocorrido no
castelo. Só no final acrescentou algo do que sentia:

Kate está preocupada de que me converta em como você era


antes, pois não encontro nada que me faça rir.

Sua leoa

322
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Seu estado de ânimo tinha melhorado um pouco, quando se


dirigiu à sala de repouso para jantar, com Amicia como única
companhia.

— Sua carta trouxe boas notícias? — Perguntou-lhe a maliciosa


mulher.

— Sim. Temo que sitiaram o castelo e que Ranulf estará fora


durante algum tempo.

— Oh sim, tiveram quatro reuniões com o barão, mas nenhuma


teve êxito assim estão fazendo alguns túneis e... deve me desculpar.
Tenho certeza de que contou o mesmo.

— Parece que não sei tanto como você. Possivelmente o homem


que escreveu a você é um escritor mais prolífico.

— Sim, lorde Ranulf me escreveu uma carta muito longa.

— Ranulf? Do que está falando? — Perguntou Lyonene sem


compreender.

— Por que me faz esta pergunta, milady? Acreditei que já sabia.


Disse-me que minhas insinuações eram pouco sutis.

— Está tentando me dizer que meu marido envia mensagens


para você?

— Não pode culpar a um homem que se sinta atraído por outra


mulher.

Lyonene se levantou da cadeira.

— Não acredito em você. Deve me mostrar esta carta.

323
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Milady Lyonene, vejo que esta deve ser a primeira infidelidade


de seu marido, se a posso chamar assim, e não queria agradecer sua
hospitalidade lhes mostrando algo que seguramente a angustiará.

— Irei ver meu marido e ele negará suas mentiras.

— Certamente o fará. Você não esperaria que ele se gabasse de


suas mulheres para você. Não acreditará que era um monge antes de
casar-se, verdade? Então, por que teria que mudar tão só por um
juramento diante algumas testemunhas? E cumpriu com esses
juramentos, pois parece que têm tudo o que uma mulher pode
desejar. Por favor, deve comer. Deve pensar no filho que cresce a cada
dia.

Lyonene era incapaz de engolir um bocado da comida. Não podia


acreditar nestas palavras! Cavalgaria até onde se encontrava Ranulf
e... Acreditaria se ele negasse ter um interesse nesta mulher?

Amicia não deixou de queixar-se durante o jantar da insolência


dos servos de Malvoisin, mas Lyonene não ouviu nenhuma só
palavra. Estava muito desconsolada para escutar nada mais.

No dia seguinte colocou suas roupas mais velhas e passou horas


trabalhando no jardim. Arrancava as ervas daninhas furiosamente.

— Muito bem, milady. — A voz de Amicia sobressaltou Lyonene,


que se cortou ao tentar arrancar um cardo muito resistente. Sentou-
se sobre seus talões e sacudiu a terra das mãos. — Não sei como
suporta a sujeira e o suor da jardinagem. — Prosseguiu a mulher. —
Eu acreditava que uma dama... Ah, claro, você só é a filha de um
barão, não é assim?

324
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não tenho tempo para seus insultos esta manhã. Se tiver algo
que me dizer, faça, mas vá direto ao ponto.

— Parece que sempre a desagrado. Eu só saí ao jardim para


desfrutar um pouco. Nesse pouco tempo que estou aqui, já tenho
bonitas lembranças.

— Milady Lyonene, — Kate a chamou atentamente — devemos


entrar para nos proteger do sol. Lucy se preocupa com você e pelo
bebê.

Em silêncio, Lyonene a seguiu para a cozinha. Sabia que Amicia


não entraria aí.

— Lady Lyonene, se sua mãe soubesse como trabalha durante


sua gravidez... — brigou Lucy. Lyonene pensou em sua mãe como um
refúgio agradável. Lucy continuou. — E lorde Ranulf se zangaria
muito se soubesse que está fazendo mal a sua criança.

Lyonene atirou a taça sobre a mesa.

— Lorde Ranulf! Não deixo de escutar seu nome. Terei esse filho
que tanto espera, mas não acredito que possa dar refúgio a sua
amante durante muito tempo.

— Do que está falando, minha filha? Lorde Ranulf não tem


nenhuma amante. Por que diz isso? Nunca vi a um homem que
amasse tanto a sua esposa. Adora-lhe.

— Ah, Lucy! — Se aferrou à mulher de abundantes carnes que


sempre tinha estado com ela e começou a chorar sobre seu generoso
peito.

325
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Venha para cima. Deve deitar um momento.

Lyonene se apoiou na mulher e deixou que a despisse e a


metesse na cama. Lucy lhe acariciou a testa, muito quente, olhou
preocupada suas profundas olheiras.

— Me conte o que a atormenta, minha filha. Lucy lhe escutará.

— Ele não me ama. Nunca me amou.

— Mas como pode dizer isto? Ele nunca a deixa sozinha quando
pode ser evitado. Algo de sua carta a pôs triste?

— Há outras mulheres.

— Céu, todos os homens têm outras mulheres. É sua maneira


de ser, mas não significa que não a queira. — As lágrima começaram
a brotar quando ouviu as palavras de Lucy. — Durma, minha filha, e
a dor se aliviará.

Pouco a pouco, os soluços de Lyonene começaram a acalmar-se.


Dormiu em um sono agitado e se sentiu ainda pior quando despertou
na cama vazia, de um quarto vazio.

Evitou Amicia durante os dias seguintes, comendo em seu


quarto e evitando a sala de repouso. Um exílio em sua própria casa.

— Foi-se, milady. — Disse Kate ao entrar no quarto de Lyonene.

— Foi? Quem se foi?

— A mulher, a mulher franca. Chegou um mensageiro esta


manhã cedo com uma carta para ela e em poucos minutos pediu que

326
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

selassem um cavalo e se foi. Levou pouca roupa. Acha que não


voltará?

O coração de Lyonene se acelerou um pouco ao pensar que


poderia haver-se desfeito dessa odiosa mulher.

— Não sei. Esse mensageiro, que estandarte levava?

— Levava o de Malvoisin, o Leão Negro.

Notou que ficava pálida.

— Viu a carta, Kate? — Sussurrou.

— Sim, milady. Está em cima de sua cama, mas não sei ler.

— Traga-me.

Com as mãos trementes, Lyonene desdobrou o papel.

Venha até mim.

Ranulf

A carta caiu no chão.

— Milady, milady! — Kate correu para lhe trazer uma taça de


vinho. — Beba isto!

Lyonene bebeu um pouco do líquido. Tudo era verdade! Cada


palavra era verdade! Era a letra de Ranulf e era também seu selo
sobre a cera. Só ele levava o selo do conde de Malvoisin e nunca o
deixava com ninguém.

Amicia se foi por três dias, três dias de inferno para Lyonene.
Tinha gasto todas as lágrimas. Kate tomou conta dela, e ela estava

327
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

vagamente consciente das pessoas ao seu redor. Lucy tentou ajudar


dizendo que nenhum homem valia todo esse alvoroço, e lhe contando
que também foi um golpe muito duro para ela, quando seu primeiro
marido tomou a outra mulher, mas ela tinha que seguir vivendo.

Chegou outra carta de Ranulf, e a resposta de Lyonene foi seca e


breve, onde só fazia um resumo do que tinha se passado no castelo.

— Lady Lyonene, está doente? Nunca a vi tão cansada. — Amicia


a saudou na sala depois de sua chegada. — Reconheço que não há
nada melhor que uns dias no campo para refrescar-se, embora as
tendas sejam um pouco calorosas no verão, não acha?

Lyonene passou rapidamente ao seu lado e saiu da casa.

O moço do estábulo, que já não tinha medo desde que Lyonene


tinha passado um momento com ele e Loriage, selou seu cavalo. Uma
vez em sua montaria, ela esporeou o animal e cavalgou o mais rápido
que pôde, contente de notar o vento e o exercício. Chegou ali antes de
dar-se conta que tinha cavalgado para a clareira, o bonito lugar onde
tinha contado a Ranulf que iriam ter um filho. Nesse momento tinha
sido imensamente feliz, com uma felicidade que agora sabia que já
não voltaria. Deitou-se no chão coberto de musgo, com o rosto
escondido entre suas mãos.

— Eu te amo tanto, Ranulf, por que você não poderia me amar


em troca? — Sussurrou.

Quando voltou esta noite, tinha tomado algumas decisões.


Ranulf a tinha escolhido para casar-se, e embora não a quisesse como
amante, cumpriria com os deveres que se esperavam de uma esposa.

328
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Estou contente de que se sinta melhor e possa comer comigo.


É uma pena estar grávida com este calor. Espero não me encontrar
nunca nesse estado. — Lhe disse Amicia sorrindo.

Lyonene estirou a saia sobre seu ventre.

— Acaso não sabe falar de outra coisa, além de meu marido? —


Repôs com aspereza.

— Mas se não mencionei lorde Ranulf! Embora, se estiver


interessada, posso lhes contar como vai o sítio...

— Não, não tenho vontade de ouvi-lo.

— Asseguro-lhes que a entendo. Falaremos de outras coisas.


Direi-lhe que a cada dia tenho mais carinho a Brent. Há momentos
que recorda o Ranulf. É a maneira que tem de caminhar, creio. Diga-
me, o que ocorreu a Ranulf para que tenha essa horrível cicatriz que
vai do estômago até... ? Perdoe, milady, íamos falar de outra coisa.

— Amicia, já é suficiente. O que faça meu marido não é meu


assunto, mas não permitirei que em minha própria casa conte estas
histórias sobre suas... suas ações. Se não parar, enviarei-lhe para a
sala das tropas.

Amicia estreitou os olhos.

— Não, milady, não acredito que deva fazer isto.

— Não me ameace. Tenho o poder do castelo durante a ausência


de meu marido e se quiser posso dar a ordem de que a pendurem,
ninguém poderá impedi-lo.

329
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Suas ameaças não me assustam. Eu não me arriscaria a


desatar a ira de Ranulf, e embora ainda não vi sua cólera, posso
imaginar que não deve ser agradável. Sugeriria que suportasse minha
presença com fortaleza. Ranulf tomará suas próprias decisões quanto
ao meu lugar nesta casa.

As duas mulheres se olharam fixamente e nenhuma das duas


cedeu até que Hodder chegou para retirar os pratos da mesa.

Exausta, Lyonene caiu pesadamente em sua cama aquela noite.


A manhã trouxe um mensageiro com uma carta de Ranulf:

É tarde e não posso dormir. Meu pajem não me consideraria tão


homem se soubesse que tenho saudades de uma menina. Noto que
está preocupada. Oxalá pudesse estar aí com você.

Não pode me escrever sobre outras coisas, além de William de


Bee? Envie-me uma dessas suas malditas rosas pelas qual se
preocupa tanto.

Não passa um só momento em que não pense em você.

Ranulf

Aproximou a carta do peito. Como podia escrever estas cartas a


ela, depois de pedir a Amicia que fosse ficar com ele?

Acaso Lucy tinha razão e um homem podia amar de verdade a


uma mulher e deitar-se com muitas outras?

Esqueceu-se de Amicia durante um momento e correu a escrever


sua resposta à carta. Contou-lhe sobre sua solidão, de sua viagem ao
prado, mas não mencionou a dor que sentiu ao saber que tinha

330
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

estado com Amicia. Se ele tivesse insinuado que desejava que sua
mulher fosse vê-lo, Lyonene teria saído correndo, descalça se fosse
preciso, mas não tinha mencionado nada sobre essa possibilidade e
teve muito cuidado em não deixar transparecer seus sentimentos.
Enviou-lhe, além disso, uma carta a Brent, lhe contando coisas sobre
os cavalos e os falcões.

Quando as cartas estiveram preparadas, pediu a Dawkin que


enchesse uma caixa com fruta em conserva e uma vasilha com
pepinos japoneses e cebolas em vinagre. Logo saiu ao jardim e pegou
umas flores. O mensageiro começou a protestar, mas Lyonene o fez
calar com um só olhar. Os caules foram envoltos com tecidos úmidos
e empacotados em musgo e logo com várias capas a mais de tecidos
úmidos. Solenemente, William de Bee trouxe uma bolsa dura de
couro que protegeria esse enorme ramo no lombo do cavalo.

Pregou um casulo de rosa com cera na parte inferior da carta


para Ranulf e a selou. Para Brent, Lyonene enviou um cinto de couro
selado com o leão de Malvoisin e uma diminuta esmeralda na fivela.

Enquanto o mensageiro saía cavalgando, sentiu-se mais feliz do


que tinha estado fazia semanas. Não viu a cara cheia de cólera de
Amicia enquanto a observava da janela da sala de repouso. “Tiveste
tudo em sua vida, já é hora de compartilhar um pouco. Eu terei o
marido rico e o amor dos servos.”

Lyonene sorria quando começou a subir as escadas, pensando


na reação de Ranulf ao receber as flores.

331
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Parece muito contente hoje. Alegro-me de que não esteja


doente como ultimamente.

— Sim, obrigada. Sinto-me muito melhor.

Um pequeno objeto oculto na saia de Amicia fez um suave som


quando caiu no chão. Lyonene se agachou para recuperá-lo. Dizer
que sua alegria desapareceu seria muito suave, pois na mão tinha a
fita, a cópia do cinto com o leão que tinha enviado ao castelo do
Gethen com o Ranulf.

— De onde pegou isto? — Pôde articular, a garganta seca.

Amicia tratou de agarrar a fita, mas encolheu os ombros quando


Lyonene a afastou rapidamente dela.

— Pedi-o e ele me deu. É muito bonito, não acha? — Lyonene se


dirigiu a seu quarto sem soltar a fita. Uma vez sozinha, lançou-a com
todas suas forças o mais longe possível. “Eu lhe envio flores e você dá
meu presente a outra. Diga-me, será tão generoso com nosso filho?”

Não chorou, mas sim se dirigiu à sala de repouso e terminou seu


trabalho de costura. Não queria pensar que aquela roupa era para
seu marido traidor que lhe enviava falsas palavras doces. Quando
Amicia entrou na sala, Lyonene lhe dedicou um doce sorriso e não
falaram mais do Ranulf.

332
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 13
Passaram três longos dias até que Lyonene recebeu a carta mais
extensa de Ranulf.

As flores chegaram perfeitamente. Levei sete delas aos meus


homens, pois eles parecem tão cansados quanto eu. Dói-me a cabeça
esta manhã, pois a noite de ontem passei com Maularde e um barril de
vinho. Não sabia que este homem falava tanto. Ama a uma moça que
conheceu no torneio de Eduardo e quer casar-se com ela. Quero que
vivam em Malvoisin, pois não posso renunciar aos meus homens.

Até mesmo Brent está cansando desta horrível batalha. Sentiu-se


muito afetado quando ouviu o que lhe dizia dos falcões. Sempre usa o
cinto que lhe mandou. Não quer banhar-se e se passar outra semana
assim, não deixarei que entre em minha tenda.

Alguém roubou a fita que tão lindamente você me deu. Fiz com
que revolvessem o acampamento, mas não a puderam encontrá-la.
Perdoe minha falta de atenção.

Pedi que costurem a rosa que me mandou em minha jaqueta de


couro. Não se esqueça de mim.

Seu cavaleiro,

Ranulf

Tinha escrito que tinham roubado sua fita quando na realidade


a tinha Amicia. A mulher não podia ter ido ao acampamento sem que

333
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

ele a tivesse visto. Tampouco era possível que Amicia enviasse suas
próprias mensagens ou que tivesse acesso ao selo de Ranulf. Lyonene
recordou as histórias sobre a primeira mulher de Ranulf: dizia-se que
tratou de suicidar-se, de tão infeliz que era. De que maneira a traiu
para que a mulher tratasse de cometer um pecado mortal?

Fazia só seis meses que se casaram, e já era um professor na


mentira e no engano. Até onde poderia chegar em três anos? Um
homem não ganha o apelido de “gerado pelo diabo” por nada.

Agarrou uma pluma, tinta e papel e se dirigiu à sala de repouso.


Não deixaria que soubesse que estava sabendo de seu desonroso
comportamento. Deveria ter sido honesto com ela e lhe dizer que já
não a desejava, em lugar de enviar bonitas cartas enquanto a
enganava.

Amicia estava de pé junto à janela, com uma carta na mão.

— Vai lhe escrever?

Lyonene assentiu

— Vou enviá-la com o mensageiro quando retornar ao


acampamento. Possivelmente a possa dar eu mesma. Tenho que
preparar algumas coisas.

Amicia saiu rapidamente da sala. Sua carta estava aberta em


cima da cadeira e Lyonene não pôde evitar aproximar-se. Não a tocou,
não havia necessidade. A última linha era bastante clara:

Eu te amo, minha Amicia.

Ranulf

334
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Quando Amicia voltou, Lyonene se encontrava sentada diante da


mesinha. Tinha enrugado a carta que tinha começado a escrever.
Baixou as escadas que conduziam ao pátio, onde aguardava o
mensageiro. Amicia se adiantou para o pátio exterior, supostamente
para ir procurar um cavalo para a viagem.

— Têm alguma mensagem que quer que entregue?

— Não. Mas diga ao meu marido que seu filho está bem e seu
castelo está bem cuidado.

O menino parecia duvidar, mas se virou e dirigiu seu cavalo para


o portão por onde tinha saído Amicia.

Desta vez a mulher só passou uma noite fora. Quando voltou,


mostrou orgulhosa a Lyonene um bonito frasco de cristal de rocha e
ouro que continha uma pequena quantidade de perfume: a mulher
franca cheirava a essa fragrância.

— É um presente muito caro e, conforme se diz, bem merecido.


Juro-lhe que nunca tinha passado uma noite como esta. Não é de
estranhar que já esteja prenha com um marido como ele.

— Fora! Não suportarei mais! Que passa as noites com a mais


baixa das mulheres, é um fato, mas que depois você venha alardear e
mostrar os bens obtidos com suas artimanhas é o cumulo. Não
suportarei mais seus insultos. William! Ensine a esta mulher seu
novo quarto. Pode ficar no castelo, mas fora no pátio interior. Envie-a
a torre da guarnição, pouco me importa!

335
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Apesar de estar acesa pela raiva, pareceu ver no assistente um


ligeiro sorriso.

Amicia sorriu indolentemente, sabendo o que ia ocorrer.

— Vai se arrepender disto. Será você quem terá que abandonar


esta casa e serei eu quem dará as ordens. — Se desfez do braço de
William e desceu as escadas diante dele. Deteve-se diante da porta e,
sem voltar-se, começou a rir, com uma risada horrível que encheu a
sala, fazendo arrepiar a pele de todo aqueles que a escutou.

Agora que a mulher se foi, voltou quase instantaneamente a


suavidade aos aposentos. Os sons habituais voltaram a se escutar e
os servos caminhavam mais rápido. Lyonene, incluso, acreditou ver
que Hodder sorria. Selou Loriage e saiu disparada para a reservada
clareira onde poderia estar sozinha.

Mas dispensando Amicia, não tinha diminuído seus temores.


Ainda podia ver a carta de Ranulf que falava de amor, algo que ela
desejou durante muito tempo, mas essas palavras tinham sido para
outra. Por que se casou com ela? Não era pelo ouro, tinha
demonstrado que não era por amor e não tinha compartilhado a cama
com ela até pouco, qual era então a razão?

Um ruído a afastou de seus pensamentos, um som familiar de


metal contra metal. Virou-se e o viu diante dela, com um sorriso no
rosto.

Seu coração começou a pulsar com força. Ranulf estava diante


dela, o homem que tinha amado tão intensamente, mas também que

336
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

oferecia seu amor a uma mulher que fazia pouco tempo que conhecia,
e não a ela.

— O sítio... terminou? — Sussurrou com voz afogada. Ele se


sentou pesadamente ao lado dela.

— Por que não me respondeu a carta? — Sua voz soava quase


morta.

— Fez toda esta viagem para me perguntar isto? Não poderia ter
enviado outro mensageiro?

— Não me faça mais perguntas e responda à minha.

Lyonene olhou as mãos.

— Não acreditava que se interessava por minha resposta. Estou


bem, como pode ver, e estou grávida de seu filho. William se
encarrega do castelo à perfeição.

— Lyonene, o que tem acontecido para que fique assim? Estou


cansado. Cavalguei uma noite e um dia sem parar para vê-la e agora
me dá um frio recebimento.

— Não sou eu quem está fria.

Ranulf tirou o elmo da cabeça e se inclinou para molhar o rosto


e o cabelo no riacho.

— Não entendo nada do que está ocorrendo. Acaso minhas


cartas a desgostaram? Não estou acostumado a escrever missivas
assim. Geoffrey disse que não sou hábil com a pluma, embora meus
professores nunca se queixassem durante meus estudos. — Se apoiou

337
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

em uma árvore, com a pesada armadura. — Não queria lhe ofender,


mas parece que o tenho feito.

Lyonene não podia conter as lágrimas. Em geral, Ranulf estava


sempre tão seguro de si mesmo... Lembrou-se da última vez que
tinham estado juntos na clareira, de como tinha vangloriado, de como
ficou contente quando ouviu a notícia do filho que viria.

— A criança te incomoda? — Lyonene manteve a cabeça baixa


para que Ranulf não pudesse ver suas lágrimas e sacudiu a cabeça
negativamente. — Acaso meu negrume se tornou mais horrendo
durante o tempo que estive fora, tanto que já não pode me suportar
mais? — Lyonene sacudiu a cabeça de novo. — Pelo que há de mais
sagrado, Lyonene, olhe para mim! — Gritou Ranulf exasperado. —
Deixei uma esposa que ria e que me beijava e quando volto ao fim de
um mês, ela me odeia.

As lágrimas nublavam sua visão e afogavam suas palavras.

— Não o odeio.

— Então, por que primeiro me envia flores e alguns dias mais


tarde só me manda uma mensagem através de um moço nervoso?

— Só veio porque fiz isto? Por essas poucas palavras?

A dor que ela viu nos olhos de Ranulf oprimiu seu coração como
se um cinto metálico o apertasse.

— Não, — se justificou Ranulf — só era uma desculpa. Vim


porque pensava que minha leoa estaria me esperando com beijos e

338
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

com os braços abertos. Estou farto de palavras grosseiras e de


batalhas.

Estendeu a mão, com a palma para cima e, antes que ela se


desse conta, já estava em seus braços, com a cota de malha de aço
machucando sua suave pele.

Lyonene começou a chorar apoiada nele. As lágrimas


escorregavam pelo pescoço de Ranulf. Este provocou:

— Vai oxidar minha cota de malha. Se tivesse sabido que só


obteria lágrimas, em lugar de vir, teria ficado com Maularde. Não
pode me conceder um só beijo?

Lyonene colocou uma mão de cada lado de seu rosto e o beijou


com uma violência que não sabia que possuía. Ele a aproximou ainda
mais dele, beijando-a com mais força ainda, com os lábios esmagados
um contra o outro. Seus desejos acumulados se soltaram em uma
paixão de fogo líquido.

Ele se afastou dela.

— É verdade que se lembra de mim?

— Não, não o conheço. É uma besta negra que veio aqui para me
fazer amor.

Ranulf passou seus lábios pelo pescoço de Lyonene.

— Você me tomaria como estou, porque temo que até mesmo eu


vou sufocar com o fedor que tenho.

339
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, Ranulf, tomaria fosse qual fosse seu aroma ou sua


traição.

— Do que está falando?

— Vai perder mais tempo falando? — Lyonene começou a


desabotoar o pesado cinto que segurava sua espada.

— Não. Não necessito mais palavras.

Um mês de separação tinha aumentado o desejo de um pelo


outro até o ardor da febre. Sentiam-se frenéticos e torpes, enquanto
arrancavam as roupas do corpo. Ranulf, vestido de guerra, era mais
lento, já que a cota de malha era difícil de tirar. Quando Lyonene
ficou nua diante ele, com a luz do sol filtrada, mostrando sua pele
dourada, ele se deteve e ela correu para ele. Sentiu a fria cota de
malha de ferro em sua pele, beliscando-a e mordiscando-a, mas a
suave dor só fazia aumentar seu desejo para ele.

— Não, não remova, venha para mim.

Puxou-o para ela sobre o chão de veludo, saboreando o contraste


da masculinidade morna, suave e úmida pele de Ranulf contra suas
pernas e, sentindo a dureza maciça e fria do aço contra seus suaves
seios.

Juntaram-se quase violentamente, Lyonene gritando no


princípio de doloroso prazer. Seus quadris se levantaram para
satisfazer as necessidades de Ranulf e ambos se elevaram para novas
alturas de fúria, de mares revolvidos pela tempestade, de uma
explosão de luzes de plenitude.

340
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Repousaram juntos, estreitando-se, com seus corações pulsando


com força, saciados nesses momentos, depois de fazerem amor.
Ranulf se voltou para ela e a segurou com uma perna que pôs sobre
seus quadris. Acariciou-lhe a bochecha, olhando-a com olhos tenros e
felizes.

— Acredito que me agrada mais do que recordava.

Lyonene sorriu.

— Obrigada, milorde. Alegra-me poder agradar a um homem tão


poderoso como o Leão Negro.

— Dá-me muito crédito. Temo que o Leão Negro não tem muito
poder nestes momentos.

— Está equivocado, pois seu fedor me mantém aqui embaixo.

Ranulf riu.

— Uma moça que quer que a tome usando todo este ferro não é
uma dama muito delicada.

Lyonene rodeou seu pescoço com os braços e o atraiu para ela


em um feroz abraço.

— Não, acredito que não sou uma dama quando estou perto de
você. — Lyonene o afastou e lhe deu um beijo. — Ajudarei que tire
esta coisa pesada e depois voltaremos para casa. Possivelmente
poderia compartilhar um banho quente com você.

— Uma perspectiva encantadora.

Ela o ajudou a tirar a cota de malha e ele a aproximou para ele.

341
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não me disse a causa de sua cólera para mim. E não me diga


que não estava encolerizada, porque aprendi a conhecê-la.

— Não, não importa minhas razões. A cólera e as razões


terminaram. Agora está comigo, e não há nada que me importe mais.

— Desde que me casei com você me tornei um homem velho em


determinadas coisas. — Repôs Ranulf. — Não acredito que seus
problemas tenham terminado, e não acabará se não me conta quais
são as causas. Sou um marido tão temível para não merece sua
confiança?

— Não é sua confiança em mim o que me aflige, a não ser a que


eu tenho em você. Não me faça mais perguntas. Agora se foi a aflição
e estamos juntos. Não peço nada mais.

Ranulf a beijou na testa, não muito tranquilo com sua resposta,


diante da impossibilidade de saber mais. Agarrou-a nos braços e a
examinou: seus peitos se incharam um pouco e seu ventre estava
mais duro e um pouco mais redondo. Ele passou suas mãos pelo seu
corpo.

— Espero merecer sua aprovação e que tenha feito uma boa


compra.

Ranulf não fez caso de suas palavras.

— Acreditava que as mulheres ficavam doentes quando estavam


grávidas. Não parece que a afete meu filho.

Lyonene encolheu os ombros.

342
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Acredito que algumas mulheres adoecem. Estou contente de


não estar doente. Meu marido me dá suficientes preocupações para
acrescentar as do filho.

— Sou um homem com um temperamento muito dócil e nunca


lhe dei nenhuma razão para se preocupar.

— Sou eu a que me causo meus próprios problemas, então.

Ranulf franziu o cenho, pois sua conformidade era mais


alarmante que sua cólera. Agarrou-a e a aproximou contra seu peito,
quase assustado por suas estranhas palavras.

— Escudar-lhe-ei, sejam quais sejam seus problemas. Deseja a


outro homem? — Agarrava-a tão forte que Lyonene quase não podia
respirar. Lyonene lhe deu um murro com todas suas forças debaixo
das costelas.

— Têm um cérebro diminuto e não vou satisfazê-lo com uma


resposta. Se vista para que possamos voltar para casa.

Enquanto ele se virava com ares de suficiência, Lyonene não


pôde resistir a fazer uma brincadeira.

— Não poderia haver outro homem, pois você levou a todos os


homens bonitos quando carregou a guarda.

Ele agarrou seu pulso com tanta força que começaram a brotar
lágrimas de dor dos olhos de Lyonene.

— Ranulf, me solte! Só estava brincando. Não quero a outro


homem. Soltem-me, bruto!

343
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ele soltou seu pulso e sorriu um pouco envergonhado.

— Temo que haja brincadeiras nas quais não vejo humor. Já


disse que nunca a compartilharei.

Os olhos de Lyonene ardiam intensamente.

— E quanto a você, meu marido, devo compartilhar? — Sua voz


soava séria, quase como um sussurro.

Ele pareceu sobressaltado, pois sua pergunta o surpreendia.

— Nunca tinha pensado nisto. Acho que é diferente com um


homem do que com uma mulher.

— Acaso meus sentimentos de dor e ciúmes são menos


importantes porque você é um homem?

— Não, não posso responder. Nunca tinha considerado isto até


agora. Todos os homens vão à guerra e sempre há mulheres. Não
acredito que seja o mesmo. — Ranulf falava a sério, suas
sobrancelhas se enrugavam enquanto tratava de concentrar-se.

— Todas as mulheres devem esperar enquanto seus maridos


estão na guerra e sempre há homens.

— Você se incomodaria que eu tivesse outras mulheres?

— Você acha que poderia suportar saber que houve as mãos de


outro homem em mim? Não, não me machuque de novo, eu só uso
palavras. Tampouco eu gosto de pensar que outras mulheres o
toquem.

344
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf a atraiu para ele, agarrando-a pela cintura e levantando-


a acima de sua cabeça.

— Ouvi dizer que os leões só têm uma companheira,


possivelmente, eu seja um leão de verdade. Suas palavras são novas
para mim e, na realidade, nunca tinha passado a ideia pela minha
cabeça. Inclusive, o rei Eduardo... não, não vou contar intrigas da
corte. Vou pensar nesta nova ideia. Mas agora tenho fome. Por que
não vamos procurar esse horrível animal que monta e voltemos para
casa?

— Loriage é muito bonito! Só está ciumento de que seja dócil


unicamente comigo.

— Suas palavras têm algo de verdade. Odeio a todos os homens


que estão perto de você, seja um cavalo ou um pássaro. Por que não
pode ser como as demais mulheres e montar uma égua pintada?

— Se fosse como as demais mulheres, não me quereria. Sou a


única mulher que não lhes tem medo e nem o adora. Você foi muito
mimado em sua vida. Pergunto-me como devia ser sua mãe para criar
a um homem como você.

— Minha mãe era uma dama, tranquila e amável, não muito


distinta da sua. Vi como lady Melite estremecia, mais de uma vez, ao
ver seu rebelde comportamento.

— Nunca fui rebelde! — Afirmou Lyonene enquanto Ranulf a


ajudava a montar na sela. — Era por sua maneira de me adular. Não
podia evitar zombar de um homem que me olhava com esses enormes
olhos brilhantes.

345
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Se não estivesse tão faminto, faria que se arrependesse dessas


palavras. — Seu braço se moveu rapidamente, rodeando-a e
montando-a sobre Tighe, em frente a ele. — Acredito que já o faço.
Agora tente ser uma dama durante um momento.

— Ser uma dama não me dá como recompensa ser atacada por


um bonito cavaleiro. — Lyonene rebolou seu traseiro.

— É você a que me ataca, eu...

— Me poupe. Sempre tão amável, tão bom caráter, já o ouvi


antes. Diga-me, como ganhou o apelido de gerado pelo diabo?

Ranulf passou os dentes pelo seu pescoço e o ombro, fazendo-a


estremecer.

— Não me deram esse apelido para virar brincadeira de uma


menina insolente. — A estreitou ainda mais em seus braços. — Eu
sempre fui satisfeito onde quer que estivesse, mas agora, acho que
não posso suportar estar longe de você. Você é como comida ou
bebida para mim, uma coisa que devo ter para viver. Você não sabe
como sua raiva me fez sentir. Seguirá me mandando horríveis
mensagens?

— Sim, acredito que o farei, pois o trouxe para mim, algo que
umas palavras doces não teriam conseguido.

— Não têm nenhum respeito pelas obrigações de seu marido.

Lyonene tirou a mão de Ranulf de sua cintura e a beijou.

— Um marido tem outras obrigações além da guerra. —


Cavalgaram juntos para as imponentes muralhas cinza de Malvoisin,

346
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

satisfeitos e felizes de estarem juntos de novo. Trouxeram água


quente a seu quarto quando o céu se escureceu e começou a chover.
Acenderam o fogo para se protegerem do frio.

Lyonene banhou a Ranulf, ambos desfrutando e rindo com seus


jogos amorosos. Só um instante danificou a felicidade de Lyonene.

— O que aconteceu com nossa convidada franca? Não me diga


que deu rédea solta a sua cólera e lhe cravou uma adaga? Embora
haja vezes que teria gostado que alguém o fizesse.

— E de que momento fala? Só a conhece faz apenas uns poucos


dias. Não pode ser que a tenha visto como é realmente seu caráter em
tão pouco tempo.

Ranulf evitou um olhar intenso de sua esposa.

— Conheci à mulher, mas não percamos nossas poucas horas


falando dela. Seja qual seja a razão, estou contente de que não esteja
aqui.

Lyonene tampouco tinha vontade de continuar com o mesmo


assunto, pois a maneira de atuar de Ranulf demonstrava que
escondia algo, e nesses momentos tão agradáveis, não tinha vontade
de romper o feitiço, falando do que tinha destruído sua paz durante
todo o mês anterior.

— Quando deve retornar a seus cavaleiros?

Ranulf saiu do banho, nu e molhado, com sua pele que brilhava


à luz dourada do fogo. Aproximou-a dele e a água molhou as roupas
de Lyonene. Beijou-a e ela se aproximou mais.

347
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É o perfeito substituto da toalha. — Murmurou Ranulf. —


Amanhã partirei. Sshh, — disse, pondo um dedo sobre seus lábios —
não proteste e nem faça minha volta mais difícil. Não sou um homem
que deve deixar que meus cavaleiros lutem sozinhos por minha
causa. Dispomos desta noite para estarmos juntos e será pouco
tempo, pois logo se fará dia. Tentemos aproveitá-la o melhor possível.
E tire estas roupas úmidas. Molhará o chão.

Ela sorriu e começou a despir-se. Fizeram amor lentamente, sem


a pressa de antes, explorando ambos os corpos.

Lyonene estava exausta da tensão do mês anterior, e liberar


suas preocupações, o desassossego pelas correrias amorosas de seu
marido, proporcionou-lhe um contente e pacífico sono. Quando
Ranulf começou a afastar-se um pouco dela, se agarrou a ele
enquanto dormia. Ele suspirou de prazer e a colheu com força.

— Você pode saber o quanto eu te amo, pequena Leoa? —


Sussurrou a seu corpo adormecido. — Você pode saber o desejo e a
saudade que sinto quando estou longe de você? — Beijou-lhe a testa e
dormiu, abraçando-a com força.

Lyonene despertou e abriu os olhos para ver o rosto adormecido


de Ranulf. As pestanas negras de Ranulf eram quase como as de uma
moça e seus lábios eram suaves e doces. Moveu-se, beijou a cicatriz
que tinha na bochecha e Ranulf despertou. Olhou-a nos olhos
sorrindo e, com uma mão afastava seu cabelo de seu rosto.

— Estou contente de o ver de novo. Começava a duvidar de que


se lembrasse de mim. — Disse Lyonene com calma.

348
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Eu esqueci às vezes, mas algumas coisas estavam lá para me


lembrar de você.

— E que coisas eram?

— O sol, a lua, o vento, o pasto, só pequenas coisas.

Ela riu e se aproximou mais dele.

— Eu gostaria que não voltasse para essa batalha, tenho medo.

— Não há perigo, o único que poderia acontecer é que um


bêbado me lançasse um elmo de madeira na cabeça.

— Não, não estou brincando, e não é a batalha o que me dá


medo, a não ser outra coisa.

— Deveria temer a ira do Leão Negro, pois lhe faz perder tempo
com tanto falar. Não conhece uma melhor maneira de enviar seu
cavaleiro à batalha?

Deixou-se acolher pelos braços de Ranulf durante um momento


enquanto se esquecia de seus medos, mais tarde a perseguiram de
novo, enquanto via como Hodder o ajudava a colocar sua pesada cota
de malha.

— Não me olhe como se fosse a última vez que vai ver-me. Vá


procurar Dawkin para que prepare comida que possa levar ao
acampamento.

Enquanto Lyonene estava ausente, chamou-lhe a atenção algo


que brilhava em um canto do quarto. Agachou-se para recolhê-lo e
viu que se tratava da fita que Lyonene tinha costurado como réplica

349
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

de seu adorado cinto. Ranulf franziu o cenho, sem entender como


podia ter chegado aí, já que a última vez que a tinha visto foi em sua
tenda, perto do castelo de Gethen. Havia algo que a preocupava e ela
se recusava a dizer o que era, mas ele intuiu que a fita tinha algo a
ver com seus problemas. Suspirou e meteu a fita na bolsa de couro
em sua cintura. Quando confiasse nele, confessaria seus medos. Até,
então, devia esperar, pois imaginava que nada menos que a tortura a
forçaria a responder a suas perguntas.

Lyonene não chorou quando Ranulf partiu a cavalo, com seu


guarda atrás dele, mas sim, ficou em silencio no pátio interior. Um
sentimento muito forte lhe oprimia o peito, como se tivesse um peso
muito grande sobre ela. Sentou-se sozinha no jardim durante um
momento, tratando de desfazer-se desse sentimento horrível, mas não
conseguia.

Passou uma semana tranquila e Lyonene quase se esqueceu de


seus medos. Mas um ruído no piso de abaixo lhe acelerou o coração.
A porta da sala de descanso se abriu e Kate entrou.

— Milady, me perdoe, mas ela está causando muito alvoroço. Diz


que deve vê-la imediatamente.

— Mande-a entrar.

Nem Lyonene nem sua donzela sentiam a necessidade de


explicar de quem estavam falando.

350
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Amicia entrou na sala lentamente, olhando ao seu redor com ar


majestoso, como se estivesse admirando as magníficas proporções, as
tapeçarias, as decorações. Estava se ainda era possível, mais magra
que antes.

— É tal e como o recordava.

— Não me saúda, Amicia?

Amicia sorriu.

— Sou lady Amicia, acredito que se lembra. Não, não saúdo. A


condessa de Malvoisin não precisa rebaixar-se a saudar filhas de
barões.

— Têm-me intrigada com seu enigma, pois sou tanto condessa


como filha de barão.

— Filha de barão, sempre o será, mas não estou segura de que


possa manter seu título.

Lyonene sentiu que a cólera começava a aparecer.

— Não jogue com as palavras e vá direto ao ponto. Se tiver algo


que me dizer, diga-me e parta.

— Lady Lyonene, seu medo a delata. Tenho notícias que poderia


fazer que você e eu estivéssemos em paz.

— Não pode haver paz entre as duas. Que notícia me traz? — O


rosto de Lyonene perdeu a cor. — Ranulf! Ocorreu algo a meu
marido?

351
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não. — Amicia colocou bem o manto. — Está bem, perfeito e


vigoroso a última vez que o vi. Seu medo está presente em seu rosto.
Ama-o muito?

— O que sinto por meu marido é meu assunto. Se não tiver nada
mais que me dizer, parta.

— Não, milady, tenho muito que dizer. O amor que sente por seu
marido também é meu assunto, pois é um amor que compartilhamos.

— Não voltarei a começar isto de novo. Acreditei em suas


mentiras uma vez, mas agora já não. Desapareça de minha vista. —
Lyonene se levantou furiosa.

— Me escutará, pois sua vida depende disso. Sim, sua própria


vida depende de minhas palavras. — A voz de Amicia soava lúgubre.

Lyonene se sentou de novo, pouco convencida, mas sentindo que


a mulher era capaz de algo.

— Diga o que tiver que dizer e parta.

— Lorde Ranulf demonstrou que é um homem volúvel, acredito,


quando se trata de mulheres. Só terá que ver como se prometeu a
você depois de conhecê-la somente por um dia. Eu dei-lhe
advertências que você não prestou atenção e agora deve pagar por
sua incredulidade e, sobretudo, por seu tratamento a mim. Assim
como Ranulf de Warbrooke a escolheu com pressa, então ele a
descartará rapidamente. — Seus olhos brilhavam como os de uma
serpente.

352
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não acredito em nenhuma palavra do que está dizendo. Meu


marido não me deixou sozinha. Seu comportamento não demonstra
que esteja cansando de mim.

—Sabe... — Insistiu Amicia maliciosamente. — Eu conheço


Ranulf muito melhor que você. Sei que é um homem que necessita
mulheres, muitas mulheres, e eu estou disposta a aceitar este tipo de
comportamento. E você também está lady Lyonene?

O único que podia fazer Lyonene era olhá-la fixamente, odiando-


a e, entretanto, escutando-a contra toda a razão, dizendo-se que
essas palavras eram falsas.

— Aceito a meu marido como ele é, e como devo.

— Muito bem dito por parte de uma esposa devota. Você vai
sentir o mesmo quando seu marido traga outra para esta bonita sala,
ou sente-se com outra a seu lado na mesa? O que dirá quando
favorecer a outro filho antes que o seu? — Esta última frase disse
quase sussurrando.

— O que quer dizer com outro filho? Ranulf não tem outro filho,
exceto o que levo comigo.

— Em breve, minha inocente dama, porque eu carrego um em


meu ventre, que é tão dele como o que você carrega.

— Não! Não lhe acredito! É o bastardo de outro homem, se de


fato leva um filho nesse ventre sem carne, e tenta me convencer de
que é de meu marido.

353
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Já a tinha avisado e lhe mostrei as provas do amor de seu


marido para mim. Acaso devo mostrar de novo as cartas? Pois já sei
que as viu. Devo lhe descrever os momentos íntimos de paixão
quando me deu a fita com os leões que me roubou? Não, vejo que
sabe que digo a verdade.

Lyonene tratou de sossegar seu coração acelerado, acalmar suas


emoções e pensar racionalmente. Quando decidiu falar, fê-lo com
calma e deliberadamente.

— Muitas mulheres devem olhar para o outro lado quando os


bastardos de seus maridos nascem. Eu sou tão forte como elas.

— Ah, muito razoável, mas acredito que se esquece do rei


Eduardo.

— E o que tem que ver o rei com um assunto tão feio como o que
acaba de expor?

— Temo que muito. — Amicia observava Lyonene, estudando as


reações a suas palavras.

— Como já mencionamos, é a filha de um barão, enquanto que


eu sou a herdeira das propriedades e da fortuna do duque de Vernet.
O rei Eduardo gostaria muito que a Inglaterra estivesse associada
com essas terras. Ele não expressou suas dúvidas quanto ao fato de
seu conde se casar com uma mulher humilde de berço? — Lyonene
não sabia o que responder, mas sua cabeça se enchia de lembranças.
— Se lembra da história de Gilbert de Clare, o conde de Gloucester?
Obteve o divórcio e pouco depois se casou com a princesa Joanna. O
que acha que dirá o rei Eduardo quando souber que a filha do duque

354
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

de Vernet leva em seu ventre um filho do conde de Malvoisin?


Acredita que rirá e que dará tapinhas no ombro de lorde Ranulf? Ou
acha que pensará na guerra que poderia causar um insulto tão
grande a França?

Lyonene não sabia o que responder.

— O que você vai fazer então? — Sua aguda voz continuava. —


Você se sentará calmamente quando o Papa dissolver seu casamento?
E o seu filho? Um filho que acreditava que ia herdar tudo será
deixado de lado e o meu se converterá em conde de Malvoisin. Ficará
aqui e compartilhará a cama de lorde Ranulf como sua amante? Ele
parece gostar muito de você. Estou certa de que continuará a fazê-lo,
mesmo quando não estiverem ligados um ao outro por um contrato de
casamento. Possivelmente voltará para seus pais? Acaso estarão
orgulhosos de sua filha? Casada uma vez com o grande Leão Negro,
seu ex-genro. Você será um prêmio, e seu pai terá pouca dificuldade
em encontrar outro marido. O que lhe parece a ideia de compartilhar
a cama com outro homem? Possivelmente não será tão forte como
lorde Ranulf, ou tão bonito, mas terá todo o necessário para lhe dar
mais filhos.

— Basta! Deixem-me em paz! Não posso suportar mais sua


presença. — Lyonene tampou as orelhas.

— Não é minha presença que a incomoda, mas a verdade que


você ouve em minhas palavras. Eu irei, mas você está longe de se
livrar de mim.

355
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Sozinha novamente, Lyonene sentou, atordoada, incapaz de


fazer um pensamento coerente. Kate ia e vinha, e Lyonene nem ouvia
nem respondia as suas perguntas. As palavras da mulher, em efeito,
soavam verdadeiras. Parecia-lhe recordar cada palavra dita na corte,
cada insinuação a seu matrimônio pouco apropriado com um conde.

E que acontecia a Ranulf? Parecia que não se importava com as


convenções, mas amava a seu rei, e sua honra era algo que apreciava
muito. E se o rei o pressionava? Conhecia a resposta, sabia que
Ranulf não desobedeceria ao rei. Não tinha mencionado Simón de
Montfort com ódio, condenando como esse homem se elevou contra o
rei e tinha tratado de derrotar a pai do rei Eduardo? Não, Ranulf era
um homem honrado e faria o que ditasse sua consciência.

Ela tentou costurar novamente, mas não conseguiu. E quanto à


crua afirmação de Amicia? A ideia de outro homem tocando-a trazia
um arrepio de repulsa. Mas poderia ficar e converter-se em sua
amante? Poderia ver Amicia em sua cama?

“Não!”, pensou, não poderia.

Trouxeram sua comida, mas não se deu conta de que mãos a


serviam. Dava voltas pela sala, depois parou para olhar pelo vidro da
janela. Os criados caminhavam pelo pátio com normalidade, como se
o dia, em que o mundo de Lyonene veio abaixo não tivesse existido.

Ranulf parecia vir até ela de todos os cantos, seu rosto, sua voz,
suas palavras. Não, confiava nele! Este pensamento trouxe novas
esperanças. Talvez Amicia tenha mentido. A letra poderia ter sido
forjada, a fita roubada. Ela não os tinha visto juntos, não tinha

356
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

nenhuma prova de que o filho de Amicia fosse de Ranulf. Se o filho


não era dele, o rei Eduardo não obrigaria Ranulf a anular o
matrimônio.

Devia ir até ele, sim, devia ver com seus próprios olhos se as
palavras de Amicia eram verdadeiras. Um olhar rápido pela janela
mostrou que era muito tarde, muito tarde para começar a viagem.

Sua mente trabalhava com rapidez e planejou tudo com muito


cuidado. Já tinha se disfarçado uma vez e voltaria a fazê-lo, só que
desta vez deveria viajar como um homem, ou como um moço. Roupa,
ela pensou. Necessitaria roupas; não roupas caras, que encorajariam
os ladrões, a não ser roupas de aprendiz, em busca de seu professor.
Necessitaria uma desculpa para viajar sozinha. Passou por sua
cabeça o fato de que seria uma viagem perigosa, mas em seguida a
afastou. Seu futuro e de seu filho eram primordiais.

Ela vasculhou um baú de Ranulf e tentou vestir-se com algumas


de suas roupas, mas elas eram irremediavelmente grandes demais e
os tecidos eram muito ricos para um pobre menino.

— Kate, venha aqui. — Sabia que a serva veria com receio o


olhar selvagem de sua ama. — Kate, já me ajudou antes e agora
necessito de novo. Tenho que ir ver lorde Ranulf, mas deve ser em
segredo. Ninguém exceto eu e você pode estar sabendo.

— Não pode ir ver sua senhoria sem uma escolta.

— Devo fazê-lo. Tenho que averiguar algo. Se eu estiver certa,


então me mostrarei e não haverá necessidade de segredo, mas se eu
me engano... Não, não quero pensar nisso. Mas necessito sua ajuda.

357
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Necessito roupas de homem que me sirvam, roupa de aprendiz ou de


homem simples. Acha que poderá consegui-la? E que esteja limpa.
Não quero que os insetos infestem minha pele.

— Sim, milady. Poderia consegui-la.

Lyonene esperou com impaciência que Kate voltasse. Agarrou as


roupas que havia trazido.

— Não o disse a ninguém? — Kate sacudiu a cabeça. — Parece


que ficarão bem. Que mais trouxe?

— São as roupas de homem que eu usarei.

— Você? Mas por que deveria você se vestir de homem?

— Para viajar com você.

Lyonene deixou de examinar a roupa.

— Não, Kate, não virá comigo. Devo ir sozinha.

— Irei com você ou contarei a todo mundo quais são suas


intenções.

Os olhos de Lyonene se estreitaram.

— Está me ameaçando?

— Sim, estou.

Lyonene não pôde evitar rir.

— Então, devo ceder. Partiremos pela manhã. Está segura de


que quer se arriscar?

358
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não me obrigue a pensar nesta loucura. — Disse a moça


enquanto ajudava Lyonene a despir-se.

O último pensamento de Lyonene antes de dormir foi que estava


condenada a ter sempre donzelas insolentes. Suspirou e deu graças a
Deus por ter Kate e Lucy.

Pela manhã cedo, enquanto Kate e Lyonene preparavam as


roupas, Hodder entrou no quarto. O homem nunca tinha aceitado
bem a sua nova ama, e os dois raramente intercambiavam palavra.

— Hodder, o que aconteceu?

— Preparei cavalos adequados para os três. Está nos esperando


fora dos muros do castelo.

Kate e Lyonene intercambiaram um olhar e a condessa se voltou


para o lacaio de seu marido.

— Não sei do que está falando. Não pedi nenhum cavalo.

— Não pretenderão se fazerem passar por um aprendiz


montando em um cavalo como Loriage. Não há ladrão na Inglaterra
que não atacasse para obter um cavalo como esse. Não fiquem me
olhando assim, devemos partir.

— Hodder, como...?

— Só direi que não há nada que ocorra em Malvoisin que eu não


esteja informado. Pertence a meu amo e ele me pediu que cuidasse de
você e isso é o que penso fazer. Agora terminem de se vestir. Direi que
foram ao povoado e que não voltarão até o anoitecer. Isso nos dará
tempo suficiente antes que se dê a voz de alarme.

359
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Muito atônita para fazer mais perguntas, Lyonene obedeceu.

Não usaram os disfarces até que chegaram no barco que os


levou da ilha de Malvoisin até a costa da Inglaterra. Hodder manteve
sua identidade e disse que ia com dois homens livres ver lorde Ranulf.
Kate e Lyonene esconderam cuidadosamente seus rostos e passaram
sem ser reconhecidas ao lado dos barqueiros.

Cavalgaram durante todo o dia e a maior parte da noite. Quando


se detiveram, Lyonene caiu esgotada sobre a manta que Hodder tinha
estendido para ela. O chão estava quente, mas duro, e quando
despertou, doía-lhe todo o corpo.

Quase tinha anoitecido quando chegaram ao castelo de Gethen,


mas Lyonene, estimulada por uma energia nervosa, não tinha
consciência da longa e exaustiva viagem que acabara de completar.
Quando viram as bandeirolas do Leão Negro, diminuíram o passo e
cada nervo de seu corpo lhe pedia que voltasse para Malvoisin; não
queria saber se as palavras de Amicia eram verdade.

Hodder notou seu medo.

— Podemos voltar, milady. — Disse calmamente.

— Não, devo averiguar.

O acampamento não estava fortemente vigiado. O cavaleiro que


viu os três moços não advertiu de nenhum perigo. O Leão Negro era
famoso em toda a Inglaterra e muitos foram visitar seu acampamento
com a esperança de vislumbrar o conde ou a sua Guarda Negra.
Consequentemente, Hodder foi capaz de levar as duas mulheres a

360
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

uma pequena colina perto da enorme tenda negra que Lyonene


conhecia tão bem.

Embora o cavaleiro que vigiava o acampamento não se


preocupava muito com os três desconhecidos, havia outro homem,
que sim, estava muito interessado. Deu uma volta pelo acampamento
e se mostrou muito satisfeito quando observou que os cavalos
procediam de Malvoisin. Examinou com atenção as costas das três
pessoas e sorriu amplamente quando viu a mecha castanha
avermelhada se sobressair de uma capa muito larga e uma diminuta
mão o pôs de novo em seu lugar. Voltou correndo a tenda que
compartilhava com outros cavaleiros da guarnição.

Lyonene foi a primeira a vê-la. Amicia caminhava com segurança


para a tenda de Ranulf e Lyonene se deu conta de que seu coração se
deteve junto com sua respiração. A mulher não estava mentindo, sim,
ela ia ao acampamento.

— Milady, deve se dar a conhecer. Não pode permitir que essa


mulher entre na tenda de seu marido. — Disse Kate indignada.

— Não, não posso me mostrar, pois... — se deteve ao ver que


Ranulf saía da tenda. Seu coração começou a palpitar fortemente
quando o viu, tão alto, com seu cabelo escuro que lhe recordava os
momentos que tinham passado juntos, uns momentos breves,
pensava agora.

Amicia chegou por detrás de Ranulf e o agarrou pelo braço,


virou-se para olhá-lo com uma mão sobre seu peito, acariciando-o. As
três pessoas não puderam ver o rosto de Ranulf, quando este se

361
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

voltou para a magra mulher. Amicia falava com ele e Ranulf a estava
escutando atentamente. Seus braços rodearam o pescoço de Ranulf e
Amicia ficou nas pontas dos pés e o beijou.

Lyonene se levantou e voltou para onde estavam os cavalos.

— Vi mais do que posso suportar. Vamos para casa.

A viagem de volta a Malvoisin se perdeu na memória de Lyonene.


A visão de Amicia nos braços de Ranulf era tudo o que podia ver.
Tudo era verdade! Tudo o que havia dito Amicia era verdade. Ela
acreditava que seu amor por Ranulf era suficientemente forte para
suportar os filhos de outra mulher, se fosse necessário, mas não
poderia suportar ver como ele se casava com outra, ou ver a si mesma
casada com outro.

Deixou que Kate cuidasse dela, obedecendo cegamente a tudo o


que lhe dizia. Nem sequer se deu conta de quando chegaram a
Malvoisin, ou quando Kate a despiu e a deitou na cama. Lyonene teve
um sono irregular, sentindo-se pior quando levantou.

Durante dois dias não percebeu nada do que ocorria ao seu


redor, sentava-se na sala de repouso, olhando o vazio sem fazer nada
ou tentando costurar sem muito êxito. Não sentia cólera, nem emoção
de nenhum tipo, quando Amicia irrompeu na sala de repouso na
manhã seguinte.

— Assim, agora sabe.

362
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, sei.

Amicia sorriu maliciosamente.

— E que diz agora de suas esperanças para o filho que carrega?


Possivelmente, lorde Ranulf lhe permitirá ficar e servir ao meu filho.
— Lyonene a olhava sem ânimo. — Não acreditava que fosse tão
egoísta. — Continuou Amicia. — Não parece que pensa muito em seu
filho, mas não se deixe inquietar por seu coração quebrado, muitas
mulheres viram como seus maridos se separavam delas, mas sempre
se preocuparam em proteger seus filhos.

— Não conheço nenhum modo de proteger a meu filho. Como


posso ir contra todo o mal que tramou? Eu sou uma aprendiz no
domínio das maldades que pratica.

Amicia se sentou junto a Lyonene e pegou sua mão fria. Lyonene


franziu o cenho para Amicia, cujo rosto tinha mudado para mostrar
agora uma grande preocupação.

— Lady Lyonene, peço-lhe que me perdoe por tudo neste


assunto. Sei que foi graças a você que me salvaram da tempestade,
que lhe devo minha vida. Não queria que isto ocorresse, mas lorde
Ranulf, não posso explicá-lo, o homem me olhou... vejo que você
compreende. — Amicia se inclinou mais em volta dela. — Eu era
virgem quando ele me tomou e não pude resistir. — Lyonene olhou
para o outro lado. — Nunca amei a um homem antes e agora direi
que o quero para mim, que devo tê-lo, assim como você o quer. Não
tenho o direito de pedir o seu perdão, mas há uma maneira, que
talvez, eu possa expiar alguns dos meus maus atos.

363
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não existe nenhuma maneira pela qual possa pagar o que têm
me feito.

— Sei, milady, e estou muito envergonhada. Você estava feliz


antes que eu chegasse e arrebatei toda sua felicidade. Se não levasse
um filho no ventre, não insistiria sobre este assunto. Voltaria para a
França e trataria de curar meu coração partido, o que certamente
seria o caso se eu deixasse lorde Ranulf.

— Como pensa me devolver algo que, em definitivo, roubou-me?

— Não posso te salvar, mas possivelmente, possa salvar a seu


filho. Neste momento está a caminho um mensageiro que avisará ao
rei Eduardo de minha presença na Inglaterra e também lhe dirá que
levo um filho no ventre. Tenho certeza de que o divórcio chegará logo.

— E como isto salvará ao meu filho? — perguntou Lyonene. Sua


boca era uma magra linha.

— Se desconhecerem seu paradeiro antes que o menino nasça,


será herdeiro do título de conde e do condado.

— Não confio em você. Por que se arriscaria a perder o título


para seu filho, me contando tudo isto?

Amicia encolheu os ombros.

— Devo-lhe minha vida e, além disso, pode ser que seja uma
menina. Ranulf deve deixar seu título a seu primeiro filho varão. Não
suas propriedades. Não arrisco tanto como parece.

Lyonene refletiu durante um momento. Não teria acreditado, se


ela parecesse sacrificar tudo pelo filho dela, mas era verdade que

364
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

devia a vida a Lyonene e que possivelmente queria recompensá-la de


algum jeito.

— Então, têm um plano?

Amicia pôs o dedo na boca e caminhou em silencio para a porta,


para certificar-se de que o corredor estivesse vazio. Voltou, sentou-se
ao lado de Lyonene e sussurrou:

— Isto deve ser feito em segredo. Ninguém deve saber, nem


sequer esse curioso lacaio ou inclusive sua donzela, entendido?

Lyonene assentiu.

— Arrisco-me muito em planejar isto e não quero que me


descubram. Ouvi que seu pai tem familiares na Irlanda. É certo?

— Sim, mas não os conheço, embora meu pai tenha falado


muito deles.

— Acha que eles poderiam alberga-la até que nasça o menino.

— Sim, acredito que o fariam se soubessem que estou em perigo.

— Bem, então arrumarei tudo para que um navio a leve até a


Irlanda. Ficará lá até que nasça o menino. Depois, quando estiver sã e
salva, poderá voltar para a Inglaterra. Para a casa de seu pai. Estou
segura de que o divórcio será definitivo, mas a Igreja não permitirá
outro casamento até que não a encontrem. Assim, seu filho será o
primogênito e conde.

Lyonene franziu o cenho.

365
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não o entendo. Se o divórcio for definitivo, como poderei estar


ainda casada com Ranulf?

Amicia a olhou com cara selvagem por um momento.

— É muito complicado de explicar. Deve confiar em mim, pois


sou a filha de um duque e conheço melhor a corte assim como suas
leis. Está de acordo com o plano?

— Não sei. Estou confusa. Eu...

— Você é egoísta! — Disse Amicia com cara de asco. — Eu lhe


ofereço segurança, uma maneira de escapar às dificuldades à sua
frente, que se você mesmo parar para considerar é uma indicação do
seu egoísmo. O que fará quando seu filho tenha vinte anos e lhe
pergunte por que não pensou nele e por que só desejava a esse bonito
pai? Então, não terá o marido que tanto anseia e nem o amor de seu
filho. Falará da confusão, pedirá que a perdoe quando ele for pouco
mais que um mendigo, bastardo declarado do conde de Malvoisin?
Possivelmente um dia veja meus filhos e se lembre...

— Basta! Vai muito depressa.

— Terá que apressar-se, pois acredito que o sítio terminará


muito em breve.

— Então Ranulf voltará e falarei com ele.

Amicia jogou a cabeça para trás e emitiu um gemido agudo que


se supunha que devia ser uma gargalhada.

— Você é mais tola do que parece. Preferiria escutar minhas


palavras da boca do homem pelo que sonha? Acaso pensa que não a

366
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

deixará partir para a Irlanda e frustrará os planos do rei que o


herdeiro do conde seja o neto de um duque franco? Não, milady, se
quer partir para a Irlanda, faça rapidamente antes que ele retorne.

— Eu... Quando sai o navio?

— Pela manhã.

— Tão cedo? Não tive tempo para pensar.

— Arrumei-o assim, para que não pudesse pensar. Observei-lhe


e sei que o desejo que sente por ele lhe trairá. Deve decidir agora,
neste momento, sim ou não, e em pouco tempo poderá ir.

Lyonene não sabia o que fazer. Tinha visto como Amicia beijava
Ranulf, pensou na relação de Ranulf com seu rei e logo pensou em
seu filho.

— Sim, irei.

Amicia lançou um sorriso triunfal.

— Tomou uma decisão muito sábia, milady. Esta noite deverá


preparar a bagagem, somente o que possa colocar na bolsa de couro
que vai sobre o cavalo, nada mais. E não deve contar seus planos a
ninguém. A ninguém! Entendeu?

— Sim, entendi muito bem. — Foi a resposta lúgubre de


Lyonene.

— Agora vou, mas pela manhã pegue seu cavalo negro. Diga que
na bolsa há roupa para os servos, se alguém perguntar, mas não faça

367
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

nada que possa parecer suspeito. O navio sairá antes que descubram
que desapareceu. — Amicia abandonou a sala.

Lyonene não se moveu, mas mais tarde, quando Kate a ajudou a


deitar-se na cama, começou a chorar e não parou até que o sol
começou a iluminar seu quarto com uma cor rosa. Essa seria sua
última noite como a senhora de Malvoisin, sua última noite na cama
de Ranulf. Levantou-se tarde, esperou até que o sol tivesse saído
completamente e, depressa, colocou um pouco de roupa na bolsa de
couro. Não levou joias, exceto o cinto de leão. Como lembrança, pegou
uma pequena caixa de marfim que pertencia a Ranulf, esculpida com
o leão de Malvoisin. Tinha sido feita para que contivesse seu selo, mas
agora estava vazia.

Olhou pela última vez seu dormitório, onde tinha sido tão feliz e
fechou a porta.

Chegar ao navio que a esperava na Ponta de St. Agnes foi muito


fácil. Só Kate percebeu o rosto marcado pela longa noite de pranto de
sua ama, mas Lyonene explicou facilmente dizendo que eram as dores
que causavam o bebê que carregava.

Seu ventre tinha engordado e acariciou a curva que se formava,


esperando que estivesse fazendo o correto fugindo.

368
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Pôde ver como içavam as velas e descobriu que era um dos


navios que pertencia a Ranulf, e que o utilizava para comercializar
com outros reinos. Amicia saiu de seu esconderijo entre os arbustos.

— Chega tarde e Morell teve que dar desculpas pelo seu atraso.
— Disse Amicia com um tom acusador.

— Morell?

— Você não acha que eu poderia organizar sua fuga sozinha...


Sir Morell é um dos cavaleiros das tropas de Ranulf, embora, por
direito, teria que pertencer a Guarda Negra. Mas agora não há tempo
para tudo isto. Deve esconder suas roupas e seu cabelo. — Amicia lhe
deu uma capa vermelha.

Lyonene desmontou e colocou o manto.

— Cuidará de Loriage? De que volte são e salvo?

— Não é hora de se preocupar com seu precioso cavalo. Sim,


cuidarei do animal. Agora devemos ir. Morell não tem um
temperamento doce quando seus planos não saem como previsto.
Mantenha sua cabeça baixa e não olhe para ninguém. Não quero que
os guardas a vejam.

Lyonene seguiu a Amicia para o navio e ficou ao lado da mulher


franca enquanto ela falava com um homem que não podia ver.

— Traga-a aqui embaixo. — Disse uma voz queixosa, e Lyonene


levantou os olhos para ver o homem que a levaria para a Irlanda.
Tinha-o visto em poucas ocasiões, mas cada vez tinha ficado gravada
em sua memória. Lembrava-se de que se escondia nas sombras onde

369
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

só ela podia vê-lo, com um sorriso malicioso no rosto. Sempre a


olhava como se soubesse mais dela, como se esperasse o momento
para descobrir tudo o que desejava.

Instintivamente, Lyonene se afastou. O cavaleiro loiro a agarrou


pelo braço.

— Lady Lyonene, não tenha medo. Levar-lhe-ei para os parentes


de seu pai e me encarregarei de sua segurança e de proteger sua
honra com minha própria vida. Desça. Já vi a sua cabina, pois
gostaria que você estivesse confortável.

Ela não podia olhar para ele.

— Eu sou Sir Morell, servo de seu estimado marido. Estou


atrasado para o serviço, não acho que ele vai se importar muito
comigo, agora que eu tiro a esposa dele, embora por uma boa causa.
Venha comigo e tenha a certeza de que receberá todas as
considerações.

Lyonene permitiu ser conduzida para baixo, mais insegura de si


mesma a cada momento. A cabina era minúsculo, apertada e quase
sem ar.

— Lady Lyonene — disse ele, aproximando a cabeça dela.

— Sim. — Ela se forçou para olhar em seus olhos azuis. Ele era
bonito de certa forma, elegantemente vestido, com olhos brilhantes,
nariz fino e boca firme.

Ele pareceu entender seu escrutínio e deu-lhe um sorriso


unilateral.

370
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Lady Lyonene, devo pedir-lhe indulgência. Meus homens não


são cavaleiros. Na verdade, eles não são homens honrados, e embora
eu te proteja com a minha vida, tenho medo de ter apenas uma vida.
Você é uma mulher bonita e eu não gostaria de arriscar tal beleza em
contato com os homens grosseiros que cavalgam comigo.

— Qual é o significado disso? — Ela conseguiu obter as palavras


finalmente.

— Eu te protegerei dos meus homens.

— Você não pode mandá-los ficar longe de minha cabina?

Ele sorriu, seus olhos devorando-a, o cabelo em cascata sobre


seus ombros, o arfar de seus seios, o inchaço do ventre dela sob o
grosso manto de lã.

— Temo não ser um homem a ser temido como o Leão Negro.


Não, eu sou mais amável. — Ele tocou um cacho ao longo de seu seio,
e uma carranca franziu as sobrancelhas, quando ela se afastou
bruscamente. Ele afastou-se dela, procurando controlar-se.

— Eu... eu desejo deixar este navio. Há algo que não vai bem.
Não sei o que é, mas decidi que prefiro enfrentar meu marido antes
que... se apresente ante mim.

— Sair, tão cedo? Mas a nossa jornada acaba de começar. Nossa


longa e lenta viagem, devo acrescentar.

Sir Morell lutou por conter sua cólera.

— Milady, seus medos não têm fundamento. Todo mundo aqui


quer ajudá-la. Sei tudo sobre lady Amicia e deve pensar em seu filho.

371
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Seus olhos se dirigiram a seu ventre inchado e ela se cobriu. Sir


Morell continuou. — Tomou a decisão mais acertada e quando estiver
a salvo com seus parentes se dará conta. Até então, estará rodeada de
desconhecidos e é natural que tenha algumas dúvidas. Sou mais
velho que você e vi mais do mundo, e mais esposas jovens serem
deixadas de lado por outra mulher. Sente-se aqui, milady.

Guiou Lyonene até o estreito beliche, passando seus braços por


seu antebraço um instante antes de soltá-la.

— Devo continuar o que comecei. Para me assegurar de que não


corra perigo com estes homens pouco cavalheirescos, tenho que
trancar a porta da cabina.

— Vai me encerrar neste lugar diminuto?

— É por sua própria segurança. Confie em mim. Ajudarei a


escapar do que seria uma situação perigosa.

— Não tenho certeza...

— Eu prestei homenagem a Ranulf de Warbrooke e, apesar do


que pensa de mim, sou um homem de palavra. — Ela assentiu com a
cabeça, rendendo-se diante do que lhe proporcionava o futuro. — Não
se arrependerá de ter acreditado em mim. Agora vou ver que tudo
esteja bem no navio. Voltarei dentro de pouco com comida e talvez
possa me juntar a você no seu jantar.

Morell abandonou a cabina e Lyonene ouviu como fechava a


porta com chave. Sentiu-se desamparada, além do desespero, e tudo

372
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

o que podia fazer era deitar-se sobre o duro travesseiro e olhar o


vazio. Parecia que sua vida tinha chegado ao final.

373
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 14
Hodder cavalgou toda a noite e, só por pura coincidência,
encontrou-se com o conde de Malvoisin enquanto este voltava para o
castelo depois de um sítio tão longo. Corbet ajudou a desmontar do
cavalo ao pequeno homem.

— Devo falar com lorde Ranulf.

— Estou aqui. O que ocorreu? Por que viajou sozinho sem


guarda?

Hodder ofegou, sentando-se em cima de uma rocha.

— Milorde... se foi! — Disse, tratando de recuperar sua


respiração.

— Quem se foi? A mulher franca? Estou contente de ter me


livrado dela.

— Não. É lady Lyonene quem desapareceu.

Hodder viu como o levantavam da rocha pelos ombros. Oito


rostos o olhavam fixamente e não pôde evitar estremecer de medo.

— Não pude ouvir o que diziam assim não sei quais eram seus
planos. Esta manhã cavalgou em direção ao povoado levando roupas
para as servas, mas a noite ainda não havia voltado. Alertei ao
guarda, e toda a ilha foi vasculhada. Passamos horas procurando-a,
mas ninguém soube encontrá-la.

374
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Cavalguemos. — Ranulf se voltou para seus homens.

— Hugo, designa a um homem para que se ocupe da bagagem.


Minha guarda vem comigo a Malvoisin. Hodder virá conosco. Quero
ouvir mais sobre este rastreamento que foi feito.

Não foi fácil falar durante o trajeto de volta à ilha A cabeça de


Hodder estava perto de explodir com a pressão dos gritos e o som
ensurdecedor dos cascos dos cavalos, mas Ranulf não teve compaixão
dele. Depois de um momento, Ranulf se deteve e colocou Hodder na
garupa do frísio e o homem pôde continuar com sua história.

Ranulf sabia que Hodder era um espião de escutar atrás das


portas, mas não sabia que era tão perito. Agora duvidava se havia
algo do que foi dito no castelo, que Hodder não soubesse.

Hodder relatou a Ranulf tudo sobre a traição de Amicia. Contou-


lhe das cartas, a fita e os alardes da mulher.

— Lyonene acreditou em tudo o que essa mulher disse?

— Sim, mas não no princípio. Zangou-se muito quando pensou


que o que dizia a mulher era verdade, mas acreditava que não
significaria ser mal para ela como sua esposa.

— Muito bem feito para ela. — Murmurou Ranulf com um tom


sarcástico, que quase não se ouviu com o forte ruído de seus cavalos.

— Não pode culpar lady Lyonene. Até eu teria acreditado nas


ameaças da mulher se eu não te conhecesse tão bem.

Ranulf se voltou na sela para olhar seu lacaio.

375
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E que razões você têm para acreditar em mim quando


confrontado com essas provas?

Hodder encolheu os ombros.

— Olhei para lady Lyonene e logo à esquelética Amicia. Terminei


por conhecer o tipo de mulher que sua luxúria gananciosa deixaria
louca.

Ranulf teria rido se o momento não fosse tão sério.

— Essas cartas foi o que fez minha esposa se recusar a


responder à minha carta. Sabia que algo não ia bem quando voltei
para casa. Esta mulher é uma tola, uma tola desmiolada, por pensar
que eu escreveria cartas de amor a outra mulher e, em seguida,
negligenciaria minhas obrigações, cavalgando para vê-la porque penso
que minha mulher está triste. Estar casado dá muitas alegrias, mas
também causa muito sofrimento Pense duas vezes antes de se casar,
Hodder.

O lacaio estava indignado. Recuperou-se e continuou.

— Milady estava mais feliz depois de sua visita, mas Amicia


trouxe mais notícias.

— Mais notícias, mais cartas?

— Não, milorde. Ela veio com a notícia de que carregava seu


filho.

— Meu filho! Que a semente de um homem possa enraizar-se


naquele terreno estéril seria um milagre. Lyonene acreditou?

376
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não, não acreditou. Disse que iria vê-lo para comprovar que
não havia nada entre os dois.

— Isto é o único com um pouco de sentido do que ouvi até agora.


Mas suponho que ela não veio.

— Sim, sim que veio. Kate e eu cavalgamos com ela até seu
acampamento.

Ranulf ficou em silencio durante um momento, amaldiçoando a


insensatez de uma esposa que cruzava a turbulenta campina inglesa
com uma donzela e um homem débil e fraco como amparo.

Hodder entendeu o que pensava seu amo.

— Vestimo-nos de aprendizes de mercadores. Não tivemos


nenhum problema.

— Por que não a vi então?

— Sentamo-nos em uma colina perto de sua tenda e o


observamos.

— Continue! Deve ter havido mais razões para que minha esposa
se recusasse a me ver, por que ela fugiu de mim.

— Viu como beijava Amicia, milorde.

— Não, ela não poderia ter visto! — Então se lembrou de quando


Amicia entrou em sua tenda e ele tinha tido que sair para escapar
dela. Ela o tinha beijado e ele teve que se controlar para não golpeá-
la. Ela não era melhor do que uma cadela no cio. Tinha ido muito
frequentemente ao acampamento durante o sítio, e pelo que sabia,

377
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

vários dos cavaleiros da guarnição tinham desfrutado de seus favores.


Tinha feito insinuações para Ranulf, mas ele sentia repulsa por ela,
por seus braços magros e sua voz aguda, suas falsas declarações de
ser a filha de um duque.

No dia seguinte da tempestade, Ranulf tinha enviado uma


mensagem a França para saber sobre o duque de Vernet. A resposta
tinha chegado essa mesma manhã. O duque estava no navio
naufragado, mas o homem tinha quase oitenta anos e nunca tinha
tido uma filha. Amicia utilizou a história com um propósito, que ainda
era desconhecido para Ranulf.

Sentindo maus presságios, Ranulf insistiu a Hodder que


continuasse com seu relato.

Hodder informou sobre a última visita de Amicia, de como ela


havia dito que o rei Eduardo forçaria Ranulf a casar-se com ela para
evitar a guerra. Ranulf só podia mover a cabeça, atônito ao pensar
que Lyonene tivesse podido acreditar numa história semelhante.

— E quanto ao resto da história? Não me explicou onde e por


que minha esposa está escondida. Procurou em todas as cabanas, na
clareira?

— Sim, por toda parte, mas não há maneira de encontrá-la.

— Tirarei seus dentes quando a encontrar. — Disse apertando a


mandíbula.

— Acredito que Amicia tem algo a ver com o desaparecimento de


lady Lyonene.

378
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não entendo o que quer dizer.

— Essa mulher é muito ardilosa. Não pude escutar mais, pois


me enviou para o outro lado e começou a sussurrar. Deveria ter
adivinhado suas intenções.

Cavalgaram em silencio até Malvoisin, Ranulf a todo momento


amaldiçoava e rezava por sua esposa. Seu orgulho estava ferido, ele a
repreendera por não confiar nele, por acreditar que escolheria a uma
mulher como Amicia pelas razões que lhe tinham sido dadas.
Amaldiçoou-se a si mesmo por deixá-la com uma mulher tão
malvada, por não forçá-la, quando voltou a Malvoisin, a lhe dizer o
que ocorria.

Hodder repetiu o que havia dito Amicia: Como Ranulf pretendia


que a criança de Lyonene fosse servo do filho de Amicia e que seria
conhecido como bastardo. Finalmente, ele revelou a oferta de Amicia
do condado ao filho de Lyonene.

Ranulf começou a entender o que tinha causado o medo de sua


esposa. Ela conhecia muito pouco sobre as leis da corte. Ranulf podia
escolher qual o filho ou podia adotar o filho que desejasse para lhe
ceder seus bens e seu título. Não era por ordem de nascimento, como
insistia Amicia.

O navio que os levava para a ilha ia muito lento a seu parecer, e


a expressões nos rostos de seus homens era tão sombria como a de
Ranulf. Contou-lhe brevemente sobre a traição que tinha ocorrido
durante sua ausência, pois tinha deduzido pela história de Hodder
que havia um complô. Dividiu os homens em pares e atribuiu áreas

379
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

da ilha onde deviam procurar. Antes que o navio atracasse, os


homens e seus cavalos já caminhavam pela água.

Os cavaleiros da Guarda Negra foram primeiro ao castelo para


trocarem seus cavalos, mas Ranulf ficou com Tighe, já que o animal
foi criado para a resistência.

Vasculharam toda a ilha, com tochas, e todo mundo teve que


responder às perguntas dos homens. Ranulf começou a temer que a
tivessem levado para pedir uma recompensa, assim começou a
procurar lugares onde seus captores a pudessem tê-la escondido.

Ninguém que se parecesse com Lyonene tinha cruzado de navio


até a costa da Inglaterra, assim que ele acreditava que não tinha
abandonado a ilha. Utilizaram cães de caça para que seguissem todas
as pistas que encontrassem.

Chegou a noite e ainda não havia sinal dela nem de Amicia. Os


primeiros sinais de fadiga e um profundo sofrimento nublaram seus
pensamentos e sua vista. Foi à capela de Mottistone e rezou, pois era
o único caminho que conhecia para esclarecer sua mente. Depois de
alguns momentos de meditação, já sabia que procurar pela ilha não
daria nenhum resultado, sabia que um navio a tinha levado embora,
e sabia com certeza que isto não se tratava simplesmente de uma
mulher ciumenta que tinha fugido, a não ser o resultado de um
meticuloso plano.

Saiu da capela mais reconfortado e deu graças aos Santos por


ter lhe dado a resposta.

380
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Cavalgou rapidamente até a Ponta de St. Agnes, subindo pelas


escadas até o posto da guarda, sobre a torre de pedra.

— Saiu algum navio hoje?

— Sim, milorde. Dois navios, dois dos seus. — Respondeu o


homem, terrivelmente assustado ao ver a fúria no rosto de seu amo.

— Dois! Não havia nenhum navio que devesse partir hoje. Que
desculpa foi dada para que saíssem dois dos meus navios sem meu
consentimento e quem os dirigia?

— William de Bee enviou um para a França com um


carregamento de lã para ser tecida; o outro foi para a Irlanda, para
comprar mais tecidos.

— Que carregamento foi enviado a Irlanda?

— Nenhum, meu lorde. O navio foi vazio.

Os olhos de Ranulf transpassavam ao homem e quando falou o


fez com voz tenebrosa.

— Você já viu algum de meus navios sair ou voltar vazio?

— Não, milorde, mas sir Morell disse que tinha muita pressa
para comprar mais ornamentos para sua nova esposa, que você
adora. Disse...

— Sir Morell! — Ranulf fez uma careta de desprezo. — Esse


homem sempre me atormentou. Quem foi com ele?

— Só seus homens, milorde, a tripulação, alguns servos e... essa


mulher franca. Foi escolher as cores, isso eles disseram.

381
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Isso eles disseram! Demonstrou ter bons ouvidos, mas nada


mais entre eles. Encontraram em você um alvo fácil. Saia de minha
vista antes que te tire definitivamente da Terra. Levaram minha
esposa em um navio vazio, sem dúvida vestida de serva. Um momento
mais e terá que responder por sua incompetência.

O homem, atemorizado, quase caiu pelas escadas, da pressa


com que desceu.

Ranulf se voltou para notar que alguém o estava tocando no


ombro. Era Herne.

— Chegamos à mesma conclusão. Está de acordo em que há um


complô? Averiguou algo que seja útil? — Perguntou Herne, que
assentiu ao escutar a resposta de Ranolfo, logo continuou. —
Devemos nos preparar, pois não acredito que esteja esperando uma
mensagem de resgate. Sairemos logo. Ouvi dizer que a Irlanda é um
lugar pequeno e será fácil encontrá-la.

Ranulf passou o dia inteiro preparando-se, permitindo que seus


cavaleiros descansassem, e ele mesmo dormiu algumas horas. Sabia
muito pouco da Irlanda, mas Dacre tinha primos ali. Enviou
mensagens a seu amigo e a Lorancourt. Recordava que seu sogro
tinha mencionado ter família na Irlanda. Se Lyonene conseguisse
escapar, refugiar-se-ia com seus parentes, assim Ranulf devia saber
onde eles ficavam.

Em todas suas ações havia uma lentidão deliberada, pois sabia


que diante dele e de seus homens, se apresentava uma longa batalha.

382
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Já não estava irado contra sua esposa, mas sentia que tinha alguma
falha nele que fazia com que ela duvidasse dele.

Reuniu-se com a Guarda Negra no pátio interior, vestiam-se com


suas mais pesadas cota de malha e seus tabardos de lã mais grossos.
Pesadas armas de guerra pendiam das selas dos cavalos e também
estavam cobertos com couraça de ferro. Não intercambiaram
palavras, enquanto Ranulf montava o frísio negro. Tinham um único
propósito, e um laço que os ligavam até a morte.

Demoraram dois dias para chegarem a Dunster e lá esperavam


as respostas às mensagens de Ranulf. Dacre oferecia sua ajuda, se
fosse necessária, e os nomes e lugares onde residiam seus familiares.
William Dautry também enviava o nome dos primos de sua filha e
Melite dizia que rezava continuamente por eles.

O navio demorou dois dias para chegar a Waterford, na costa da


Irlanda. A vista de uma terra desconhecida aumentou os temores de
Ranulf, pois parecia impossível procurar por toda a ilha. E seus
homens se dividiram em quatro pares e começaram a busca;
Maularde e Ranulf partiram juntos.

O navio começou a mover-se e Lyonene sentiu o mal-estar no


estômago instantaneamente. A náusea a impedia de pensar no que
tinha feito. Deitou-se na diminuta cama; a imagem de Ranulf
aparecia por toda parte. Ela poderia nunca mais vê-lo ou tocá-lo. Seu
filho nasceria e Ranulf nunca poderia ver o bebê. Uma dor aguda no

383
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

estômago impediu que seus olhos se enchessem de lágrimas. Teria


um filho moreno como Ranulf ou sairia claro como ela?

A porta da cabina se abriu.

— Trouxe-lhe comida e vinho. — Sir Morell se deteve e franziu o


cenho. — Não me diga que está enjoando?

Lyonene se limitou a olhá-lo, seu estômago dava voltas. O


conteúdo de seu estômago chegou a sua garganta e engoliu para que
não saísse, cobrindo a boca com a mão.

O olhar de Morell se endureceu, torcendo a boca ao olhá-la.


Atirou a bandeja em cima da mesa e o vinho se derramou, o aroma da
bebida lhe provocou novos enjoos.

— Amicia! — Gritou Morell através da porta aberta.

A pesar da dor e de seus intentos de controlar as náuseas,


Lyonene se surpreendeu, pois não sabia que a mulher franca viajava
com eles. Estava muito doente para pensar no quebra-cabeça.

— No que posso lhe servir meu doce cavaleiro?

Amicia passou a mão pelo peito coberto de couro de sir Morell.

— Pode cuidar dessa mulher doente que trouxe a bordo com


você.

— Doente! Não está doente. Não é um pouco cedo para o parto?

— Não, está doente pelo movimento do navio. Eu tinha outros


planos para ela do que vê-la atirar fora o que tem no estômago. Uma
parte do plano era que eu pudesse estar com ela.

384
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Amicia lançou um olhar preocupado a Lyonene, que estava


enroscada na cama.

— Ainda fica um bom caminho a percorrer, e eu gostaria que


não se inteirasse de nosso segredo. Será mais dócil se não souber
nada sobre nós. Poderá tê-la logo, juro-lhe isso. Demoraremos doze
dias em chegar a Irlanda. Não estará doente todo o tempo. Não seja
tão ansioso.

Amicia acariciou o ombro de Morell, lhe passando as mãos pelo


pescoço.

— Não sei por que se interessa tanto por esta mulher. Não tem
nada que eu não possa lhe dar. Venha e demonstrarei isso.

Ele afastou os braços de seu pescoço.

— Eu não gosto de minhas mulheres tão usadas. Cuide dela e de


que se recupere rapidamente, ou eu a fecharei em sua cabina e não
deixarei que nenhum homem se aproxime, por razões opostas às que
tranco a esta dama.

— Insulta-me ao me pedir que cuide da mulher com quem quer


se deitar?

— Não lhe peço isso. Nenhum homem deve pedir qualquer coisa
a uma mulher como você. Agora faça o que eu digo ou executarei
minhas ameaças.

Empurrou-a com força para onde jazia Lyonene e abandonou a


cabina rapidamente, pois tinha repulsa em ver Lyonene doente.

385
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene não podia se recordar muito do que aconteceu nos dias


seguintes, mas percebeu as mãos que a empurravam, dos insultos
que ouvia e da dor de estomago que a mortificava. Obrigavam-na a
comer e a comida saía imediatamente vomitada. Então a insultavam
mais, batiam-lhe nas mãos e nos braços e passavam um trapo sujo
para limpar sua boca suja.

Um dia ao despertar sentiu bem de novo, estava mais magra e


mais débil e lhe doía a cabeça. Demorou um momento em recordar
onde estava e por que estava ali.

— Ranulf. — Sussurrou enquanto pensava no marido que não


voltaria a ver jamais.

Os sussurros saíram de sua garganta ressecada e olhou ao seu


redor para procurar água. Havia um vaso do outro lado da cabina. O
que tinha parecido um lugar diminuto, agora parecia enorme.
Lentamente, sentou-se na cama e, devido a seu cansaço, a cabeça
começou girar. A parte dianteira de sua túnica estava suja, manchada
com os vômitos dos dias anteriores. Fez um gesto de asco ao ver toda
a sujeira, mas não tinha suficiente força para trocar de roupa. Só
pensava em saciar sua sede.

Moveu as pernas e pôs seus pés descalços sobre o chão de


carvalho. Para caminhar tinha que apoiar-se nos objetos que havia na
cabina, e assim chegou à jarra de água. Sorriu triunfante quando
seus trementes dedos tocaram a asa e a notou fria para suas mãos
ressecadas. Aproximou da boca com dificuldade, mas soube que
estava vazia antes de poder vê-lo com seus próprios olhos. Derrubou

386
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

a jarra em cima de sua língua e caiu uma gota que não serviu para
aliviar sua dor.

Uma gargalhada, quase ao seu lado, fê-la girar-se com muito


esforço para a porta. Não estava bem fechada e a risada procedia de
fora. Possivelmente, alguém poderia lhe dar algo para beber.
Torpemente, pôs a jarra no suporte e se dirigiu com os braços
pendurando para a porta, os pés de arrastando pelo chão.

A porta se abriu com facilidade e deu uns poucos passos pelo


corredor até uma cabina próxima. Havia luz e podia ver duas pessoas
sentadas a uma mesa, com as cobiçadas jarras cheias de líquido em
suas mãos. Olhou-as com desejo enquanto Amicia bebia do recipiente
açucarado. Levantou a mão para abrir a porta.

— Brindemos por lady Lyonene!

O som de seu nome a deteve e pestanejou para esclarecer sua


mente nublada pela sede. Reconheceu a voz de sir Morell.

— Por um plano tão perfeito que nos permitiu raptar à esposa do


conde de Malvoisin sob seus narizes. Nenhum outro homem penetrou
as defesas desta ilha.

— Não se esqueça de incluir a mim, meu lorde, pois não esteve


sozinho na execução deste plano.

— Ah, Amicia, você só foi um instrumento. Fui eu quem a


observou durante meses, quem planejou cada passo. No dia em que a
vi em cima daquela colina ao lado da tenda do Leão, não podia
acreditar em nossa boa fortuna!

387
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Lady Lyonene foi um alvo muito fácil. Está tão perdidamente


apaixonada por esse homem, que soube que não poderia suportar a
ideia de que outra mulher estivesse perto dele. — Amicia bebeu um
gole de cerveja. — Entendo por que prefere a esse homem. Ouvi seus
gritos pelas noites.

— E também queria experimentar a alegria que ela encontrava,


não é certo? Quando ele a rechaçou, rapidamente, soube que tinha
encontrado uma companheira para a trama que tinha planejado.

Amicia lhe lançou um olhar de desdém.

— E agora que a temos, o que devemos fazer com ela?

— Está tudo planejado. Tenho uma amiga na Irlanda, uma viúva


que faria muito por mim. Levá-la-ei para ela e aí a pequena condessa
esperará que seu marido pague o resgate. Demorará meses, senão
anos, em reunir tudo o que pedirei.

— E o que fará com ela durante os anos que levará tudo isto?

A voz da Amicia tinha um brilho de brincadeira.

— Sua enfermidade me incomoda muitíssimo. Cresci rodeado de


enfermidades e agora não posso suportá-las. Não entendo porque
ainda não se recuperou. Faltam somente quatro dias para chegar a
Irlanda. Você colocou algo na sua comida para provocar seu mal-
estar? — Perguntou-lhe Morell agarrando-a pela parte dianteira da
capa.

Amicia se desfez dele com facilidade.

388
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Comida! Tudo o que engole vomita imediatamente.


Possivelmente é a criança o que provoca isto, embora não a ouvi se
queixar antes de sua gravidez.

— Isso é outro inconveniente. Embora, com o menino, obteremos


uma recompensa mais alta, lamentarei a perda de tempo em poder
compartilhar a cama com ela.

— É muito tosca essa sua maneira. Por que uma barriga


inchada o impediria de frear algo pelo qual arriscou sua vida?

— Dá-me asco, Amicia. Não tenho nenhuma vontade de tomar


os restos de outro homem, quando estiver livre dessa carga, ela será
minha, mas não pense nisso. Ela ficará bem logo, e haverá suficiente
tempo, antes que seja uma mulher sem forma.

Amicia levantou a taça.

— Espero que valha a pena todo o esforço que está fazendo por
ela.

Ambos beberam a taça de um só trago.

— Agora, vá ver como está. Deixou-a sozinha muito tempo.


Procure que ela coma algo que fique dentro dela.

Amicia alcançou a jarra e encheu de novo sua taça.

— Há tempo. O único que faço é ver como se revira na cama e se


queixa todo o tempo. Nem sequer faz um esforço para se levantar, fica
estirada ali, chamando-o uma e outra vez.

Morell franziu o cenho e encheu sua taça.

389
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene estava recostada contra a parede, seu coração pulsava


fracamente. Começou a retirar-se pouco a pouco para chegar à porta
de cabine. Alcançou a cama e se deitou. Se seu corpo não estivesse
tão seco, teria começado a chorar, mas não havia força nela, só o
sombrio e desolado conhecimento que tinha sido presa fácil de um
plano insidioso.

Lyonene ouviu Amicia entrar no quarto e tratou de manter seu


rosto escondido, tinha que fingir que continuava doente ou o destino
que a aguardava seria pior que o de um estômago doente. Devia
simular a enfermidade e escapar de algum jeito de seus raptores e
não devia pensar no passado.

— Me perdoe, meu doce Ranulf. — Sussurrou.

— Aqui têm sua imunda cama-de-gato.

Amicia levantou bruscamente seu rosto e a forçou a engolir de


uma taça de estanho, com o metal golpeando nos dentes. Bebeu com
vontade a água velha.

— É toda uma dama. Possivelmente, seu marido pensaria duas


vezes quando estivesse a um metro do mau cheiro que vem de você.
Basta! Não vá se afogar. — Sacudiu a cabeça de Lyonene e a olhou
aos olhos.

Lyonene se esforçou para manter o olhar perdido.

— Era esperar demais, que eu me livraria da carga que é você.


Morell a deseja. Homens! Tudo está em suas cabeças. Uma mulher é
igual à outra, assim como os homens são muito iguais.

390
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Deixou cair à cabeça de Lyonene e ela caiu de novo na dura


cama.

— Pelo menos, agora bebe, dentro de pouco poderá tomar um


pouco de caldo.

Para Lyonene, o mais difícil era suportar a sujeira de suas


roupas. O fedor fazia que seu débil estômago se revolvesse inclusive
quando bebia água. Teria que mostrar a Amicia que se encontrava
melhor, pois logo precisaria utilizar o urinol. Quando a mulher franca
retornou, virou-se para olhá-la.

— Assim está acordada. Passaram-se muitos dias.

— Quantos? — sussurrou Lyonene.

— Dez.

— Então faltam dois dias para chegar a Irlanda. Fui uma carga
para você.

— Sim, foi.

— Não sabia que viajaria a Irlanda. Não deveria estar em


Malvoisin?

— Não comece a chorar de novo. Já tive o suficiente. Você deve


ter tido febre causada por algo mais que o movimento do mar e,
esteve delirando todo o tempo que esteve doente. Não há nada sobre
você ou lorde Ranulf que eu não saiba. Deixaremos este navio logo e
Morell quer que você esteja bem. Deve bebe isto e dormir. — Deu a
taça de sopa quente bruscamente na mão de Lyonene.

391
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Por muito que o tentou, não pôde levantar a pesada taça. Seus
dedos tremiam e seus braços, débeis, não obedeciam seus comandos.

—Aqui! — Amicia, muito zangada, levantou a taça, forçando


Lyonene a beber. Inclinou muito a taça e empurrou a cabeça da
inválida Lyonene muito para atrás, uma parte do conteúdo caiu em
cima de sua túnica, acrescentando mais sujeira. — É pior que um
bebê. Tenho que cuidar de você como se fosse uma criança e já estou
farta. Seu aroma me repugna, já não se parece com uma mulher. Não
acharia estranho se perdesse o menino.

Lyonene pôs seus trementes dedos no ventre, dando-se conta de


que tinha crescido, mesmo depois desses poucos dias.

— Não aconteceu nada ao meu filho, verdade? — Perguntou


ansiosa, temerosa de que algo mal tivesse ocorrido.

— Não. Está muito firme. Agora devo ir ver sir Morell. Queria
saber quando você se levantaria.

Lyonene se sentou na cama de armar apoiada na parede,


sentindo-se tão cansada como se tivesse subido uma montanha, ou
possivelmente várias montanhas. Apesar do desconforto da áspera
roupa, e de seu aroma, do cabelo emaranhado, quase tinha
adormecido quando sir Morell abriu a porta da cabine.

— Mon Dieu! Amicia, não posso entrar nesta cabine! Tire-a


daqui e a banhe, pois vejo que a deixou em seu próprio vômito.
Encarregar-me-ei de que limpem a cabine. Você é um animal para
tratar qualquer mulher assim. Saia da minha vista!

392
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Fez-se silêncio e Lyonene sentiu que voltava a ficar adormecida.


Mãos grosseiras a levantaram da cama de armar.

— Não me importo tanto com ela. Vi prostitutas que estavam em


pior estado.

Uma voz áspera ressoava acima dela. Abriu seus olhos cansados
o suficiente para ver que a trocavam de cabine.

— Não, ela não está tão mal. Seus olhos são da cor de uma joia
que uma vez vi usar sua senhoria.

— Ranulf? — Suspirou Lyonene.

— Sim, falo de lorde Ranulf. Agora, não se preocupe porque ele


vai te comprar de volta. Não, ele não a deixaria partir.

— Mantenha a boca fechada, marinheiro! — A voz de sir Morell


chegou através de uma neblina.

Ela não devia deixar sob nenhum pretexto que pensassem que
sabia quais eram seus planos.

— Ranulf? — Sussurrou de novo.

— Veem? Não sabe do que estou falando. A dama está muito


doente para me ouvir. Pesa menos que uma pluma, e isso que está
grávida.

— Se ocupe de seus assuntos e não lhe fale mais. Possivelmente,


mais tarde recorde suas palavras.

— Sim, senhor.

393
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Depositaram Lyonene em uma cadeira. Estava muito cansada


para abrir os olhos. Notava a umidade e o calor perto dela, o que lhe
dava mais vontade de dormir.

— Não, não pode dormir agora. Meu cavaleiro quer que lhe dê
um banho. Não acredito tanto nos banhos como ele, não é bom para a
pele. Venha aqui! Não caia! Se não me perguntará de onde saíram às
feridas. Não posso acreditar que pudesse cheirar tão mal depois de
somente dez dias.

Lyonene sentiu a brisa fresca, enquanto Amicia lhe arrancava a


roupa.

— Agora fique de pé, mais acima.

A água a fazia se sentir maravilhosa, molhando sua pele,


enchendo seus poros ressecados, como se nenhuma quantidade de
água a tivesse feito se sentir cheia se a houvesse bebido. Inclusive,
desfrutou da brutalidade do banho de Amicia. Ninguém mais que ela
queria desfazer-se da imundície de sua enfermidade. Lavou seu
cabelo e os dedos da mulher esfregaram o couro cabeludo, eliminando
toda a sujeira.

Lyonene se sentiu quase viva quando ficou de pé no banheiro,


enquanto Amicia a enxaguava com água quente. Secou-a com muito
brio com uma fina toalha e por fim, as roupas limpas tocaram sua
pele.

— Não haverá mais seda fina para você, milady. Esta roupa é
abrigada e ampla e deixará que a criança cresça. Parece que está

394
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

crescendo muito depressa. Morell não gostará disso. — Começou a


rir.

Lyonene não fez nenhum gesto que demostrasse que tinha


entendido as palavras da mulher, desfrutando por um momento de
ter a pele fresca e roupa limpa para usar. A pálida mulher abriu a
porta e um homem enorme entrou vestido com roupa ordinária e com
o cabelo emaranhado e sujo.

— Agora parece uma dama de verdade, como quando cavalgava


junto a lorde Ranulf.

Lyonene fechou os olhos e fingiu uma insensibilidade que não


sentia. O marinheiro a transportou à pequena cabine e a deixou com
cuidado na cama recém-feita, com lençóis que cheiravam a água de
mar e a raios de sol. Relaxou, agradecida, desfrutando plenamente
dessa comodidade física, que ocultava sua situação real.

— É muito bonita. Sabia que os cavaleiros da Guarda Negra a


chamam de lady Leoa? Uma vez tentei falar com ela, mas esse Corbet
desembainhou sua espada contra mim. Não deixam que ninguém se
aproxime dela, exceto aqueles que gozam do favor de sua senhoria.

— Deixe-a aqui, seu idiota! Não preciso de suas estúpidas


histórias para me divertir. Não teria pensado que era uma dama tão
bonita se tivessem tido que segurar sua cabeça em cima do urinol.

— Não, uma verdadeira dama sempre é uma dama.

O tom de desprezo de suas palavras ia claramente dirigido a


Amicia.

395
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene dormiu durante muito tempo, despertou uma vez


quando a cabine estava escura, mas voltou a dormir em seguida.
Quando despertou de novo, a cabine estava iluminada e se sentia
muito melhor. Faminta, sedenta, débil, mas viva, com a convicção de
que seguiria viva.

Não passou muito tempo até que Amicia entrou na cabine com
uma bandeja cheia de comida.

— Parece que vai voltar a viver.

Lyonene bebeu um gole da sopa quente e comeu um pedaço de


pão.

— Morell ficará contente de saber que você está prestes a estar


recuperada. — Ela olhou para Lyonene com um ar malicioso.

A condessa sabia o que queria dizer essas palavras, os olhos


cheios de lágrimas e quando terminou de comer o que havia lhe
trazido, deitou-se na cama, cansada.

— Devo dormir. — Murmurou, consciente do exame que estava


sendo submetida por Amicia. Tinha que fazê-la acreditar, por todos os
meios, que continuava muito doente. Só assim teria uma
possibilidade de que sir Morell a deixasse em paz.

No dia seguinte Lyonene se sentia muito mais forte, mas não o


demostrou a Amicia. Sir Morell foi visitá-la e Lyonene murmurou algo
sobre o filho que carregava e tampou a boca com a mão. Viu o olhar
de asco no rosto do cavaleiro, antes que este saísse correndo.

396
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Também estava ciente de como isto divertia Amicia, assim decidiu


seguir com a comédia.

Mais tarde, nesse mesmo dia, o navio se deteve e logo começou a


ouvir ordens e gritos, enquanto tratavam de atracar no porto. Amicia
se aproximou dela.

— Agora viajaremos para... a casa de seus parentes. Deve


montar ao meu lado e se afastar de sir Morell até que esteja bem.

Lyonene acreditou notar um tom de brincadeira nas últimas


palavras da mulher. Ela mal teve tempo de tirar o cinto com o leão de
seu esconderijo, debaixo da cadeira acolchoada. O instinto a tinha
impulsionado escondê-lo e a caixa de marfim de Ranulf tampouco
deveria ser encontrada. Prendeu o cinto debaixo das dobras da capa
de lã, sobre seu estômago, puxando mais tecido para frente e
acrescentando mais volume a seu ventre cada vez maior.

Amicia percebeu o aumento de volume, mas não disse nada, isso


a animou que seu truque era necessário.

Não houve mais atuação quando a levaram para o outro lado do


navio. A horrível escada de corda se balançava, e ela caiu quando
tentou caminhar por ali. Seus débeis braços começaram a tremer
violentamente, tanto pelo esforço como pelo sentimento do perigo que
corria.

Um homem forte a agarrou pela cintura e a depositou com


doçura no bote a remos.

397
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Cuidado, não demostre muito afeto com a dama. — Disse sir


Morell, rindo do marinheiro que a segurava.

— Não quero que ocorra nada a ela e nem com a criança. Você
jurou que não seriam feridos.

— Não, ninguém vai machucá-la. Meus planos para a dama não


incluem lhe causar dor, mas tudo depende dela. Amicia, não pode
fazer algo para ajudá-la? Ela não tem mais vida do que uma boneca
de pano.

Por um momento, os pálidos olhos de Amicia se encontraram


com os olhos verdes de Lyonene e se entenderam. Enquanto Amicia
acariciava a perna de sir Morell, ela e Lyonene se olharam
intensamente. Houve um silencioso acordo, entre as duas mulheres,
fazendo abstração de seus papéis de prisioneira e raptada, mas
simplesmente duas mulheres, com o reconhecimento de sua
condição. Amicia assentiu brevemente com a cabeça e Lyonene fechou
de novo os olhos. A força tinha abandonado seu corpo.

— Está muito doente, Morell. Na realidade, temo por sua vida.


Ainda falta muito para o nascimento do bebê, mas acredito que está
sentindo dor. Claro que, se quiser, poderá tomá-la assim. — Amicia
fez um gesto para o corpo enfraquecido de Lyonene, todo um exemplo
de debilidade.

— Não, eu prefiro uma mulher e não um inútil saco de pano.


Encontraremos uma curandeira que possa fazer algo com ela.

398
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Acredito que deveríamos ir diretamente a casa da viúva.


Quando encontrarem um navio do Leão Negro vazio, isso causará
muito alvoroço. Devemos dar-nos pressa para que não nos vejam.

— Têm razão. Eu não gostaria que Ranulf de Warbrooke


encontrasse sua esposa, antes que eu possa obter minha
recompensa.

Descer pela corda não era nada comparado com as horas


montado a cavalo. E tudo que Lyonene soube fazer foi ficar em cima
do animal. Tratava de pensar em uma maneira de escapar, mas
viajavam através de uma terra estéril e os caminhos, às vezes, eram
muito pedregosos e íngremes, os esforços do cavalo não obtinha o
estímulo da débil amazona.

Sir Morell virava frequentemente para observá-la, e ela tinha


conseguido mostrar sinais de estar gravemente doente. Depois desse
dia, não voltou a virar-se para ela, Amicia lhe dedicou um ligeiro
sorriso, mas não foi correspondida.

À noite acamparam e só acenderam uma pequena fogueira para


se protegerem do frio da noite. Lyonene pegou um pedaço de carvão e
o escondeu dentro de seu manto. Esfregou um dedo sujo de carvão
debaixo dos olhos e manchou por debaixo das maçãs do rosto.

Amicia a olhou estranhamente, mas não disse nada. Quando sir


Morell a pegou pelo braço, ela se inclinou contra ele e lhe deu um
sorriso pálido. Ele a afastou rapidamente. Nem sequer podia permitir-
se um mínimo sorriso de triunfo.

399
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

No terceiro dia, chegaram a uma velha torre de pedra, cujas


ameias se desmoronavam na parte de acima. Quase tinham chegado
às muralhas do castelo, quando se ouviu a voz de alto de um
sentinela.

— Sou sir Morell, antigo membro da guarda de Malvoisin. Gritou


para o cavaleiro.

Enferrujadas rodas de ferro começaram a mover-se e os portões


se abriram. A ponte levadiça que cruzava o fosso era pouco profundo,
cheio de sujeira e inútil, as correntes estavam quebradas, portanto, o
único que estava em bom estado, era o restelo com pontas de ferro.

Os captores não pretendiam que Lyonene fosse levada a casa de


seus parentes. Falava-se livremente de resgate, aceitando que ela
estava ciente dos planos ou como ela esperava, porque acreditavam
que estava muito doente para entender suas palavras. Lyonene
pensava que eram realmente estúpidos. Só Amicia percebia a
quantidade de comida que a prisioneira consumia.

No dia anterior, o cavalo de Lyonene se assustou por culpa de


um coelho e Lyonene teve que utilizar muita força para controlar ao
animal. Não queria cair sobre o chão duro, nem sequer para mostrar
aos outros que estava doente. Quando seu cavalo se acalmou, olhou
para Amicia e viu seu sorriso que demonstrava que Lyonene não a
enganara e reafirmando sua aliança..

Cruzaram a ponte e enquanto passavam por debaixo do velho


restelo todos olharam para cima, temerosos de que o pesado portão
caísse sobre eles.

400
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Morell! Está mais bonito que nunca.

Lyonene observou cabisbaixa e viu uma mulher alta e magra que


corria para os braços abertos de Morell. Levava o cabelo e o pescoço
completamente cobertos pelo véu e o barbette5 que o segurava no
lugar.

— Entre. Tenho muito que lhe contar.

Suas palavras eram bastante comuns, mas Lyonene desviou o


olhar enquanto as mãos da mulher entravam por baixo do tabardo de
Sir Morell. Lyonene estava muito consciente das lembranças, de
saudações felizes, do triste afastamento de perto de seu amado para
sequer olhar para esses dois, tão obviamente, amantes.

O marinheiro a ajudou a desmontar do cavalo. Ela agarrou o


braço de Amicia e caminharam para o castelo em ruínas. Os degraus
exteriores de madeira que levavam ao segundo andar pareciam muito
perigosos.

— A viúva só pensa em sua paixão pelos homens. Não se apoie


em mim! Não suportarei mais seu peso. Tenho certeza de que está
ciente de seu resgate.

— Sim, estou ciente. Sua avareza a conduzirá à morte. — A voz


de Lyonene era dura.

Amicia sorriu sob a tênue luz do frio vestíbulo.

5
Barbette: ornamento feminino feito de tecido, em forma de coroa vazada no alto da cabeça, que acoplada a
testa, e segurava o véu na cabeça das damas.

401
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Agora me ameaça, entretanto, não pensa que foi por sua


avareza, por causa de seu filho, que aceitou rapidamente meu plano.

— Não foi por isso. Acreditava que Ranulf a amava.

A estranha risada de Amicia fez um ruído áspero.

— É mais estúpida do que acreditava. Então deveria haver ficado


e lutado por ele.

— Mas... o rei Eduardo...

— Se cale! Eles ouvirão. Agora, isso já está feito e terá muito


tempo para pensar em sua insensatez.

— Sim, minha insensatez. — Sussurrou Lyonene.

— Amicia. Traga nossa convidada para perto da luz. — Disse sir


Morell.

Quando Lyonene parou diante do fogo, só olhou durante um


breve instante à mulher que tinha a sua frente.

— O que a aflige? É algo contagioso? Não quero este tipo de


enfermidade em minha casa.

— Não. Só se encontra mal pela gravidez. Estará bem quando


descansar um pouco e comer algo. — Respondeu Amicia.

— Espero que valha a pena todo este esforço, Morell. Coloque-a


em alguma parte... Amicia, não é assim? Canso-me somente de vê-la.

Lyonene se sentou em um banco sem almofadas, já que a única


cadeira diante da lareira estava ocupada pela viúva.

402
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Está seguro de que seu marido não a encontrará aqui? Ouvi


falar desse homem e eu não gostaria de ter que batalhar contra ele.

— Batalhar! Lady Margaret, você não poderia ganhar uma


batalha nem contra uma tropa de enguias desarmadas, imagine uma
tropa como a do conde de Malvoisin. — Zombou Morell.

— Morell, sei que minhas defesas não são como eram quando
meu querido marido estava vivo, mas posso lhe assegurar que
treinam muito energicamente.

Sir Morell jogou a cabeça para trás e começou a rir.

— O treinamento que dá a seus homens não é o tipo de


treinamento que os preparam para uma batalha, ao contrário lhes
tira a pouca força que têm. Não me fale mais de sua força. A razão
pela qual escolhi este lugar é porque ninguém acreditaria que um
valioso refém, como a condessa de Malvoisin, se esconderia em uma
ruína de castelo como este.

Lady Margaret não pareceu ofender-se pelas palavras de sir


Morell.

— Subestima-me, como sempre.

Ela bateu palmas duas vezes e quatro homens apareceram dos


cantos da sala. Eram homens feios, tinham cicatrizes e os narizes e
as maçãs dos rostos deformados por muitos golpes e feridas. Estavam
armados com uma maça, um malho de correntes, um martelo e um
machado de guerra. No cinto também levavam outras armas
mortíferas.

403
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Estou contente ao ver que está tão bem protegida, lady


Margaret, mas de verdade acha que estes quatro homens, poderiam
resistir ao Leão Negro, se este atacasse? Sempre o segue esses sete
diabos. — Apertou as mãos com raiva.

— Não destrua a taça, Morell! Eu sei de sua campanha para ser


um de sua guarda, mas ele viu muito cedo o que você é. Nenhum
homem deseja ter que proteger-se de seus próprios homens. Não!
Aconselharia que não tentasse me bater. Minha própria guarda não
veria tão bem seus golpes como eu suportei no passado. Não acredito
que entenda a minha guarda. Não me protegem, mas sim, estão aqui
por ela.

Lyonene levantou a cabeça e viu como a mulher a apontava com


o dedo.

— Meus homens nunca a deixarão sozinha. Se um cavaleiro de


Malvoisin tentar resgatá-la, meus homens a matarão antes de poder
ver o rosto do atacante.

Sir Morell riu.

— É mais inteligente do que pensava. O cavaleiro não tentará


nada se souber que sua vida está em perigo. Poderia tê-la em meio de
um campo, em meio de seu próprio castelo e o único que poderia
fazer é pagar o resgate. Sim, é inteligente.

— Obrigada, cavaleiro. — Ela levantou seus braços e os deslizou


por seu pescoço. — Agora vou dizer-lhe que meus homens a manterão
longe de você também.

404
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

O cavaleiro a empurrou.

— Não, quero ter esta mulher e a terei.

Um gesto rápido de lady Margaret e os quatro corpulentos


homens rodearam o discreto corpo de Lyonene. Parecia ainda mais
perdida, mais sozinha, quando se aglomeraram ao redor dela.

— A mulher será mantida aqui, mas como convém a ela, não


como uma prostituta para seu uso. Pelo que ouvi do Leão Negro, um
tratamento como este o enfureceria, provocaria que perdesse o senso
comum e poderia forçar um ataque, por ódio. Se a mulher morrer,
não receberemos o resgate. Se o conde morrer sem herdeiro,
Malvoisin voltará para o rei inglês e também perderíamos o resgate.

— É um herdeiro o que leva no ventre!

— Acaso é bruxo e sabe o sexo da criança ou se viverá? Esta


mulher parece estar às portas da morte. — Sua voz soava cheia de
sarcasmo. — Não, cuidaremos bem dela durante todo o tempo que
esteja aqui. Alice! — Girou-se para uma mulher gorda que saiu das
sombras. — Esta é lady Lyonene. Estará a seus cuidados. Leve-a a
sala da torre que foi preparada para ela. Lembra-se do que te disse?

A mulher assentiu e caminhou para Lyonene, agarrando-a pelos


braços, com firmeza, mas amavelmente.

— Pode-se confiar nesta mulher? Lyonene tem uma maneira


muito particular de ganhar o carinho dos servos. — Disse Amicia
enquanto via como as duas mulheres abandonavam o salão.

405
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Tenho certeza de que não terei problemas como este. — Lady


Margaret examinou o corpo esquálido de Amicia. — Alice é muda e
não pode contar nosso segredo. Também é retardada. Contei-lhe que
está grávida e cuidará de nossa preciosa condessa. — Riu olhando à
porta por onde tinha saído Lyonene. — A vida desta mulher parece
estar isenta de dificuldades. Filha de um barão, casada por amor com
um conde rico e bonito... não há nada que não tenha.

— Sim. Já é hora que compartilhe um pouco dessa felicidade


com os outros. — Disse Amicia rindo.

406
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 15
— Alice?

Lyonene se espreguiçou. As mantas de fina lã eram pouco


adequadas para o frio úmido e as correntes de ar da torre.

— Está bem esta manhã?

Viu como a gorda mulher se agachava diante do fogo lentamente


tratando de avivá-lo. Alice se virou e sorriu a Lyonene, assentindo
com a cabeça.

— A tosse de sua mãe está melhor?

Alice imitou a alguém que bebia uma taça e depois assinalou


com o dedo para Lyonene.

— Ah, então as ervas que te recomendei lhe fizeram bem? Estou


feliz. Faz muito frio para estar doente.

Lyonene tentou sentar-se e imediatamente Alice correu para


ajudá-la.

— Está enorme, não é verdade? — Lyonene sorriu e esfregou a


enorme barriga. — Ranulf estaria...

Alice a agarrou pelos ombros, franziu o cenho e meneou a


cabeça vigorosamente.

407
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não, sei que não deveria. As lembranças são ainda muito


dolorosas. Acha que há alguma possibilidade de que o menino deu
meu cinto a alguém? Quando sir Morell o apanhou, já não o tinha.

Alice se virou.

— Sei o que você dirá. Que aconteceu há muito tempo e que não
há notícias. Lady Margaret disse que Ranulf não responde a suas
petições. Acha que não pagará o resgate? Causei-lhe tantos
problemas.

Alice se virou para ela com uma expressão dura no rosto,


enquanto entrecerrava os olhos em um gesto de ameaça. Lyonene se
pôs a rir.

— Eu não vou começar de novo. Você já ouviu muitas vezes. O


que poderíamos fazer hoje? Vestir-nos com roupas de ouro e cavalgar
em nossos garanhões pelas colinas da Irlanda?

Alice sorriu e se dirigiu para uma arca de madeira no canto do


quarto. Abriu-o com reverência e tirou uma bolsa de couro que
continha um precioso livro.

Lyonene sorriu.

— É um bom dia para a leitura. Diga-me, estão bem os guardas?


Não se esqueceram de mim?

Alice estremeceu e lançou um olhar aterrador à porta de


carvalho.

— Alice, não podem ser tão horríveis como pensa. Faz quatro
meses que estou aqui e tudo o que fazem é estar sentados e vigiar.

408
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Alice se limitou a olhá-la. Tinham discutido este assunto antes e


não tinham solucionado nada. Ajudou a sua ama a sair da cama já
que a gravidez de Lyonene a fazia ser muito desajeitada. Amarrou as
roupas de lã sem apertar e penteou o comprido cabelo.

— Acha que deveria cortá-lo? Brent me disse que algumas


mulheres da corte o achavam muito comprido. Falei-te do Brent?

Enquanto Alice sorria indulgentemente, Lyonene pegou sua mão


e a aproximou de sua bochecha.

— Claro, já te contei tudo o que tinha que contar sobre mim.


Deve estar aborrecida com minhas histórias.

Como resposta, Alice acariciou a bochecha de sua ama.

— Lady Margaret acredita que é retardada. Não gostaria de saber


que está muito longe da verdade. Não acredito que a tivesse colocado
como minha guardiã se soubesse a inteligência que tem. Sente-se ao
meu lado e lerei por um momento e logo te ensinarei mais letras. Um
tempo a mais e poderá ler este livro sozinha. Já te disse que Ranulf
tem seis livros?

Parou de falar e começou a rir.

— Não me olhe assim. É uma crítica muito feroz. Não te falarei


mais de Ranulf por agora, mas cuidado, porque dentro de um
momento, possivelmente, recorde coisas que ainda não te contei.
Duvido-o, mas pode ser.

Ambas se viraram quando a porta se abriu e apareceu lady


Margaret.

409
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não parece uma prisioneira maltratada. — Se sentou em uma


cadeira frente a lareira. — Não há notícias. — Olhou para Lyonene em
silêncio. — Tinha entendido que seu marido a amava ao extremo, mas
não parece muito ansioso por sua volta. Meu mensageiro voltou
ontem à noite e disse que o conde de Malvoisin está se divertindo na
corte com as damas. Não parece ser o marido que perdeu a sua
esposa e que sente falta com loucura. Não têm uma resposta para
este enigma?

Lady Margaret observava Lyonene.

Lyonene olhou para outro lado.

— Não, não tenho. — Respondeu rapidamente. — Não foi para


mim a quem disse que amava, e sim para Amicia. Sou a filha de um
barão e possivelmente Ranulf encontrou a outra. — Ao pronunciar
seu nome, os olhos se encheram de lágrimas.

— Ora! — Margaret se levantou e se dirigiu para a janela, cujas


venezianas não estavam bem fechados e se filtrava o gelado vento da
manhã por debaixo das janelas. — Seja lá o que for que sinta por
você, não esperava isto dele. É sua mulher por lei e deve saber que a
criança está a ponto de nascer. Se não for por você, o fará pelo
menino. Morell voltará para a Inglaterra para comprovar por si
mesmo porque ele não está preparando um resgate. Devia haver
imaginado que Amicia era uma mentirosa. O precioso ajudante de seu
marido disse que espera que você não volte nunca mais. — Lady
Margaret pôs-se a rir ao ver o rosto de surpresa de Lyonene. — Então
acreditava que todos a amavam. É muito vaidosa. Ninguém lhe disse
isso antes?

410
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, já me disseram isso. — Sussurrou Lyonene.

— Agrada-me saber que pelo menos há um sussurro de verdade


neste velho castelo. Seus guardas começam a impacientar-se. Querem
conhecer esse seu marido, pois ouviram falar de sua grande força.
Você gostaria de ver como enfrentam a ele? Morell acredita que
poderia com eles. Ah, vejo que não está muito segura. Se não tivesse
a chance de perder a recompensa, gostaria de comprová-lo com meus
próprios olhos, pois este homem me irrita com sua insolência, não
respondendo as minhas mensagens.

Lady Margaret observou o fogo.

— Se não valo nada para você, por que não me deixa partir?
Devo custar muito em comida e logo terá que cuidar também do bebê.

— Sim, você é inútil para mim, mas deve haver algum valor em
você. É verdade que você me custa muito e precisará pagar essa
dívida. Depois que tenha seu filho esperarei um pouco mais. Seu
marido pensará de outra maneira quando já tiver dado a luz.

Lady Margaret abandonou o quarto.

Lyonene não se dava conta das lágrimas que caíam por suas
bochechas e, pouco a pouco, notou que Alice a estava sacudindo com
força.

— Por que faz isto? — Perguntou ao ver o rosto atormentado de


sua donzela. — Está zangada comigo. O que fiz?

Alice apontou para a porta fechada, então franziu o cenho para


sua ama, vigorosamente sacudindo a cabeça. Fazia meses que

411
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

passavam muito tempo juntas e durante este tempo haviam


desenvolvido sua própria maneira de comunicar-se.

— Está me dizendo que sou uma estúpida. — Afirmou Lyonene


sem rodeios.

Alice a soltou e ficou de pé diante dela, com as mãos nos quadris


e um olhar de desdém.

— Acredito em tudo o que me dizem. Primeiro as mentiras de


Amicia sobre Ranulf e agora as histórias de lady Margaret, mas o que
me diz de William de Bee? Por que me odiaria o assistente de Ranulf?

Alice sacudiu as mãos com um ar de aborrecimento. Lyonene se


pôs a rir.

— Sei o que está dizendo. É difícil para mim não acreditar neles.
Suas mentiras são muito lógicas.

Alice se ajoelhou diante sua ama, agarrando suas mãos e lhe


implorando com o olhar. Ela bateu a cabeça com um dedo.

— Sim, deveria pensar por mim mesmo. Tenho certeza de que


Ranulf preocupa-se comigo. Certamente, passamos tão poucos
momentos juntos. Odiou-me durante tanto tempo que me custa
acreditar que tenha mudado. Não sacuda a cabeça assim. Acredito
que conheço meu próprio marido. Ah! — Franziu o cenho ao ver os
gestos da Alice. — Tenho certeza de que sou mais inteligente que a
criança que ainda não nasceu. Por que Ranulf foi a corte? O rei
Eduardo não lhe dará o dinheiro para meu resgate. O rei quer que
Ranulf se case com uma princesa castelhana.

412
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene observou Alice.

— Tem razão. Possivelmente lady Margaret minta e Ranulf não


está na corte.

Começou a rir ao ver a exasperação de Alice.

— Sou uma condessa, sabe? Em minha casa, os servos me


tratam com respeito.

Alice pôs sua cabeça sobre o joelho de Lyonene e a jovem mulher


acariciou seu grosso cabelo.

— Seja lá o que eu disser, você é mais que uma donzela para


mim. Se não fosse por você, pelas longas horas e dias, que escutou
minhas intermináveis histórias, teria me jogado pela janela. Você
gostaria de escutar mais histórias sobre a mesa redonda? —
Sussurrou Lyonene.

Quando Alice assentiu com a cabeça, Lyonene começou a falar,


pois sabia que à mulher adorava ouvir sobre o esplendor, os jogos, as
comidas, as roupas, os cavaleiros poderosos que lutavam uns contra
os outros. Não havia um instante do torneio de três dias que Lyonene
não tivesse contado a Alice, mas ambas desfrutavam com a história
uma e outra vez, e ambas sabiam que isso evitava que Lyonene
pensasse na realidade das paredes de pedra que a encerravam e de
escutar as mentiras que a rodeavam.

Pela tarde, Lyonene dormiu e Alice cuidou de suas obrigações


fora do castelo. Quando despertou, ficou deitada pensando no tempo
que durava sua captura. A maioria dos dias tinha passado com Alice

413
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

na habitação da torre. Irlanda era mais quente que a Inglaterra, mas


as paredes de pedra criavam uma atmosfera sombria e opressiva.
Nunca tinha estado fora do castelo desde que entrou nele, e a falta de
sol e exercício não ajudavam a levantar seu ânimo.

Ultimamente, desde que o filho que esperava ficou grande em


seu ventre, atrevia-se a sair do quarto, pois sir Morell sempre
espreitava, tocando seu cabelo, seu ombro, sorrindo de uma maneira
que não deixava dúvidas sobre seus pensamentos. Cada vez que se
lembrava da conversa que tinham tido quando chegou no castelo
estremecia.

— Por quê? Por que você faz isto? — Tinha lhe perguntado.

Ele tinha rido de uma maneira muito insolente.

— Acaso não será suficiente o dinheiro que receberei de seu


marido? Não será a adorável Lyonene o bastante? — Sir Morell tocava
o corpo de Lyonene.

Ela levantou a cabeça e o olhou fixamente aos olhos.

— Não, não o é. Fui uma estúpida em não acreditar em meu


marido. Mas você eu não acho que seja estúpido. Há algo mais atrás
do ouro.

Ele sorriu ligeiramente e observou a taça vazia.

— Tanto conhecimento por parte de alguém tão jovem. Quer que


conte uma história? — Sem lhe dar tempo para responder, seguiu
falando. — Você não conheceu seu marido quando este era um jovem.
Ele mudou muito desde que conheceu você. Cheguei como escudeiro,

414
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

um entre vários jovens, justo depois da morte de sua esposa. O jovem


lorde Ranulf! Tão forte, tão reservado, tão escuro!

Não se deu conta do olhar de pena de Lyonene. Ele encheu sua


taça e continuou:

— É uma história muito simples, na realidade. Eu era jovem


com vontade de agradar, ansioso de obedecer às ordens de meu amo
que tinha minha idade. É estranho como chegamos a odiar as
pessoas que nos fazem mal e assim nos desfazemos de nossa
inocência. Servi-lhe durante quatro anos, quatro anos que dava a
esse cavaleiro para nada, pois não me escolheu para sua guarda. Não,
disse que todos os seus cavaleiros deveriam ter o mesmo negrume
diabólico que ele. Então, por um pouco de cabelo claro, utilizaram-me
e me afastaram como se fosse lixo.

Lançou sua taça violentamente em direção ao fogo, batendo de


raspão em um dos cães de caça, que saltou e, dando um uivo saiu
correndo.

Lyonene se sentou com calma atrás do escudo que formavam


seus vigilantes.

— Não poderia ter sido por outra razão? Possivelmente escolheu


seus cavaleiros, porque viu neles algo de seu caráter que gostava.

Morell se levantou e a olhou fixamente, sem ter percebido que os


guardas tinham as mãos em suas armas.

— Eu dava tudo! Não tinha o caráter que tenho agora.

415
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Seus olhares se encontraram e Lyonene sentiu que Ranulf tinha


visto o homem em que Morell ia se converter. Seu marido não era tão
vaidoso para deixar de lado a um bom cavaleiro só por uma pequena
a cor de cabelo.

— Acaso não é o homem de hoje o que foi ontem?

O rosto de Morell se tornou vermelho e já tinha dado um passo


para ela, quando sentiu a pesada mão de um dos guardas no ombro.
Livrou-se da mão, enquanto seguia olhando fixamente Lyonene.

— Ele pagará pelo que fez e não esquecerei suas palavras. —


Disse com voz rouca. Virou-se e, muito irado, saiu a grandes passos
da sala.

Lyonene sacudiu a cabeça para livrar-se desses horríveis


pensamentos e observou seu ventre enorme.

Alice o apalpava cada dia para verificar o progresso da criança


em crescimento. Lyonene temia que rasgasse sua pele, de tão tensa
que estava, mas Alice a tranquilizou e o bebê já estava virado
corretamente para seu nascimento. Lyonene estava impaciente para
dar à luz e poder se livrar do enorme peso. Fechou os olhos e pensou
na alegria que sentiria ao ter em seus braços um bebê de cabelo e
olhos negros.

Alice tocou seu ombro e Lyonene saltou.

— Não te ouvi entrar. Sim, eu gostaria de ir ao grande salão.


Diverte-me ver a cara de asco de Morell porque estou tão enorme. Se
não me cansasse tanto carregar minha barriga por toda parte, eu

416
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

gostaria de ficar assim durante um bom tempo. Acha que ele se


cansaria de mim se eu permanecesse assim por vários anos? —
Esfregou o abdômen alegremente. — O que pensaria se fossem
gêmeos? Ranulf disse uma vez... Não, não chorarei de novo. —
Lyonene começou a rir ao ver o olhar zangado de Alice.

— Vejo que nossa condessa nos honra com sua visita, por dois
dias seguidos. Estamos muito honrados. — Disse Amicia, saudando-
a. A mulher franca sorriu quando viu que Morell desviava o olhar
para o outro lado. — Morell, não acha que tem muito bom aspecto?
Tenho certeza de que leva pelo menos dois meninos nessa enorme
barriga.

Morell olhou Amicia com um olhar de desprezo e abandonou a


sala. A mulher lançou um sorriso triunfal.

Alice acompanhou sua ama a uma cadeira ao lado da lareira.


Lyonene alisou sua saia e olhou a seu redor. Lady Margaret estava de
joelhos, no chão, jogando dados com outros dois homens. Sua risada
se propagava por toda a sala. Ocasionalmente, ela passava a mão pela
coxa de um dos homens, e Lyonene desviava o olhar. Amicia tentava
se introduzir no grupo. Alguns servos, dois homens seguidos por
outros, carregavam lenha para o fogo. O homem que tinha atrás era
muito grande e havia algo nele que fez com que ela o observasse
fixamente. Alice tocou seu ombro e franziu o cenho, não era muito
apropriado que Lyonene olhasse assim aos servos, especialmente aos
homens.

Lyonene olhou para o outro lado, mas quando viu que Alice
voltava a concentrar-se na costura, não pôde evitar lançar um olhar

417
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

rápido. Havia algo nesse homem... Alice lhe chamou de novo a


atenção, logo a donzela saiu para procurar mais fio. Os quatro
guardas que sempre a vigiavam de perto estavam concentrados no
jogo de dados.

Os três servos se aproximaram do fogo. Lyonene olhou para o


outro lado, fascinada pela malha de sua bata de lã. Exortou-se a si
mesmo por ser tão estúpida. Tinha vista centenas de servos em sua
vida, e jamais nenhum tinha chamado sua atenção, mas agora sentia
que queria ver o rosto desse homem. Ele agarrou um atiçador e
moveu as lenhas do fogo. Este ato captou sua atenção e, quando ela
olhou fixamente a mão morena coberta de pelo negro, ela parou de se
mover. Lyonene sabia que ele a estava observando, que tudo o que
tinha que fazer era levantar o olhar para ver o proprietário dessa mão
tão familiar. Olhou para cima muito lentamente, temerosa do que iria
ou não ver.

Os olhos de Ranulf se encontraram com os seu em um olhar


inexpressivo, com as negras íris procurando seu olhar verde
esmeralda. Seus olhos a percorreram rapidamente e pareceu não se
importar com a mudança em sua figura quando voltou a olhar seu
rosto.

Só podia olhá-lo, assombrada de que estivesse diante dela,


obviamente desarmado. Se o reconhecessem, não teria muitas
oportunidades de defender-se contra um homem armado com uma
maça. Mas apesar de todos os seus medos havia também pura alegria
ao ver que ele arriscava tanto por ela, que a tinha procurado, que não
tinha ido a corte para relaxar e esquecer-se dela. Lutou para articular

418
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

uma palavra, um sinal de amor, para lhe dizer tudo o que seu coração
sentia por ele, para lhe avisar do perigo que enfrentava por ela.

— Enviaram-me para cortar lenha. — Disse ele com uma voz


tranquila que transmitia todo o desgosto e a degradação de fazer uma
tarefa tão humilde. Quando ele se foi, antes que pudesse piscar,
sentiu-se sozinha de novo com suas palavras flutuando no ar.

Sentou-se tranquila durante um momento olhando fixamente ao


fogo. Sentiu que nascia uma enorme risada dentro dela, retumbando
e preparando-se para sair. Esforçou-se por controlar-se e a risada
reprimida se converteu em lágrimas, em uma mescla de alegria e
sofrimento.

Durante quatro meses inteiros, não o tinha visto, com tudo o


que tinha ocorrido! Tinham-na raptado e pediam um resgate, seu
corpo tinha aumentado muito da última vez que tinha visto seu
marido. Agora, enquanto estava sentada rodeada desses horríveis
guerreiros, ele caminhava com calma pela sala, diante de todos e o
que disse à esposa que ele procurava? “Enviaram-me para cortar
lenha.” Nenhuma expressão de carinho, nenhuma palavra doce pela
sua saúde ou do filho que que crescia em seu ventre, a não ser uma
manifestação indignada, por ver-se obrigado a cair tão baixo por ela,
só para resgatá-la.

Afundou o rosto em suas mãos, incapaz de acalmar suas


emoções que sacudiam seus finos ombros. Tinha vindo! Dissesse o
que dissesse, fizesse o que fizesse, estava bem, porque tinha vindo
por ela.

419
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Alice tocou em seu ombro, uma pergunta fazia enrugar a


sobrancelha.

Lyonene olhou a seu redor rapidamente, mas sabia que Ranulf


tinha partido.

— Já é hora de jantar, Alice? Admito que estou faminta. —


Dedicou um sorriso brilhante a sua serva.

Alice sorriu com aprovação pelo apetite de sua ama;


frequentemente não comia o suficiente. Mas também viu outra coisa,
uma felicidade, uma luz nesses olhos verdes, que não conhecia.

O sentimento de antecipação levantou o ânimo de Lyonene


durante todo o jantar, apesar de que, cada vez mais, dava-se conta do
perigo que aguardava seu marido. Estremeceu ao pensar em seu
atrevimento ao entrar na sala, tão perto de quem poderia reconhecê-lo
facilmente.

— Têm frio? — Perguntou-lhe lady Margaret e Lyonene


respondeu com uma negativa. — Espero que não seja a criança. Não
estou pronta para ser parteira.

— Não, o menino não chega ainda. Só estou cansada de levar


tanto peso. Agora irei para meu quarto. — Lyonene se levantou e Alice
a seguiu.

De novo em seu quarto, Lyonene abandonou seus medos e,


desalentada, sentou-se diante do fogo. Alice estava preocupada com
ela e Lyonene tentou sem muito êxito dissipar os medos da mulher.
Lyonene não disse nada a propósito da aparição de Ranulf no castelo;

420
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

a vida de Ranulf era muito preciosa para confiar em alguém, inclusive


em uma amiga.

Deitou-se na cama mais cedo que o normal, esperando que o


sono fizesse desaparecer alguns de seus medos. Alice a deixou
sozinha para ir visitar sua mãe que vivia no povoado, algo no que
Lyonene tinha insistido muito. Demorou bastante em adormecer.

A primeira coisa que ela percebeu foi uma mão sobre a boca,
cortando sua respiração. Ela se agitou violentamente e arranhou a
mão.

— Fique quieta, minha leoa. Não tire toda a pele de minha mão.
Acaso não se lembra de mim?

Ela recuperou alguns dos seus sentidos e olhou nos olhos de


Ranulf, suaves e gentis, e tão próximos aos dela. Ele afastou a mão.

— Então se lembra de mim. Passou tanto tempo, que pensava


que... — Parou de falar quando viu que ela começava a chorar.
Rapidamente voltou a cobri-la com as mantas e se deitou junto a ela,
rodeando-a com os braços.

Lyonene chorou violentamente por um tempo. Os profundos


soluços convulsionavam seu corpo e, pouco a pouco, acalmou-se.

— Isto quer dizer que está contente de me ver de novo? — Suas


suaves palavras não combinavam com sua voz rouca e trêmula.
Acariciou-a por todo o corpo, os ombros, os braços, e se deteve no
enorme e duro ventre, sentindo os movimentos tranquilos do bebê.

421
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Foi um momento doce entre os dois, compartilhando o que tinham


criado.

Ranulf gemeu, enquanto mantinha a mão quieta, mas


possessiva sobre seu abdômen.

— Você está tão gorda que quase não a reconheci.

— Não estou... não estou gorda. — Choramingou ela,


controlando suas lágrimas. — É somente o bebê que se sobressai
muito. O resto está igual. — Disse, tentando se defender.

— Não, você não se viu por trás. Você anda como um pato,
balançando para frente e para trás, de um lado para o outro.
Inclusive seus pés se veem enormes. Por acaso eles ficaram laranja?

— Ranulf! Você é horrível! Você deve dizer que eu sou bonita


quando carrego seu bebê no ventre, não me falar de minha feiura.

Ele levantou seu rosto para o dele.

— Sim, você é linda. — A beijou com doçura na boca e em suas


úmidas pálpebras. Viu como suas lágrimas começaram a brotar de
novo. — Mas você ainda é como um pato, o mais bonito dos patos,
mas um pato de qualquer forma.

Lyonene sorriu, cessaram as lágrimas e se aconchegou no ombro


de Ranulf.

— O que acha do pato que você me converteu? — Ela cobriu a


mão dele com a sua, pousou-a no ventre e o chute forte da criança foi
sentido por ambos.

422
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— A criança se moveu?

— Sim. — Lyonene viu como Ranulf se enchia de orgulho.

— Isso é porque é forte.

— Tenho certeza de que nascerá com uma lança em uma mão e


uma espada na outra. — Respondeu ela com sarcasmo.

— Eu espero que ele tenha mais consideração que sua mãe.


Você não mudou. Você está tão insolente quanto antes.

— Então você se lembra de mim? Você não se esqueceu?

— Esquecer? Não poderia me esquecer de você como não poderia


me esquecer de... levar minha perna direita comigo.

— Ah, então agora me compara com sua perna. É um cavaleiro


muito romântico.

— Ousa me chamar pouco romântico! Olhe o que tenho vestido!


Estou vestido de servo. A horrível lã me picou como nenhuma cota de
malha tinha feito antes. Inclusive cortei lenha para estar perto de
você. E agora me diz que não sou romântico. Eu atravessei o inferno
para estar aqui.

— Ranulf, meu doce. Lamento ter causado tanta miséria. É tudo


culpa minha.

— Bom, não chore de novo. A umidade faz que a lã pique ainda


mais e que o aroma me repugne. Você não receberá nenhum
argumento de mim. É tudo culpa sua e eu exijo saber por que você

423
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

me deixou. Sempre me disse que sou um ignorante, mas nunca


cheguei a cometer um ato tão estúpido como o seu.

— Nunca disse que era um ignorante.

— Não evite a pergunta. Quero ouvir por que me deixou

— Ranulf, este não é o momento. Você deve sair antes que esses
homens descubram que você está aqui. Alice me fala muitas vezes de
sua perfídia.

Ranulf agitou a mão.

— Bah! — Ele acenou com a mão. — Eles são pouco mais do que
um exercício antes do jantar. Como Alice pode contar alguma coisa
deles quando ela é muda?

— Sabe muito sobre mim. Por que não me beija mais um pouco
Ranulf?

— Não. — Ele a empurrou de volta para o seu ombro. — Eu não


vou lutar com meu filho por você. Um de nós de cada vez estará em
você.

— Ranulf! — Lyonene deu um grito ofegante ao ouvir essa


grosseria e depois se pôs a rir.

— Agora me dirá por que me deixou.

— Você é muito persistente. Preocupa-me que minha pele não


volte a ser como antes, que fique flácida e solta.

— Sempre será preenchida com minhas filhas, Lyonene!

424
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ela compreendeu seu comando.

— Pensei que você se casaria com Amicia. Ela disse…

— Sei disso. Hodder me disse. Quero saber por que você


acreditou nessa mulher e por que não confiou em mim?

— Eu confiava em você, mas os homens sempre levam outras


mulheres para a cama.

— Verdade? Você sabe disso de fato? E se os homens fizerem,


eles sempre se casam com elas e abandonam suas esposas?

— Não, mas Amicia disse que o Rei Edward...

— Edward é meu rei, mas ele não governa minha vida. Ele não
pode me obrigar a fazer o que eu não quero.

— E Gilbert de Clare? Ele deixou sua esposa para tomar uma


filha do rei Edward.

— Você conheceu Gilbert na corte. Você o compararia comigo?


Ele é um homem ganancioso e Edward tem sido avisado sobre isso
muitas vezes. Você verá problemas com o homem em breve. Ele não
deseja agradar seu rei tanto como igualá-lo. Agora que outras razões
insignificantes você dará para me deixar?

— Eu não sei. Pareciam tão lógicas as palavras de Amicia. Eu vi


cartas que você mandou para ela. Ela tinha a fita. Eu vi você beijá-la.

— Não, você não viu! Você viu a mulher enrolar seu corpo feio
sobre mim. Tive de me conter para não jogá-la no chão.

425
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ranulf, não te vejo há muito tempo. Por que devemos falar


desse desagrado? Sei que as palavras de Amicia eram falsas. Ouvi-a
dizer a Sir Morell como conspiraram tudo.

— Temos toda a noite, pois não pretendo levá-la daqui até o


amanhecer e desejo saber o que a fez acreditar nas palavras da
mulher. Se tivesse mais confiança em mim, teria visto cem cartas e
não teria acreditado nelas.

— É como você diz, mas havia algumas coisas que eu sabia que
eram, certamente, verdade.

— Nomeie-os.

Lyonene ficou em silêncio por um momento, desejando que


Ranulf não a obrigasse a falar de suas dúvidas.

— Amicia disse que quando ela olhou para você... eu sei, — ela
gritou desesperadamente, — eu sei de seus sentimentos. Foi o mesmo
comigo. Ranulf! Você ri de mim! Eu lhe digo meus pensamentos mais
íntimos e você ousa rir de mim!

Neste momento, Ranulf agarrou sua mão quando Lyonene a


levantou para golpeá-lo.

— Não vai ferir meu filho com seus movimentos teimosos. Então,
Amicia lhe disse que desde a primeira vez que me viu não pôde
resistir.

— Eu tampouco entendo agora. Reconheço que sou uma idiota


por amar alguém como você. É uma criatura malvada.

Ranulf a beijou na testa.

426
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— É uma mentirosa e a obrigarei a confessar seus pecados


quando voltarmos para casa. Lyonene, aqui neste lugar sombrio, vou
te dizer algo, mas só direi uma única vez. Daqui em diante, negarei
que foi dito.

Lyonene moveu a cabeça para trás sobre o braço dele para olhá-
lo. O sentido de honra de Ranulf era tão forte, que o fato de
considerar a possibilidade de mentir a fez olhá-lo com assombro.

Ranulf a ignorou.

— Há momentos que me gabo de minha beleza, mas só o faço


porque você me olha desse modo. Direi que vi seu desejo ao me olhar.
Não proteste, pois sei que olho para você da mesma maneira. Mas o
que você vê em mim não é visto pelas outras mulheres. Elas me
acham muito moreno, grosseiro ou minha forma sem graça.

— O que você diz não é verdade! O que me diz das mulheres da


corte? Tive que lutar com elas por você.

— Acha que estariam tão interessadas em mim se eu não fosse


tão rico? É Dacre quem é o ideal de beleza.

— Dacre! Ora, ele é como o ventre de um peixe. Seus olhos e


cabelos não têm cor e está tão magro que quase não faz sombra.

— Você parece ter passado muito tempo estudando-o.

Lyonene o ignorou e correu o dorso de seus dedos ao longo da


barba de vários dias que crescia em sua bochecha.

427
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— E quando ele tem uma barba de três dias, de longe parece


uma moça, não se pode ver a diferença. Sabia que com a certa luz,
sua barba é quase azul?

Ranulf lhe beijou os dedos e sorriu.

— É bom saber que você se sente assim, mas não muda o que
eu tento dizer a você. Desejo que com esta confissão possa evitar que
o que aconteceu não ocorra uma segunda vez. Embora você tenha
sido tola com respeito a mim, no primeiro dia que me viu, as demais
mulheres não o são.

— Volta a mentir! Nunca fiz papel de tola por você.

— É verdade, sempre esteve muito tranquila, exceto, quando


você me cobiçou, quando me banhou, ou se jogou em meus braços
quando eu mostrei como usar o arco, ou quando ...

— Não fiz nada que não tivesse feito diante de outros cem
homens. Aháa! Vinguei-me. Não, estou mentindo, não me olhe assim.
E o que me diz de você? Acaso se casa com todas as mulheres depois
de um dia de conhecê-las?

Ranulf a puxou de volta para seu ombro.

— Vejo que não consegui muito. Você é teimosa e não leva em


consideração minhas palavras. Mas me escute bem e se lembre disto:
não deve temer nunca outra mulher que suspire por mim, depois de
alguns breves encontros.

— Então eu deveria me preocupar somente depois de alguns


encontros longos?

428
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf encolheu os ombros.

— Já aconteceu outras vezes. Sou um amante muito talentoso.

— É um...

Ranulf lhe deu um beijo para que parasse de falar.

— Não discutirei isso com você. Tente recordar minhas palavras


quando outra mulher, mais esperta que você, andar atrás de meu
ouro.

— Não recordo ter acreditado em ninguém que pensasse que é


feio. Sabe que têm pontos dourados nos olhos? — Lyonene viu que
Ranulf ria dela.

— Reconheço-o. Sou o mais bonito dos homens e nunca mais


vou negá-lo.

Lyonene começou a falar timidamente:

— Ranulf, se você diz que não é como eu te vejo, também sou


diferente do modo como você me vê? Você disse que me achava linda.

Ranulf voltou a rir.

— Infelizmente, não é assim. Receio ter ouvido falar de sua


beleza por três anos antes de me aventurar ir a Lorancourt.
Reconheço que tinha curiosidade em ver essa moça, que fazia todos
os homens falarem entre sussurros.

— É verdade?

429
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sim, mas não vou falar mais disto, nem vou repetir. Já é
muito vaidosa, embora não consigo entendê-lo, pois está tão gorda
que me derrubará da cama.

— É culpa sua que esteja tão gorda. Se fosse magro e não um


gigante como é, tenho certeza de que não levaria o peso de um
menino do tamanho da metade de um cavalo como o seu. Assim não
se queixe do desconforto, pois é minha pele que está a ponto de
explodir.

Ranulf a abraçou.

— Se eu não te amasse tanto, me incomodaria muito sua língua


afiada.

Ranulf notou que Lyonene ficava tensa.

— O que disse para que se afaste? — Perguntou perplexo.

— Você disse que me amava. — Sussurrou Lyonene.

— É obvio. Eu disse isso muitas vezes. Por que isso deveria fazer
você se afastar de mim?

— Nunca havia me dito isso.

Ranulf levantou seu queixo.

— Está chorando de novo? Não entendo nada. Nunca houve um


dia em que eu não dissesse que te amo.

— Não, você nunca fez isso. Amicia sabia que não tinha feito e
quando vi uma de suas cartas em que dizia que a amava...

430
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não se esqueça de que eu não escrevi essas cartas. Mas o que


você diz não pode ser verdade. Se eu não disse com palavras, minhas
ações lhe disseram. Cada vez que faço amor com você digo que te
amo.

Lyonene choramingava.

— Mas fez amor a tantas mulheres? Também as amava?

— Não, mas é diferente com você. — Se deteve, pois se dava


conta de que Lyonene não podia saber como era diferente com ela. —
Acaso não fui muito doce com você?

Lyonene fez um esforço para controlar suas lágrimas.

— Você é muito doce com todas as mulheres.

— Mon Dieu! Você vai me enlouquecer. Ouça! Acabei de dizer


que te amo!

— Amaldiçoa-me e tenho que tomar como uma declaração de


amor? Não entendo sua lógica.

— Não atuo com lógica quando estou perto de você. Que outra
mulher me faz perder a paciência e ao mesmo tempo me faz rir? Que
outra mulher persigo por terra e mar? Por qual outra mulher me
vestiria de servo para resgatá-la?

— Sua esposa? Isabel, a quem amava tanto e que quase o deixa


louco de dor quando morreu. — Por um momento, Ranulf ficou
perplexo e não pôde falar. — Sei que a amava. Vê-se em seus olhos
quando menciono ela ou à menina. Acredito que não posso substituí-
la em seu coração.

431
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf falou com uma voz fria:

— Não continue. Interpreta-me mal se acha que dei a essa


mulher algum amor. Contar-lhe-ei o que não contei a ninguém, e
poderá julgar você mesma o que causou minha dor.

Contou-lhe a história de um jovem e sua insensível e infiel


esposa, como se fosse a história de outro. O quarto ficou em silêncio e
Lyonene pôde imaginar a aflição que ele tinha albergado durante
tanto tempo, as emoções que tinham convertido um jovem alegre em
um homem perturbado, que ganhou o nome de Leão Negro.

Deitaram-se na cama quando Ranulf terminou de falar.

— Por isso estava tão furioso em nossa noite de casamento! —


Disse Lyonene tranquilamente.

— Nunca estive furioso. Sempre sou bom e amável.

— Foi tão bruto comigo que se eu não tivesse feito os votos o


teria deixado.

— Você disse que me odiava, mas não acreditei em você.

— Sim, você acreditava em tudo que disse Giles. Às vezes estou


feliz por essa flecha galesa, embora a cicatriz deixada seja muito feia.

— Eu te amo, Leoa. Eu não sei como você poderia ter duvidado


de mim. Amo-te mais que a mim mesmo, ou que a meu filho, ou ao
Tighe.

Lyonene começou a rir as gargalhadas.

— Agora sei que diz a verdade.

432
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Vou começar a fazer uma lista de insultos e reembolsá-la


como é devido, quando esta enorme barriga não me impedir de ficar
dentro de você.

— Esperarei muito ansiosa suas instruções. — Seus olhos


brilharam sob a tênue luz e ela moveu uma perna sobre sua coxa.

Ele estava muito consciente de sua pele sob suas mãos, a


maneira como seu cabelo acariciava sua bochecha.

— Você é uma mulher cruel. Agora fique quieta. Há pouco tempo


antes do amanhecer e devo dizer-lhe nosso plano para removê-la
deste lugar.

Ranulf colocou a mão em seu estômago, e um pontapé afiado do


bebê o fez franzir a testa.

— Já faz muito tempo da mesa redonda. Não falta pouco para


que nasça o bebê? Poderá viajar?

— Falta meia lua para que nasça, tenho certeza.

— Então falta pouco. Possivelmente, deveríamos esperar que dê


à luz. Sua Alice cuidará de você.

— E então lady Margaret decidirá me levar a outro lugar ou


haverá outros contratempos. Eu não gostaria de viajar com um
recém-nascido com este frio. Agora está protegido e quente. Alice
disse que está bem hospedado em seu ninho líquido.

— Então partiremos pela manhã. Agora espero meus homens.

— Como me encontrou?

433
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não foi fácil. Tínhamos que mantê-lo em segredo, por isso


fizemos correr o rumor de que me encontrava na corte, que não me
importava minha humilde esposa e que não pagaria o resgate. Estou
contente por você não ter ouvido essa história ou estou certo de que
você teria acreditado nisso.

— Não, não teria acreditado. — Mentiu Lyonene.

Ao ver como ela desmentia tão orgulhosamente o que Ranulf


havia dito, ele lançou um olhar de suspeita.

— Os primos de Dacre e seu pai enviaram espiões por toda


parte. Ninguém pensou em procurar aqui. Esta mulher, lady Margaret
é conhecida por sua lascívia pelos jovens. Não acreditávamos que se
atreveria a provocar a minha ira.

Lyonene sentia medo, como sempre tinha quando Ranulf se


tornava o cavaleiro que era temido por tantos homens.

— Mas o que fez que procurassem aqui?

— Sainneville viu seu cinto de leão.

— Mas o menino a quem eu dei... quando o encontraram,


enforcaram-no.

— E fizeram bem. Vendeu-o, não pensou em ajudá-la. Cometeu


um engano ao oferecê-lo a um de meus homens. Então foi fácil
encontrá-la. Algumas jarras de cerveja e estes guardas começaram a
alardear da dama que tinham prisioneira, dos quatro guardas que
tinham ordens de matá-la se se produzisse qualquer intento de
resgate.

434
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Como chegou a este quarto? — Perguntou, de repente


surpreendida por não ter perguntado isto antes.

Ranulf inclinou a cabeça para a janela fechada.

— Lancei uma corda ao redor das ameias e desci.

— E os guardas que há nas torres?

Ranulf lançou um meio sorriso.

— Não sabia que lady Margaret escolheu quatro novos cavaleiros


para seu castelo em ruínas? São homens fortes e viris, um pouco
morenos para seu gosto, mas ela ignora este defeito.

— Sua guarda!

Ranulf se pôs a rir a gargalhadas.

— Sim, minha guarda. Gilbert disse que a mulher é mais


instintiva na cama.

Lyonene o ignorou.

— Você está aqui há muito tempo. Por que você não se colocou
como seu cavaleiro e não como um servo?

— A mulher é bastante inteligente. Ela não permite que ninguém


se aproxime de você, exceto esses quatro homens e dois de seus
cavaleiros. Não tínhamos certeza de que era você que ela mantinha
em cativeiro, então um de nós teve que entrar no salão. Meus homens
não são tão valentes para usar estas roupas ou para cortar lenha. —
Ranulf arrancou a áspera lã.

435
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Acho que serei perdoada por todos, mas não que você tivesse
que erguer um machado fora da batalha.

Seu olhar confirmava sua opinião.

— Agora devo ir, já que se faz dia e não quero que me vejam
claramente contra a muralha. Só vim para avisar e para lhe dizer que
se prepare. Não há maneira de trancar a porta sem que nos escutem
de fora. Meus homens chegarão logo e então atacaremos. Prepare a
roupa e qualquer outra coisa que necessite.

Lyonene gritou, aferrando-se a ele:

— Mas Ranulf, o que vai fazer? Como me tirará daqui sem


arriscar sua vida?

— Não me faça isto. Já arrisquei muito. Dois de meus cavaleiros


virão ao seu quarto antes que se faça dia e deve obedecê-los em tudo
o que digam. Não faça nada estúpido. Entende o que quero dizer? —
Lyonene só podia assentir com a cabeça. — Eles a protegerão
enquanto o resto de nós se ocupa dos quatro guardas. Não chore
mais. — Ranulf se levantou, abriu seus braços para acolhê-la e lhe
acariciou as costas nua. — Está mais gorda do que pensava. Quase
não posso lhe rodear com meus braços.

— Temo que os dias em que me levava nos braços a toda parte


terminaram.

Ranulf se pôs a rir e a levantou nos braços. Lyonene estava


envergonhada por seu corpo deformado e tentou cobrir-se. Ranulf
afastou suas mãos.

436
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não. Não seja tola. É meu filho que a deixa assim. Você pode
carregá-lo, eu pelo menos vou poder olhá-lo. Você é linda gorda e
bonita magra. Acredito que a amaria embora tivesse três cabeças.

Ranulf a olhou aos olhos e sorriu. Deu-lhe um beijo na boca,


mas se afastou quando ela começou a devolver seu beijo com ardor.

— Tenho que ir.

Inclinou-se com ela, deitou-a na cama e a agasalhou com as


mantas.

— Deve sentir saudades de Malvoisin. — Disse, olhando com


ironia às ordinárias mantas.

— Sinto mais saudades do lorde Ranulf. — Murmurou,


rodeando-o com os braços e aproximando muito seu rosto. — Eu te
amo.

Ranulf a beijou na bochecha e se levantou, alto e poderoso.

— Sempre soube, mas sempre é bom ouvi-lo.

Ela lhe deu um beijo, sabendo que as palavras de Ranulf


escondiam seus verdadeiros sentimentos. Pareceu que tinha
desaparecido em um instante, e só viu o pé que dava impulso para
subir pela corda.

437
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 16
Ela acordou devagar, atordoada, insegura de seus arredores. Ela
esticou um braço para alcançar Ranulf, querendo seu calor perto
dela, a segurança de sua proximidade. Seus olhos se abriram em
perplexidade, quando sua mão encontrou apenas uma frieza vazia, e
não a carne morna de seu marido. Deu-se conta da situação quando
se sentou com a manta ao seu redor.

Alice levantou o olhar de sua costura e sorriu.

— É muito tarde? — O gesto de sua donzela era afirmativo. —


Me deixou dormir até tarde.

Alice voltou a dirigir seu olhar para o objeto de lã remendada


que tinha em suas mãos. Lyonene a olhou pensativa.

— Sabe, não é verdade? Não sei como, mas sabe.

Alice sorriu nervosa pelo segredo compartilhado entre as duas. A


corpulenta mulher se levantou e deu a roupa a sua senhora.

Durante todo o dia ficaram no quarto, olhando ansiosamente


para a janela fechada. No final do dia, chegou lady Margaret.

— Hoje não nos honrou com sua visita? Tenho certeza de que sir
Morell sentirá falta de te ver.

— Não me olha muito, então francamente não sei do que está


falando.

438
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Hoje sairá para a Inglaterra para ver por que seu marido não
manda o resgate.

Lyonene olhou à mulher, com sua mão no ventre, apoiando-a


ligeiramente onde seu filho lhe dava chutes.

— Acreditava que você tinha certeza de que ele não queria saber
nada de mim, já que faz tempo que se foi para a corte.

Lady Margaret franziu o cenho.

— Parece muito segura de você. Se não soubesse que está muito


bem vigiada, acreditaria que guarda um segredo.

Lyonene sorriu de maneira insossa.

— É meu filho. Acredito que chegará logo. Certeza que conhece a


tranquilidade que sente uma mulher justo antes de dar à luz.

— Não, não tive a má sorte de ter uma barriga inchada. Prefiro


meus prazeres sem tal castigo. Se o seu trabalho de parto começar,
peça para Alice me buscar e eu enviarei alguém da aldeia. Você
entende minhas palavras, Alice? Têm que vir me buscar se começar a
doer a barriga da senhora.

Alice a olhou sem compreender, fazendo-se de ignorante e


assentiu com a cabeça, com os olhos brilhantes e a boca ligeiramente
aberta.

— Não posso entender como suporta sua presença todo o dia e


permanecer sã sem enlouquecer. — Disse Margaret com um sorriso
zombador.

439
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Suas intenções são boas e cuida perfeitamente de tudo o que


necessito.

— Devo ir. Empreguei novos guardas para seu amparo. Morell


me assegurou que tudo está bem, mas não posso evitar me sentir um
pouco preocupada.

Lyonene olhou ao fogo.

— Oh! Estes guardas são tão ferozes e feios como os outros


quatro?

Lady Margaret começou a rir com uma espécie de gargalhada


rápida, lhe fazendo saber o que pensava.

— Não, na realidade são muito bonitos, fortes e vigorosos.


Quando já não estiver como agora, dar-lhe-ei a um deles. Você
gostará de seu aspecto, pois ouvi que prefere homens morenos.

Lady Margaret se virou e abandonou o quarto. Lyonene notou a


mão da Alice em seu ombro. Seus olhos se cruzaram.

— Sim, sei que não deveria haver dito isso, mas não os
reconheceu como homens de Ranulf. Estou contente de que sir Morell
se vá. Ranulf disse que não terá problemas com os guardas, mas
estou contente de que haja menos homens para lutar.

Chegou à noite e ela seguia esperando, com um pequeno fardo


de roupa a seu lado. Seu nervosismo aumentava ao pensar no perigo
que corria Ranulf, no perigo que tinha causado sua estupidez. Antes
de deitar-se na cama, passou horas rezando de joelhos. Só a muda
ordem de Alice a fizeram deter-se.

440
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Surpreendentemente, adormeceu logo e foi despertada no meio


da noite, por uma enorme mão escura e quente sobre sua boca. Abriu
os olhos e encontrou os olhos negros de Sainneville.

— Milady, estou contente de vê-la de novo.

Lyonene pegou a mão dele por um momento, feliz em ver um


rosto familiar de um amigo.

— Ele não merece tanta atenção, asseguro-lhes isso. Pode


acreditar que tive que obrigá-lo a descer pela corda? Dizia que tinha
medo de que o castelo caísse em cima dele.

Lyonene sorriu para Corbet, suas brincadeiras e a suas palavras


leves; estava tão contente de vê-los de novo.

— Não, não posso acreditar. Estão bem, os dois?

— Só agora que o sol saiu de novo. Malvoisin é um lugar escuro


sem sua dourada senhora.

— Sir Corbet, não mudou, estou tão contente de voltar a vê-los


de novo. Sir Sainneville, você trabalha para protegê-lo das diabruras?

Sainneville lhe piscou o olho.

— Vejo que o conhecem bem. Mas não foi ele quem causou os
problemas durante esta viagem.

Lyonene cobriu a boca com a mão.

— Por favor, não briguem comigo. Meu marido não perdeu nem
um momento para me recordar todos meus crimes. Diga-me a
verdade, ele realmente cortou lenha?

441
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Os dois guardas morenos sorriram.

— Sim. — Disse Corbet.

— Era uma tarefa fácil para ele, assim, que o animávamos desde
nossos postos no topo das ameias.

— Não, não fizeram isso.

— Não podíamos perdemos essa oportunidade. Quantos


cavaleiros têm a sorte de poder dar ordens a seu lorde?

— É Hugo quem terá que temer por sua vida.

— Mas o que poderia ter feito sir Hugo? É um cavaleiro calmo e


pacífico.

Corbet tentou não rir muito forte.

— Lady Margaret o colocou no comando dos servos. Lorde


Ranulf acreditava que poderia escapar de suas obrigações como
servo, mas Hugo tinha outros planos. É um cavaleiro muito valente.

— Meu marido?

— Não, — disse Sainneville rindo — sir Hugo foi mais valente


que qualquer um de nós. Apoiou-se na parede comendo uma maçã e
apontou a nosso lorde. Ainda o posso ouvir: “Você aí. É um tipo muito
robusto. Pode ir cortar lenha enquanto estes menos fortes a carregam.”
Surpreendeu-me que os insultos de Ranulf não carbonizaram a
madeira.

Lyonene cobriu a boca para rir.

442
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não vai ser sir Hugo quem sofrerá, a não ser eu, por ter
causado todos estes problemas.

Lyonene observou o quarto e viu que Alice estava sentada sobre


sua cama em um canto.

— Conhece estes cavaleiros, Alice?

Corbet sorriu.

— Foi ela quem conseguiu nossos trabalhos.

Alice apontou para seus olhos, depois para eles e Lyonene riu.

— Alice deve ter percebido de que pertenciam a Guarda Negra,


pois sempre estou contando coisas sobre Malvoisin.

— Nos sentimos honrados de ser mencionados por alguém tão


adorável. Uma donzela em perigo é uma de nossas missões preferidas.
Queríamos, apenas, que houvesse também um feroz dragão para
matarmos em sua honra.

Lyonene se apoiou contra a parede de pedra e os olhou.

Riam, mas sua missão era séria e podia lhes custar a vida e,
ainda assim, atuavam como se fosse mais que uma saída qualquer.
Tentou levantar-se e Alice em seguida foi ajudá-la. Tinha dormido
com sua roupa de lã, preparada para uma fuga rápida.

Os dois guardas a olharam fixamente, já que não estavam


acostumados à nova forma de seu corpo.

— Agora vejo o que ocorreu ao sol. — Lyonene olhou para Corbet


desconcertada. — Você o engoliu.

443
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene riu da brincadeira. Não era hora de repreendê-lo por


sua insolência. Agora estavam unidos pelos velhos laços da amizade.
Mais tarde em Malvoisin, recuperariam a antiga formalidade, mas
agora, as circunstâncias eram diferentes. Alice a ajudou com a capa e
o manto, roupas abrigadas e resistentes.

— Tem certeza de que não mudará de ideia e virá conosco?

Alice sorriu, acariciou o cabelo de Lyonene e sacudiu a cabeça.


Sua família e suas tradições eram irlandesas. Não queria abandonar
seu lar.

Ouviu-se um grito do outro lado da porta e todos deixaram de


falar. Lyonene estava assombrada da rapidez com a que Corbet e
Sainneville se moveram. Os dois cavaleiros se colocaram de costas
para a porta, não permitindo que entrassem os homens que tentavam
violentamente abrir a porta.

— Leve-a ao lado da janela! Se for necessário, abaixe-a com a


corda. Herne está esperando embaixo. — Ordenou Sainneville a Alice.

Do outro lado da porta podiam se ouvir o ruído de metal e vozes.


O ruído da porta se reduziu pela metade e parou de tudo quando
Ranulf e seus cavaleiros começaram a lutar contra os guardas.
Lyonene se sentou em uma cadeira perto da janela, pálida, com os
nervos tensos ameaçando explorando.

Ouviram o grito de batalha de Ranulf através da porta de


carvalho, parecia encher todas as pedras da torre. Lyonene só podia
esperar e escutar os horríveis gritos e o som do aço e o ferro que
atingiam contra madeira, pedra e carne.

444
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Sainneville e Corbet a observavam. Não podiam fazer nada para


ajudar a seus companheiros ou a seu lorde, mas esperar era pior para
eles que a batalha.

Quando já pensava que não poderia resistir mais tão grande era
o medo que a paralisava, ouviu a voz de Ranulf do outro lado da
porta.

— Abram!

Corbet e Sainneville abriram a pesada porta para deixar entrar a


um ensanguentado Ranulf. Sua expressão era de fera selvagem, feroz
e assustadora.

Lyonene tratou de levantar-se para saudá-lo, mas suas pernas


não teriam podido sustentá-la. Alice a ajudou.

Ranulf olhou para ela um instante, satisfeito de que não


estivesse ferida.

— Morell está reunindo homens, algumas centenas. Gilbert os


viu cavalgar para nós. Deve ter ouvido que estamos aqui. Enviei um
mensageiro aos primos de Dacre e nos encontraremos com eles
cavalgando em direção ao norte.

Ranulf deu um grande passo e levantou Lyonene nos braços,


sem sequer olhá-la.

— Herne tem cavalos embaixo. Cuidem de minhas armas. —


Ordenou a Corbet.

Lyonene afundou seu rosto no pescoço de Ranulf, vestido com a


cota de malha, cujo aroma de sangue era dominante. Não sabia se era

445
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

o aroma ou o medo que sentia, mas seu estômago ficou tenso e


começou a doer. Só houve tempo para um breve olhar de despedida a
Alice.

Oito cavalos negros os esperavam fora da torre com Tighe à


cabeça. Ranulf a subiu à sela e ela agarrou forte quando sentiu mais
dor no ventre.

— Está bem? — Perguntou Ranulf, sua pressa fazendo que a


frase soasse dura.

— Sim, estou bem.

— Então devo ver meu homem.

Ela virou-se e viu como ajudavam Maularde a subir no cavalo.


Sua perna esquerda estava sangrando profusamente e o tabardo
mostrava um corte comprido e irregular.

Ranulf intercambiou umas palavras com o cavaleiro e voltou


para Lyonene, montando o cavalo atrás dela.

— Ele pode viajar? — Perguntou Lyonene.

— Sim, por um tempo. Ele pegou um golpe de machado em sua


perna. Deve ser atendido logo ou pode perder sua perna, se não sua
vida.

Lyonene olhou para frente enquanto Ranulf tomava as rédeas e


estimulava Tighe a galopar. Outra dor a deixou sem fôlego, e ela
percebeu que o bebê tinha decidido conhecer seu pai. Ela fez uma
oração silenciosa pedindo tempo suficiente para escapar do exército
de Morell que os perseguia.

446
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Tinham cavalgado rapidamente durante duas horas quando


Ranulf se deteve. Lyonene agarrava o ventre, contente de não está em
movimento, um momento de alívio do galope continuo do cavalo.
Ranulf desmontou e se dirigiu para Maularde.

— Temo que ele tenha desmaiado, milorde. — Ouviu a voz


tranquila de Hugo.

Lyonene girou para olhar para o guarda. O cavaleiro, forte e


escuro, estava caído sobre o pescoço do cavalo. O sangue cobria um
lado inteiro do cavaleiro e do cavalo. A visão não fez nada para aliviar
as dores que já sentia.

— Não pode cavalgar mais. Minha esposa também está cada vez
mais cansada. Ficarei aqui com eles. Há uma choça atrás dessas
árvores. Devem cavalgar mais rápido ainda, pois se Morell vir que não
estou com vocês, voltará aqui e nos encontrarão.

Os seis cavaleiros assentiram solenemente, entendendo a


situação.

— Os homens de Dacre estão esperando. Dê-me todos os panos


que tenham para a perna de Maularde. Partam agora mesmo e não
voltem até que seja seguro.

Assentiram e, enquanto rezavam por sua segurança, tiraram


toda a roupa restante das bolsas de couro atrás de suas selas de
montar.

Tudo parecia incrivelmente tranquilo quando partiram. Ranulf


tomou as rédeas de ambos os cavalos e os conduziu para o bosque a

447
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

uma casinha de pedra com um teto de palha, que lhes ofereceria um


refúgio. Ranulf escondeu os cavalos, cavaleiro e amazona sob umas
árvores, enquanto se dirigia para inspecionar a propriedade. Só
quando esteve seguro de que estava vazia voltou aonde os tinha
deixado.

Baixou a Lyonene do cavalo e deixou que ficasse de pé no chão.


Lyonene se apoiou em uma árvore para não cair.

Desmontar Maularde de seu cavalo com a delicadeza necessária


foi muito mais difícil, mas Ranulf sabia que sua vida dependia dos
cuidados que pudesse lhe proporcionar. As pernas de Ranulf se
dobraram pelo peso ao conduzir a seu homem até a cabana escura.
Deitou-o com cuidado sobre o chão sujo.

Lyonene tocou o ventre, pois teve outra contração. Eram cada


vez mais próximas e mais fortes. Não tinha tempo de ter medo, pois
estava em jogo a vida de Maularde. Entrou na cabana.

— Aqui estou. — Disse Lyonene enquanto se ajoelhava ao lado


de Maularde. — Eu cuidarei dele. Deve levantá-lo para lhe tirar os
sapatos. Traga-me as roupas que lhes deram. Não pode acender um
fogo?

— Não, não podemos. Espero que os homens de Morell não


vejam este lugar. Morell! Gostaria de conhecê-lo pessoalmente.

— Não perca seu tempo pensando nele. Procure água e um


recipiente. Devo limpar esta ferida e enfaixá-la.

448
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf saiu em silêncio, antes que pudesse ver como Lyonene


fechava os olhos pela dor em seu ventre.

— É o bebê? — Logo que pôde, sussurrou Maularde.

Lyonene sorriu e alisou seu cabelo molhado pelo suor.

— Não fale agora. Nós vamos cuidar de você e vai ficar bem, mas
deve descansar também. E sim, é o bebê, mas não diga isso a Ranulf.

— Acho que ele vai saber em breve.

— Temo que suas palavras sejam verdadeiras. Calma agora. Eu


vou te causar mais dor, porque preciso remover alguns pedaços de
ferro que ficaram presos a sua perna.

Ranulf retornou com um recipiente de barro cheio de água.

— Está quebrado, mas pode segurar um pouco de água.


Maularde lhes falou?

Lyonene olhou ao cavaleiro com carinho.

— Sim, preocupa-se com minha saúde.

Ranulf a olhou pela primeira vez e viu a dor em seu rosto.


Tocou-lhe o cabelo e acariciou a bochecha. Lyonene se inclinou para
diante para aliviar a dor. Ranulf a aproximou dele.

— O bebê chuta você novamente?

— Sim, cada vez mais fortes. Arranque um pouco de tecido e


molhe para que eu possa ajudar ao seu homem.

449
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Trabalharam juntos, em silêncio, enquanto Lyonene tirava com


cuidado as partes de ferro com um galho de árvore verde que tinha
arrancado. Tinha que parar muito frequentemente para segurar o
ventre pelas contrações que aumentavam cada vez mais. Ranulf não
falava muito quando ela inclinava a cabeça pela dor, mas a segurava
pelas costas e os ombros.

Finalmente terminaram de enfaixar a perna de Maularde e,


embora acreditassem que dormia, ele abriu os olhos e lhes falou.

— Agora é a sua vez, milady.

Lyonene sorriu.

— Sim, temo que tenha razão. As dores são agora muito


seguidas.

— O que acontece? — Ranulf perguntou.

— Seu filho está chegando, milorde — sussurrou Maularde.

— Não, pode ser. Não há aqui nenhuma mulher para atender no


parto.

Lyonene ainda pôde rir um pouco, embora viesse uma contração


mais forte.

— Lyonene, não pode dar à luz agora. Deve esperar que eu


encontre alguém.

— Não, Ranulf, não me deixe. Ajude-me a deitar.

Agarrou-a nos braços com cuidado e notou que o corpo


musculoso de Ranulf começava a tremer.

450
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Temo que lhe encherei ainda mais de sangue, pois dar à luz é
algo muito complicado, Ranulf. Ah, não, era uma brincadeira. Não
tome a sério. É um trabalho muito fácil.

Ele colocou-a cuidadosamente sobre os juncos no chão.

— Irei procurar musgo para lhe preparar uma cama. — Se


notava a tensão em sua voz. — Há tempo?

— Sim, ainda falta um pouquinho.

Ranulf saiu correndo da casa.

Veio-lhe outra contração e enquanto ela se agarrava ao chão,


notou uma mão quente e forte sobre a sua. A força e a proximidade de
Maularde a tranquilizaram.

Ranulf voltou em seguida e pulverizou o musgo por debaixo dela.


Viu as mãos entrelaçadas de sua mulher e seu guarda. Não desfez o
contato, pois isso o alegrou. Lyonene separou as pernas, empurrando
com força o bebê a cada contração.

Ranulf se colocou no meio das pernas dela e usou sua espada


para cortar a roupa interior. Secou sua testa e murmurou palavras de
ânimo enquanto os dores a sacudiam. Ficaram em silêncio quando
ouviram o som de centenas de cavalos muito perto dali, sabendo que
poderia ser apenas questão de momentos antes de Morell os
encontrar. Todos eles suspiraram de alívio quando os cavaleiros
passaram.

Não ficou muito tempo de tranquilidade, pois Lyonene rompeu a


bolsa de água e Ranulf, que tinha ajudado no nascimento de muitos

451
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

potros, soube que a criança estava quase nascendo. Maularde se


arrastou aproximando-se mais dela para evitar que gritasse quando a
cabeça aparecesse. Ranulf só teve tempo de segurar o bebê quando
Lyonene deu o último empurrão.

Rapidamente, tirou o cordão do pescoço do recém-nascido e


limpou o muco de sua diminuta boca. A criança deixou escapar um
grito de protesto por esse novo e frio ambiente e, Ranulf cuidou de
cortar o cordão umbilical e desfazer-se da placenta.

Maularde pareceu recuperar o ímpeto depois do nascimento e foi


ele quem limpou o menino gritão com uma parte de seu tabardo de
veludo. Envolveu ao recém-nascido com roupa abrigada, acariciando
o grosso cabelo negro que cobria sua carinha enrugada.

Ele entregou a criança a uma exausta Lyonene, e ela tocou o


pequeno rosto, as pequenas orelhas.

— Eu gostaria de ver este meu filho. — Disse Ranulf com calma


e o segurou dos braços de Lyonene. Era noite, mas não se atreviam a
acender uma luz, assim Ranulf agarrou o menino, tirou-lhe as roupas
e o estudou a luz da lua.

Lyonene via seu perfil, o brilho de seus olhos negros quando este
sustentava seu filho, foi um momento privado para os dois, que
ninguém mais podia compartilhar. A mão enorme do Leão Negro era
muito suave quando tocava esses diminutos dedos e, Ranulf sorriu
quando o menino agarrou seu dedo escuro e cheio de cicatrizes de
guerra de seu pai.

452
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Trocou-lhe a roupa e o devolveu aos braços de Lyonene. Ranulf


lhe acariciou a bochecha com ternura, com olhos chorosos,
demostrando a profundidade de seus sentimentos.

— Obrigado por meu filho. — Sussurrou antes de deitar-se ao


seu lado e adormecer.

Os quatro dormiam pacificamente, unidos por dificuldades e


alegria compartilhada. O recém-nascido despertou e todos tomaram
parte em seu cuidado, no novo prazer dessa alegria antiga. Nas
primeiras horas do amanhecer não houve distinção entre lorde e
vassalo, entre pai ou amigo, mas sim uma união causada e
abençoada por uma nova vida, um ser inocente, cuja maravilhosa
presença transcendeu os laços terrenos. Os três adultos sorriram um
para o outro formando uma unidade.

Dormiram um pouco mais e o sol brilhou nesse novo dia quando


voltaram a despertar. Ranulf ajudou seu guarda a sair da casa e logo
tirou Lyonene, enquanto o bebê ficava aos cuidados de Maularde.

Sentaram-se juntos, Lyonene no colo de Ranulf, por alguns


momentos antes de voltarem. Ranulf a beijou na boca doce e
brandamente.

— Acho que o garoto te agrada? — Brincou Lyonene.

— Sim, ele é o mais bonito dos bebês. Tenho certeza de que não
poderia ter sido melhor. — Disse Ranulf tratando de parecer sério.

— Você não o acha feio e vermelho como a maioria dos pais?

453
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não, ele não é vermelho. Tem minha cor de pele e meu cabelo.
Você viu a maneira que já começa a enrolar em seu pescoço? Já pode
ver-se que tem a força necessária para ser um cavaleiro e o tamanho
de sua cabeça me diz que será um homem alto.

— Sim, é verdade que é muito grande, acreditei que ia me partir


em duas.

— Não, equivoca-se. Foi ele quem fez todo o trabalho. Ele se


empurrou para vir ao mundo.

Lyonene se pôs a rir, pois via o princípio de seu sorriso.

— Ranulf! Não parecia muito seguro de você mesmo naquele


momento.

Ranulf apertou-a contra si.

— É verdade que tive medo, pois não sabia que dar à luz fosse
uma tarefa tão difícil. Você é tão pequena e meu filho tão grande...

— Já não me lembro da dor, então não sofra por mim. Para mim
é suficiente saber que o agradei.

Ranulf se apoiou em uma árvore.

— Sim, Montgomery é perfeito e eu vou...

— Montgomery! Escolheu um nome sem me consultar? E se eu


preferir outro nome ou se não gosto do que escolheu?

Ranulf encolheu os ombros.

454
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Isso não mudaria nada. O nome do meu filho é Montgomery


de Warbrooke, quarto conde de Malvoisin. Era o nome do meu avô e
voltará a viver no meu filho. Voltaremos logo à minha ilha e ele será
batizado. Dacre virá e será seu padrinho e Maularde será seu outro
padrinho.

— Maularde? Não deveria pedir a Geoffrey, seu irmão?

— Não, Geoffrey preferiria mimar a uma menina. Meu homem


mereceu esta honra.

— É certo. Para madrinha, tinha pensado na Berengaria, se isso


for adequado aos seus planos preconcebidos.

Ranulf ignorou seu comentário sarcástico e seus olhos se


perderam na distância.

— Eu gostaria que minha mãe pudesse vê-lo. Desejava ter uma


casa cheia de meninos.

Lyonene tentou procurar algumas palavras de compreensão,


mas não às encontrou.

— Tenho certeza de que esteve muito contente por dar à luz a


um menino tão bonito como você.

Ranulf a olhou e sorriu.

— É verdade, pois tinha a mesma opinião que você sobre mim.


Talvez seja bom ela nunca ter visto no inútil que se converteu
Geoffrey.

455
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Não têm muito respeito por seu irmão. Eu o vejo bastante


bonito e doce.

— Hoje não poderá me irritar. Estou muito contente com meu


filho.

— O único que peço é que se pareça com você só no aspecto e


não em sua arrogância e vaidade.

Ranulf a beijou no pescoço.

— Não, será um menino doce com as palavras melosas de sua


mãe. Já lhe disse que te amo hoje? Que te amo mais a cada dia?

Lyonene sussurrou:

— Não, mas se o tivesse feito, eu teria apreciado muito estas


palavras.

Ranulf retirou seus lábios da pele de Lyonene.

— Você é uma maldição para mim. Abandona-me durante meses


e eu não consigo encontrar nenhuma mulher ao meu gosto e quando
eu te vejo de novo, você rivaliza com meu cavalo em tamanho e agora
eu devo esperar até que você se recupere de meu filho. Acredito que
não quero beijá-la até que possa chegar ao final do assunto.

— Você é um marido muito atencioso. — Lyonene o beijou por


todo o pescoço.

— Lyonene! Basta já com este comportamento. Agora me diga


que presente deseja como recompensa por meu filho. Dar-lhe-ei uma
coroa de estrelas se isso for o que deseja.

456
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Ah, meu galante cavaleiro, você é muito generoso, mas


deixarei que o resto do mundo possa desfrutar das estrelas. Não há
nada que deseje mais que retornar a Malvoisin, com o povo que
conheço e quero, e que meu filho tenha saúde.

— Deve haver algo que queira, alguma joia? — Lyonene pensou


durante um momento.

— Eu gostaria de recuperar meu cinto de leão.

Ranulf desenhou um amplo sorriso e começou a procurar em


uma bolsa que tinha ao lado do cinto. Seus olhos brilharam enquanto
devolvia o bonito cinto.

— Seu desejo é uma ordem.

— Oh! — Gritou Lyonene enquanto o segurava com força contra


sua bochecha. — Não sabe a agonia que suportei por ele. Tinham me
tirado tudo e não ficava nada mais como pagamento para um
suborno. Nunca havia possuído nada que amasse tanto como este
cinto.

Ranulf seguia sorrindo.

— E quanto a mim, Leoa? Eu não compartilho de algum desse


amor, como um de seus bens?

Lyonene sorriu.

— Não possuo você, Ranulf. Ninguém poderia lhe possuir.

O rosto de Ranulf ficou sério.

457
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Temo que se equivoca, pequena leoa. Se houver algum


homem que tenha pertencido a alguém, esse sou eu.

Seus olhos se encontraram por um momento em um sentimento


profundo de amor eterno, que ultrapassava a existência diária ou o
êxtase da carne. Suas almas se tocaram.

O pranto do bebê os devolveu à realidade.

— Montgomery está chamando a sua mãe.

Ranulf se levantou levando sua esposa nos braços com toda


facilidade.

— Então levarei tudo o que ele deseja. O filho do Leão Negro


saberá que o mundo poderá ser como ele queira, se assim o pedir.

Lyonene começou a rir.

— Vejo que terei que suportar a outro como você, pois já vejo
que fará do menino a sua imagem.

— Sim, e nossa leoa adorará aos dois.

— Receio que me conhece muito bem.

Desta vez, enquanto Lyonene dava o peito ao seu filho, Maularde


olhou para outro lado.

— É um bom menino, não é? — Alardeou Ranulf.

— Sim, milorde. O mais forte que tenha visto para sua idade.
Pergunto-me se terá algo que ver com essa juba de cabelo.

— O que acha de ser o padrinho do menino?

458
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Maularde ficou mudo durante um momento.

— Seria uma grande honra. Mas acredito que não me mereço


tanto. — Disse com calma.

Lyonene cobriu o peito e segurou o bebê contra ela, brincando


com uma mecha de cabelo negro que começava a enrolar debaixo de
suas pequenas orelhas.

— Acredito que ganhou esta honra, já que me ajudou a trazer


este menino ao mundo. Não há muitos padrinhos que possam dizer o
mesmo.

O negro cavaleiro sorriu.

— Prometo que amarei o menino como se fosse meu, disso


podem estar certos.

— Acredito que já começou a fazê-lo. — Disse Ranulf.

Em seguida se calou e começou a escutar atento

— Alguém está chegando.

Ranulf desembainhou a espada e Maularde, ficou de pé apoiado


contra as pedras bicudas da casa, entre Lyonene e a porta.

Ranulf se dirigiu à soleira da porta e interrogou Maularde com o


olhar.

— Até que fique uma faísca de vida em mim. — Foi sua


inequívoca resposta.

459
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene ficou quieta sentada, protegendo Montgomery até dos


pensamentos do mal. Olhou para as costas de Maularde e viu que sua
perna voltava a sangrar. Ainda assim, seguia firme, ignorando a dor e
o corte da ferida, fiel a seu dever de proteger a sua ama e a seu novo
lorde.

— Salve a Guarda Negra! — Eles ouviram a voz de Ranulf de


algum lugar acima da cabana rústica, um lugar escondido onde
observava e se preparava para o ataque. Desceu ao chão diante da
estreita porta e desapareceu quando saiu correndo para saudar seus
homens.

Maularde voltou a sentar-se, mantendo sua perna estirada.


Deixou que a dor se mostrasse em seu rosto. Lançou um tímido
sorriso a Lyonene.

— Se estivesse sozinho, temo que lançaria um grito de dor. É


bom que esteja em sua presença.

Ela não conseguiu devolver o sorriso, sabendo que suas palavras


não cobriam sua dor. Eles podiam ouvir o riso de Ranulf e seus
homens. Como Ranulf tinha mudado em um ano! Maularde leu seus
pensamentos e ambos compartilharam um sorriso.

— Temos um visitante. — Disse Ranulf. — Não, é um visitante


muito bem-vindo e eu sou capaz de lidar com ele sozinho. É um
guerreiro forte. Sua força já me assustou.

A Guarda Negra estava em silêncio, sem compreender as


palavras de seu lorde.

460
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Maularde! — Gritou Corbet. — Deixou já de fingir e está


preparado para voltar ao trabalho? Milady, não a vi ao entrar... — Se
deteve ao ver o recém-nascido.

Sainneville olhou perplexo para Corbet, perguntando-se o que o


teria feito calar, até que também ficou parado, olhando fixamente o
bebê de cabelo negro que dormia nos braços de sua mãe.

Quando cada homem da Guarda Negra entrou na cabana,


Sainneville se ajoelhou e baixou a cabeça. Foi um momento muito
intenso e um grande tributo a Ranulf. Como o primeiro, outro dos
homens beijou a pequena mão do recém-nascido e rendeu
homenagem ao herdeiro de seu lorde. Lyonene tentava conter as
lágrimas diante dessa grande honra. Também viu que a mandíbula de
Ranulf estava menos firme que habitualmente, sim, na realidade
parecia que tremia.

— Salve o filho do conde de Malvoisin. — Gritaram, e as pedras


tremeram com o som de suas vozes.

Montgomery não se importou com o barulho e lançou um grito


mais forte que as vozes dos homens.

Ranulf sorriu orgulhoso para o filho.

— Temo-me que o rapaz não aprecie a meus homens tanto como


eu.

Corbet recuperou a voz.

461
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Bem, acredito que passou exatamente um ano até o


nascimento deste filho, desde o dia do casamento até agora. Têm-nos
feito ganhar algumas apostas, milorde.

Ranulf franziu a testa um momento em perplexidade e depois


sorriu.

— Suponho que Dacre esteja metido em tudo isto. Estarei


contente de vê-lo pagar. Se se negar, ajudarei vocês com muito gosto
a compilar os lucros.

Lyonene desviou o olhar, fingindo não entender suas palavras,


mas secretamente prometeu um dia retribuir a lorde Dacre por seu
atrevimento.

Ranulf deu um passo adiante e gentilmente pegou o menino dos


braços da mãe. Levou-o para fora e seus homens o seguiram. Lyonene
se dirigiu para a janela e olhou como seu marido tirava a roupa do
bebê e o mostrava orgulhoso a seus homens. Podia ouvi-lo como
alardeava sobre a força do menino. Fazia-a sentir-se contente ao ver a
ternura, a maneira protetora que Ranulf segurava seu filho.

Acenderam uma fogueira. Gilbert e Herne foram ao povoado


próximo procurar roupas limpas para o bebê. Lyonene nunca tinha
desejado tanto um banho como o que tomou nessa cabana irlandesa
ordinária. Pela primeira vez banhou a seu filhinho, admirando seus
traços perfeitos e seus olhos, que como predisse Ranulf, à medida que
passava o tempo se tornavam mais verdes.

462
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ficaram na cabana durante dois dias, sobre tudo para permitir


que a perna de Maularde se curasse. Como se negava a viajar de
carroça, Ranulf e seus homens prepararam um suporte em cima do
cavalo para que sua perna pudesse estar estirada durante a viagem
de volta a Malvoisin.

Viajaram lentamente, descansado frequentemente, e Ranulf


estava especialmente atento às necessidades de Lyonene, sempre
preparado para ajudá-la.

Ela nunca perguntou o que ocorreu a sir Morell, Amicia ou


inclusive a lady Margaret, mas várias vezes viu Hugo e Ranulf falando
seriamente e, de alguma forma, sentiu que estavam a salvo de mais
traição por sua parte.

Em Waterford embarcaram em um navio de retorno a Inglaterra.


Lyonene não sabia se era sua felicidade ou o fato de não estar
grávida, mas durante a viagem que durou três dias não voltou a
adoecer-se, ao contrário, desfrutou da suave brisa e do penetrante
aroma de mar.

Foi uma longa jornada de cinco dias até chegar a Malvoisin e


jamais tinha desejado tanto terminar uma viagem. Quando
começaram a divisar as torres cinza do castelo, Montgomery já tinha
dezessete dias e começava a engordar. Dormiu quase todo o tempo,
frequentemente embalado nos fortes braços de seu pai, alheio as
pessoas e os acontecimentos que ocorriam ao seu redor.

463
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

As trombetas soaram quando divisaram o castelo, e as pessoas


do povoado corriam para saudá-los. Tinha chegado à notícia do
nascimento do menino e se formavam aglomerados para vê-lo,
lançando alegres gritos quando viram a juba de cabelo negro.

— Ranulf! — Lyonene lhe tocou o braço. Olhou adiante para


alguns cavaleiros que saíam do castelo. Esporeou seu cavalo, fazendo
caso omisso dos guardas que imediatamente a seguiram. Quando
chegou a eles, desmontou e começou a correr com os braços abertos.
Sua mãe a abraçou e ambas choraram de alegria por voltarem a se
verem.

— Está bem, minha filha? Fizeram-lhe mal? — Perguntou Melite.

— Não, estou bem e muito contente de estar em casa. Papai


também está aqui?

Melite se afastou e Lyonene beijou a seu pai, que secou


rapidamente uma lágrima.

— Tem muito bom aspecto, minha filha. Parece tão em forma


quanto uma leoa pela qual te dei seu nome.

Lyonene sorriu a seus pais.

— E teve uma pequena cria de leão que lhes fazem avôs, um


filhote de olhos verdes, cabelo negro, peito de aço. — Ranulf passou
uma perna sobre as costas de Tighe e deslizou até o chão, sem
despertar seu filho, que com tanto orgulho levava.

Melite segurou o bebê e tocou o rosto adormecido. Todos juntos


caminharam para a muralha leste e depois para o pátio interior, onde

464
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

os servos do castelo esperavam para ver o bebê. Quando por fim


entraram em Black Hall, foi Lyonene quem viu primeiro Brent. Estava
sentado sozinho ao lado da janela, inseguro de si mesmo entre tantos
estranhos. Ranulf e Lyonene tinham estado fora durante mais de
quatro meses, e para um menino de seis anos eles já pareciam
estranhos.

Lyonene se sentou um momento com ele, enquanto os outros


seguravam Montgomery e o admiravam.

— Brent, estou muito contente de vê-lo de novo.

— Eu também, milady.

Ele torceu a bainha do tabardo em suas mãos.

— Você gostaria que lhe contasse como me salvou lorde Ranulf?


Como entrou pela janela com uma corda e como cortou lenha?

Os olhos de Brent se iluminaram.

— O Leão Negro cortando lenha? Não posso acreditar.

Enquanto contava a história, viu como ele relaxava. Pouco a


pouco perdeu seu nervosismo e começou a sentir que pertencia a esse
lugar. Ranulf veio até ele, com Montgomery em seus braços.

— Você gostaria de ver meu filho, Brent?

— Eu... sim. — Disse, não muito convencido.

Ranulf se ajoelhou diante do menino e, enquanto Brent estudava


o bebê, Ranulf observava Brent.

465
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Claro que agora é muito pequeno e não vale para nada.

Lyonene levantou as sobrancelhas quando ouviu a frase do


Ranulf

— Necessitará que homens como você, eu, e claro, a Guarda


Negra, treinem-no para que se converta em cavaleiro. Acha que
poderá ensiná-lo?

Os olhos de Brent começaram a brilhar.

— Sim, sim, milorde.

— E como meu pajem, o vigiará e o protegerá?

— Sim, farei-o.

— Muito bem. Agora devo ver como está meu castelo. Tudo foi
bem enquanto não estive?

— Oh, sim, milorde. Walter me deixou ter meu próprio falcão.


Disse que... — O menino ficou quieto na porta esperando
impacientemente a seu amo.

Ranulf deu seu filho a Lyonene, e enquanto ela o segurava, seu


marido pôs uma mão atrás da sua cabeça para beijá-la suave e
meigamente.

— Não posso acreditar que este menino seja meu, pois juro que
passou mais de um ano desde que a toquei pela última vez. — Ranulf
a beijou de novo, um movimento da criança impedindo-o de esmagá-
la contra ele.

— Lyonene. — Chamou Melite.

466
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf se separou dela.

— O que acha que eles diriam se a pusesse em cima de meu


cavalo e levasse-a para longe daqui?

Lyonene se apoiou nele e, sem deixar de olhá-lo, colocou uma


mão sobre seu peito.

— Estou disposta a suportar o que tiverem que dizer, seja bom


ou mau.

Ranulf, emocionado, tocou-lhe o cabelo e com seu polegar


acariciou seus cílios.

— Você é uma desavergonhada. Quem daria, então, de comer a


meu filho?

— Nós poderíamos levá-lo conosco.

— Você é uma diabinha por me tentar assim. Acaso não têm


honra?

— Minha honra é você e eu o seguiria onde quer que fosse.

— Lady Melite, venha e leve esta sua filha. Ainda não aprendeu a
ter maneiras diante dos convidados.

Melite sorriu aos dois.

— Tenho medo de defendê-la. Ela sempre foi uma boa e doce


criança antes de olhar para milorde.

Lyonene se pôs a rir.

467
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Com os olhos brilhantes, Ranulf sacudiu a cabeça, enquanto


olhava de sua sogra e a sua esposa. Fez uma pausa na porta para
voltar a olhar como Lyonene embalava o bebê e sorriu pacificamente,
enquanto atendia às petições de Brent e o seguia pelo castelo.

Melite não teve necessidade de perguntar a sua filha se era feliz,


pois em seu rosto se via a satisfação e a alegria de ter seu marido, seu
filho e de voltar a estar em sua casa. Melite não podia ocultar sua
satisfação, estava muito contente de ver que a paz e a harmonia
reinavam no castelo.

468
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Capítulo 17
A notícia do regresso seguro de Lyonene espalhou-se
rapidamente por todo o reino, e os convidados começaram a chegar.
Ela correu para Berengaria e se abraçaram, contentes de voltarem a
se verem. Travers trazia seu filho, um menino de dezessete meses que
era exatamente igual a sua mãe, um menino muito bonito. Era um
contraste ver o angélico menino com a feiura de seu pai.

— Já sei o que pensa, — sussurrou Berengaria — e eu também


estou contente de que se pareça comigo. Mas venha, eu gostaria de
ver o que seu moreno marido produziu.

Berengaria manifestou sua admiração, como todos, ao ver o


menino de olhos verdes, e Montgomery já parecia se gabar com tanto
carinho.

— Já tem o olhar e a aparência de seu pai. — Disse Berengaria,


rindo.

Quando Ranulf entrou no castelo com Brent, caminhava junto a


Dacre e os dois homens riam de alguma brincadeira.

— O que você fez com ele? Ele está mudado e não é o mesmo
homem que eu tenho visto por anos. — Perguntou Berengaria a
Lyonene.

Lyonene encolheu os ombros.

469
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Sempre foi assim com lorde Dacre. Eles não são mais velhos
do que Brent quando juntos.

— Não, se equivoca. Vi lorde Ranulf e lorde Dacre brigarem um


contra o outro desde que era menina, mas nunca tinha visto uma
luminosidade como essa nos olhos de seu marido. Domou o Leão
Negro.

— Não, espero que não. Se bem me lembro, há algumas


maneiras ferozes sobre ele que eu gosto muito.

— Lembra? — Perguntou Berengaria. — O menino já tem quase


um mês.

Brevemente, Lyonene contou a sua amiga sobre os meses na


Irlanda. Berengaria estremeceu.

— Não acredito que queira ouvir mais sobre seus dias na


Irlanda. Eu não gostaria de estar longe de minha família durante
tanto tempo. Mas acredito que teve muita sorte de ter o marido que
têm. Se eu tivesse feito uma tolice parecida, acredito que Travers teria
me deixado com eles.

Lyonene ficou perplexa por sua franqueza, mas admitiu que ela
também tinha pensado um pouco nisso. Suas palavras se detiveram
com a entrada de Dacre e Ranulf.

— Aqui está sua esposa e continua sendo tão bonita como a


lembro. Desembainhará a espada outra vez contra mim se a toque? —
Perguntou Dacre.

470
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Se te desafio, esteja seguro de que será seu fim. — Disse


Ranulf tranquilamente.

— Teremos tempo para provar suas palavras. — Riu Dacre


quando se virou e agarrou Lyonene em seus fortes braços, lançando-a
no ar antes de puxá-la para ele e dar um beijo na boca.

Ela lançou um olhar a Ranulf e viu que suas suspeitas eram


fundadas; seu marido franzia o cenho para eles e seu corpo estava
rígido em um intento de controlar suas emoções.

— Você é um bocado muito saboroso, quase tão boa quanto


minha Angharad.

Lyonene empurrou os ombros de Dacre que tinha suas mãos na


cintura e seus pés não tocavam o chão.

— E como está sua esposa lorde Dacre? — Disse ela em voz bem
alta. Então baixou a voz e disse: — Me solte ou direi a todo mundo
algo que me contou lady Elisabeth sobre você.

O rosto de Dacre perdeu o sorriso.

— Hmmm. Bem, acho que talvez não goste disso.

Dacre a olhou fixamente um momento e depois a deixou no chão


e começou a rir.

— Se Angharad não estivesse do tamanho de meu cavalo, eu a


teria trazido aqui e você teria que resolver isso com minha diabinha.
Ouviu como esta menina, que é sua esposa, me ameaçou? Olhe. Tem
guelra. — Dacre estirou seu braço por cima de sua cabeça.

471
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Ranulf, sem poder ocultar sua satisfação, sorriu a sua mulher e


logo voltou a olhar seu amigo.

— Eu gostaria de saber o que disse lady Elisabeth sobre você.

De repente Dacre deixou de sorrir.

—Mmm. Bom, acredito que não gostaria que você soubesse.

Ranulf jogou a cabeça para trás e pôs-se a rir.

— Iremos ver meu filho e logo meus homens que o esperam.


Acredito que há uma questão de ouro que deve resolver.

Dacre deu um golpe nas costas de Ranulf.

— É uma dívida que estou disposto a pagar ansiosamente, pois


na verdade, eu não achava que você fosse homem o suficiente para
fazê-lo.

Saíram da sala de repouso discutindo amigavelmente e


rapidamente o quarto se encheu de mulheres. Lucy, ainda chorosa
pelo retorno de Lyonene, Kate, Melite, Berengaria e Lyonene passaram
algumas horas maravilhosas, enquanto preparavam o traje para o
batismo.

Lyonene ainda se emocionava ao amamentar Montgomery e


encontrava muito prazer compartilhando esses momentos com seu
filho. Crescia mais a cada dia, seus olhos procuravam rostos e as
luzes que surgiam em cima dele. Já começava a distinguir sua mãe
do resto das outras mãos que o seguravam nos braços e que o
tocavam.

472
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Malvoisin se achava invadido por convidados e seus servos.


Colchões foram trazidos das adegas, arejados e montados por toda a
casa. Os dormitórios de Black Hall estavam cheios e, como se tinha
por costume, camas foram colocadas dentro da câmara de Ranulf e
Lyonene. De noite as cortinas de sua própria cama estavam fechadas,
mas podiam ouvir os ruídos das pessoas que dormia ao redor.

Lyonene aproximou seu corpo nu ao de Ranulf, seus seios


contra suas costas, uma perna sobre sua coxa, sua suave pele
deleitando-se com a superfície dura e coberta de cabelo. Ele se virou
para ela rapidamente, aproximando-se do corpo suave e redondo em
contraste com os músculos de aço do Leão Negro. Acariciou-a
suavemente, saboreando sua pele cremosa e a plenitude de cada
curva.

Lyonene aproximou mais seus quadris, sentindo o ardente


desejo de Ranulf e, sua excitação aumentou sua fome dele, o desejo
reprimido durante os meses de separação. Acariciou-lhe os músculos
das costas, esfregando forte com a palma da mão, usando as unhas,
desenfreada pela paixão cada vez maior. Com a boca, Lyonene
percorreu toda a enorme redondeza de seu ombro, acariciando sua
pele cálida e bronzeada com seus lábios, seus dentes, sua língua.
Mordiscou um lado de seu pescoço, movendo-se a seu lado, com seus
seios tensos contra o cabelo espesso e negro de seu torso, sentindo
calafrios por todo o corpo devido às suaves cócegas que lhe
provocava.

Chegou até o lóbulo da orelha e sentiu a respiração de Ranulf


contra seus cabelos, uma respiração profunda e rápida. Empurrou-o

473
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

para os lençóis, esfregando sua coxa entre as pernas de Ranulf,


exaltando seu poder sobre ele. Com a mão, Lyonene percorreu seus
braços, sentindo o poder contido, a força que só ela podia controlar e
usar em seu benefício, para seus próprios caprichos e fantasias. Seus
seios se esfregaram contra seu peito, notando como os mamilos
rosados acariciavam sua pele e o suave pelo. Sem querer, Lyonene
soltou um gemido duro e profundo enquanto acariciava seus lábios
abertos com a ponta da língua, e logo o som se transformou em uma
risada animal, gutural, quando o sentiu tremer debaixo dela. Lyonene
mordeu seu lábio inferior e o torceu, sussurrando e acariciando-o,
com seu corpo cada vez mais perto do objetivo.

— Tenho fome, Melite. Traga-me um pouco de comida ou mande


a uma das donzelas a que o faça, mas não consigo dormir em um
lugar estranho, quando tenho fome.

As palavras de William chegaram a sua cama rodeada de


cortinas. Lyonene, por instinto, se afastou de Ranulf imediatamente
ao ouvir a voz de seu pai. Ranulf puxou-a de volta para ele, mas um
ruído muito forte o fez abrir os olhos e deixou a mão quieta em seu
quadril. Suspirou e apertou os dentes fazendo um esforço para
acalmar-se.

— Sir William, posso lhe ajudar em algo? — Perguntou-lhe ele


através das cortinas.

— Não, lorde Ranulf, eu só queria encontrar a porta e depois a


cozinha, mas é estranho aqui e eu não consigo encontrar o caminho
da saída. — Outro ruído pontuou suas palavras

474
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

— Devo ir, ou seu pai pode destruir meu salão, assim como fez
com meu prazer, esta noite. Você deveria estar feliz por ele ser seu pai
ou eu poderia jogá-lo pela minha janela com seus modos desajeitados.
— Sussurrou a Lyonene, lançando um olhar acusador. — Me vestirei
e comerei com ele. Acredito que demorarei a dormir esta noite. — Se
inclinou para dar um beijo na sua bochecha, mas quando a mão dela
se dirigiu para seu ventre e o acariciou, Ranulf a afastou. — Não leoa,
não vou fazer nada enquanto seu pai se agita como um javali ferido.

Ranulf se afastou rapidamente e a deixou. Lyonene cravou o


punho contra o travesseiro e começou a rezar orações pedindo
perdão, pois o juramento que tinha pensado ia dirigido contra seu
próprio pai. Estava adormecida quando Ranulf voltou com um forte
cheiro de vinho e só suspirou pacificamente quando Ranulf a atraiu
para ele e dormiu.

A casa despertou muito cedo no dia seguinte e Lyonene se viu


envolta em um torvelinho de preparativos para o batismo de
Montgomery. Pela tarde, a solene cerimônia foi realizada na capela do
salão da Guarda Negra, com o sol que se filtrava pelas bonitas janelas
de vidros coloridos e chumbados. Berengaria deu o tranquilo bebê a
padre Watte, que o imergiu na água abençoada. Montgomery lançou
um forte grito, com toda a força de seus pulmões, que fez estremecer
e sorrir lorde Dacre.

475
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Mais tarde, no Salão Negro, presentes foram dados, copos com


joias e chapas de ouro. Lorde Dacre apresentou seu afilhado com uma
sela, pequena, feita para um pônei, com o couro gravado com o leão
de Malvoisin.

Mas de todos os presentes, o favorito foi o de Ranulf a sua


esposa. Tratava-se de uma taça alta, coberta em sua parte superior e
inferior com filigranas de ouro, definido com esmeraldas, pérolas e
diamantes. O cálice estava finamente esculpido em cristal de rocha, e
aparecia gravada a cena de um leão e sua leoa, sentados
tranquilamente e rodeados de quatro filhotes pulando. O pé da taça
era de ouro, e havia uma inscrição com palavras de amor de Ranulf
para sua bonita e jovem esposa.

Enquanto Lyonene segurava a requintada taça e lia a inscrição,


levantou os olhos nublados de lágrimas para Ranulf.

— Assim não esquecerá. — Disse Ranulf, respondendo à


pergunta não formulada.

Lyonene pôs a mão atrás de sua cabeça e puxou-o para baixo


em um beijo que mostrou sua gratidão e expressou sentimentos mais
fortes que isso.

Uma ovação encheu a salão, tanto pelo nascimento de um


herdeiro, como pela felicidade que existia.

À noite, Lyonene se deitou na cama exausta, sozinha, enquanto


Ranulf bebia com Travers e Dacre. Ela sentiu sua relutância em se
juntar a ela em sua cama e sabia que tinha que ver com os

476
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

acontecimentos da noite anterior e tratou de não desejar que


partissem seus convidados.

No terceiro dia, as atividades foram planejadas. William pegou


sua esposa e a sua filha e as levou ao Grande Salão.

— Quero ver este meu filho em ação. Ele prometeu me instruir


no treinamento adequado de meus homens. — William rodeou a
Lyonene com o braço. — Tem-no feito muito bem, minha filha. É um
bom homem e te faz sentir orgulhosa.

— Sim, ele faz pai.

Lyonene passou o dia inteiro com sua mãe e Berengaria, já que


tinha prometido a ambas mudas dos galhos das rosas do rei Eduardo.
Depois do jantar, quando a casa estava mais tranquila, um moço
trouxe uma mensagem.

— Um homem me deu e disse que era de Lorde Ranulf.

Ela sorriu e o enviou à cozinha enquanto tirava a missiva da


bolsa.

Espero-a ao lado do manancial situado ao

norte da igreja de Calbourne.

Ranulf

Seu coração tinha começado a palpitar como o de uma menina,


e não com o coração de uma mãe respeitável. Deixou a bolsa sobre o
banco. Não via ninguém, assim, não se descuidava de seus
convidados por um encontro secreto com seu marido. Rapidamente se

477
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

dirigiu aos estábulos e ordenou a Russell que selasse Loriage. Não o


tinha montado desde sua volta e ao notar a força do cavalo negro,
excitou-se ainda mais, enquanto se apressava em direção a Ranulf e a
alegria que sabia que lhe esperava.

Riu de si mesmo quando caiu o capuz e o vento arrancou a fita


de seda de sua cabeça, emaranhando e jogando seu cabelo ao vento,
que caiam em desalinho sobre seus ombros. Era maravilhoso ser
livre, livre das exigências, obrigações e responsabilidades, e correu
para seu amante, em um encontro excitante graças a seu ar secreto e
proibido.

Ela cutucou no lado de Loriage e o animal saltou para frente, tão


excitado quanto sua bela ama, juba e cauda voando ao vento frio.
Eles pareciam voar juntos, flutuando pelos campos suavemente
ondulantes, perto de casas, árvores, observando as pessoas.

Ao aproximar-se do manancial, Lyonene puxou as rédeas de


Loriage. A última vez que tinha visto a escrita de Ranulf foi quando
Morell falsificou as cartas para Amicia. Olhou a seu redor, vendo os
matagais e as árvores como esconderijos perfeitos e, de repente, teve
medo. Nunca soube exatamente o que tinha ocorrido aos dois e o fato
de não sabê-lo a perseguia.

Loriage notou a mudança em sua ama e sacudiu a cabeça,


soprando e dando coices, sinal de seu nervosismo.

— Silêncio, Lori. — Ela sussurrou, mas não conseguiu acalmar


seus próprios medos.

478
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Nem o cavalo saltitante nem a precavida ama viram o coelho,


mas quando o cavalo o viu, o pequeno animal se encontrava debaixo
dos cascos cortantes. Loriage agachou a cabeça e Lyonene, com seus
pensamentos em outra parte, saiu voando por cima de sua cabeça.

Ranulf chegava galopando ao manancial, a tempo de ver sua


pequena esposa voando pelo ar e aterrissando com uma forte
pancada na água gelada. Desmontou rapidamente e correu para ela,
que já estava se pondo de pé, secando a água de seus olhos e olhando
a seu redor com cara de surpresa.

Ranulf se deteve na borda sorrindo, com suas mãos nos quadris.

— Acreditava que tinha uma mulher obediente, mas há limites.


Tenho certeza, milady, de que pedi que nos encontrássemos ao “lado”
do manancial e não “dentro” do manancial.

Ela o olhou, sobressaltada e logo, furiosa.

— Acreditava que estaria mais preocupado por minha saúde. —


Disse com altivez.

Ranulf caminhou para ela e lhe ofereceu a mão e, ela fez todo o
possível para atirá-lo à água, mas não pôde. Ele sorriu enquanto os
dentes de Lyonene começavam a tocar castanholas, agarrou-a nos
braços e a tirou da água.

— No que estava pensando para deixar que esse demônio de


cavalo lhe atirasse fora? Possivelmente deveria dá-lo para que o coma
os porcos.

479
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

Lyonene se aproximou de Ranulf, tentando esquentar-se, mas


também pensando no tempo que tinha passado desde a última vez
que tinham estado sozinhos de verdade.

— Loriage não teve a culpa, foi somente minha. Estava...


pensando em outra coisa.

Ranulf afastou sua cabeça de seu ombro e seus olhos negros a


olharam com dureza, fixamente.

— Já tive o suficiente disso. Sou tão indigno de sua confiança


que me esconde seus pensamentos?

Lyonene o olhou fixamente. Ambos tinham oculto seus


pensamentos e seus sentimentos muito frequentemente e o pouco
tempo que tinham passado juntos, estavam repletos de dificuldades
por sua falta de confiança. Não era fácil falar do tempo que passou na
Irlanda.

— A carta que me enviou, não estava segura de que fosse sua.


Digo-o pelas cartas falsificadas de antes.

Ranulf voltou a aproximar a cabeça de Lyonene de seu ombro,


contente de que seu problema fosse tão pequeno, mas sensato.
Acariciou-lhe o cabelo molhado.

— Temos muito a aprender, não é? Eu não posso culpá-la pelo


que você fez se pensarmos desta maneira. Mas devemos aprender a
dar e a confiar. O que acontece? — Podia notar suas lágrimas através
de seu grosso tabardo de veludo. — Pela primeira vez sou um

480
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

cavaleiro bom e gentil e, minha dama chora por isso. Não deveria ser
assim.

Lyonene sorriu.

— Para mim, sempre foi bom e cavalheiro e sempre amei você.

Os olhos do Ranulf brilharam.

— Sempre? — Brincou.

Lyonene franziu ligeiramente o cenho.

— Exceto quando me fez amor pela primeira vez e quando vi


Amicia em seus braços e...

Ranulf a fez calar com seus lábios, que se moviam rapidamente


pelo seu pescoço.

— Não acha que já falamos o suficiente? Não têm frio com esta
roupa? O que me diz se as tirássemos?

— Diga-me novamente que você me ama.

Quando Ranulf olhou para ela novamente, seus olhos eram


muito sérios.

— Eu te amo completa e totalmente, mais que a minha própria


vida e imploro seu perdão por toda a dor que causei, pela fraqueza do
meu amor que fez você desconfiar de mim.

Lyonene cobriu sua boca com um dedo.

— Estas são palavras maravilhosas, mas cada vez tenho mais


frio e logo meu filho, nosso filho, precisará de mim. Ou você se

481
O Leão Negro — Jude Deveraux
Saga Montgomery – Livro 1

esqueceu o que terá que fazer, com uma mulher que carrega em seus
braços?

— Você é uma insolente desavergonhada. Verá como castigo


uma insolência dessas.

— Sou sua aluna muito disposta e ansiosa. — Sussurrou


enquanto o puxava para mais perto dela.

482
Fim

Você também pode gostar