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Resumo: O presente artigo está dividido em duas partes. Na primeira é feita uma
introdução sobre a Teoria Geral do Estado, com o objetivo de iniciar uma discussão
sobre o Estado a partir de alguns teóricos e pensamentos fundamentais, sem a
possibilidade de esgotar o tema; em seguida é feita uma discussão crítica sobre a noção
de políticas públicas, o que também se mostra como uma introdução ao tema, que será
aprofundado durante o semestre.
Palavras-chave: Estado; urbanização; políticas públicas, cidadania e sociedade.
Introdução
A compreensão da sociedade contemporânea passa necessariamente e
obrigatoriamente pela competência e habilidade na leitura do mundo. Ser capaz de
interpretar, analisar e ler as relações geopolíticas é uma habilidade urgente em todas as
áreas de conhecimento.
Deste modo, este texto oferece introdutoriamente alguns subsídios para a compreensão
da sociedade, considerando que as questões geopolíticas são intensas na nossa
sociedade contemporânea.
Elaborar uma análise sobre o Estado e as políticas públicas é um exercício mais complexo
do que parece à primeira vista, pois não se trata de definir e conceituar o que é Estado
e políticas públicas e de tentar situar num determinado momento histórico e num
espaço geográfico tais conceitos. Como em todo texto introdutório, foi necessário fazer
escolhas e delimitações. Primeiramente retomamos alguns aspectos mais fundamentais
da Teoria Geral do Estado (SANTOS JR., 2009) e, em seguida, abordamos, de forma
introdutória, a temática que envolve as políticas públicas
1
Ver As abordagens científico-tecnológicas, na referência bibliográfica no final do texto.
2
A teoria geral do Estado deve ser compreendida como uma ciência de síntese, visto que
ela transita entre várias outras ciências e conhecimentos humanos, da psicologia à
política, passando pela filosofia, geografia, história e sociologia. Como ciência, passou a
ser organizada somente no século XIX, mas é possível observar estudos na antiguidade
com Platão (428-348 a.C.) (A República) e Aristóteles (384-322 a.C.), que buscam pelo
Estado ideal sem uma análise pormenorizada do Estado real; também na Idade Média,
em Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) (A cidade de Deus, em 426) e Tomás de
Aquino (1225-1274) (Suma teológica), que irão procurar justificar a existência do Estado
pela via teológica; mas é com Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de O Príncipe, que
o Estado passa a ser analisado como um fenômeno (histórico, jurídico, político e social)
complexo, visto em seu contexto. É esse autor quem instituirá os elementos
fundamentais da ciência política (DALARI, 2009).
Para Thomas Morus, por exemplo, o Estado ideal recebeu o nome de Utopia, um Estado-
“modelo” situado numa ilha formada por 54 cidades, todas iguais; a terra era bem
distribuída e todos os cidadãos nela trabalhavam por seis horas diárias, satisfazendo
assim todas as necessidades econômicas dessa sociedade. A base do governo se
assentaria nas famílias; a cada 30 famílias seria eleito um filarca2. Depois, dez filarcas
elegeriam um protofilarca e, reunidos, elegeriam um presidente vitalício. O ateísmo era
intolerável nesse Estado, visto que seu consentimento negaria as bases morais e
espirituais de Utopia (MASIP, 2001). Aqui a concepção de Estado, portanto, assenta-se
no humanismo.
2
Representante de um grupo de famílias, conforme mencionado no livro Utopia, de Thomas Morus.
3
A criatividade da obra maquiavelana revela-se mais uma vez, pois, envolta num contexto
de limitações de ordem teórica e analítica, ela foi capaz de produzir um pensamento
original para a reflexão dos fenômenos políticos.
Conforme observa Bonavides (2007), o próprio uso moderno do termo Estado decorre
de Maquiavel, que analisa as formas de governo de maneira dualista: ou o poder é
singular, com a monarquia, ou é plural, com a república. Esses elementos são postos na
primeira frase do capítulo I do livro O príncipe, na qual se lê: “Todos os Estados, os
domínios que existiram e existem sobre os homens, foram e são repúblicas ou
principados” (MACHIAVELLI, 1977, p. 11). A matéria com a qual Maquiavel se depara e
que procura elucidar é o Estado:
3
A virtude cívica para Maquiavel correspondia à sabedoria do cidadão, dedicado à melhoria das instituições
(MASIP, 2001). Não pode ser confundida com a virtú.
4
circunstâncias boas ou más, a fortuna (idem, p. 18). Da análise Texto para reflexão
4
Para Hobbes, o Estado político-social surge em decorrência de um pacto social (MASIP, 2001).
5
Para Locke, o Estado social é a “delegação voluntária dos integrantes do estado de natureza (...) para
defender-se de transgressões” (idem, p. 178).
6
Montesquieu é tido como o precursor da separação entre os poderes do Estado (legislativo, executivo e
judiciário). Ele compreende que a vida em sociedade é uma lei natural e que há três tipos fundamentais de
Estado: o democrático, o monárquico e o déspota. Sua grande obra de referência para este tema é O espírito
das leis.
5
É por isso que quase sempre os defensores do direito natural irão buscar nos postulados
contratualistas a legitimação dos poderes democráticos do Estado, que é visto então
como um corpo moral e coletivo, tornando-se Estado soberano todas as vezes que
exercita seu poder de decisão sobre os indivíduos que a ele se associaram por meio do
contrato social. Esse contrato social é apontado por Rousseau como a solução para
“amenizar” a força destrutiva de cada indivíduo, sem, contudo, restringir a liberdade
individual, já que por esse contrato ele obedece a si mesmo, é consentido (DALARI,
2009).
O contrato social para Rousseau vem solucionar o problema das disputas entre os
indivíduos que inviabilizam a vida em sociedade. Teoricamente, essa superação decorre
do acordo entre esses indivíduos que, para manter sua liberdade (como direito),
impõem a si o dever de ser livre. Nessa direção ele afirmará que:
Há, às vezes, diferença entre a vontade de todos e a vontade geral: esta atende
só ao interesse comum, enquanto a outra olha o interesse privado, e não é senão
a soma das vontades particulares, que se destroem entre si; resta para a soma
dessas diferenças a vontade geral.
[...]
Importa, pois, para bem representar a vontade geral, que não exista sociedade
parcial no Estado, e que cada cidadão não tenha outra opinião além da própria.
(ROUSSEAU, 1985, p. 46-47)
Sabe-se que não existiu um momento na história humana em que houvesse uma
associação entre os indivíduos após um estado de natureza, como afirma a tese dos
contratualistas. Contudo, o contratualismo exerce muita influência sobre o pensamento
contemporâneo quando o tema é democracia, ou seja, “várias ideias que constituem a
base do pensamento de Rousseau são hoje consideradas fundamentos da democracia”;
dentre essas ideias se apresentam a vontade popular e os princípios de igualdade e
liberdade (DALARI, 2009, p. 18-19).
7
Para Rousseau, o cidadão é súdito e legislador ao mesmo tempo; é o “indivíduo transformado pela
convivência no seio do estado social” (MASIP, 2001, p. 208).
7
Em resumo, pode-se afirmar que é no contrato social que Rousseau elabora a sua teoria
do Estado. Ele constata que a humanidade passou por três etapas em seu
desenvolvimento (MASIP, 2001):
As sociedades atuais são, dentre outras questões, marcadas pela ruptura com a forma
de ler e explicar o mundo. Suas características fundamentais são a fragmentação e o
subjetivismo que se desenrolam na vida social urbana. Os padrões desaparecem e
surgem múltiplas expressões e manifestações que têm impacto direto sobre o sujeito e
suas práticas.
Karl Marx, por exemplo, irá utilizar o termo “sociedade” em três dimensões distintas,
mas relacionadas, como observa Bottomore (1983, p. 342-343):
O que se observa aqui é que, nessa concepção, os seres humanos vivem em sociedade,
e a ideia de uma sociedade abstrata é rejeitada por Marx, pois o ser humano é um ser
social e a sociedade é inseparável da natureza. A partir do processo histórico
(materialismo histórico), o indivíduo realiza a transformação da natureza
(sociometabolismo) por meio do trabalho, que também transforma as próprias relações
humanas/sociais, criando novas relações de trabalho e o desenvolvimento de novas
tecnologias ou ampliação das forças produtivas (idem, ibidem). Dessas considerações
9
Numa importante obra escrita por Engels, intitulada A origem da Enquanto Marx insiste na
separação entre Estado e
família, da propriedade privada e do Estado, ele afirma que o sociedade civil, Gramsci
enfatiza a inter-relação de
Estado é um produto da sociedade, um produto artificial, uma ambos, argumentando que,
enquanto o uso cotidiano e
verdadeira invenção. Mostra também que o surgimento do Estado limitado da palavra Estado
decorre das questões econômicas e que sua sustentação se dá possa referir-se ao governo, o
conceito de Estado inclui, na
para defender os interesses e as propriedades privadas. Visto realidade, elementos da
sociedade civil (...)”
dessa maneira, o Estado surge para garantir os interesses da (BOTTOMORE, 1983, p. 351-
352).
burguesia e legitimar suas práticas de exploração e usurpação da
classe trabalhadora. Engels observa que o “Estado (...) sancionou
a usurpação” (DALLARI, 2009; ENGELS, 2004).
sociedade “tanto pode aparecer em oposição ao Estado como debaixo de sua égide”.
No sentido sociológico, o Estado, visto a partir de sua origem e essência, será uma
instituição dos “vitoriosos” imposta sobre os “vencidos”, com a clara intenção de
organizar, controlar e dominar, impedindo “rebeliões intestinas” e ataques externos.
Ainda visto na acepção marxista, o Estado será um fenômeno histórico provisório
resultante da luta de classes (BONAVIDES, 2007).
Max Weber, ao discorrer a respeito do Estado, compreenderá que todo Estado irá
fundamentar e legitimar sua existência pela força, racionalizando o uso da violência
física legítima, tornando o Estado o único “autorizado” a agir com violência, ou seja, o
Estado é a “derradeira fonte de toda legitimidade, tocante da força física ou material”
(idem, p. 70). Para Weber, portanto, o Estado possui três funções básicas (CHAUÍ, 2000):
2) ser o juiz diante dos conflitos entre os indivíduos, aplicando a lei e a força
sempre que necessário;
A questão do poder é central no debate sobre a teoria geral do Estado, afinal o Estado
possui um poder ou ele é o poder? George Burdeau compreende o Estado como sendo
a institucionalização do poder, ou seja, o “Estado é poder”, que por meio dos seus atos
sempre impõe uma obrigação. Essa concepção é seguida pela maioria dos autores que
discutem o tema, para quem o poder é necessário para o ordenamento da sociedade,
considerando que “o Estado, numa sociedade, não pode existir sem um poder”. Esse
poder decorre da dominação do mais forte sobre o mais fraco (DALLARI, 2009;
BONAVIDES, 2007).
(BONAVIDES, 2007). Ressalte-se que essas gradações não são simples sinônimos, por
isso é necessário compreendê-las adequadamente.
1) capacidade militar;
2) autossuficiência econômica;
3) especificidade cultural.
Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial, com muita
frequência encarada com suspeita como nova desordem mundial, precisa para
sustentar-se e reproduzir-se. Quase-Estados, Estados fracos podem ser
facilmente reduzidos ao (útil) papel de distritos policiais locais que garantem o
nível médio de ordem para realização de negócios... (BAUMANN, 1999, p. 76)
Dessa forma, Bauman afirma que “a globalização nada mais é que a extensão totalitária
de sua lógica a todos os aspectos da vida. Os Estados não têm recursos suficientes nem
12
liberdade de manobra para suportar a pressão” (idem, p. 73) imposta pelo mercado,
capaz de levar Estados ao colapso financeiro em pouco tempo. Para ilustrar a forma
dependente pela qual os Estados se veem diante do mercado, ele cita o subcomandante
Marcos, para quem,
A reflexão feita por Bauman está em consonância com a de Mészáros (2003), quando
afirma que “as forças erosivas são transnacionais. No entanto, as nações-Estado
continuam sendo as únicas estruturas para um balanço e as únicas fontes de iniciativa
política efetiva” (idem, p. 64). O Estado passa a ter a função quase que exclusiva de deter
e limitar quaisquer intenções que venham frustrar os interesses dos capitais, e o papel
de legitimar as formas de dominação impostas pelos grandes conglomerados, ou seja,
um Estado operando em favor do capital.
Há, sem dúvida, um enfraquecimento do Estado, mas não a sua supressão, pois sem a
ajuda externa, o apoio que recebe do Estado, o sistema do capital não pode ser mantido
(MÉSZÁROS, 2003). Uma contradição apontada por Mészáros (idem, p. 33) é “a
tendência globalizante do capital transnacional no domínio econômico e a dominação
continuada dos Estados nacionais como estrutura abrangente de comando da ordem
estabelecida”, ou seja, mesmo diante da tendência globalizante e liberal, o Estado
nacional permanece como o avalista último dos grandes conglomerados.
Assim,
O Estado torna-se muito mais que porta-voz das vontades e interesses de uma parcela
da sociedade; torna-se também seu melhor fiador.
Conselhos populares
Nota-se que esses conselhos foram muitas vezes a forma que o poder público encontrou
para cooptar as lideranças populares que agiam de forma direta e independente até
verem suas demandas atendidas, tais como saúde, habitação, educação e trabalho. Essa
forma de atuação do poder público foi ampliada para os estados, e já nos anos 1980
notava-se em vários estados brasileiros (SP, RJ, MG, ES etc.) a presença dos “conselhos
comunitários”, muitas vezes sob a denominação “ação comunitária”, como no caso de
São Paulo durante o governo Montoro (GOHN, 2003). Por outro lado, esses conselhos
se constituíram também como espaços que propiciaram as discussões que levaram à
elaboração da Constituição de 1988, ou seja, “as experiências dos conselhos foram
referências para a Constituinte nos arranjos institucionais visando à participação da
sociedade no controle, fiscalização e proposição de atos e decisões governamentais”
(TEIXEIRA, 1996).
A liberdade será o pressuposto básico para a realização da coisa pública (res publica –
“coisa do povo”), compreendendo que essa liberdade significa a não dominação e um
espaço que só pode ser produzido e reproduzido por todos; desta forma, a construção
do “espaço público” só terá sentido se realizado entre os iguais que se encontrem
plenamente livres e dispostos a abandonar os interesses privados, ou seja, “... só
podemos chegar ao mundo público comum a todos nós – que no fundo é o espaço
político – se nos distanciarmos de nossa existência privada (...)” (ARENDT, 2006, p. 53).
A política pública pode ser compreendida como uma série de ações organizadas para
atender aos interesses públicos. Trata-se, portanto, de garantir os direitos sociais e
coletivos. “No Estado moderno e seus governos democráticos, o âmbito da política
pública é a cidadania, entendida como relação entre Estado e sociedade civil mediada
pelos direitos” (CATTANI et al, 2009, p. 268). No contexto das políticas públicas, fala-se
dos agentes envolvidos (capital, trabalho e Estado) como sendo “atores políticos” (sic),
isto é, aqueles que atuam na arena social propugnando ações pacíficas para a solução
dos conflitos presentes na sociedade. Em certa medida esta posição ignora as lutas de
classe presentes na sociedade burguesa. Nesse contexto, a cidadania de que se fala é
restrita aos interesses privados e não coletivos, um tipo de cidadania que proporciona
ajustes e reformas na sociedade, mas não rupturas e transformações significativas.
autonomia diante do capital. Uma reflexão sobre as políticas públicas que exclua a luta
de classes e o papel do neoliberalismo neste contexto corre o risco de ser ingênua e
parcial.
Nota-se que nos anos 1970/1980 houve uma articulação dos movimentos sociais que
pressionaram o surgimento de uma política social que, em certa medida, avançou até
culminar com as conquistas da Constituição de 1988 (a Constituição cidadã). Os anos
1990 iniciaram com ações de desmantelamento dessas conquistas orientadas pela
ideologia neoliberal que impôs um processo de contrarreforma do Estado, que dominou
o cenário político e social brasileiro com uma intensa campanha ideológica visando ao
convencimento da opinião pública. Conforme observaram Elaine Behring e Ivanete
Boschetti (2008):
Ao longo dos anos 1990 propagou-se na mídia (...) uma avassaladora campanha
em torno das reformas. A era Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi marcada por
esse mote, que vinha de Collor, cujas características de outsider (o que vem de
fora) não lhe outorgaram legitimidade política para conduzir esse processo.
(BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 148)
Essas reformas não apenas foram orientadas para o mercado como também foram
“sugeridas” pelo mercado através da intensa presença dos lobistas no congresso
nacional, ao mesmo tempo em que o Estado ampliava a criminalização dos movimentos
sociais. A onda de privatizações iniciada no governo Collor e intensificada no governo
FHC, fez com que o Estado brasileiro é visto como um empecilho para o
desenvolvimento econômico, daí a necessidade de reformá-lo. Esse período inaugura
um processo de “modernidade”, visto que,
Neste contexto, o denominado terceiro setor (representado muitas vezes pelas ONGs)
ganha força e espaço na sociedade, tornando-se um dos principais proponentes das
políticas públicas. Entretanto, o que se observa é que o terceiro setor quase sempre
cumpre um papel de legitimador das práticas neoliberais, servindo como um
17
O “terceiro setor” deve ser colocado no seu devido lugar (...) ele cumpre um papel
ideológico importante na implementação das políticas neoliberais e está em
sintonia com o processo de reestruturação do capital pós-70: de flexibilização dos
mercados nacional e internacional, das relações de trabalho, da produção, do
investimento financeiro. Nega a universalidade ao se dirigir a grupos específicos
e privatiza o público, já que suas “ações” são à custa do erário público, uma vez
que o Estado deixa de angariar impostos por conta dos gastos deste setor com a
filantropia. (COUTINHO, 2003)
O Terceiro Setor e as ONGs, como sua expressão visível, acabaram ocupando um espaço
na sociedade com propostas de ações visando substituir o Estado em suas funções, já
que a partir do receituário neoliberal o Estado é incapaz e ineficiente por natureza. A
presença das ONGs encobre a verdadeira intenção: limitar a expansão dos direitos
sociais fundamentais e em certa medida dificultar um tipo de organização (popular) que
questione as políticas públicas, muitas vezes mediadas pelas próprias ONGs, como
observou Francisco de Oliveira:
A questão da cidadania deve então ser abordada aqui, visto que no Brasil sempre
existiram grupos representantes dos interesses econômicos subordinados ao grande
capital internacional. A relação entre a sociedade civil e o Estado quase sempre foi
marcada por períodos de regimes ditatoriais, em grande parte sob influência
estrangeira. Diante desse quadro, a questão da cidadania terá uma feição particular,
porque nos períodos de transição para a democracia o problema irá se concentrar
também na regulamentação das regras de civilidade e cidadania no interior de uma
sociedade travestida de poderes arbitrários e autoritários. (DAGNINO, 1994, p. 55)
O conceito de cidadania privada é aquele em que a pessoa constrói sua cidadania a partir
de ações individuais e com toda a precariedade, ou seja, “aquele que com seu próprio
esforço e perseverança venceu”. Com o crescimento urbano e as relações de produção
que não privilegiam as ações coletivas nem proporcionam meios eficientes para o acesso
dos indivíduos aos bens públicos é que se dá a vida na cidade, impondo uma vivência
precária da cidadania. A lógica liberal individualiza a cidadania para subtrair a força das
ações coletivas, em especial as que tenham um caráter de transformações radicais. Cria-
se assim o “cidadão privado”: uma contradição, pois os termos dizem respeito a formas
incompatíveis entre si, já que cidadania pressupõe algo construído coletivamente na
história, enquanto o privado indica algo restrito, quando não individualizado
(KOWARICK, 1995, p. 110-112).
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