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Cálculo do ICMS “por dentro”: prática ultrafiscalista?

O cálculo do imposto como porcentagem do valor da propriedade ou dos


bens transacionados, método chamado de ad valorem, é tão antigo
quanto o Império Romano. O que não é antigo é a prática de incluir o
imposto na sua própria base, portanto cobrar imposto sobre imposto
como se faz com o ICMS. Esta prática, chamada popularmente de
cálculo “por dentro”, foi introduzida na criação do ICM (precursor do
ICMS) em 1966.

Um exemplo: Suponha a venda de um artigo por 100 reais (antes de


calcular o imposto) e um imposto de 18%. Pelo método tradicional ou
“por fora”, o imposto é calculado com o uso da fórmula simples
seguinte:

Imposto = 18% x R$100,00 = R$ 18,00.

Já no método de cálculo “por dentro”, do ICMS, o imposto é calculado


como segue:

Imposto = 18% x (R$100,00 + Imposto) = R$ 21,95


(aproximadamente).

A inclusão do imposto na sua própria base de cálculo é equivalente a


adotar uma alíquota efetiva majorada, no exemplo 21,95% ao invés da
alíquota nominal de 18%.[1]

A modalidade de cálculo “por dentro” viola a regra de transparência na


tributação e, possivelmente, constitui um engano ao contribuinte, já que
poucos se darão conta que a alíquota declarada não é a que se aplica de
fato. O cálculo do imposto “por dentro” ofende a consciência tributária e
de razoabilidade do cidadão comum e tem sido repelido por todos os
sistemas tributários do mundo à exceção do Brasil.[2]

Como os maus exemplos prosperam, o cálculo do imposto por dentro


acabou por contaminar também a Contribuição para o Programa de
Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (COFINS), que são ambas cobradas “por dentro”
sobre produtos importados e sobre o consumo de energia e telefonia,
isto é, sobre uma base que inclui a própria contribuição.

Mas a escalada fiscal não para aí. No caso de energia e telefonia, o PIS é
calculado, além do valor da transação subjacente, sobre o valor da
COFINS, do ICMS e do próprio PIS. A COFINS é calculada também sobre
o PIS, o ICMS e a própria COFINS. E é claro que o ICMS, para não ficar
para trás, inclui na sua base os três (PIS, COFINS e ICMS).

A maximização da arrecadação tributária através da inclusão de vários


tributos na base de cálculo, ademais da complexidade e falta de
transparência, gera um efeito perverso nas finanças públicas: por
exemplo, se houver necessidade—para cobrir gastos da seguridade
social--de aumentar a alíquota do PIS ou do COFINS, automaticamente
se estará aumentando a tributação do ICMS, imposto que tem outra
razão de ser e outro poder tributante!

Uma reforma tributária de substância que venha a ser feita no


Brasil deveria melhorar o sistema tributário dando-lhe mais
transparência e visibilidade, com o que também se promoveria
maior justiça fiscal e responsabilidade política (accountability)
dos governantes. Para atingir esse desiderato é necessário
eliminar a prática de calcular impostos “por dentro” como se faz
com o ICMS, o PIS e o COFINS.

Referências:

Bird, Richard M., “Policy Forum: Visibility and Accountability—Is Tax-


Inclusive Pricing a Good Thing?”, Canadian Tax Journal / Revue Fiscale
Canadienne (2010) vol. 58, nº 1, 1-14

Millar, W. Jack, “Policy Forum: The Case for Maintaining Tax-Exclusive


Pricing”, Canadian Tax Journal / Revue Fiscale Canadienne (2010) vol.
58, nº 1, 1-9

[1] Denotando por t a alíquota convencional ou por fora e por t’ a alíquota do ICMS ou
por dentro, as duas alíquotas estão relacionadas pela fórmula t = 1/(1-t’). Isto
significa que acréscimos constantes (lineares) na alíquota t’ resultam em acréscimos
exponenciais (mais que proporcionais) na alíquota t. Assim, enquanto a alíquota
normal por fora t = 21,95% é 22% maior que a correspondente alíquota por dentro t’
= 18%, a alíquota por fora incidente sobre energia elétrica (t = 33,33%) é 1/3 maior
que a correspondente alíquota nominal por dentro t’ = 25%. Portanto, a tributação por
dentro se torna progressivamente gravosa para produtos sujeitos a alíquotas mais
elevadas.

[2] A reforma tributária de 1986 da Bolívia copiou o sistema brasileiro de cálculo “por
dentro”. O sistema boliviano, porém, tem o atenuante de que o imposto assim cobrado
pode ser recuperado pelos contribuintes individuais como crédito contra o imposto de
renda sobre o trabalho assalariado.

Por: Isaias Coelho (pesquisador sênior do NEF)

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