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12/12/2010 Folha de S.

Paulo - A revolução não ser…


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São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2010

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SOCIEDADE

A revolução não será tuitada


Os limites do ativismo político nas redes sociais

RESUMO
O ativismo em redes sociais como o Facebook e o Twitter
deriva de vínculos fracos entre seus participantes, que não
correm riscos reais como os militantes tradicionais, unidos por
vínculos fortes, em ações hierarquizadas e de alto risco, tais
como as organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos
EUA dos anos 60.

MALCOLM GLADWELL
tradução PAULO MIGLIACCI

ÀS QUATRO E MEIA da tarde da segunda-feira 1º/2/1960,


quatro universitários se sentaram ao balcão da lanchonete de
uma loja Woolworth's no centro de Greensboro, na Carolina do
Norte. Eram calouros na North Carolina A&T, faculdade para
negros localizada a pouco mais de 1 km dali.
"Um café, por favor", disse um deles, Ezell Blair, à garçonete.
"Não atendemos crioulos aqui", ela respondeu.
O comprido balcão em L comportava 66 pessoas sentadas;
numa das pontas, comia-se de pé. Os assentos eram para os
brancos. A área onde se comia de pé era para os negros. Outra
funcionária, uma negra encarregada da estufa, tentou convencê-
los a sair: "Vocês estão sendo burros, seus ignorantes!". Eles não
se mexeram.
Por volta das cinco e meia as portas principais da loja foram
fechadas. Os quatro continuaram lá. Por fim, saíram por uma
porta lateral. Do lado de fora, formara-se uma pequena multidão,
incluindo um fotógrafo do jornal "Record", de Grensboro. "Volto

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amanhã, com o A&T College inteiro", disse um dos
universitários.
Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo
somava 27 homens e quatro mulheres, em grande parte do
mesmo alojamento dos quatro manifestantes originais. Os
homens estavam de terno e gravata. Todos levaram material e
ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos
alunos do colégio "para crioulos" de Greensboro, a Dudley High,
e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300,
incluindo três brancas, do campus local da Universidade da
Carolina do Norte.
No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas
calçadas em torno da loja. Adolescentes brancos assistiam,
acenando com bandeiras da Confederação.1 Alguém soltou um
rojão. Ao meio-dia, chegou o time de futebol americano da
A&T. "Lá vêm os baderneiros", berrou um dos estudantes
brancos.
Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-
Salem, a 40 km dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a
adesão dos alunos do Fayetteville State Teachers College e do
Johnson C. Smith College, em Charlotte, seguidos, na quarta,
pelos alunos do St. Augustine's College e da Universidade Shaw,
em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou as
divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e
Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em
Chattanooga, no Tennessee. No final do mês, manifestações
semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados
Unidos, chegando até o Texas, no oeste.

FEBRE "Perguntei a cada um dos estudantes que encontrei


como tinha sido o primeiro dia de protesto em seu campus",
escreveu o cientista político Michael Waltzer ?em artigo na
revista "Dissent". "A resposta foi sempre a mesma: 'Foi uma
febre. Todo mundo queria participar'."
Por fim, cerca de 70 mil estudantes aderiram. Milhares deles
foram detidos, e outros tantos se radicalizavam. Esses
acontecimentos do começo dos anos 60 se tornaram uma guerra
dos direitos civis que engolfou o sul dos Estados Unidos até o
final da década -e tudo aconteceu sem e-mail, mensagens de
texto, Facebook ou Twitter.
Dizem que o mundo passa por uma revolução. As novas
ferramentas de redes sociais reinventaram o ativismo social. Com
Facebook, Twitter e que tais, a relação tradicional entre
autoridade política e vontade popular foi invertida, o que facilita a
colaboração mútua e a organização dos desprovidos de poder e
dá voz às suas preocupações.
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REVOLUÇÃO VIA TWITTER Quando 10 mil pessoas


saíram às ruas na Moldova, no leste europeu, segundo trimestre
de 2009, em protesto contra o governo comunista, a ação
ganhou o nome de revolução via Twitter, por causa dos meios
utilizados para arregimentar os manifestantes.
Meses depois, quando protestos estudantis abalaram Teerã, o
Departamento de Estado americano tomou a providência inusual
de solicitar ao Twitter que suspendesse uma pausa programada
para manutenção do site, pois o governo não desejava que uma
ferramenta tão vital estivesse inativa no auge das manifestações.
"Sem o Twitter, o povo do Irã não se teria sentido capaz e
confiante o bastante para sair em defesa da liberdade e da
democracia", escreveu o ex-assessor de segurança nacional
Mark Pfeifle, clamando para que o Twitter ganhasse o Prêmio
Nobel da Paz.
Se antes os ativistas eram definidos por suas causas, agora são
definidos pelas ferramentas que empregam. Os guerreiros do
Facebook entram na internet para pressionar por mudanças.
"Vocês são a nossa grande esperança", disse James Glassman,
ex-alto funcionário do Departamento de Estado, a uma plateia de
ciberativistas em recente conferência patrocinada por Facebook,
AT&T (companhia telefônica), Howcast (site de vídeos), MTV e
Google.
Sites como o Facebook, disse Glassman, "oferecem aos EUA
uma considerável vantagem competitiva diante dos terroristas.
Algum tempo atrás, eu disse que 'a Al Qaeda está jantando a
gente na internet'. Já não é mais assim. A Al Qaeda continua
parada na Web 1.0. A internet agora é interatividade e
conversação".

CRÍTICA São alegações fortes e intrigantes. Que importa quem


janta quem na internet? As pessoas que estão no Facebook são
mesmo a nossa grande esperança? Quanto à chamada revolução
via Twitter na Moldova, Evgeny Morozov, pesquisador na
Universidade Stanford que vem sendo um dos mais persistentes
críticos do evangelismo digital, aponta que a importância do
Twitter é quase nula na Moldova, onde existem pouquíssimas
contas desse serviço.
E o que aconteceu lá tampouco parece ter sido uma revolução,
especialmente porque as manifestações -como sugeriu Anna
Applebaum em artigo no "Washington Post"- na verdade podem
ter sido uma encenação organizada pelo governo. (Num país
paranoico com o revanchismo romeno, os manifestantes
hastearam uma bandeira da Romênia na sede do Parlamento.)

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Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para
comentar as manifestações viviam quase todas no Ocidente. "É
hora de esclarecer o papel do Twitter nos acontecimentos do
Irã", escreveu Golnaz Esfandiari meses atrás, na revista "Foreign
Policy". "Em resumo: no Irã, não houve revolução via Twitter."
O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan,
que defendeu o papel da rede social no Irã, acrescentou
Esfandiari, não entendeu direito a situação. "Jornalistas ocidentais
que não conseguiam -ou nem mesmo tentavam- se comunicar
com gente no Irã simplesmente percorriam a lista de 'tweets' em
inglês, contendo a tag #iranelection", 2 escreveu ela. "Enquanto
isso, ninguém parece ter se perguntado por que pessoas que
supostamente tentavam coordenar os protestos no Irã não
estariam se comunicando em farsi, mas em outro idioma".
Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao
solipsismo. Volta e meia se empenham em enquadrar em seus
novos modelos os fatos e experiências mais díspares.
Como escreveu o historiador Robert Darnton, "as maravilhas da
tecnologia de comunicação no presente produziram uma falsa
consciência sobre o passado -e até mesmo a percepção de que
a comunicação não tem história, ou nada teve de importante a
considerar antes dos dias da televisão e da internet".

ENTUSIASMO Mas há mais um fator em jogo nesse


desproporcional entusiasmo em relação às redes sociais.
Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários episódios
de sublevação social na história dos EUA, parece que
esquecemos o que é ativismo.
No começo dos anos 60, Greensboro era o tipo do lugar onde a
insubordinação racial era rotineiramente reprimida com violência.
Os quatro primeiros universitários a se sentar ao balcão
reservado aos brancos estavam apavorados. "Se alguém tivesse
chegado por trás de mim e gritado 'bu', acho que eu cairia no
chão", disse um deles mais tarde.
No primeiro dia, o gerente notificou o chefe de polícia, que
imediatamente enviou dois policiais para a loja. No terceiro dia,
um grupo de brutamontes brancos apareceu na lanchonete e se
postou ameaçadoramente atrás dos manifestantes, proferindo
epítetos como "crioulo de cabelo ruim". Um líder local da Ku
Klux Klan apareceu. No sábado, enquanto a tensão crescia,
alguém telefonou e deu um alarme falso de bomba e a loja teve
de ser evacuada.
Os perigos eram mais claros no Mississippi Freedom Summer
Project de 1964, outra campanha pioneira do movimento pelos
direitos civis. O Student Nonviolent Coordinating Committee
recrutou centenas de voluntários não remunerados no norte dos
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EUA, quase todos brancos, para lecionar nas Freedom Schools,
alistar eleitores negros e promover os direitos civis no sul
profundo.
"Ninguém pode ir sozinho a lugar nenhum, muito menos de carro
e à noite", eram as instruções dadas aos voluntários. Poucos dias
depois de chegarem ao Mississippi, três deles -Michael
Schwerner, James Chaney e Andrew Goodman- foram
sequestrados e assassinados; até o final daquele verão, 37 igrejas
negras seriam incendiadas e dezenas de casas usadas como
abrigos foram atacadas com bombas; voluntários foram
espancados, alvejados e perseguidos por picapes repletas de
homens armados. Um quarto dos participantes do programa
desistiram. Ativismo que desafia o status quo -e ataca problemas
profundamente enraizados- não é para bundas-moles.

COMPROMISSO O que leva uma pessoa a esse tipo de


ativismo? Doug McAdam, sociólogo na Universidade Stanford,
comparou os desertores do programa Freedom Summer com os
que optaram por ficar, e descobriu que a diferença crucial, ao
contrário do que se poderia esperar, não era o fervor ideológico.
"Todos os inscritos -tanto os que ficaram quanto os que
desistiram- estavam altamente comprometidos com a causa e
eram partidários articulados das metas e valores do programa",
concluiu.
O fator decisivo foi o grau de conexão pessoal entre a pessoa e
o movimento pelos direitos civis. Pedia-se a todos os voluntários
que fornecessem uma lista de contatos pessoais -as pessoas que
desejavam manter a par de suas atividades-, e assim a
probabilidade de ter amigos que também estivessem indo ao
Mississippi era bem mais alta entre os que ficaram do que entre
os que abandonaram o programa. O ativismo de alto risco,
concluiu McAdam, é um fenômeno de "vínculos fortes".
O padrão se repete em boa parte de casos. Um estudo sobre as
Brigate Rosse [Brigadas Vermelhas], grupo terrorista italiano dos
anos 70, constatou que 70% de seus recrutas já tinham pelo
menos um grande amigo na organização. O mesmo se aplica aos
homens que aderiram aos Mujahideen do Afeganistão. Até
mesmo manifestações revolucionárias que parecem espontâneas,
como as que conduziram à queda do Muro de Berlim, na
Alemanha Oriental, são, em seu âmago, fenômenos de vínculos
fortes.
O movimento oposicionista da Alemanha Oriental consistia em
centenas de grupos, cada qual formado por cerca de uma dúzia
de membros. Cada grupo tinha contato limitado com os demais:
na época, apenas 13% dos alemães orientais tinham telefone.

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Tudo o que sabiam era que, nas noites de segunda, diante da
igreja de São Nicolau, no centro de Leipzig, as pessoas se
reuniam para expressar sua ira contra o Estado. E o determinante
primário daqueles que compareciam eram os "amigos críticos" -
quanto mais amigos críticos ao regime uma pessoa tivesse, maior
a probabilidade de adesão ao protesto.

LIGAÇÕES Portanto, um fato crucial sobre os quatro calouros


que foram à lanchonete segregada de Greensboro -David
Richmond, Franklin McCain, Ezell Blair e Joseph McNeil- eram
as ligações mútuas que mantinham. McNeil dividia o quarto com
Blair no alojamento da A&T. No andar de cima, Richmond
dividia o quarto com McCain; e Blair, Richmond e McCain
foram alunos da Dudley High School.
Os quatro levavam cerveja às escondidas para o alojamento e
conversavam noite afora, no quarto de Blair e McNeil. Tinham
na memória o assassinato de Emmett Till, em 1955; o boicote
aos ônibus de Montgomery, no Alabama, no mesmo ano; e o
confronto em Little Rock, no Arkansas, em 1957.
Foi McNeil que apareceu com a ideia do protesto na
Woolworth's. Discutiram o assunto por quase um mês. Um dia,
McNeil entrou no quarto e perguntou aos amigos se estavam
prontos.
Houve uma pausa e McCain disse, de um jeito que só funciona
entre amigos que passaram longas madrugadas conversando:
"Vocês vão arregar ou vamos em frente?". Ezell Blair tomou
coragem para pedir aquele café, no dia seguinte, porque estava
na companhia de seu colega de quarto e de dois grandes amigos
desde o ensino médio.

VÍNCULOS FRACOS O ativismo associado às redes sociais


nada tem em comum com isso. As plataformas dessas redes são
construídas em torno de vínculos fracos. O Twitter é uma forma
de seguir (ou ser seguido por) pessoas que talvez nunca tenha
encontrado cara a cara. O Facebook é uma ferramenta para
administrar o seu elenco de conhecidos, para manter contato
com pessoas das quais de outra forma você teria poucas
notícias. É por isso que se pode ter mil "amigos" no Facebook,
coisa impossível na vida real.
Sob muitos aspectos, isso é maravilhoso. Há força nos vínculos
fracos, como observou o sociólogo Mark Granovetter. Nossos
conhecidos -e não nossos amigos- são a nossa maior fonte de
novas ideias e informações. A internet nos permite explorar a
potência dessas formas de conexão distante com eficiência
maravilhosa.
É sensacional para a difusão de inovações, para a colaboração
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interdisciplinar, para integrar compradores e vendedores e para
as funções logísticas das conquistas amorosas. Mas vínculos
fracos raramente conduzem a ativismo de alto risco.

VIRTUDES Em um livro chamado "The Dragonfly Effect -


Quick, Effective, and Powerful Ways to Use Social Media to
Drive Social Change" [O Efeito Libélula - Maneiras Rápidas,
Efetivas e Poderosas de Utilizar Redes Sociais para Promover
Mudanças Sociais, ed. Jossey-Bass], o consultor de negócios
Andy Smith e Jennifer Aaker, professora na escola de
admininistração de empresas de Stanford, contam a história de
Sameer Bhatia, jovem empresário do Vale do Silício que um dia
descobriu estar sofrendo de leucemia mielálgica aguda. O caso
serve como perfeita ilustração sobre as virtudes das redes
sociais.
Bhatia precisava de um transplante de medula óssea, mas não
encontrou doador entre seus parentes e amigos. As chances
seriam maiores caso o doador tivesse sua etnia, e havia poucos
doadores do sul da Ásia no banco de dados de medula óssea
americano.
Por isso, o sócio de Bhatia enviou um e-mail no qual explicava o
problema do amigo a mais de 400 de seus conhecidos, que por
sua vez o encaminharam a seus contatos; páginas de Facebook e
vídeos no YouTube foram criados para a campanha Help
Sameer. Por fim, quase 25 mil novos doadores se inscreveram
no banco de dados e Bhatia encontrou um compatível com ele.
Mas como a campanha conseguiu a adesão de tanta gente?
Porque não pedia nada de mais aos participantes. É a única
forma de conseguir que alguém que você não conhece de
verdade faça alguma coisa em seu benefício. Dá para conseguir
que milhares de pessoas se inscrevam como doadores porque
fazê-lo é facílimo. Basta enviar uma amostra simples de material
genético -no altamente improvável caso de que a medula óssea
do doador seja compatível com alguém que precise- passar
algumas horas no hospital.
Doar medula óssea não é trivial. Mas não envolve risco
financeiro ou pessoal; não implica passar um verão inteiro sendo
perseguido por picapes repletas de homens armados. Não
requer confronto com normas e práticas sociais arraigadas. Na
verdade, é o tipo do engajamento que só traz elogios e
reconhecimento social.

DISTINÇÃO Os evangelistas das redes sociais não


compreendem essa distinção; parecem acreditar que um amigo
de Facebook e um amigo real são a mesma coisa, e que se

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inscrever em uma lista de doadores no Vale do Silício, hoje, é
ativismo no mesmo sentido que pedir um café num restaurante
segregado de Greensboro em 1960.
"As redes sociais são especialmente eficazes para reforçar a
motivação", escreveram Aaker e Smith. Mas não é verdade. As
redes sociais são eficazes para ampliar a participação -mas
reduzindo o nível de motivação que a participação exige.
A página da Save Darfur Coalition no Facebook tem 1.282.339
membros, cuja doação média é de nove centavos de dólar per
capita. A segunda maior entidade de assistência a Darfur no
Facebook tem 22.073 membros, e suas doações per capita são
de 35 centavos de dólar. A Help Save Darfur tem 2.797
membros, que doaram, em média, 15 centavos de dólar.
Um porta-voz da Save Darfur Coalition disse à revista
"Newsweek" que "não avaliamos necessariamente o valor de
alguém para o movimento com base nos montantes doados. Este
é um mecanismo poderoso para promover o envolvimento de
uma população crítica. Eles informam a comunidade, participam
de eventos, fazem trabalho voluntário. Não é algo que se possa
medir por números".
Em outras palavras, o ativismo no Facebook dá certo não ao
motivar pessoas para que façam sacrifícios reais, mas sim ao
motivá-las a fazer o que alguém faz quando não está motivado o
bastante para um sacrifício real. Estamos muito longe do balcão
da lanchonete de Greensboro.

CAMPANHA MILITAR Os estudantes que participaram de


protestos no sul dos EUA nos primeiros meses de 1960
descreveram o movimento como "uma febre". Mas o movimento
dos direitos civis tinha mais de campanha militar que de contágio.
No final dos anos 50, 16 protestos semelhantes haviam sido
organizados em diversas cidades sulistas, 15 dos quais
formalmente coordenados por organizações de direitos civis
como a NAACP [sigla em inglês da Associação Nacional para o
Progresso da População de Cor] e a CORE [sigla em inglês de
Congresso da Igualdade Racial]. Possíveis locais para protestos
foram mapeados. Traçaram-se planos. Ativistas do movimento
promoveram sessões de treinamento e retiros com potenciais
participantes.
Os quatro de Greensboro surgiram como produto desse trabalho
de base: eram membros do Conselho da Juventude da NAACP.
Tinham fortes ligações com o diretor da seção local da
organização. Foram informados sobre a onda anterior de
protestos em Durham, e participaram de uma série de reuniões
do movimento em igrejas ativistas.
Quando os protestos se espalharam pelo sul a partir de
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Greensboro, a difusão não ocorreu de modo aleatório. Os
protestos surgiram em cidades que já tinham células do
movimento -núcleos de ativistas dedicados e treinados, prontos
para converter a "febre" em ação.

ALTO RISCO O movimento dos direitos civis era ativismo de


alto risco. Era também, e isso é importante, ativismo estratégico:
um desafio ao establishment, montado com precisão e disciplina.
A NAACP era uma organização centralizada, com comando em
Nova York, segundo procedimentos operacionais altamente
formalizados.
Na Southern Christian Leadership Conference, Martin Luther
King Jr. (1929-68) exercia inquestionável autoridade. A igreja
negra tinha posição central no movimento e, como aponta Aldon
Morris em seu "The Origins of the Civil Rights Movement",
esplêndido estudo publicado em 1984, mantinha uma divisão de
tarefas cuidadosamente demarcadas, com diversos comitês
permanentes e grupos disciplinados.
"Cada grupo tinha uma missão definida e coordenava suas
atividades por meio de estruturas de autoridade", escreve
Morris. "Os indivíduos eram responsáveis pelas tarefas que lhes
eram designadas e conflitos importantes eram resolvidos pelo
pastor, que em geral exercia a autoridade final sobre a
congregação."

HIERARQUIA Essa é a segunda distinção crucial entre o


ativismo tradicional e sua variante on-line: as redes sociais não se
prestam a esse tipo de organização hierárquica.
O Facebook e sites semelhantes são ferramentas para a
construção de redes e, em termos de estrutura e caráter, são o
oposto das hierarquias. Ao contrário das hierarquias, com suas
regras e procedimentos, as redes não são controladas por uma
autoridade central e única. As decisões são tomadas por
consenso, e os vínculos que unem as pessoas ao grupo são
frouxos.
Essa estrutura torna as redes imensamente flexíveis e adaptáveis
a situações de baixo risco. A Wikipédia é um exemplo perfeito.
Não há um editor instalado em Nova York que direcione e
corrija cada verbete. O esforço de produção de cada entrada é
auto-organizado. Caso todos os verbetes da Wikipédia sejam
apagados amanhã, o conteúdo será rapidamente restaurado,
porque é isso que acontece quando uma rede de milhares de
pessoas dedica tempo a uma tarefa espontaneamente.
Há, no entanto, muitas coisas que redes não fazem direito. As
montadoras de automóveis, sensatamente, usam uma estrutura de

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rede para organizar suas centenas de fornecedores, mas não
para projetar os carros. Ninguém acreditaria que a articulação de
uma filosofia coerente de design funcionasse melhor na forma de
um sistema organizacional disperso e sem líderes.
Carecendo de uma estrutura centralizada de liderança e de linhas
de autoridade claras, as redes encontram dificuldades reais para
chegar a consensos e estabelecer metas. Não conseguem pensar
de modo estratégico; são cronicamente propensas a conflitos e
erros. Como fazer escolhas difíceis sobre táticas, estratégias ou
orientação filosófica quando todo mundo tem o mesmo poder?

PROBLEMAS A Organização para a Libertação da Palestina


(OLP) surgiu como rede, e, em ensaio recentemente publicado
no periódico "International Security", os especialistas em relações
internacionais Mette Eilstrup-Sangiovanni e Calvert Jones
argumentam que esse é o motivo para que a organização tenha
encontrado tantos problemas ao crescer: "Traços estruturais
característicos das redes -ausência de autoridade central,
autonomia irrestrita de grupos rivais e incapacidade de arbitrar
disputas por meio de mecanismos formais- tornaram a OLP
excessivamente vulnerável à manipulação externa e às disputas
internas".
"Na Alemanha dos anos 70", os dois prosseguem, "os terroristas
de esquerda, muito mais unidos e bem-sucedidos, tendiam a se
organizar hierarquicamente, com gestão profissional e clara
divisão de tarefas. Estavam geograficamente concentrados nas
universidades, onde podiam estabelecer liderança central,
confiança e camaradagem por meio de reuniões regulares, cara a
cara".
Era raro que entregassem seus companheiros de armas nos
interrogatórios da polícia. Já seus equivalentes na direita se
organizavam como redes descentralizadas e não mantinham
disciplina semelhante. Era comum que esses grupos fossem
infiltrados, e que seus membros, quando detidos pela polícia,
entregassem facilmente seus companheiros. De forma
semelhante, a Al Qaeda era mais perigosa quando mantinha uma
hierarquia unificada. Agora que se dissipou em rede, vem se
mostrando bem menos eficaz.

MUDANÇA SISTÊMICA As desvantagens das redes pouco


importam quando não estão interessadas em mudança sistêmica -
caso desejem apenas assustar, humilhar ou fazer barulho-, ou
quando não precisam pensar estrategicamente. Mas, se o
objetivo é combater um sistema poderoso e organizado, é
preciso uma hierarquia. O boicote ao serviço de ônibus em
Montgomery exigiu a participação de dezenas de milhares de
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pessoas que dependiam do transporte público para ir ao trabalho
e voltar todo dia. E durou um ano.
A fim de persuadir as pessoas a se manterem fiés à causa, os
organizadores encarregaram cada igreja negra local de manter o
moral alto e montaram um sistema alternativo de transporte
solidário que contava com 48 telefonistas e 42 pontos de parada.
Até mesmo o Conselho de Cidadãos Brancos, King afirmou
mais tarde, reconheceu que o sistema de transporte solidário
funcionava com "precisão militar".
Quando King foi a Birmingham, no Alabama, para o confronto
decisivo com o comissário de polícia da cidade, Eugene "Bull"
Connor, contava com orçamento de US$ 1 milhão e uma equipe
de 100 funcionários em período integral, já instalados na cidade
e divididos em células operacionais. A ação foi dividida em fases,
que se intensificavam gradualmente e eram mapeadas com
antecedência. O apoio foi mantido por meio de sucessivas
assembleias, num rodízio entre as igrejas da cidade.

LEGITIMIDADE MORAL Boicotes, protestos e confrontos


não violentos -armas preferenciais do movimento pelos direitos
civis- são estratégias de alto risco. Deixam pouca margem para
conflito e erro. No momento em que um único manifestante
abandona o roteiro e reage a uma provocação, a legitimidade
moral de todo o protesto fica comprometida. Os entusiastas das
redes sociais sem dúvida gostariam que acreditássemos que a
tarefa de King em Birmingham seria imensamente facilitada se ele
pudesse usar o Facebook para se comunicar com seus
seguidores e se contentasse em enviar tweets de uma cela.
Mas as redes são confusas -pense no padrão incessante de
correção e revisão, emendas e debates, que caracteriza a
Wikipédia. Caso Martin Luther King tivesse tentado um "wiki-
boicote" em Montgomery, teria sido esmagado pela estrutura do
poder branco. E que uso teria uma ferramenta de comunicação
digital numa cidade na qual 98% da comunidade negra podia ser
contatada na igreja, todo domingo? Em Birmingham, King
precisava de disciplina e estratégia, o tipo de coisas que as redes
sociais não são capazes de fornecer.

PODER DE ORGANIZAÇÃO A bíblia do movimento das


redes sociais é "Here Comes Everybody", de Clay Shirky,
professor na Universidade de Nova York. Ele procura
demonstrar o poder de organização da internet e começa pela
história de Evan, que trabalhava em Wall Street, e de sua amiga
Ivanna, que esqueceu seu smart-phone, um caro Sidekick, no
banco de um táxi nova-iorquino.

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A companhia telefônica transferiu os dados do celular perdido de
Ivanna a um novo aparelho e assim a proprietária e Evan
descobriram que o Sidekick estava em posse de uma
adolescente do Queens, que vinha usando o aparelho para tirar
fotos de si mesma e de suas amigas.
Quando Evan lhe enviou um e-mail pedindo que devolvesse o
celular, Sasha respondeu que ele era um "bundão branco" que
não merecia tê-lo de volta. Irritado, ele montou uma página na
web com uma foto de Sasha e uma descrição do ocorrido.
Encaminhou o link aos amigos, que o repassaram a outros
amigos. Alguém localizou a página do namorado de Sasha no
MySpace e um link para ela foi criado no site.
Alguém descobriu o endereço dela na web e gravou um vídeo
mostrando a casa quando passou de carro por lá; Evan postou o
vídeo no site. A história ganhou destaque no Digg, um site
agregador de notícias. Evan passou a receber dez e-mails por
minuto. Criou um fórum on-line para que seus leitores contassem
suas histórias, mas as visitas eram tantas que o servidor vivia
caindo.
Evan e Ivanna procuraram a polícia, mas o boletim de ocorrência
definia o celular como "perdido", e não "roubado", o que
significava que, na prática, o caso estava encerrado.
"Àquela altura, milhões de leitores estavam acompanhando",
escreve Shirky, "e dezenas de veículos da mídia convencional
haviam mencionado a história". Cedendo à pressão, a polícia de
Nova York reclassificou o celular como "roubado". Sasha foi
detida e a amiga de Evan conseguiu o Sidekick de volta.
O argumento de Shirky é o de que esse é o tipo de coisa que
jamais poderia ter acontecido na era anterior à internet -e ele tem
razão. Evan não teria conseguido localizar Sasha.
A história do Sidekick jamais teria sido divulgada. Um exército
de pessoas não se teria formado para participar da batalha. A
polícia não teria cedido à pressão de uma pessoa só, por algo
tão trivial quanto um celular perdido. O caso, na opinião de
Shirky, ilustra "a facilidade e rapidez com que um grupo pode ser
mobilizado para o tipo certo de causa" na era da internet.

PERIGO Na opinião de Shirky, esse modelo de ativismo é


superior. Mas, na verdade, não passa de uma forma de
organização que favorece as conexões de vínculo fraco que nos
dão acesso a informações, em detrimento das conexões de
vínculo forte que nos ajudam a perseverar diante do perigo.
Transfere nossas energias das entidades que promovem
atividades estratégicas e disciplinadas para aquelas que
promovem flexibilidade e adaptabilidade. Torna mais fácil aos
ativistas se expressarem e, mais difícil, que essa expressão tenha
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12/12/2010 Folha de S.Paulo - A revolução não ser…
algum impacto.
Os instrumentos de redes sociais estão aptos a tornar a ordem
social existente mais eficiente. Não são inimigos naturais do
status quo. Se, na sua opinião, o mundo só precisa de um ligeiro
polimento, isso não deve lhe causar preocupação. Mas se você
acredita que ainda existem lanchonetes por serem integradas ao
mundo, essa tendência deveria incomodá-lo.
Grandiloquente, Shirky encerra a história do Sidekick perdido
perguntando: "O que virá a seguir?" -e, sem dúvida, imagina
futuras ondas de manifestantes digitais.
Mas ele mesmo já respondeu à pergunta. O que virá é a mesma
coisa, repetidamente. Um mundo feito de redes e vínculos fracos
é bom para coisas como ajudar gente de Wall Street a recuperar
celulares das mãos de garotas adolescentes. Viva la revolución.

Nota do tradutor
1. Estados do sul dos EUA que se uniram contra os do norte do país
durante a Guerra de Secessão (1861-65).
2. No serviço de microblogs Twitter, as "tags" são termos precedidos do
símbolo #, utilizados para reunir todas as mensagens sobre um mesmo
assunto, como #ilustrissima.

Cinquenta anos depois de um dos mais extraordinários


episódios de sublevação social na história dos EUA, parece
que esquecemos o que é ativismo

Ativismo que desafia o status quo -e ataca problemas


profundamente enraizados- não é para bundas-moles

Os evangelistas das redes sociais não compreendem essa


distinção; parecem acreditar que um amigo de Facebook e
um amigo real são a mesma coisa

Até mesmo manifestações revolucionárias que parecem


espontâneas, como as que conduziram à queda do Muro de
Berlim, na Alemanha Oriental, são, em seu âmago,
fenômenos de vínculos fortes

Ao contrário das hierarquias, com regras e procedimentos,


as redes não são controladas por uma autoridade central. As
decisões são tomadas por consenso, e os vínculos que unem
as pessoas ao grupo são frouxos

Carecendo de uma estrutura centralizada de liderança e de


linhas de autoridade claras, as redes encontram dificuldades
reais para chegar a consensos e estabelecer metas
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