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O PROJETO DE NAÇÃO DO GOVERNO JOÃO GOULART: DO PLANO TRIENAL ÀS

REFORMAS DE BASE

Cássio Silva Moreira 1

Resumo: O artigo sugere que, embora em contextos históricos distintos e com diferenças políticas e
econômicas, há um caráter de continuidade entre o nacional-desenvolvimentismo e o social-
desenvolvimentismo, um dos elos entre esses dois modelos de desenvolvimento seria o crescimento com
distribuição de renda. Os projetos dos governos de Getúlio Vargas e João Goulart são tipificados como
nacional-desenvolvimentistas. Parte da literatura também defende que, em especial, o segundo governo Lula
e o governo Dilma como social-desenvolvimentista. Devido a essas diferenças conceituais, o artigo propõe a
tese de que o projeto de desenvolvimento adotado durante os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff
seria a retomada de um projeto de desenvolvimento, iniciado no governo Vargas e continuado no governo
Goulart, com o intuito de superar o subdesenvolvimento. Todavia atualizado para um novo contexto político
e econômico do século XXI. Portanto, o artigo defende que há um resgate histórico do projeto trabalhista
interrompido pelo golpe civil-militar de 1964. Esse projeto teria como elo a consolidação de um mercado
interno e a distribuição de renda propostas com as Reformas de Base com as políticas de crescimento da
renda e do emprego e as políticas de inclusão social atuais.

Palavras-chave: nacional-desenvolvimentismo, social-desenvolvimentismo, Vargas, Goulart, Lula, Dilma e


trabalhismo

Abstract:

Keywords: national developmentalism, Vargas, Goulart,

1
Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul: Câmpus Porto Alegre (IFRS), Doutor em Economia do Desenvolvimento
pela UFRGS. E-mail: cassio.moreira@poa.ifrs.edu.br. Site: www.cassiomoreira.com.br.
Introdução

rojeto trabalhista.

1 – A bases de um projeto: o nacional-desenvovimentismo e o trabalhismo

No campo conceitual e teórico cabe definir a relação entre o trabalhismo e o desenvolvimentismo.


O primeiro é visto como uma ideologia política. O segundo como uma ideologia econômica. Embora as duas
estejam intimamente associadas não se deve confundi-las. Lima Junior (2013) define ideologia enquanto um
pensamento social produzido por um grupo social a partir das suas condições materiais e simbólicas de
existência com a perspectiva de alteração da ordem social de forma subjugada ao seu projeto próprio de
existência. As ideologias políticas não são conteúdos fixados, imutáveis ao longo do tempo, pois sofrem
inumeráveis redefinições.

As ideologias políticas operam como alavancas de conservação da sociedade ou, ao contrário,


fornecem os conteúdos dos programas reformistas e dos projetos revolucionários. Ora, de que forma
elas influenciam os acontecimentos sociais? Da mesma maneira que muitas ideias o fazem: guiando e
incitando os agentes a agir em determinado sentido. Mas cuidado, as ideologias políticas não
designam conteúdos fixados para todo o sempre, porque esses se movem ao longo do tempo e sofrem
inumeráveis redefinições (SROUR, 2013, p. 147).

Conforme Srour (2013) as ideologias econômicas põem em jogo as relações entre o Estado e a
economia, ou entre o Plano e o mercado. O autor lembra a clássica distinção entre liberalismo político e
liberalismo econômico para verificar que não há simples coincidência ou superposição entre os dois ideários.
Esclarece ele que é possível ser liberal do ponto de vista econômico, ao mesmo tempo em que se é
politicamente conservador. Entende-se nesse artigo, portanto, o termo “ideologia política” como um conjunto
de idéias, de uma pessoa ou partido, que traz uma visão, ideal, de como deveria ser a relação entre as pessoas
em determinado espaço público, enquanto a ideologia econômica traz uma visão de como deveria ser o papel
dos agentes econômicos, e suas relações, na busca por solucionar problemas no âmbito da produção,
distribuição, acumulação e consumo de bens e serviços. Nesse sentido, o desenvolvimentismo seria uma
ideologia econômica, enquanto o trabalhismo uma ideologia política.
Nesse ponto é importante conceituar a expressão desenvolvimentismo. Devido à complexidade do
tema, e que isso desviaria o foco do objetivo desse artigo, adotar-se-á o conceito formulado por Fonseca
(2013):

Entende-se por desenvolvimentismo a política econômica formulada e/ou executada, de forma


deliberada, por governos (nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da
produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas a alcançar fins
desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos e sociais, dentro dos marcos
institucionais do sistema capitalista (FONSECA, 2013).

Esclarece Fonseca (2013) que “fins desejáveis remete ao desenvolvimentismo como ideologia, pois
incorpora no conceito os valores maiores que justificam a estratégia e o projeto para o futuro, a sua utopia em
busca de outra sociedade melhor”; tais fins, ainda, podem atualizar-se, como incorporar cidadania,
democracia e meio ambiente, atributos que não aparecem ou pouco destaque mereciam no período da
amostra pesquisada; incorpora-se, portanto, no conceito, variável axiológica, a qual se expressa como
ideologia ou ideias que explicitam e justificam determinados fins ou valores (ação social racional referente a
valores).
Portanto, desenvolvimentismo é uma ideologia econômica consubstanciada em um projeto que
firma o desenvolvimento econômico como a principal tarefa do governo, o epicentro de suas ações e da
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política econômica, tendo como objetivo maior a industrialização do país. Mais que progresso ou evolução, o
desenvolvimento torna-se o fim último da ação estatal, supõe colocar todos os instrumentos e meios para a
consecução de um objetivo bem definido: o crescimento da economia (e não mais a evolução moral ou
intelectual) (FONSECA, 2004).
Bielschowsky (1988) complementa que o sentido de desenvolvimentismo a inexistência de um
pensamento desenvolvimentista único, e por isso estabeleceu uma tipologia criando conceitos radiais para
captar a diversidade dentro do mesmo conceito: (a) desenvolvimentismo do setor privado; (b)
desenvolvimentismo do setor público não nacionalista; (c) desenvolvimentismo do setor público nacionalista.
Lembra, ainda, os socialistas, que eram em certo sentido ‘desenvolvimentistas’, mas que não se encontrava
dentro da esfera capitalista.
Entendemos por desenvolvimentismo [...] a ideologia de transformação da sociedade brasileira
definida pelo projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: (a) a
industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; (b) não
há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional através da espontaneidade das forças de
mercado, e por isso, é necessário que o Estado a planeje; (c) o planejamento deve definir a expansão
desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão: e (d) o estado deve
ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros e promovendo
investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada for insuficiente
(BIELSCHOWSKY, 1988, p. 7).

O desenvolvimentismo pode ser visto como uma resposta aos desafios criados pela Grande
Depressão dos anos 1930. Os projetos nacionais de desenvolvimento, por meio da industrialização, nos
países periféricos nasceram no mesmo contexto que produziu o Keynesianismo nos países centrais. Tanto a
onda desenvolvimentista e a experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas que sucederam a
quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929. O clima político, social e econômico estava propicio para a idéia
de que seria possível adotar estratégias nacionais de crescimento, industrialização e avanço na área social.
Políticas econômicas, anticíclicas, implementadas no primeiro governo Vargas e no governo Roosevelt
(antes mesmo da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de Keynes) como a política de valorização
do café e o New Deal já tinham o objetivo de recuperar e reformar a economia.
Fonseca (2013) classifica em dois subtipos de desenvolvimentismo consagrados na literatura
brasileira: o chamado “nacional- desenvolvimentismo e o “desenvolvimentismo dependente-associado”.
Diferenciava nacional-desenvolvimentismo como uma ideologia econômica mais nacionalista, que propunha
maior papel ao estado para alavancar recursos e realizar investimentos tidos como prioritários. A produção
centrava-se nos bens de consumo populares, liderado pelo setor privado nacional, e como projeto propunha
avançar a industrialização para os bens de capital e intermediários; politicamente se expressava como uma
aliança entre este empresariado, segmentos das “classes médias” (nestes incluídos a burocracia) e
trabalhadores urbanos, propondo a “incorporação das massas”. Já o segundo assentar-se-ia nos investimentos
externos, principalmente de grandes empresas oligopolistas, para alavancar um padrão de “industrialização
restritiva”, pois assentado na produção de bens duráveis de consumo e na indústria pesada, cuja demanda
voltava-se às camadas de rendas mais altas; não excluía de vez o estado nem as burguesias locais, mas
estabelecia entre eles outro tipo de associação, numa relação de subordinação ou dependência ao capital
estrangeiro.
Nas esferas das ideologias econômicas, o desenvolvimentismo seria o opoente do liberalismo
econômico dentro do sistema capitalista. A questão chave que diferencia esses conceitos é o papel reservado
ao Estado. Para o primeiro, o Estado tem papel fundamente para a definição de qual estratégia seguir no
longo prazo, enquanto que o segundo aponta que o papel do Estado é não ter papel algum ou preponderante
nesse processo. Portanto, enquanto o pensamento liberal via na estabilidade monetária e no aumento da
produtividade os fatores importantes para o crescimento econômico; os desenvolvimentistas veem a

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participação do estado como fundamental na elaboração de estratégias de expansão do produto e da renda no
longo prazo.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) fez uma analise em cinco fases
para demonstrar a evolução histórica desse processo na região. A primeira, nos anos 1950, foi marcada pelo
processo de industrialização; a segunda, anos 1960, pelas reformas que visavam eliminar os entraves à
industrialização; a terceira, nos anos 1970, pela reorientação do modelo de desenvolvimento; a quarta, na
década de 1980, pela superação do endividamento externo e, por fim, os anos 1990, marcados pela
estabilização e reinserção produtiva na globalização. Especialmente no que tange às três primeiras fases
havia várias correntes de pensamento para o desenvolvimento no Brasil. Entre elas podemos citar os
desenvolvimentistas, os liberais e os socialistas. Os desenvolvimentistas estavam divididos entre os ligados
ao setor privado, como Roberto Simonsen e Almeida Magalhães, e os desenvolvimentistas ligados ao setor
público, como Celso Furtado e San Tiago Dantas (corrente nacionalista) e Roberto Campos (corrente não
nacionalista), assim como, o pensamento liberal de Eugênio Gudin e a corrente socialista de Inácio Rangel.
Os desenvolvimentistas eram influenciados pelas idéias da CEPAL. Para o pensamento desenvolvimentista a
transformação da economia brasileira seria impossível sem industrialização, planejamento econômico e
participação do Estado no processo produtivo. Essas idéias foram inspiradas no pensamento de Raul Prebisch
e Hans Singer. Eles defendiam que para a América Latina sair do subdesenvolvimento ela deveria
implementar sua industrialização por meio da substituição de importações
Conforme Fonseca (2013) desenvolvimentismo pertence à mesma família de termos como
“ortodoxia”, “neoliberalismo” e “keynesianismo”, os quais servem para designar alternativamente duas
coisas por certo indissociáveis, mas que não são exatamente o mesmo nem do ponto de vista epistemológico
nem, tampouco, na prática cotidiana: (a) um fenômeno do “mundo material”, ou seja, um conjunto de
práticas de política econômica propostas e/ou executadas pelos policymakers, ou seja, fatos concretos ou
medidas “reais” que compartilham um núcleo comum de atributos que os caracteriza como tal; e (b) um
fenômeno do “mundo do pensamento”, ou seja, um conjunto de ideias que se propõe a expressar teorias,
concepções ou visões de mundo. Essas podem ser expressas: (i) seja como discurso político, por aqueles que
as defendem ou as criticam (e que mais usualmente se denomina ideologia - outro termo polissêmico); ou (ii)
seja para designar uma escola ou corrente de pensamento, ao abranger teorias e estudos segundo cânones
reconhecidos como saber científico. Embora a ideologia e as experiências históricas desenvolvimentistas
tenham uma longa história, cuja gênese remonta a meados século XIX, foi a partir da Grande Depressão da
década de 1930 que tomaram vulto em boa parte dos países latino-americanos, destacadamente Argentina,
Brasil, Chile e México, mas também Colômbia, Peru, Uruguai e Venezuela, para mencionar os casos mais
típicos. Já o pensamento econômico teórico só se consolidou nas décadas de 1950 e 1960. Para tanto, foi
fundamental a criação da CEPAL e sua capacidade para catalisar e difundir trabalhos clássicos de nomes
como R. Prebisch, C. Furtado, A. Pinto, O. Sunkel, M. C. Tavares e E. J. Medina, dentre outros.
Portanto, durante a década de 1960 essas estratégias de desenvolvimento para o Brasil acabaram se
aglutinando em dois projetos. De um lado tínhamos correntes de pensamento que defendiam o que se
chamou na época, de nacional-desenvolvimentismo, de outro lado o que era chamado de desenvolvimento
dependente-associado. Ambos ficaram claros em dois períodos da nossa história. O primeiro teve sua
germinação na Era Vargas, em especial nos governos de Vargas e Goulart, e o segundo teve sua hegemonia
após o golpe militar de 1º de abril de 1964. Entretanto, foi a partir do governo de Juscelino Kubitschek, no
inicio da década de 1950, que essa divisão começou a emergir com maior nitidez, ficando evidentes durante
a década de 1960 os interesses políticos conflitantes. O modelo dependente-associado de certa forma
“cooptou” o capital nacional associando-o com os interesses do capital estrangeiro, sob a tutela e parceria do
Estado Nacional. Essa aliança propiciaria a atração de capitais e a modernização do parque industrial por
meio de aporte tecnológico. De fato no governo JK, e em especial pós-golpe de 1964, houve uma
modernização da economia, porém as velhas estruturas sociais e a dependência externa não foram alteradas.
O resultado seria um aumento da dependência tecnológica e estrutural, visto a importância crescente das
empresas multinacionais no fornecimento de componentes industriais e bens e serviços; e uma dependência
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financeira com o brutal endividamento externo, acirrado com a elevação da taxa de juro norte-americana em
1979. Segundo, de meados dos anos 1960 até o final da década de 1970, a estratégia de crescimento passou
do modelo de substituição de importações ao de exportação de bens manufaturados e exclusão dos
trabalhadores. (BRESSER, 2012). Portanto na literatura, na busca de uma maior especificidade e precisão
analítica, é comum a referência ao “Nacional-Desenvolvimentismo” para designar o projeto varguista, mais
nacionalista e com proposta de incorporação dos trabalhadores urbanos pela legislação trabalhista e
previdenciária, e o “Desenvolvimentismo-Associado” ou “internacionalizante” iniciado por Kubitschek e
cuja consolidação teria ocorrido com os governos militares após 1964 (BICHARA, FONSECA, CUNHA,
2012).
Desse modo o ano de 1964 é um marco para visualizar de forma clara a interrupção da ideologia
nacional-desenvolvimentista, que tinham na participação do estado seu principal instrumento. A partir desse
momento, a ideologia desenvolvimentista associada-dependente passou a ser hegemônica, tendo no binômio
desenvolvimento (visto como sinônimo de crescimento) com segurança o objetivo principal do novo
governo, dessa forma a estratégia de crescimento com distribuição de renda foi interrompida.
Se por um lado o desenvolvimentismo (por consequência, também, os seus tipos) seria uma
ideologia econômica, o trabalhismo seria uma ideologia política.
O conceito de trabalhismo, surgido na Inglaterra, passou por transformações adaptando-se à
realidade brasileira e adquirindo características próprias. Saudado por seus contemporâneos como o ideólogo
maior do trabalhismo brasileiro (SILVA, 2012) os escritos de Alberto Pasqualini tiveram papel importante
nessas mudanças, pois trouxe um tratamento teórico para o trabalhismo, tendo como base os princípios do
solidarismo cristão (democracia-cristã). Pasqualini definia o trabalhismo como expressão equivalente a de
capitalismo solidarista.
A seguir a compilação de alguns trechos de discursos de Pasqualini serve para esclarecer sua
essência:

O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não
é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da
usura social. [...] Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime
capitalista. Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do
regime capitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa
admitir e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um
capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e
empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados. [...]
Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderá proporcionar a seus
detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho do
proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para o trabalhismo, o capital
deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela
iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da economia, e o bem-estar coletivo.
[...] O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e
tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista. [...] A parte do lucro, que é invertida, não representa
uma injustiça social. Pode haver injustiça na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre
que o consumo exceda os limites razoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora. [...] E
de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniências do regime
capitalista. Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las.
Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões socialmente úteis
será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas verdadeiras finalidades.
Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o produto da taxação custear
serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas injustiças. Será uma maneira de
obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver os problemas daqueles que não
têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social.
[...] A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia trazer
ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens
perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado, evoluindo da

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função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está
condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que,
se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses
capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. [...] Será desnecessário
esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje
países onde impere o puro regime capitalista. Há países de economia exclusivamente socialista e países
de economia mista (MOREIRA, 2014, p 45-62).

Procurando contribuir na elaboração de um conceito de trabalhismo e inspirado nas ideias de


Pasqualini, definimos trabalhismo como uma ideologia política formulada e/ou executada, de forma
deliberada, e implementada por um partido político, tendo como principio básico a co-existência de
solidariedade com as liberdades individuais. Na esfera econômica, acredita na prevalência do trabalho
sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de
classe, sem violência, por meio da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social.
Embora seja uma ideologia política, o trabalhismo reconhece o capitalismo como sistema econômico,
defendendo conseqüentemente a propriedade privada. O trabalhismo está umbilicalmente associado
com uma ideologia econômica, que em determinado contexto histórico foi nacional-
desenvolvimentismo, que defende a intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos
do sistema capitalista e tornar o capitalismo mais humano e equilibrado, por meio da ênfase nas
políticas públicas, principalmente na área da educação (educação como a única forma de emancipar o
povo e consolidar uma ideologia do desenvolvimento nacional) e do assistencialismo, com objetivo de
melhorar a condição de vida dos trabalhadores buscando uma conciliação de classes dentro de um
ambiente cada vez mais participativo e democrático. No âmbito externo, defende uma política externa
independente e que preserve e fortaleça a autonomia e soberania nacional.
Resalta Pasqualini que o ‘trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista’, visto
que o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a
eliminação da usura social.
[...] sustenta o princípio de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma atividade
socialmente útil... Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo... Todo ganho deve
estar sempre em função do valor social do trabalho de cada um. Onde há ganhos sem trabalho, há
parasitismo e usura social... Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais
ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o
desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo... O capital de caráter meramente especulativo e
explorador não poderia encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista
(PASQUALINI, 2005, p. 145).

As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo
transformar o capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro.
Pasqualini acreditava que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica. A condução política
far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade. O sistema educacional era, para ele,
o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando assim o
subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade.
Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais
especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização (MOREIRA, 2014).
A doutrina trabalhista tem influências do cristianismo que, associadas ao projeto nacional-
desenvolvimentista de Vargas, corporificam o trabalhismo brasileiro. Outro aspecto a salientar são as
influências do keynesianismo na ideia de planejamento econômico e intervenção do Estado na economia, que
são visíveis no governo Vargas.
Em síntese, o trabalhismo recebeu influência de três correntes de ideias o positivismo, a Doutrina
Social Cristã e o socialismo, principalmente através de sua vertente social-democrata (FONSECA, 1989).

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Ângela de Castro Gomes (1988) nos ajuda a entender e caracterizar esse partido por meio do que ela chama
de trabalhismo. Segundo a autora o trabalhismo foi inventado no período do Estado Novo, principalmente de
1942 a 1945, quando o ministro Marcondes Filho ocupava o Ministério do Trabalho do governo Vargas. Esse
trabalhismo se tornou a ideologia do governo estado-novista de Vargas e possuía as seguintes características:
1) apagar o discurso, a “palavra” dos trabalhadores brasileiros – principalmente socialistas, comunistas e
corporativistas – da República Velha que valorizavam o trabalho manual e a figura do trabalhador - e se
apropriou desse discurso transformando a “palavra” em um discurso do Estado; 2) uma dimensão
personalista, em relação ao poder público e ao povo; 3) a promoção por intermédio do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) da figura do presidente Vargas; 4) trabalhador como figura central; 5) relação
povo/presidente baseada em dar/receber/retribuir (SILVA, 2008). Trabalhismo é um certo conjunto de idéias
e práticas políticas, partidárias e sindicais, o que poderia ser identificado para além de seu contexto de origem
histórica: o Estado Novo. Como todas as "palavras", trabalhismo também não estava desprovida de
significados sociais, estando ligada a alguns partidos e lideranças, especialmente e não casualmente, do pós-
45 (FERREIRA, 2005, p. 55).
No segundo governo Vargas (1951-1954), o projeto trabalhista já estava mais definido. No âmbito
econômico havia forte conteúdo nacionalista e intervencionista, sendo realizados substanciais investimentos
em aço, petróleo, cimento, na indústria química, entre outras atividades voltadas para bens de capital. Esses
investimentos demonstravam a determinação do governo em acelerar a industrialização do país,
principalmente apontando para os bens de produção. Esse conjunto de medidas, aliado às políticas públicas
implementadas a partir da década de 1930 (investimentos na industrialização pesada, as leis sociais, a
expansão do setor público, a intervenção estatal na economia e nas relações entre empresários e
trabalhadores), consolidou como projeto político de Vargas, e mais adiante o de João Goulart, tendo o
programa do PTB como vetor desse processo.
Portanto, o desenvolvimentismo seria uma ideologia econômica e o trabalhismo seria uma ideologia
política. Desse modo, o trabalhismo brasileiro seria a expressão política de determinado tipo de
desenvolvimentismo em seu contexto histórico. No período dos governos de Vargas e de Goulart: o nacional-
desenvolvimentismo. No período dos governos de Lula e de Dilma: o social-desenvolvimentismo.

2 – A implementação de um projeto: o Plano Trienal e as Reformas de Base

Para traçar mais semelhanças entre esses projetos políticos e econômicos, que seria dois lados da
mesma moeda expressão política de uma ideologia econômica e social: o nacional-desenvolvimentismo.

3 – A Síntese do Projeto de Nação do Governo João Goulart: um projeto trabalhista para o Brasil

Após uma “década perdida”, o Brasil voltou aos fluxos dos capitais internacionais no início dos anos
1990. O (2014b) que embora o social-desenvolvimentismo tenha encontrado no governo Lula e Dilma e na
intelectualidade desenvolvimentista, ainda não conta com uma adequada sistematização acadêmica.

Considerações Finais

O nacional-desenvolvimentismo, historicamente, foi representado pela tríade nacionalismo-


industrialização-intervencionismo. Celso Furtado faz a síntese de sua obra numa equação para uma estratégia
de desenvolvimento nacional que são os pilares do chamado social-desenvolvimentismo e, de certo modo, o
elo com o nacional-desenvolvimentismo. Afirma ele que o desenvolvimento é fruto da junção de duas
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varáveis. A primeira é o crescimento da renda e do emprego. A segunda é a adoção de uma política social
ativa. Essa

Referências Bibliográficas

MOREIRA, Cássio S. O projeto de nação do governo João Goulart: o plano trienal e as reformas de base
(1961-1964). Ed Sulina, Porto Alegre, 2014.

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