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SOCIEDADE
RESUMO
O ativismo em redes sociais como o Facebook e o Twitter
deriva de vínculos fracos entre seus participantes, que não
correm riscos reais como os militantes tradicionais, unidos por
vínculos fortes, em ações hierarquizadas e de alto risco, tais
como as organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos
EUA dos anos 60.
MALCOLM GLADWELL
tradução PAULO MIGLIACCI
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amanhã, com o A&T College inteiro", disse um dos
universitários.
Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo
somava 27 homens e quatro mulheres, em grande parte do
mesmo alojamento dos quatro manifestantes originais. Os
homens estavam de terno e gravata. Todos levaram material e
ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos
alunos do colégio "para crioulos" de Greensboro, a Dudley High,
e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300,
incluindo três brancas, do campus local da Universidade da
Carolina do Norte.
No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas
calçadas em torno da loja. Adolescentes brancos assistiam,
acenando com bandeiras da Confederação.1 Alguém soltou um
rojão. Ao meio-dia, chegou o time de futebol americano da
A&T. "Lá vêm os baderneiros", berrou um dos estudantes
brancos.
Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-
Salem, a 40 km dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a
adesão dos alunos do Fayetteville State Teachers College e do
Johnson C. Smith College, em Charlotte, seguidos, na quarta,
pelos alunos do St. Augustine's College e da Universidade Shaw,
em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou as
divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e
Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em
Chattanooga, no Tennessee. No final do mês, manifestações
semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados
Unidos, chegando até o Texas, no oeste.
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Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para
comentar as manifestações viviam quase todas no Ocidente. "É
hora de esclarecer o papel do Twitter nos acontecimentos do
Irã", escreveu Golnaz Esfandiari meses atrás, na revista "Foreign
Policy". "Em resumo: no Irã, não houve revolução via Twitter."
O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan,
que defendeu o papel da rede social no Irã, acrescentou
Esfandiari, não entendeu direito a situação. "Jornalistas ocidentais
que não conseguiam -ou nem mesmo tentavam- se comunicar
com gente no Irã simplesmente percorriam a lista de 'tweets' em
inglês, contendo a tag #iranelection", 2 escreveu ela. "Enquanto
isso, ninguém parece ter se perguntado por que pessoas que
supostamente tentavam coordenar os protestos no Irã não
estariam se comunicando em farsi, mas em outro idioma".
Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao
solipsismo. Volta e meia se empenham em enquadrar em seus
novos modelos os fatos e experiências mais díspares.
Como escreveu o historiador Robert Darnton, "as maravilhas da
tecnologia de comunicação no presente produziram uma falsa
consciência sobre o passado -e até mesmo a percepção de que
a comunicação não tem história, ou nada teve de importante a
considerar antes dos dias da televisão e da internet".
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Tudo o que sabiam era que, nas noites de segunda, diante da
igreja de São Nicolau, no centro de Leipzig, as pessoas se
reuniam para expressar sua ira contra o Estado. E o determinante
primário daqueles que compareciam eram os "amigos críticos" -
quanto mais amigos críticos ao regime uma pessoa tivesse, maior
a probabilidade de adesão ao protesto.
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inscrever em uma lista de doadores no Vale do Silício, hoje, é
ativismo no mesmo sentido que pedir um café num restaurante
segregado de Greensboro em 1960.
"As redes sociais são especialmente eficazes para reforçar a
motivação", escreveram Aaker e Smith. Mas não é verdade. As
redes sociais são eficazes para ampliar a participação -mas
reduzindo o nível de motivação que a participação exige.
A página da Save Darfur Coalition no Facebook tem 1.282.339
membros, cuja doação média é de nove centavos de dólar per
capita. A segunda maior entidade de assistência a Darfur no
Facebook tem 22.073 membros, e suas doações per capita são
de 35 centavos de dólar. A Help Save Darfur tem 2.797
membros, que doaram, em média, 15 centavos de dólar.
Um porta-voz da Save Darfur Coalition disse à revista
"Newsweek" que "não avaliamos necessariamente o valor de
alguém para o movimento com base nos montantes doados. Este
é um mecanismo poderoso para promover o envolvimento de
uma população crítica. Eles informam a comunidade, participam
de eventos, fazem trabalho voluntário. Não é algo que se possa
medir por números".
Em outras palavras, o ativismo no Facebook dá certo não ao
motivar pessoas para que façam sacrifícios reais, mas sim ao
motivá-las a fazer o que alguém faz quando não está motivado o
bastante para um sacrifício real. Estamos muito longe do balcão
da lanchonete de Greensboro.
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rede para organizar suas centenas de fornecedores, mas não
para projetar os carros. Ninguém acreditaria que a articulação de
uma filosofia coerente de design funcionasse melhor na forma de
um sistema organizacional disperso e sem líderes.
Carecendo de uma estrutura centralizada de liderança e de linhas
de autoridade claras, as redes encontram dificuldades reais para
chegar a consensos e estabelecer metas. Não conseguem pensar
de modo estratégico; são cronicamente propensas a conflitos e
erros. Como fazer escolhas difíceis sobre táticas, estratégias ou
orientação filosófica quando todo mundo tem o mesmo poder?
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A companhia telefônica transferiu os dados do celular perdido de
Ivanna a um novo aparelho e assim a proprietária e Evan
descobriram que o Sidekick estava em posse de uma
adolescente do Queens, que vinha usando o aparelho para tirar
fotos de si mesma e de suas amigas.
Quando Evan lhe enviou um e-mail pedindo que devolvesse o
celular, Sasha respondeu que ele era um "bundão branco" que
não merecia tê-lo de volta. Irritado, ele montou uma página na
web com uma foto de Sasha e uma descrição do ocorrido.
Encaminhou o link aos amigos, que o repassaram a outros
amigos. Alguém localizou a página do namorado de Sasha no
MySpace e um link para ela foi criado no site.
Alguém descobriu o endereço dela na web e gravou um vídeo
mostrando a casa quando passou de carro por lá; Evan postou o
vídeo no site. A história ganhou destaque no Digg, um site
agregador de notícias. Evan passou a receber dez e-mails por
minuto. Criou um fórum on-line para que seus leitores contassem
suas histórias, mas as visitas eram tantas que o servidor vivia
caindo.
Evan e Ivanna procuraram a polícia, mas o boletim de ocorrência
definia o celular como "perdido", e não "roubado", o que
significava que, na prática, o caso estava encerrado.
"Àquela altura, milhões de leitores estavam acompanhando",
escreve Shirky, "e dezenas de veículos da mídia convencional
haviam mencionado a história". Cedendo à pressão, a polícia de
Nova York reclassificou o celular como "roubado". Sasha foi
detida e a amiga de Evan conseguiu o Sidekick de volta.
O argumento de Shirky é o de que esse é o tipo de coisa que
jamais poderia ter acontecido na era anterior à internet -e ele tem
razão. Evan não teria conseguido localizar Sasha.
A história do Sidekick jamais teria sido divulgada. Um exército
de pessoas não se teria formado para participar da batalha. A
polícia não teria cedido à pressão de uma pessoa só, por algo
tão trivial quanto um celular perdido. O caso, na opinião de
Shirky, ilustra "a facilidade e rapidez com que um grupo pode ser
mobilizado para o tipo certo de causa" na era da internet.
Nota do tradutor
1. Estados do sul dos EUA que se uniram contra os do norte do país
durante a Guerra de Secessão (1861-65).
2. No serviço de microblogs Twitter, as "tags" são termos precedidos do
símbolo #, utilizados para reunir todas as mensagens sobre um mesmo
assunto, como #ilustrissima.
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