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Deus e Homem
In t r o d u ç ã o a o M i s t é r i o d e C r i s t o
Escola Diocesana Razões da Esperança
Escola Diocesana Razões da Esperança
Diocese de Leiria‐Fátima
2008‐2009
Escola Diocesana Razões da Esperança
Diocese de Leiria‐Fátima, 2008‐2009
DEUS E HOMEM
INTRODUÇÃO AO MISTÉRIO DE CRISTO
1. “Que procurais? […] Vinde ver!”
O maravilhoso conhecimento de Jesus Cristo
2. “Tu amasme?”
A beleza da relação com Jesus Cristo
3. “Quem dizem os homens que Eu sou?”
Imagens e aproximações a Jesus Cristo
4. “Quem é este homem? Não é ele o Filho do Carpinteiro?”
Contextos da vida de Jesus
5. “O Reino de Deus está perto!”
A mensagem de Jesus
6. “Deus ressuscitou Jesus, que vós crucificastes!”
A morte e a ressurreição de Jesus Cristo
7. “Ele é a imagem do Deus invisível, primogénito de toda a criação!”
O que nos revela Jesus Cristo ?
8. “Na verdade este homem é o Filho de Deus!”
Jesus Cristo verdadeiro homem e verdadeiro Deus
DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
1.
“Que procurais? […] Vinde ver.”
O MARAVILHOSO CONHECIMENTO DE
JESUS CRISTO
Jesus Cristo tem sido e continua a ser a figura mais interessante, mais discutida e que mais
tem influenciado a história e a vida das pessoas. Sobre Ele muitas e diferentes opiniões se têm emitido
e profundas investigações se têm realizado. Mas mais do que se tem dito, tem‐se vivido: ao longo
destes vinte séculos de cristianismo, quantos não poderiam ter afirmado o mesmo que S. Paulo: “Eu
vivo na fé do Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gal 2,2O)? A vida de tantos crentes e
o sangue de tantos mártires dão‐nos a verdadeira medida da influência de Jesus Cristo.
Vamos tornar mais consciente e fundamentada a resposta à pergunta que Ele lança a todos
os homens:"Para vós quem sou Eu?" ( Mc 8,29). Na verdade, o conhecimento acerca de Jesus Cristo
nunca está terminado: quanto mais se aprofunda mais perspectivas se descobrem.
É evidente pois que partimos da perspectiva da fé. A reflexão teológica é "inteligência da
Fé”, ou seja, a utilização da nossa razão para compreender o mistério. Teremos, pois, em conta os
dados da cultura actual, as dúvidas e objecções que se levantam, e, em confronto com tudo isto, as
razões e os fundamentos para crer. Também aqui estamos conscientes dos nossos limites, pois não
podemos afirmar como São João: "o que ouvimos, o que vimos com os nossos próprios olhos, o que
contemplamos, o que as nossas mãos tocaram ... isso vos anunciamos" (1Jo 1,1‐4). Só podemos partir
do desejo sincero de a aprofundar: é portanto de um modo comprometido que vamos descobrir quem
é Jesus Cristo.
O seu Mistério condensa o Mistério de Deus e o Mistério do Homem.
Conhecer Jesus Cristo é conhecer quem é o homem no projecto original de Deus – Ele é o
Primogénito de toda a criatura. Ele é realmente o homem ("Eis o homem") que representa o melhor
fruto jamais surgido na humanidade. Conhecer Jesus Cristo é conhecer a humanidade na sua lenta e
dolorosa caminhada para a perfeição e para o Absoluto, nas suas expectativas e na sua procura de luz,
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
de paz, de fraternidade e amor – a Terra Prometida. Na verdade Ele é o Esperado pelo mundo inteiro,
a luz das nações, aquele que todos procuram, ainda que frequentemente por caminhos errados.
Mas, conhecer Jesus Cristo é também conhecer quem é Deus, Aquele que nunca ninguém
viu, e de que há tantas imagens deturpadas. Ele é realmente a verdadeira imagem de Deus, imagem
talvez desconcertante e inesperada, que põe por terra os nossos ídolos, mas que por outro lado
aproxima e desperta confiança e esperança.
A –JESUS CRISTO: ENCANTO E CONTROVÉRSIA
Ao referirmos o encanto de Jesus queremos fazer notar a atracção e o interesse que Ele
sempre despertou: no seu tempo, ao longo da história e hoje. Já os fariseus notaram este fascínio que
Jesus exercia nos ouvintes, e acusavam‐no, por isso, de sedutor. Os Evangelhos testemunham esse
encanto: "Nunca homem algum falou como esse homem […] – Também vos deixastes seduzir?" (Jo
7,46‐47).
Ao longo destes dois mil anos quantas pessoas não têm sentido por Jesus o mesmo encanto
e entusiasmo? Quantos mártires não deram a vida por Ele? Quantos crentes não encontraram n'Ele a
luz e o caminho, a razão de ser da existência? A nossa história e a nossa civilização estão
profundamente marcadas por Jesus Cristo. Quem previria tão grande influência quando Ele nasceu
num recanto obscuro da Palestina? Os historiadores desse tempo ignoraram‐no. Que poderia contar
para o poderoso império romano o nascimento de uma criança judia? No entanto, o império
desmoronou‐se e a influência de Jesus continuou. As primeiras e breves referências que lhe são feitas
por escritores romanos aparecem só no início do século II: Plínio e Tácito.
Também hoje, a pessoa de Cristo continua a merecer atenção e a suscitar entusiasmo: na
literatura, no cinema, na arte... Jesus continua a encantar e a seduzir mesmo fora da Igreja.
Mas é sobretudo na vida dos crentes que melhor podemos verificar o poder de influência e
o encanto de Jesus. A liturgia celebra a sua presença. A catequese centra‐se na sua pessoa e na sua
mensagem. Os crentes descobrem com profundidade a pessoa de Jesus Cristo: no crucificado que nos
redime, no ressuscitado que nos faz renascer continuamente para uma vida nova, no menino Jesus que
nos revela a proximidade e simplicidade de Deus que vem ao nosso encontro, no libertador que nos
indica caminhos de libertação, no amigo que nos ama e com quem sempre podemos contar. É
realmente na vida dos cristãos que o Mistério de Jesus continua em toda a sua riqueza, atraindo e
salvando os homens, com a mesma frescura e encanto dos primeiros tempos, que a primeira carta da
Pedro refere: "Sem o terdes visto, vós o amais; Sem o ver ainda, crestes n´Ele e isto é para vós fonte de
uma alegria inefável e gloriosa, porque estais certos de obter, como prémio de vossa fé, a vossa
salvação definitiva”? (1Pedro 1,8‐9).
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
B – IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DE JESUS CRISTO
De todos os temas do cristianismo este é sem dúvida o mais importante, pois é o centro do
qual irradiam e se explicam todos os outros. É Jesus Cristo o fundamento da fé, a razão de ser da Igreja,
a explicação da vida cristã, a luz que ilumina todas as dimensões da vida do crente: a vida comunitária,
o agir moral, as celebrações, a doença, a morte e o mistério do além. É Jesus Cristo que identifica o
cristão. Ele é a razão de ser de toda a vida cristã e da Igreja. A razão de ser da Igreja é apresentar‐se
como sinal e continuação de Jesus Cristo na história. A sua missão é servir Jesus Cristo. Assim, a
renovação da Igreja tem de referir‐se‐sempre a este centro: será tanto mais perfeita quanto melhor
manifestar Jesus Cristo aos homens.
O mesmo podemos afirmar de outros aspectos do cristianismo: como fundamento, como
explicação, e como ponto de referência na renovação de todos eles deve estar sempre a pessoa de
Jesus Cristo. É a pessoa de Jesus Cristo que pode tornar o cristianismo concreto e significativo, pois o
impede de cair no dogmatismo abstracto. Existe na verdade o perigo de confundir o cristianismo com
um conjunto de verdades (as verdades da fé) ou com um sistema doutrinal. Mas o cristianismo
fundamenta‐se numa pessoa histórica. Para os homens do nosso tempo, cansados de tantas doutrinas
e mais sensíveis aos factos reais e às experiências concretas, é a pessoa de Jesus Cristo que
fundamenta o cristianismo como facto histórico.
C – O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO
1. O encontro pessoal com Cristo
S. João, no início do seu evangelho, diz‐nos como alguém se torna discípulo de Cristo,
contando‐nos a sua experiência e como ele próprio se tornou discípulo de Jesus. Vale a pena reler este
trecho, que é um dos primeiros e mais tocantes exemplos daquilo que hoje chamamos «dar o
testemunho» pessoal: «No outro dia João estava lá novamente com dois dos seus discípulos, e, vendo
Jesus que ia passando, disse: 'Eis o cordeiro de Deus!' Ouvindo as suas palavras, os dois discípulos
seguiram Jesus. Jesus, voltando‐Se e, vendo que O seguiam, disse‐lhes: 'Que procurais?' Eles
responderam‐Lhe: «Rabi (que quer dizer Mestre) onde moras?» Respondeu‐lhes Jesus: «Vinde ver».
Eles seguiram‐n'O e viram onde morava; e ficaram com Ele aquele dia; eram então quase quatro horas
da tarde» (Jo 1,35‐39).
Não há nada de abstracto e de escolástico neste modo de se tornar discípulo de Jesus. É um
encontro de pessoas; trata‐se de estabelecer um conhecimento, uma amizade e uma familiaridade,
destinadas a durar toda a vida, ou antes, toda a eternidade. Jesus não lhes dá livros para estudar, ou
preceitos para decorar, mas diz, simplesmente: «Vinde ver» Convida‐os a fazer‐Lhe companhia. Eles
seguiram‐n'O e ficaram com Ele.
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
E eis como, de um encontro pessoal, nascem de repente outros encontros pessoais; e quem
conheceu Jesus dá‐O a conhecer a outros. Eis, em suma, como se transmite a boa nova. Um daqueles
dois novos discípulos era João e o outro era André. André foi logo dizer a seu irmão Simão:
«'Encontrámos o Messias' e levou‐o a Jesus. E Jesus, fixando o olhar nele, disse‐lhe: 'Tu és Simão, filho
de João; serás chamado Cefas, que quer dizer Pedra'» (Jo 1,42). Foi deste modo que nasceu para a fé o
próprio chefe dos Apóstolos: através do testemunho de alguém. No dia seguinte, sucede o mesmo.
Jesus diz a Filipe. Segue‐me! Filipe encontrou Natanael e diz‐lhe: «Encontrei Jesus, Aquele de quem
falou Moisés» e, às objecções de Natanael, responde Filipe repetindo as palavras de Jesus: «Vem ver»
(cfr. Jo 1,46).
O cristianismo não é primordialmente uma doutrina mas sim uma Pessoa, Jesus Cristo;
consequentemente, o anúncio desta Pessoa e a relação com ela é a coisa mais importante, o começo de
toda a verdadeira evangelização e a própria condição da sua possibilidade. Inverter esta ordem e
colocar as doutrinas e os preceitos do evangelho antes da descoberta de Jesus, seria como colocar,
num comboio, as carruagens à frente da locomotiva que as deve puxar. A pessoa de Jesus é quem
desbrava o caminho do coração para a aceitação de todo o resto. Não é pela autoridade da Igreja que se
aceita Jesus, mas é pela autoridade de Jesus que se aceita e se ama a Igreja. A primeira coisa então que
a Igreja deve fazer não é apresentar‐se a si mesma aos homens, mas sim apresentar Jesus Cristo.
Esta insistência sobre a importância de um encontro pessoal com Jesus Cristo, não é um
sinal de subjectivismo ou de sentimentalismo, mas sim a tradução, no plano espiritual e pastoral, de
um dogma central da nossa fé: que Jesus Cristo é «uma Pessoa». De facto, o único modo para se
conhecer uma pessoa é entrar numa relação viva com ela.
2. «Para que eu O possa conhecer a Ele... »
Hoje em dia ninguém nega que Cristo é «uma Pessoa». Como já vimos atrás, há quem negue
que Ele seja uma pessoa «divina», preferindo dizer que é uma pessoa «humana». Mas a unidade da
Pessoa de Cristo não é contestada por ninguém.
Descobrir e proclamar que Jesus Cristo não é uma ideia, um problema histórico e nem
somente uma personagem, mas sim que é uma pessoa e uma pessoa viva! É disto que precisamos hoje
e de que temos extrema necessidade, para não deixarmos que o cristianismo se reduza a ideologia ou
simplesmente a teologia. São Paulo, mostra‐nos como o seu encontro com a pessoa de Jesus Cristo foi
decisivo para a sua vida e dividiu em duas partes a sua vida: «Mas aquilo que poderia ser para mim um
lucro reputei‐as como perda por Cristo. Na verdade, tudo considero uma perda, perante a sublimidade
do conhecimento de Jesus Cristo meu Senhor. Por causa d'Ele perdi tudo, e tudo considero como lixo, a
fim de ganhar a Cristo e de ser achado n'Ele. E isso não mediante a minha justiça que deriva da lei, mas
da que nasce da fé em Cristo, isto é, aquela justiça que vem de Deus, baseada na fé. E isto para que eu O
possa conhecer a Ele...» (FI 3,7‐10).
Entrar numa relação pessoal com Jesus não é a mesma coisa que entrar em relação com
uma pessoa qualquer. Para ser uma relação «verdadeira», esta deve levar‐nos a reconhecer e a aceitar
Jesus por aquilo que Ele é, ou seja, Senhor. O Apóstolo, no texto atrás referido, fala de um «superior»,
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DEUS E HOMEM – O Mistério de Cristo
«eminente» e mesmo «sublime» conhecimento de Cristo, diferente de todos os outros conhecimentos.
É certamente diferente do conhecimento que se tem de Jesus segundo a carne, segundo a história,
como se diz hoje, de modo externo e «científico». E diz também em que consiste esse superior
conhecimento: consiste em reconhecer a Cristo como Senhor: «...Perante o sublime conhecimento de
Cristo Jesus, meu Senhor». Assim, o sublime conhecimento de Cristo, o conhecimento «pessoal» que se
tem d'Ele, consiste então nisto: que eu reconheça Jesus como meu Senhor; isto quer dizer: como meu
significado, minha razão de ser, meu supremo bem, finalidade da minha vida, minha alegria, minha
glória, minha lei, meu chefe, meu Salvador, Aquele a quem pertenço.
Por aqui se pode ver como é possível ler – e até escrever – livros sobre Jesus Cristo e,
todavia, não se conhecer Jesus Cristo na realidade. O conhecimento de Jesus é um conhecimento muito
especial. Assemelha‐se ao conhecimento que se tem da própria mãe. Quem conhece verdadeiramente a
sua mãe? Será porventura quem leu muitos livros sobre a maternidade ou estudou a ideia de
maternidade através das várias culturas e religiões? Não, certamente! Conhece a sua mãe o filho que
um dia, já crescido, reconhece ter sido formado no seu seio e ter vindo ao mundo através das dores do
seu parto e toma conhecimento da ligação única no mundo que existe entre ele e ela. Trata‐se em
muitos casos de uma «revelação» e de uma espécie de «iniciação» no mistério da vida.
O mesmo sucede com Jesus. Conhece Jesus por aquilo que Ele é verdadeiramente todo
aquele que, um dia, por revelação, não da carne e do sangue como no caso da mãe, mas sim do Pai
celeste, descobre ter nascido d'Ele, pela sua morte na cruz, e de existir, espiritualmente, para Ele.
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