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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA

ITALIANAS

VISUALIDADE E ESCRITA ENSAÍSTICA EM CARLO MICHELSTAEDTER

IGOR AZEVEDO DE ALBUQUERQUE

Orientadora: Lucia Wataghin

São Paulo

2019
1. Exórdio

Este trabalho surge como a formalização de reflexões acionadas no contexto do


curso “Às margens da poesia e do romance. Da língua suspensa entre gramática e o
sentido ao personagem menor da narrativa”, ministrado pelo Professor Enrico Testa
(Università degli studi di Genova) com participações de Patrícia Peterle (Universidade
Federal de Santa Catarina) e Maurício Santanta Dias (Universidade de São Paulo). O
enfoque nos nexos existentes entre gramática e língua no texto literário fundamentou
discussões aprofundadas e férteis que revelaram novas possibilidades de leitura dentro
da literatura de língua italiana, como o uso estratégico das onomatopeias em Giovanni
Pascoli, e a presença da dêixis em diversos autores do Novecento – embora também
tenhamos visto o exemplo sui generis da língua nos diários de Jacopo Pontormo.
Com o escopo de trazer as contribuições do curso para a minha pesquisa, no
último dia de atividades, as professoras Lucia Wataghin e Patrícia Peterle colaboraram
para o estabelecimento do ponto de partida deste trabalho, isto é, discutir a presença do
gênero do ensaio na escrita filosófica de Carlo Michelstaedter. Os estudos que venho
empreendendo nos últimos meses, paralelamente à leitura da bibliografia sugerida,
conduziram-me a identificar um veio dentro do ensaísmo michelstaedteriano: a relação
entre visualidade e escrita.
A tradição do ensaio na Itália tem bases e progressões próprias e a atuação de
Michelstaedter como desenvolvedor do gênero já foi percebida por diversos estudiosos,
dentre os quais Giacomo Debenedetti e Alfonso Berardinelli. Os comentadores,
contudo, concentram-se nas questões mais gerais da obra de Michelstaedter interessados
em uma interpretação de conjunto. Seguindo algumas pistas já traçadas pelos críticos,
mas também explorando novas propostas, proponho um aprofundamento da leitura de
“La persuasione e la rettorica”, trazendo para perto os pontos em que escrita e imagem
aparecem conjugadas como recursos estilísticos que aproximam prosa filosófica e fazer
artístico.
Tendo em mente o exemplo do professor Enrico Testa nas aulas, iniciamos o
percurso com um acostamento à biografia do autor, interessados nos fatos
manifestamente vinculados à versatilidade e à competência demonstradas em diversas
áreas do saber.
1. Breve nota biográfica

É difícil não se surpreender diante da figura de Carlo Michelstaedter. O primeiro


impacto geralmente decorre do fato de um jovem na casa dos vinte anos ter escrito de
modo tão denso e original “La persuasione e la rettorica”, o livro que o coloca em
destaque no cenário das letras italianas. Não é menos incomum constatar que o autor
tenha desenvolvido com solidez, além dos estudos filosóficos, as atividades de poeta,
desenhista e pintor. Ademais, considerando que seus trabalhos foram produzidos nos
cinco últimos anos de sua breve vida, a quantidade de material pressupõe atividade
intelectual e força de trabalho impressionantes: “La persuasione e la rettorica” e seu
respectivo apêndice crítico, “Il dialogo della salute ed altri dialoghi”, o volume
completo de poesias, o epistolário, o conjunto de obras gráficas e pictóricas, além dos
escritos em outros gêneros.
Michelstaedter nasce em Gorizia em 1887 e permanece em sua cidade até
completar os estudos ginasiais. Nesse período afloram seus interesses por artes,
literatura, filosofia e matemática. Pressionado para escolher uma carreira, o jovem
oscila entre essas opções antes de se inscrever no curso de letras do Istituto di Studi
Superiori di Firenze em 1905, embora tenha chegado à cidade com a intenção de estudar
pintura1. Neste período florentino, a maturidade intelectual do autor consolida-se com o
aprofundamento do estudo da língua grega e da filosofia antiga, principalmente a leitura
dos pré-socráticos. No entanto, no horizonte de suas atividades, ele nunca abandona sua
inclinação para as artes visuais e para as demais linguagens artísticas, seja desenhando,
pintando, escrevendo sobre artes, ou escrevendo filosofia com mão e – sobretudo –
olhar de artista. Até a data de sua morte precoce em 1910, quando contava com apenas
23 anos.
Neste artigos aventamos a hipótese de que a escrita de Carlo Michelstaedter –
sempre concebida junto ao sentido da visão – seja marcada por uma forte contaminação
entre letra e imagem e de que essa é um das principais marcas de seu estilo ensaístico. A
pintura abaixo – um autorretrato pintado enquanto o autor escrevia “La persuasione e la
rettorica” – é um dos exemplos em que se pode ver que a referida contaminação era
uma via de dois sentidos.

1
“Ripetiamo comunque che l’obiettivo del viaggio di Michelstaedter fu quello di
studiare pittura e di familiarizzarsi con un ambiente artístico capace di valorizzare il suo
talento di pittore. (Michelstaedter, 1975 p. XII)
FIGURA 1. “L’uomo nella notte accende una luce a se stesso”

2. O Ensaísmo de Michelstaedter: a escrita de um pensamento visual

Em “La forma del Saggio” Alfonso Berardinelli propõe um histórico através de


diversos escritores e épocas e delineia uma definição desse gênero tão fugidio e
disforme A linha temporal que o autor traça em torno do ensaísmo italiano traz
respostas para questões essenciais que se manifestam em escritos tão intrigantes quanto
desestabilizadores – desde Leopardi e Francesco De Sanctis até Italo Calvino e Claudio
Magris, as singulares expressões produzidas em italiano são analisadas em função dessa
categoria textual.
Uma das palavras que mais comumente se liga à escrita do ensaio é liberdade,
pois diferente de tratados, artigos, poesias, dentre outros gêneros mais sedimentados, no
ensaio o escritor pode tratar de seus temas de maneira livre, sem a necessidade de seguir
estritamente as regras e sequenciamentos da argumentação tradicional, as exigências de
metrificação ou os pactos ficcionais. A liberdade é sem dúvida uma das razões, talvez a
principal, que levaram à diluição da escrita ensaística nos demais gêneros literários.
Romances, poesias e filmes podem ser produzidos como manifestações ensaísticas. Mas
o ensaio propriamente dito, segundo Berardinelli, tem limites:
Possiamo definire saggistica quel genere letterario in cui la situazione
empirica di chi scrive e il fine pratico della scrittura (fine
comunicativo, persuasivo, descrittivo, polemico) sono i primi
responsabili dell’organizzazione stilistica del testo. In un saggio,
diversamente che in un romanzo, in una poesia lirica, in
una pièce teatrale, il riferimento alla realtà empirica e l’impegno alla
coerenza razionale non possono essere del tutto obliterati
dall’invenzione letteraria. (BERARDINELLI, 2008)

Se os diversos textos ficcionais podem criar personagens e eventos – inventar – sem


restrições, abdicando de sua utilidade no mundo real, o ensaio pressupõe a “situação
empírica” da sua própria escrita e jamais perde de vista seu “fim prático”. Seguindo esse
raciocínio, temos no vínculo com a realidade, com a vida material, uma marca
constitutiva, porque mesmo após os mais extravagantes circunlóquios e virtuosismos de
técnica literária é preciso retornar ao real.
Mas o fazer do ensaísta desponta justamente na problematização da “situação
empírica” e do “fim prático”, quando a fratura entre real e representação resulta num
impulso estilístico que desestabiliza as percepções diante dos paradoxos que movem o
mundo e os textos. Retornar ao real, portanto, é retornar a um lugar diferente, já outro,
transformado.
il saggista più abile tende a giocare proprio sull’ambiguità di rapporto
fra ciò che va preso alla lettera e ciò che va letto in chiave allegorica o
metaforica. la forza del saggista come scrittore è proprio qui: nella sua
capacità di inventare giochi di forme e di animare stilisticamente il
testo senza mai interrompere la convenzione comunicativa, persuasiva
e pratica, senza mai entrare interamente nella finzione, abbandonando
l’impegno razionale e il riferimento realistico. (BERARDINELLI,
2008)

Além de diferenciar a lida com o real do ensaísta daquela operada pelos jornalistas –
que prescindem das contradições entre palavra e referente –, Berardinelli completa a sua
definição do gênero quando mostra onde estão a força e a habilidade do escritor de
ensaios, isto é, no jogo formal com as modalidades variadas de escrita e na vitalidade
estilística do texto animado pelas ambiguidades dos sentidos literais e metafóricos. O
filósofo Max Bense também destaca essa prerrogativa:
Escreve ensaisticamente aquele que compõe experimentando; quem,
portanto, vira e revira seu objeto, quem o questiona, apalpa, prova,
reflete; quem o ataca de diversos lados e reúne em seu olhar espiritual
aquilo que ele vê e põe em palavra: tudo o que o objeto permite ver
sob as condições criadas durante o escrever. (BENSE, apud
ADORNO, 1986)

Tendo presentes essas reflexões, passemos à tessitura de La persuasione e la


rettorica de Michelstaedter. Escrito como “tesi de laurea” entre 1909 e 1910, o trabalho
não chegaria a ser defendido diante de uma banca no Istituto di Studi Superiori di
Firenze devido ao suicídio do autor, mas uma primeira edição do texto não tarda a sair:
em 1913 seu amigo e companheiro de curso Vladmiro Arangio-Ruiz organiza a
publicação pela editora Formiggini.
Do ponto de vista temático, a iniciativa de Michelstaedter ao confrontar
conceitos em Platão e Aristóteles não parece ir muito além daquilo que se espera de um
formando regular em letras e filosofia. O título, inclusive, dá a entender uma dialética
aparentemente simples. São duas as partes da tese: “della persuasione” e “della
rettorica”.
Na primeira seção, a persuasão é um estado inalcançável, uma região existencial
em que pensamento e vida conjugam-se e se entrelaçam em um presente que se basta
em si, que não teme o futuro, nem se consola com o passado. “poiché in quell’ultimo
presente deve aver tutto: esser persuaso e persuadere, avere nel possesso del mondo il
possesso di sé stesso” (MICHELSTAEDTER, 1982, p. 82). Porque os persuadidos – na
esteira de Parmênides, Sócrates, Cristo – romperam as barreiras entre o eu e o mundo,
para eles há luz nos mesmos pontos em que para outros há apenas escuridão.
A parte dois, o domínio da retórica, ao contrário, confina os homens em
falseamentos e na afirmação imprópria da individualidade; pressupõe uma
temporalidade que nunca significa presente, mas aponta continuamente para um futuro
de recompensas, um porvir que promete sentido e ordem em direção ao absoluto,
esvaziando a consistência do tempo. “io sono sempre vuoto nel presente e la cura del
futuro dove io fingo il mio scopo mi toglie tutto il mio essere. Cogito = non-entia
coagito, ergo non sum (MICHELSTAEDTER, 1990 p. 102)”. Opera-se também uma
crítica demolidora à aparente objetividade da ciência.
A inteireza da tese de Michelstaedter mostra por si só que seu trabalho foi
possível enquanto obra filosófica. Nosso interesse, porém, reside em analisar como o
texto transborda as margens do discurso filosófico acadêmico constituindo-se como um
ensaio no sentido forte do termo.
Já na epígrafe, quando faz suas as palavras de Electra, temos um primeiro sinal
de que os caminhos podem se tornar imprevisíveis: “Sei que faço coisas inoportunas e
inconvenientes”. Porque Michelstaedter claramente decide empreender uma aventura
estilística para viver seu argumento; porque, com sua escrita obstinada, evita os
automatismos sedutores do fluxo linear; porque sempre se lança em zonas perigosas
onde a experimentação vacila entre acuidade e fracasso.
Presente em toda a obra, a elaboração visual é um dos recursos mais intrigantes
do estilo michelstaedteriano. A argumentação discursiva desdobra-se em exercícios de
ilustração escrita que se formam ao longo das digressões. Muitos raciocínios são
desenhos de ideias:
Un peso pende ad un gancio, e per pender soffre che non può
scendere: non può uscire dal gancio, poiché quant’è peso pende e
quanto pende dipende. Lo vogliamo soddisfare: lo liberiamo dalla sua
dipendenza; lo lasciamo andare, che sazi la sua fame del più basso, e
scenda indipendente fino a che sia contento di scendere. – Ma in
nessun punto raggiunto fermarsi lo accontenta e vuol pur scendere,
ché il prossimo punto supera in bassezza quello che esso ogni volta
tenga. (MICHELSTAEDTER, 1990, p.39)

Essas são as primeiras palavras do estudo. Lê-se / vê-se um desenho de abstração


concebido através de linhas simples sobre fundo neutro, uma redução a formas e vetores
essenciais cujo traçado sumário evoca o sentido da visão, mas não o alimenta com
outros estímulos. Há um peso sem contornos definidos, um gancho e um movimento de
queda vertiginosa. Como gesto inaugural de escrita, a proposição ontológica central da
tese (a impossibilidade da persuasão do peso devido a sua própria natureza) prescinde
das relações luz e sombra, cores, volumes e perspectivas.
De fato, tanto na produção gráfico-pictórica quanto na escrita, Michelstaedter
tende à frontalidade, à neutralidade espacial e à economia geral de recursos. Sua
proposta é extrair resultados eficazes valendo-se de poucos meios, por isso a dimensão
do olhar por detrás da execução se faz tão importante; o olhar ágil e perspicaz é o que
constitui o caricaturista, assim como o retratista só é bem sucedido se sabe observar
com profundidade e engenho. Desenho, retrato e caricatura foram atividades que,
paralelamente à escrita, o autor desenvolveu até o final da sua vida. Olhar, pensar e agir,
portanto, são forças igualmente determinantes para a manufatura abstrata do texto na
“via della persuasione”.
A articulação entre linguagens e olhares faz-se particularmente manifesta nas
cenas construídas dentro da Persuasão e da retórica. O seguinte trecho aparece no final
da seção “L’illusione della persuasione” e traz a exposição das razões pelas quais os
homens se afastam do caminho da persuasão – dentre elas a separação ilusória entre
sujeito e mundo.
I bambini – quasi vite in provvisorio – hanno molto meno definita la
trama, molto più varia e disordinata, qui densa e luminosa, lì sottile e
oscuro-trasparente. Essi hanno gioie vive che gli uomini non
conoscono più, e molto più spesso che gli uomini sono in balia di
questi terrori. Nelle tregue delle loro imprese, dei loro piani, quando
sono soli, e da nessuna cosa di ciò che li attornia sono attratti o a
frugare, o a rubare, a rompere, o a discorrere o a tutte quelle altre loro
occupazioni, si trovano con la piccola mente a guardare l’oscurità. Le
cose si sformano in aspetti strani: occhi che guardano, orecchi che
sentono, braccia che si tendono, un ghigno sarcastico e una minaccia
in tutte le cose. Si sentono sorvegliati da esseri terribilmente potenti, e
che vogliono il loro male. Non fanno più un gesto senza riflettere ad
«Essi». Se lo fanno con una mano; lo devono far anche con l’altra.
«Oppure non lo devo fare? ‘Essi‘ vogliono ch’io lo faccia – ma io non
lo farò, non obbedirò – ma non lo faccio allora solo perché penso a
‘Loro’ – allora lo faccio...». Quando passano una camera oscura,
sembra ai bambini che questi «Essi» gridino mille voci, che con mille
mani li abbranchino, che in mille guizzi ghigni il sarcasmo
nell’oscurità, si sentono succhiati dall’oscurità; fuggono folli di terrore
e gridano per stordirsi. (MICHELSTAEDTER, 1990 p.56-57)

Primeiro surgem figuras vivas de crianças ligadas a um aposto incorpóreo “– quasi vite
in provvisorio”, que logo são isoladas “nelle tregue delle loro imprese, quando sono
soli”, em um cenário cujo vazio é acentuado pela neutralização da função dos objetos “e
da nessuna cosa di ciò che li attornia sono attratti”. Estão olhando para a escuridão. No
escuro, aparecem mais formas de estranho aspecto, “occhi che guardano”, “braccia che
si tendono”, e ecoam sons terrificantes vindos de um quarto escuro que “con mille
mani” suga a criança aturdida. São quadros montados em uma sequência, em uma cena
que se conclui com o grito - a condensação em imagem-som de uma interioridade e uma
exterioridade oscilantes entre luz e escuridão.
Problematização das fraturas entre o eu e as coisas, entre eu e os outros. É ponto
central da crítica à afirmação da individualidade ilusória – a retórica. Michelstaedter
desenvolve seu juízo filosófico além das margens da discursividade; suas reflexões se
consubstancializam em expressões faciais, membros, movimentos, corpos vivos e
gestos concebidos cenicamente, seus raciocínios, na prática, são amálgamas onde
pensamento e imagem interpenetram-se.
O sentido da visão, não apenas como na construção da precedente, é acionado a
todo o momento em modos diversos. Olho, olhar, luminosidade, luz, escuridão, trevas,
são palavras estão presentes do início ao fim do livro, com peso definitivo em
momentos centrais2. O persuadido, por conseguinte:
Chi vuol aver un attimo solo sua la sua vita, esser un attimo solo
persuaso di ciò che fa – deve impossessarsi del presente; vedere ogni
presente come l’ultimo, come se fosse certa dopo la morte: e
nell’oscurità crearsi da sé la vita. [os itálicos são do autor]
(MICHELSTAEDTER, 1990 p.70)

A mesma escuridão da qual a criança fugiu gritando e que os adultos, por sua vez,
comodamente ignoram, deve ser encarada de modo ativo; a partir dela deve-se criar a
própria vida. O argumento, em crescendo, culmina na combustão total da existência,
então o olho que vê, o sujeito implicado, o mundo visto, e o próprio tempo, perdem seus
limites:
Solo, nel deserto egli [l’uomo] vive una vertiginosa vastità e
profondità di vita... Ogni suo attimo é un secolo della degli altri, -
finché egli faccia di se stesso fiamma e giunga a consistere nell’ultimo
presente. In questo egli sarà persuaso ed avrà nella persuasione la
pace. (MICHELSTAEDTER, p.88 - 89)

Desta vez evoca-se um cenário desértico cujas características espaciais (vastidão e


profundidade), num rápido gesto linguístico, são interiorizadas pelo homem. Da
perspectiva temporal, séculos transformam-se em instantes para que surja a chama de si
mesmo no último presente, a paz em combustão. Nesta imagem aporética são
concentradas várias camadas de significados de modo que se torna impraticável o
estabelecimento de um sentido único.
São ainda muitos os momentos em que a relação entre filosofia e visão é
tensionada pela linguagem no ensaio de Michelstaedter. Em “un esempio storico” o
autor reconstrói os percursos filosóficos de Sócrates, Platão e Aristóteles em uma sátira
visual que é tributária de todos os gêneros textuais e pictóricos de seu repertório. Pela
extensão e complexidade, não analisaremos na presente ocasião a cena no detalhe, mas
cabe a menção ao gesto irreverente de compor retratos e caricaturas3 para criar uma
dicção própria no comentário dos maiores nomes da filosofia ocidental.

2
Como nota Stefania Rutigliano (2014) em “Potere della retorica e crisi del linguaggio:
l’iconicità espressiva di Carlo Michelstaedter”.
3
“Platone vide questa meravigliosa fine del maestro e si turbò. E poiché egli aveva lo stesso
grande amore, pur non essendo d’una disperata devozione, si concentrò a meditare. Conveniva
trovare un mechanema per sollevarsi fino al sole ... La parte principale della strana macchina era
Procuramos demonstrar, portanto, como variados modos de conceber desenho e
escrita são articulados no pensamento filosófico de Michelstaedter. Estamos diante de
um estilo misto. Tendo em vista que o autor executa um ato criativo ao incorporar à
forma do texto ousadas experimentações entre linguagens, podemos localizar uma forte
de inflexão diante do cenário do ensaísmo italiano do início do século XX. Giorgio
Agamben levanta uma consideração sobre estilo e maneira a partir do questionamento
dos sentidos de próprio e impróprio. visto, e o próprio tempo, perdem seus limites:
Solo nella loro reciproca relazione stile e maniera acquistano il
loro vero senso al di là del proprio e dell’improprio. Essi sono i
due poli, nella cui tensione vive il libero gesto dello scrittore: lo
stile è un’appropriazione disappropriante (una negligenza
sublime un dimenticarsi nel proprio), la maniera una
disappropriazione appropriante, un presentirsi o un ricordar sé
nell’improprio. E non soltanto nel poeta vecchio, ma in ogni
grande scrittore (Shakespeare!) vi è sempre una maniera che
prende le distanze dallo stile, uno stile che si disappropria in
maniera. (AGAMBEN, 1996 p.100)

No caso de Michelstaedter, o trabalho na oscilação entre impropriedade – imagens,


desenho, visão – e propriedade – discurso filosófico – consolida seu lugar como
cultivador do gênero ensaístico.
Berardinelli contrapõe o estilo de Michelstaedter ao de Croce tentando extrair
deles tendências: uma linear e lógica, outra errática e intempestiva. A sombra de Croce,
porém, devido a sua obra monumental de caráter totalizante, espalha-se largamente
sobre os edifícios da crítica literária e artística do século XX, ao passo que o espólio de
Michelstaedter é visto apenas nas zonas periféricas. Mas justamente nesses pontos mais
afastados surgem possibilidades de reler novamente a história da literatura para que o
passado e o presente das manifestações – no nosso caso o ensaísmo – tornem-se
constantemente tempos de ressignificação. Para, nas palavras de Michelstaedter, criar a
presença do que está distante.

un grande globo rigido, d’acciaio, che con le sue cure più affettuose per l’alto Platone aveva
riempito d’Assoluto... La partenza fu lieta d’ardite speranze, e l’aerostato si sollevò rapidamente
dai bassi strati dell’atmosfera. “Vedete come noi saliamo per la sola volontà dell’assoluto”
esclamava Platone ai suoi discepoli ch’erano con lui e accennava al globo scintillante che li
trascinava nella sua rapida salita”. (MICHELSTAEDTER, 1990 p. 109 – 110).
3. Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio (1996). Categorie italiane: Studi di poetica. Venezia: Marsilio.

ADORNO, Theodor (1986). O ensaio como forma. In: COHN, Gabriel. Theodor
Adorno. São Paulo: Ática

BERARDINELLI, Alfonso (2008). La forma del saggio. Definizione e attualità di un


genere letterario. Venzia: Marsilio.

MICHELSTAEDTER, Carlo (1990). La persuasione e la rettorica. 4ªEd. Milano:


Adelphi.
_____ (1975) Opera grafica e pittorica. Gorizia: Instituto per gli incontri Culturali
Mittleuropei.

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