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Transdução sensorial
Isabel Vilas-Boas
Maria João Fernandes
Marta Ribeiro
Patrícia Santos
Pedro Magalhães
Rafael Jesus
Capítulo 15
Transdução sensorial
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eles se encontram, o que implica que a sensibilidade mecânica é uma característica
generalizada das proteínas integrais membranares.
Para alcançar a especificidade para certos estímulos eléctricos, muitos receptores
sensoriais devem usar estruturas celulares especializadas. Estes, também, são
usualmente adaptados de componentes familiares. Vários receptores são células
epiteliais levemente modificadas. Algumas situam os seus sítios de transdução em cílios
modificados, enquanto que outros usam células musculares ou fibras de colagénio para
canalizar forças apropriadas para axónios sensoriais. Muitos são neurónios sozinhos,
axónios muitas vezes apenas nus sem nenhuma especialização visível à microscopia. A
maior parte das células de transdução sensorial (sensores de oxigénio e sabor, mas não
os receptores olfactivos) não possuem o seu próprio axónio para comunicar com o CNS.
Para estas células, o sistema de comunicação de escolha é relativamente padronizado,
sistema de Ca2+-dependente da transmissão sináptica para o neurónio sensorial primário.
QUIMIORRECEPÇÃO
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quimiorrecepção nem se quer requer o sistema nervoso. Organismos unicelulares, como
a bactéria, podem reconhecer e responder às substâncias do seu ambiente. No sentido
mais lato, todas as células no corpo humano são quimiosensitivas e a sinalização
química entre as células é a base para a comunicação interna através do sistema
endócrino e neurotransmissão. Neste capítulo, restringimos-nos à quimiorrecepção
como um sistema sensorial, a interface entre o sistema nervoso e o meio químico
interno e externo.
Os químicos atingem o corpo humano pela ingestão oral ou nasal, contacto com
a pele, inalação e, uma vez lá, eles difundem-se ou são transportados para a superfície
das membranas de células receptoras através de vários fluídos aquosos do corpo (muco,
saliva, lágrimas, fluído cérebroespinal, plasma sanguíneo). O sistema nervosos
monitoriza constantemente esta entrada e saída de químicos com um variado arranjo de
receptores quimiosensoriais. O mais conhecido destes receptores são os órgãos do sabor
(gustação) e cheiro (olfacto). Contudo, a quimiorrecepção é generalizada através do
corpo.. Os quimiorreceptores na pele, membranas mucosas e quimiorreceptores nos
corpos carotídeos avaliam os níveis sanguíneos de O2, CO2 e [H+].
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circuito de processamento de informação pode estar presente dentro do próprio botão
gustativo.
As células do botão gustativo sofrem um ciclo constante de crescimento, morte e
regeneração. Este processo depende da influência do nervo sensorial porque se o nervo
está cortado, o botão gustativo degenera.
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Fig 15-1
Sabores complexos são derivados de uns tipos básicos de receptores do sabor, com
contribuições dos receptores sensoriais do cheiro, temperatura, textura e dor
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A transdução gustativa envolve muitos tipos de sistemas de sinalização molecular
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Fig. 15-3
Sal – O químico com maior sabor a salgado é o NaCl ou o nosso sal de mesa. O sabor
de sal é principalmente o sabor do catião Na+ e a transdução da [Na+] nas células
gustativas é relativamente simples. As células gustativas sensíveis ao sal têm canais
iónicos sensíveis ao Na+ chamados ENaC (Fig 15-3A), comum a muitas células
epiteliais, os quais são bloqueados pela droga amilorido. Estas células podem também
ter um canal catiónico insensível ao amilorido que contribui para a transdução do sal.
Ao contrário do canal de Na+ que gera potenciais de acção em células excitáveis, os
canais gustativo são relativamente insensíveis à voltagem e permanecem abertos em
repouso. Contudo, a transdução de [Na+] numa pequena quantidade de comida é de
algum modo análoga ao comportamento do neurónio durante a fase ascendente de um
potencial de acção. Quando a [Na+] aumenta fora da célula receptora, o gradiente para o
Na+ ao longo da membrana torna-se íngreme, o Na+ difunde-se a favor do seu gradiente
electroquímico (para dentro da célula) e a corrente inward resultante causa a
despolarização da membrana para uma nova voltagem. Os neurónios despolarizam
durante o seu potencial de acção pelo aumento da conduntância ao Na+ para um
gradiente fixo de Na+. Em contraste, as células gustativas sensíveis ao Na+ despolarizam
pelo aumento do gradiente de Na+ numa permeabilidade fixa ao Na+. A despolarização
gradual final da célula gustativa é definida pelo seu receptor potencial.
Aniões podem afectar o sabor do sal pela modulação da capacidade de salgado
do catião. NaCl é mais salgado do que o acetato de sódio, talvez porque quanto maior é
o anião, mais ele inibe a capacidade que o catião tem de salgar.
Azedo – A acidez deve-se aos protões H+. A acidez pode afectar os receptores
gustativos de vários modos (Fig 15-3A). Primeiro, o H+ pode entrar pelo canal iónico
ENaC, o mesmo canal que medeia o sabor salgado. Este influxo de H+ pode ligar e/ou
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abrir canais catiónicos selectivos como os HCN (Hyperpolarization-activated) e canais
sensíveis a ácidos (ASIC). Isto levaria a uma despolarização. Além disso, porque o pH
pode afectar virtualmente todos os processos celulares, é possível que outras pequenas
influências específicas do baixo pH estão envolvidas na transdução do azedo/ácido.
Doce – A doçura é sentida quando moléculas se ligam locais específicos do receptor das
membranas das células gustativas e activam uma cascata de segundos mensageiros (Fig
15-3B). Duas famílias de genes de receptores gustativos – família T1R e família T2R –
parecem contar para a transdução do doce, amargo e unami. Estes receptores gustativos
são GPCRs e todos usam a mesma via básica de segundo mensageiro. No caso da
transdução do doce, o “tastant” (molécula de açucar) liga-se a um receptor gustativo que
consiste num dímero de proteínas T1R2 e T1R3. O receptor activado depois activa
proteínas G que estimulam a fosfolípase C, a qual por seu turno aumenta a produção de
IP3. O IP3 desencadeia a libertação de Ca2+ dos locais de armazenamento internos e o
aumento da [Ca2+]i que depois activa um canal de receptor potencial transitório (TRP),
chamado TRPM5, que é especifico para as células gustativas. TRPM5 é um canal iónico
relativamente não selectivo que despolariza a célula gustativa, desencadeando a
libertação do neurotransmissor para o axónio gustativo primário (Fig 15-3B). O
complexo receptor para o doce – o T1R2/T1R3 - é amplamente sensível a substâncias
que sabem a doce. Verifica-se que as células de sensíveis ao sabor doce não expressam
receptores tanto para o amargo como para o unami.
Aminoácidos – Os aminoácidos são nutrientes cruciais que são vitais como energia e
para a construção de proteínas. Provavelmente como consequência, muitos aminoácidos
sabem bem e outros sabem a amargo. O sabor unami, o qual é bem conhecido pelos
restaurantes chineses, é desencadeado por um mecanismo muito similar ao sabor doce.
O receptor doce é um dímero compreendendo dois membros da família T1R: T1R e
T1R3. Note que os receptores unami e doce partilham o T1R3. O sabor para
aminoácidos parecem depender do T1R1 porque os ratos que não o possuem são
incapazes de descriminar glutamato e outros aminoácidos, embora eles retenham a sua
habilidade para detectar as substâncias doces. O receptor unami activa os mesmos
mecanismos de sinalização que os receptores do doce e amargo fazem: Proteínas G,
PLC, IP3, aumento da [Ca2+]i e a abertura do canal TRPM5. Outra vez, pelo isolamento
de receptores de unami em células gustativas que também não expressam receptores
para o doce e amargo, o SNC consegue distinguir os vários sabores a partir de um outro
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por algum modo conhecendo que célula gustativa se conecta a um axónio gustativo
particular.
A nossa habilidade para cheirar químicos está mais desenvolvida que a nossa
habilidade para os saborearmos. Por estimativa, nos conseguimos cheirar mais de 400
000 substâncias diferentes. Interessantemente, aproximadamente 80% destas
substâncias têm um cheiro pouco apelativo. Tal como o paladar, parece provável que o
olfacto tenha evoluído para servir funções protectoras importantes, tal como avisar-nos
de substâncias prejudiciais. Com a habilidade de discriminarmos tantos cheiros
diferentes, podemos até esperar diferentes mecanismos de transdução, como no sistema
gustativo. De facto, os receptores olfactivos provavelmente usam apenas um mecanismo
de segundo mensageiro. A Fig. 15-4 sumaria a cadeia de eventos que leva a um
potencial de acção no nervo olfactivo (i.e. CN I):
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Passo 6: O fluxo interno de corrente leva à despolarização da membrana e aumento da
[Ca2+]i.
Passo 7: O aumento da[Ca2+]i abre canais de Cl- activados por Ca2+ . A abertura
destes canais produz mais despolarização devido à [Cl- ]i elevada dos receptores
olfactivos neuronais.
Passo 8: Se o potencial dos receptores exceder o limiar de excitabilidade, despoleta
potenciais de acção no corpo celular que viajam ao longo do axónio para o cérebro.
TRANSDUÇÃO VISUAL
O ambiente da maioria das espécies está envolvido por luz (Fig. 15-5). Os animais
desenvolveram vários mecanismos para transduzir e detectar a luz. Os seus cérebros
analisam a informação visual para os ajudar a localizar comida, evitar tornarem-se
presas, encontrar um companheiro, navegar, e reconher objectos distantes. A luz é uma
fonte de informação sobre o mundo extremamente útil porque é praticamente ubíqua e
pode viajar rápido e em longas distâncias em linha recta com pouca dispersão de
energia. O olho do vertebrado, aqui descrito, tem 2 componentes principais: uma parte
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óptica para reunir e focar a luz e para formar uma imagem e uma parte neural (retina)
para converter a imagem óptica num código neuronal.
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superfície limpa (obviamente as câmaras ainda têm de melhorar). A semelhança com as
câmaras acaba quando consideramos a retina, que é definitivamente diferente de
detectores de luz electrónicos.
A figura 15-6A mostra uma secção transversal do olho humano. Um raio de luz
a entrar no olho passa através de vários elementos relativamente transparentes para
atingir a retina; estes elementos incluem uma fina película de lágrimas e depois a
córnea, o humor (líquido orgânico) aquoso, a lente, e finalmente o humor vítreo. As
lágrimas, surpreendentemente, são um líquido complexo, baseado num ultrafiltrado do
plasma. Elas banham a córnea numa camada com menos de 10μm de espessura,
mantêm-na húmida e permitem que o O2 se difunda do ar para as células da córnea. As
lágrimas também contêm lisoenzimas e anti-corpos para combater a infecção, uma
camada oleosa superficial que mostra grande evaporação e previne o derrame nas
margens da pálpebra, e uma camada mucosa fina para humedecer a superfície da córnea
e permitir que as lágrimas se alastrem livremente. As lágrimas também ajudam a libertar
substâncias estranhas. A córnea é um epitélio transportador fino livre de vasos
sanguíneos e com uma estrutura celular especializada para manter a sua transparência
elevada. O epitélio ciliar, parte do corpo ciliar, secreta constantemente humor aquoso,
um ultafiltrado do plasma sanguíneo sem proteínas, para a câmara/espaço posterior do
olho. O humor aquoso passa entre a íris e a superfície anterior da lente e alcança a
câmara anterior através da pupila. Este humor aquoso mantém a porção anterior do
olho com ligeira pressão (20 mm Hg), que ajuda a manter a forma do olho. Os canais de
Schlemm drenam o humor aquoso. Pressão excessiva na câmara anterior produz uma
doença, glaucoma. Na forma mais comum de glaucoma, o bloqueio dos canais de
Schlemm leva a um aumento da pressão intra-ocular. A pressão danifica e destrói
axónios de células ganglionares no disco óptico, onde eles deixam o olho e entram no
nervo óptico. A lente é uma estrutura em forma de cebola com células colunares muito
juntas arranjadas de forma concêntrica e rodeadas por uma cápsula transparente fina e
forte composta por células epiteliais. As células da lente têm uma concentração elevada
de proteínas, alfa-cristalinas, que ajudam a aumentar a densidade da lente e
melhorar o poder de focagem. A câmara posterior, preenchida por uma substância
gelatinosa, o humor vítreo, também é mantida com pressão pela produção de humor
aquoso.
A luz tem de ser focada para gerar uma imagem óptica nítida na retina. Isto é
conseguido pela córnea, e em menor extensão, pela lente. Focar requer que o percurso
da luz seja dobrado, ou refractado. A refracção pode ocorrer quando a luz passa de um
meio no qual viaja relativamente rápido para um meio no qual viaja lentamente, ou
vice-versa. O índice de refracção de uma substância é essencialmente uma medida de
velocidade da luz nela mesma; por exemplo, a luz viaja mais rapidamente no ar (índice
de refracção, 1.0003) do que através da substância densa da córnea (índice de refracção,
1.376). 2 coisas determinam a o quanto um raio de luz é refractado: a diferença dos
índices de refracção dos 2 meios e o ângulo entre a luz incidente e a interface entre os 2
meios. As lentes convexas simples usam superfícies curvas para controlar a refracção
dos raios de luz de forma a estes convergirem (ou focarem) numa superfície distante. O
poder de focagem (D) de uma superfície de uma lente esférica é:
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paralelos que entrem numa lente de 1-D são focados a 1 m, e aqueles que entram numa
de 2-D focam a 0.5 m.
No caso dos olhos, a maioria da focagem ocorre na interface entre o ar e a
superfície anterior da córnea coberta por lágrimas porque é nesta região que a luz
encontra a maior disparidade no índice de refracção, a caminho da retina (Fig. 15-6B).
Com uma variação de 0.376 no índice de refracção e e um raio da curvatura externa de
7.8 mm numa córnea humana típica, o poder de focagem é de 48.2 D. A curvatura da
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ou 14 D. O seu ponto “near”, a distância mais próxima à qual são capazes de focar, é
aproximadamente no final dos seus narizes.
Com a idade, as lentes tornam-se rijas e são menos capazes de arredondar e de
acomodar. Por volta dos 30, o ponto “near” é aproximadamente 10 cm, e por volta dos
40, aumenta para lá do comprimento do braço.
A perda de acomodação com a idade é a
presbiopia ( do grego presbus para “velho” e
ops para olho); é a razão pela qual os óculos
para leitura são inevitáveis em quase todos os
indivíduos com 50 anos ou mais. Falhas
refractárias adicionais podem ser causadas por
um olho que é demasiado longo ou curto para o
seu poder de focagem, ou por aberrações na
superfície refractária do olho A miopia, perda
da visão ao longe, ocorre quando o olho é
demasiado longo; os objectos distantes focam à
frente da retina e parecem turvos (Fig. 15-7B).
A Hipermetropia (hiperopia), perda da visão
ao perto, é uma característica dos olhos muito
curtos, mesmo com as lentes completamente
acomodadas, os objectos próximos focam atrás
da retina e parecem turvos. As pessoas com
miopia podem usar lentes côncavas que movem
o plano de focagem de todas as imagens de
volta à retina. Aquelas com hipermetropia
podem usar lentes convexas que movem o
plano de focagem para a frente. O
astigmatismo é causado por curvaturas
irregulres da superfície refractária do olho.
Como resultado, uma fonte de luz não pode ser
trazido para um foco preciso na retina. A
focagem difusa resultante leva à turvação da
imagem. A maioria das pessoas com visão
astigmática também podem usar lentes para
compensar as propriedades de focagem
aberrantes do olho.
A íris é a estrutura colorida que é visível
através da janela da córnea. O tom da íris é
proveniente de pigmentos das suas células, mas
a sua função é criar e ajustar a abertura redonda
que rodeia- a pupila. A pupila é como a abertura de uma câmara, e a íris é o diafragma
que regula a quantidade de luz que é permitida entrar no olho. A íris tem músculos
esfíncteres, enervados por fibras parassimpáticas pós-ganglionares do gânglio ciliar
(Fig. 15-8; ver também Fig. 14-4), que a permitem contrair (miose). A íris também têm
músculos orientados radialmente, enervados por fibras simpáticas pós.ganglionares do
gânglio cervical superior (ver Figs. 14-4 e 14-12), que a permitem dilatar (midríase). O
tamanho da pupila depende do balanço dos dois inputs autonómicos. A regulação do
tamanho da pupila pelos níveis ambientais de luz denomina-se reflexo pupilar da luz
(Fig. 15-8). A luz incidente na retina estimula fibras do nervo óptico que fazem sinapse
no tronco cerebral no núcleo da comissura posterior. O neurónio seguinte projecta-se
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para os núcleos de Edinger-Westphal nos dois lados do cérebro ( ver Fig. 14-5),
estimulando neurónios parassimpáticos pré-ganglionares que viajam para os 2 gânglios
ciliares. Estes neurónios activam neurónios parassimpáticos pós-ganglionares que
contraem ambas as pupilas. Assim, o controlo das pupilas dos 2 olhos é assegurado: um
aumento na luz para um dos olhos leva a sua pupila a contrair (resposta directa à luz),
mas também provoca uma contracção idêntica no outro olho, mesmo que esse olho
tenha recebido níveis constantes de luz (resposta consensual à luz). As respostas
pupilares servem 2 funções: (1) ajudam a regular a quantidade total de luz que entra no
olho (num intervalo até 16x). e (2) afectam a qualidade da imagem da retina da mesma
forma que a abertura afecta a profundidade de focagem de uma câmara ( uma pupila
com menor diâmetro dá uma
maior profundidade de
focagem).
Outras estruturas
periféricas também são
essenciais para a função
visual adequada. As mais
importantes são os músculos
extra-oculares que controlam
os movimentos do olho e
assim a direcção do olhar,
acompanhamento de
objectos, e a coordenação dos
2 olhos para manter as
imagens da retina alinhadas à
medida que os olhos, cabeça,
e mundo visual se movem. Os
núcleos no tronco cerebral
também controlas estas
funções de
acompanhamento/perseguiçã
o.
A retina é um lençol
muito fino (200μm de
espessura em humanos) de
tecido que reveste a parte
posterior do olho e contém as
células sensíveis à luz, os foto-receptores. Os foto-receptores captam fotões,
convertem a sua energia luminosa em energia química livre, e por fim geram um sinal
sináptico para transmissão a outros neurónios visuais na retina.
A retina é, histologicamente e embriologicamente, parte do SNC. Não só
transduz luz a sinais neuronais, como também desempenha o processamento
notavelmente complexo da informação visual antes de a passar para outras regiões do
cérebro. Para além das células foto-receptoras, a retina apresenta mais 4 tipos de
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neurónios que formam um circuito neural ordenado, mas intrigante (Fig. 15-9). Um
tipo, célula ganglionar, gera o único output da retina ao enviar os seus axónios para o
tálamo através do nervo óptico (CN II). A retina é uma estrutura altamente laminada.
Através de uma evolução rápida, os foto-receptores no olho dos vertebrados estão na
superfície externa da retina, isto é, voltados para o lado contrário do humor vítreo e da
luz incidente. Assim, para alcançar as células transdutoras, a luz tem primeiro de passar
através de todos os neurónios da retina. Este percurso provoca apenas uma distorção
ligeira da qualidade da imagem devida à transparência e baixíssima espessura das
camadas neurais. Este arranjo aparentemente invertido pode mesmo ser uma vantagem
para a manutenção do olho. Os foto-receptores sofrem um processo contínuo de
renovação, separação da membrana dos segmentos externos e reconstrução dos mesmos.
Eles também exigem um fornecimento energético relativamente elevado. Como eles
estão voltados para a parte posterior do olho, os foto-receptores estão próximos do
epitélio pigmentado, que ajuda no processo de renovação, e dos vasos sanguíneos que
irrigam a retina. Estas estruturas pouco transparentes ( i.e., epitélio pigmentado e vasos
sanguíneos) estão assim isolados do percurso da luz. De facto, o epitélio pigmentado
também absorve fotões que não são inicialmente captados pelos foto-receptores, antes
de estes serem reflectidos e degradem a imagem visual.
Cada olho humano tem mais de 100 x 106 foto-receptores mas apenas 1 x 106
células ganglionares, o que implica um nível elevado de convergência de informação à
medida que flui das células transdutoras para as células de output. Parte desta
convergência é mediada por um conjunto de interneurónios ( i.e. células que fazem
conexões sinápticas apenas no interior da retina) denominados células bipolares, que
conectam directamente os foto-receptores e as células ganglionares numa direcção
maioritariamente radial (Fig. 15-9). Os restantes dois tipos de neurónios, células
horizontais e células amácrinas, são interneurónios que se espalha, na sua maioria, de
forma horizontal. As células horizontais sinapsam no interior da camada externa da
retina e interconectam os foto-receptores e células bipolares a si mesmos e entre eles.
As células horizontais medeiam frequentemente interacções numa vasta área da retina.
As células amácrinas sinapsam no interior da camada interna da retina e
interconectam células bipolares e células ganglionares. Os circuitos da retina são muito
mais complexos do que esta imagem aparenta. Uma sugestão desta complexidade é que
os seus 4 principais tipos de neurónios estão por sua vez divididos em pelo menos 10 a
20 subtipos diferentes, cada um com características fisiológicas e morfológicas
diferentes.
A espessura diminuída da retina dos mamíferos tem uma consequência biofísica
interessante. Como as distâncias de sinalização são tão pequenas, os potenciais
sinápticos podem propagar-se eficazmente dentro dos seus neurónios sem ajuda de
potenciais de acção convencionais. A propagação electrotónica de potenciais ao longo
das dendrites é geralmente suficiente. As principais excepções são as células
ganglionares, que usam acções de potencial para propagar a informação visual ao longo
dos seus axónios para o tálamo.
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Existem dois tipos principais de foto-receptores: bastonetes e cones
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reúne luz do centro do nosso olhar (Fig. 15-6). Várias adaptações da fóvea permitem-na
mediar a mais elevada acuidade visual na retina. Os neurónios na camada interna da
retina estão, na verdade, deslocados lateralmente para o lado da fóvea de forma a
minimizar o espalhamento da luz no seu percurso para os receptores. Para além disso,
no interior da fóvea, o rácio de foto-receptores para células ganglionares cai
dramaticamente. A maioria dos receptores da fóvea sinapsam numa única célula bipolar,
que por sua vez sinapsa numa única célula ganglionar (Fig. 15-10A). Como cada célula
ganglionar é devota a uma pequena porção do campo visual, a visão central tem mais
resolução. Por outras palavras, o campo receptivo de uma célula ganglio-foveal (i.e., a
região de espaço de estímulo que a activa) é pequeno. Na periferia, o rácio de receptores
para células ganglionares é elevado (Fig. 15-10B); assim, cada célula ganglionar tem
um largo campo receptivo. O campo receptivo largo reduz a resolução espacial da
porção periférica da retina, mas aumenta a sua sensibilidade porque mais foto-
receptores reúnem luz para uma célula ganglionar. A visão foveal é puramente mediada
por cones, e o lençol de foto-receptores da fóvea consiste apenas em cones mais
pequenos empacotados até à maior densidade ( 0.3μm do centro de um cone ao centro
de outro). A densidade dos cones cai para níveis muito baixos no exterior da fóvea, e a
densidade dos bastonetes aumenta. A visão periférica (i.e., visão não-fóvea, ou visão a
ângulos visuais mais de 10 graus para lá do centro da fóvea e assim do centro do olhar)
é mediada por tanto bastonetes como cones.
Os foto-receptores são células alongadas com terminais sinápticos, segmento
interno, e um segmento externo (Fig. 15-9). Os terminais sinápticos contactam com o
segmento interno por um curto axónio. O segmento interno contém o núcleo e a
maquinaria metabólica; sintetiza os foto-pigmentos e tem uma elevada densidade de
mitocôndrias. O segmento interno também serve uma função óptica- a sua elevada
densidade concentra fotões para o segmento externo. Uma fina vara ciliar conecta o
segmento interno com o segmento externo. O segmento externo é o local de
transdução, embora seja a última parte da célula a “ver” a luz. Estruturalmente, o
segmento externo é um cílio altamente modificado. Cada segmento esterno do bastonete
tem aproximadamente 1000 discos membranares fortemente empacotados, achatados,
que consistem em organelos delimitados por membrana que iniciaram a saída da
membrana celular externa. Os segmentos externos dos cones tem junções membranares
semelhantes, mas estas são invaginações e permanecem contínuas com a membrana
externa. Os discos membranares contém foto-pigmentbastoneteos - a rodopsina nos
bastonetes e moléculas relacionadas com a rodopsina nos cones. A rodopsina move-se
do seu local de síntese no segmento interno através dos discos e para segmento externo
através de pequenas vesículas cujas membranas contém rodopsina incorporada em
discos.
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Os Fotoreceptores Hiperpolarizam em Resposta à Luz
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energia. No pico da resposta, esta diminuição no influxo de Na+ representa ~3% de toda
corrente do escuro da célula. Uma resposta a um único fotão também é muito maior que
o barulho eléctrico de fundo no bastonete, como deve ser para produzir a alta
sensibilidade do bastonete à luz fraca. Os cones também respondem similarmente a um
único fotão, mas eles são inerentemente mais ruidosos e a sua resposta é apenas ~1/50 do
tamanho da resposta no bastonete.
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A Rodopsina é um Receptor associado à Proteína G para a
luz
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A Transducina recebe este nome porque
ela traduz o sinal-activado-pela-luz da
rodopsina numa resposta membranar do
fotorreceptor (Fig. 15-12C). Quando ela é
activada pela pela metarodopsina, a
subunidade α da transducina troca a sua
ligação a uma Guanina Difosfato (GDP) por
um GTP e depois difunde-se pelo plano da
membrana para estimular a fosfodiesterase
que hidroçiza o GMPc a 5’-guanilato
monofosfato.
O GMPc é o segundo mensageiro
difusível que associa os eventos activados
pela luz dos discos achatados a eventos
eléctricos da membrana externa. Fesenko e
os seus colegas mostraram que o canal de
catiões “sensível à luz” dos bastonetes é na
realidade um canal de catiões GMPc-
dependentes. No escuro, uma Guanil
Ciclase Constitutivamente Activa que
sintetiza GMPc de GTP mantém os níveis de
GMPc elevados dentro do citoplasma dos
fotorreceptores. Esta elevada [GMPc]i faz com que os canais de catiões GMPc
dependentes passem muito do seu tempo abertos e é importante para a corrente do
escuro. (Fig. 15-11C) Como a luz estimula a fosfodiesterase e assim diminui a [GMPc] i, Figura 15 - 32 C
a luz reduz o número de canais de catiões GMPc dependentes abertos e assim reduz esta
corrente do escuro. Assim, o fotorreceptor hiperpolariza, a libertação de transmissores
diminui, e um sinal visual é passado ao neurónios retinais.
Uma forte amplificação ocorre ao longo da via de fostotransdução. A absorção de 1
fotão activa 1 molécula de metarrodopsina, que pode activar ~700 moléculas de
transducina em ~100ms. Estas moléculas de transducina activam a fosfodiesterase, que
aumenta o rácio de hidrólise do GMPc cerca de ~100x mais. Um fotão leva à hidrólise
de ~1400 moléculas de GMPc no pico da resposta, reduzindo assim a [GMPc] cerca de
8% no citoplasma em volta do disco activado. Esta diminuição na [GMPc]i fecha ~230
dos 11,000 canais de catiões GMPc dependentes que abrem no escuro. Resultando
assim numa queda de ~2% da corrente do escuro.
Os canais de catiões GMPc dependentes têm propriedades adicionais interessantes.
Eles respondem em milissegundos quando a [GMPc]i aumenta, e não ficam
dessensibilizados em reposta ao GMPc. A curva de concentração-resposta é muito
íngreme a baixas [GMPc]i porque a abertura requer a ligação simultânea de 3 moléculas
de GMPc. Assim, o canal muda o seu comportamento a níveis fisiólogicos de GMPc. A
condutância do ião através do canal também tem uma grande dependência da voltagem
porque o Ca2+ e o Mg2+ bloqueiam fortemente o canal (assim como o permeiam) dentro
de variações de voltagem. Este bloqueio do canal aberto (ver Fig. 7-20D) faz com que a
condutância normal de um único canal fique muito pequena, entre as mais pequenas de
qualquer canal iónico; o canal aberto normalmente tem uma corrente de apenas 3x10-15
amperes (3fA)! A corrente de canais iónicos é inerentemente “barulhenta” à medida que
eles abrem e fecham. No entanto, os 11,000 canais – cada um com uma corrente de 3fA
– conseguem atingir uma corrente de 11,000 x 3fA = 33pA. Em contraste, se 11 canais
– cada com uma corrente de 3pA – carregando uma corrente dark de 33pA, a mudança
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de 2% deste sinal (0.66pA) seria menor que o “barulho” produzido pela abertura e fecho
de um único canal (3pA). Assim, os pequenos canais dão ao fotorreceptor um elevado
rácio sinal-barulho.
A [GMPc]i na célula do fotorreceptor representa um balanço dinâmico entre a
síntese de GMPc pela fosfodiesterase. O Ca2+, que entra através de um canal
relativamente não-selectivo dependente de GMPc, inibe sinergeticamente a guanil
ciclase e estimula a fosfodiesterase. Estas sensibilidades ao Ca2+ despoletam um sistema
de feedback negativo. No escuro, o Ca2+ a entrar impede aumentos da [GMPc]i. Na luz,
a diminuição da [Ca2+] que se seguiu diminui a inibição da guanil ciclase, inibe a
fosfodiesterase, aumenta a [GMPc]i, e assim balança o sistema para a reabertura do
canal.
O processo de terminação do estado activado pela luz da célula fotorreceptora ainda
não foi bem definido como o processo de activação. Um mecanismo parece envolver os
próprios canais. Como descrito no parágrafo anterior, o fecho dos canais dependentes de
GMPc na luz leva a uma queda na [Ca2+]i, que ajuda a reabastecer o GMPc e facilita a
abertura do canal. Dois mecanismos adicionais envolvem as proteínas rodopsina cinase
e a arrestina. A arrestina é uma proteína citosólica abundante, lia-se à rodopsina
fosforilada activada pela luz e ajuda a terminar o estado activado do receptor.
O olho usa uma variedade de mecanismos para se adaptar a uma vasta variedade
de níveis de luz
24
Figura 15 - 13
envolvem múltiplos mecanismos da network neuronal da retina. Os mecanismos dos
fotorreceptores envolvem alguns dos processos que são descritos na secção anterior.
Assim, na luz brilhante do sol, os bastonetes tornam-se ineficazes porque a maior parte
da rodopsina mantém-se inactivada, ou “branqueada” (bleached). Depois de voltar para
a escuridão, os bastonetes regeneram lentamente a rodopsina e voltam a tornar-se
sensíveis. No entanto, um componente do sistema do GMPc também regula a
sensibilidade do fotorreceptor. No escuro, quando a [GMPc]i de base é relativamente
alta, quantidades substanciais de Ca2+ entram através de canais GMPc dependentes. A
elevada [Ca2+] resultante inibe a guanil ciclase e estimula a fosfodiesterase, prevenindo
assim que a [GMPc]i fique muito elevada. Reciprocamente, quando o background dos
níveis de luz estão elevados, este mesmo sistema de feedback faz com que a [GMPc]i de
base se mantenha elevada, para que [GMPc]i possa cair em resposta a mais aumentos
nos níveis de luz. De outra forma, o sistema de transdução de sinal iria tornar-se
saturado. Por outras palavras, o fotorreceptor adapta-se ao background aumentado de
intensidade de luz e mantém-se responsivo a pequenas mudanças. Mecanismos de
adaptação adicional regulam a sensibilidade da rodopsina, guanil ciclase, e dos canais
GMPc dependentes. Claramente, a adaptação envolve uma intrincada rede de interacção
molecular.
A visão a cores depende das diferentes sensibilidades ao espectro dos três tipos de
cones
25
sensibilidade ao espectro para a visão
escotópica é bastante similar ao espectro
de absorção da rodopsina dos bastonetes,
com um pico nos 500nm.
A sensibilidade ao espectro do olho
adaptado à luz depende dos
fotopigmentos nos cones. Os humanos
têm três tipos diferentes de cones, e cada
um expressa um fotopigmento com um
espectro de absorção diferente. Os picos
das suas curvas de absorbância caem
~nos 420, 530 e 560 nm, que
correspondem às regiões do espectro do violeta, verde amarelado e vermelho amarelado Figura 15 – 14 B
(Fig. 15-14B). Os três cones e os seus pigmentos foram historicamente chamados de
azul, verde e vermelho respectivamente. Eles agora são comummente chamados S, M e
L (para curto, médio e longo comprimento de onda). Como a sensibilidade absoluta dos
cones de comprimentos de onda curtos é apenas um décimo dos outros dois cones, a
sensibilidade ao espectro da visão fotópica humana é dominada pelos dois cones de
comprimentos de onda mais longos.
Um cone por si só não codifica o comprimento de onda de um estímulo luminoso.
Se um cone responde a um fotão, ele gera a mesma resposta independentemente do
comprimento de onda do fotão. A Figura 15-14B mostra que cada tipo de pigmento do
cone pode absorver uma vasta gama de comprimentos de onda. O pigmento no cone
absorve mais provavelmente fotões quando o seu comprimento de onda está no seu pico
de absorbância, mas a luz batendo no cone no limite da sua gama de absorbância pode
ainda assim gerar uma grande resposta se a intensidade da luz for suficientemente alta.
Esta propriedade de resposta, univariância, é a razão porque no olho com apenas um
pigmento a funcionar (ex.: visão escotópico usando apenas bastonetes) pode ser apenas
mono cromática. Com um único sistema de pigmentos, a distinção entre diferentes cores
e entre diferentes intensidades é confundida. Dois cones diferentes (como nos macacos
do Novo Mundo), cada um com uma sensibilidade a uma gama de comprimentos de
onda diferente, mas que se sobrepõem, removem muita da ambiguidade na codificação
do comprimento de onda do estímulo luminoso. Com três pigmentos que se sobrepõem
(macacos do Novo Mundo e Humanos), a luz de um único comprimento de onda
estimula cada um dos três cones a diferentes graus, e luz de qualquer outro
comprimento de onda estimula estes cones com um padrão diferente. Como o Sistema
Nervoso consegue comparar a estimulação relativa de três tipos de cones para
descodificar o comprimento de onda, ele também pode distinguir mudanças na
intensidade (luminosidade) da luz através de alterações no comprimento de onda.
As capacidades de cor não são constantes ao longo da retina. O uso de múltiplos
cones não é compatível com a discriminação espacial fina devido “às diferenças
dependentes do comprimento de onda da capacidade do olho de focar a luz” (because of
wavelength-dependent differences in the eye’s ability to focus light) (aberração
cromática) e porque objecto muito pequenos podem estimular apenas “single cones”. A
fóvea tem apenas cones tipo M e L, que limita a sua discrimanação de cor em
comparação com as porções periféricas da retina mas deixa-a melhor adaptada para
discriminar detalhes espaciais finos.
Os 4 pigmentos humanos diferentes têm uma estrutura similar. A presença de retinal
e de mecanismos da sua fotoisomerização são basicamente idênticos em cada um. A
principal diferença é a estrutura primária da proteína ligada, a escotopsina. As
26
escotopsinas M e L partilham 96% dos seus aminoácidos. No entanto, comparação
pareada entre outras escotopsinas mostra apenas 44% ou menos similaridade na
sequência. Aparentemente, as diferentes estruturas de aminoácidos das escotopsinas
afectam a distribuição das suas cargas na região do 11-cis-retinal e muda o seu espectro
de absorbância para dar aos diferentes pigmentos a sua especifidade na sensibilidade ao
espectro.
Correlação Clínica:
Defeitos herdados na Visão a Cores
Defeitos herdados na visão a cores são relativamente comuns, e muitos são causados
por mutações nos genes para os pigmentos visuais. Por exemplo, 8% dos homens
brancos e 1% das mulheres brancas têm algum defeito nos seus pigmentos M ou L
provocado por mutações ligadas ao cromossoma X. Um único pigmento anormal pode
levar a dicromacia (ausência de um pigmento funcional) ou tricomacia anormal (o
espectro de absorção de um pigmento está mudado relativamente ao normal),
frequentemente com uma consequente inabilidade para distinguir certas cores. Jeremy
Nathans e seus colegas descobriram que os homens apenas têm uma única cópia do
gene do pigmento L; mas localizado mesmo a seguir no cromossoma X, eles podem ter
uma a três cópias do gene para o pigmento M. Ele propôs que a recombinação
homóloga podia explicar a duplicação de um gene, perda de um gene, ou produção de
genes híbridos L-M que ocorre na cegueira cor verde-vermelho. Os pigmentos L-M
híbridos têm propriedades do espectro intermédias entre aquelas dos pigmentos
normais, provavelmente porque as suas escotopsinas consistem numa combinação de
traços de dois pigmentos normais.
A perda de dois dos três pigmentos funcionais leva a monocromacia. O número de
pessoas que têm esta verdadeira cegueira a cores é muito pequena, menos de 0.001% da
população.
AUDIÇÃO E EQUILÍBRIO
27
O movimento das células ciliadas ao longo de um eixo provoca o fecho ou a
abertura de canais iónicos
28
Os canais catiónicos são relativamente grandes e não selectivos pois permitem a
passagem de catiões monovalentes (K+, …) e alguns divalentes (Ca2+, …). Em
condições fisiológicas o K+ é responsável por praticamente toda a corrente.
Quando a célula está em repouso – os cílios direccionados para cima – existe uma
pequena corrente de K+ despolarizante para dentro da célula. Uma deflexão positiva dos
cílios (em direcção ao cinocílio) aumenta a permeabilidade dos canais apicais,
aumentando o influxo de K+ e levando, por conseguinte, a despolarização. O K+ depois
deixa a célula através de canais K+ mecanoinsensíveis na membrana basolateral, a favor
do gradiente electroquímico.
Uma defelxão negativa fecha os canais apicais, levando a hiperpolarização.
O canal mecanossensitivo da célula ciliada parece pertencer à família dos canais
TRP (transient receptor potencial).
Uma célula ciliada não é um
neurónio: não tem axónios e a maioria
não gera potenciais de acção. O que
acontece é que, quando há
despolarização, são activados canais
Ca2+ na membrana basolateral que
levam à entrada deste ião. O aumento
da concentração de Ca2+ desencadeia a
libertação de glutamato e aspartato
pelas células vestibulares. Estes
neurotransmissores excitatórios
estimulam o terminal pós-sináptico de
neurónios sensitivos que transmitem a
informação até ao cérebro. Quanto maior a libertação de
neurotransmissor, maior a taxa de potenciais de acção
desencadeados no terminal pós-sináptico.
Nos mamíferos, todas as células ciliadas (vestibulares e
auditivas) encontram-se dentro de um conjunto de tubos
e câmaras designado labirinto membranoso. A porção
vestibular tem 5 estruturas sensitivas: 2 orgãos otolíticos
que detectam a gravidade (a posição da cabeça) e
movimentos lineares da cabeça e 3 órgãos
semicirculares que detectam movimentos de rotação da
cabeça.
A porção auditiva do labirinto é a cóclea que detecta
vibrações (som).
30
Os canais semicirculares detectam a aceleração angular da cabeça
Ouvido externo: a porção exterior mais visível é a aurícula (porção de pele preenchida
por cartilagem) e o trago (pequena extensão do pavilhão). Juntos formam uma espécie
de funil que leva as ondas sonoras até ao canal auditivo externo. Todas estas estruturas
permitem a chegada do som à membrana timpânica. O som faz a membrana timpânica
vibrar.
31
Assim, em vez de o som ser reflectido, é transferido correctamente para os
líquidos do ouvido interno.
Dois pequenos músculos do ouvido médio: tensor timpânico e estapédio, inserem-se
no martelo e no estribo, respectivamente. Estes exercem algum controlo na cadeia de
ossículos e a sua contração serve para amortecer a transferência do som.
Estes músculos são activados quando o som ambiente se eleva, sendo
provavelmente um reflexo protector e também ajudam a suprimir os sons produzidos
por nós próprios (quando mastigamos p.e.) no interior da nossa cabeça.
Quando o estribo se movimenta para o interior todos estes processos vão estar
revertidos: a membrana basilar move-se inferiormente causando uma hiperpolarização
das células ciliadas externas que vão estender-se e acentuar o movimento de descida da
membrana basilar que vai causar um fluxo de endolinfa em direcção ao sulco interno
que vai dobrar os cílios das células ciliadas internas na direcção contrária à do
esterocilio maior causando hiperpolarização e emissão reduzida de neurotransmissores.
34
A cóclea recebe inervação motora e sensitiva pelo nervo auditivo ou coclear, uma
divisão do NC VIII. Os corpos celulares dos neurónios aferentes encontram-se em
gânglios espirais cujas dendrites contactam com as células ciliadas (95% para as
internas).
35
maioritariamente nas células ciliadas externas e a sua estimulação suprime a capacidade
de resposta da cóclea ao som acreditando-se estar envolvida na concentração auditiva
permitindo ignorar sons não desejados – perceber sons mesmo em ambientes
barulhentos. O principal neurotransmissor aferente é a acetilcolina que activa receptores
ionotrópicos de Ach que causam um influxo de Ca2+ que por sua vez leva à activação de
canais de K+ que vão provocar uma hiperpolarização – um potencial pós-sináptico
inibitório (IPSP) – que inibe a electromotilidade das células ciliadas externas e dos
potenciais de acção das aferências dendítricas. Isto permite que o cérebro controle o
sistema de amplificação coclear do ouvido interno.
Os mecanorreceptores na pele
providenciam sensibilidade a estímulos
específicos, tal como vibração e pressão
36
contacto com o meio envolvente. Os 2 tipos principais de pele são: pele com pêlo e pele
glabra (sem pêlo). Pele Glabra: encontra-se nas palmas
da mão, nas pontas dos dedos, na planta do pé e na
superfície inferior dos dedos do pé. Pele com pêlo: a
maioria do corpo; contêm tipos de pêlo muito variados.
Ambos os tipos de pele têm uma membrana externa,
epiderme, e uma membrana interna, derme, e os
receptores sensitivos enervam ambas. Os receptores
cutâneos respondem a vários estímulos: quando a pele é
sujeita a vibração, pressão, picada, carícia ou quandoos
pêlos são puxados ou mexidos.
As terminações sensitivas na pele têm diversas
conformações. O maior e melhor estudado
mecanorreceptor é o corpúsculo de Pacini, que tem cerca
de 2mm por 1mm de diâmetro. Encontra-se no tecido subcutâneo de ambos os tipos de
pele. Tem uma cápsula ovóide com 20 a 70 camas concêntricas de tecido conjuntivo e
uma terminação nervosa no centro. A cápsula é responsável pela natureza de adaptação
rápida das respostas do corpúsculo de Pacini. Quando a cápsula é comprimida a energia
é transferida para a terminação nervosa. A sua membrana é deformada e os canais
mecanossensíveis abrem. O fluxo iónico gera despolarização que se for forte o
suficiente pode gerar um potencial de acção. Contudo as cmadas da cápsula são lisas e
contêm líquido entre elas; se o estímulo mecânico é prolongado as camadas deslizam
umas sobre as outras e a força do estímulo é perdida e o axónio central deixa de ser
comprimido não havendo potencial receptor. Quando a pressão é atenuada/dissipada, os
eventos revertem por si mesmos e o terminal é despolarizado de novo. Assim a
cobertura não neuronal do corpúsculo de Pacini é responsável pela sensibilidade
específica deste para a vibração e faz dele pouco sensível a uma pressão sustentada. A
sensação despertada por este corpúsculo assemelha-se a um zumbido.
Estudos demonstraram que um corpúsculo de Pacini a que foram retiradas as
camadas concêntricas envolventes era muito menos sensível à vibração e muito mais
sensível à pressão sustentada. Assim, o c. de Pacini é um exemplo de sensor de
adaptação rápida, enquanto que uma terminação nervosa descapsulada é um exemplo de
sensor de adaptação lenta.
Existem outros tipos de mecanorreceptores encapsulados, na
derme. Os corpúsculos de Meissner estão
localizados nas cristas da pele glabra e têm um
décimo do tamanho dos c.Pacini. também são
sensores de adaptação rápida. Os corpúsculos de
Ruffini aparentam ser c. Pacini menores e
encontram-se em ambos os tipos de pele, no
tecido subcutâneo; são sensíveis a um tipo
distinto de vibração – tremores – respondendo
melhor a baixas frequências. Discos de Merkel
são sensores de adaptação lenta compostos de
células epiteliais achatadas não-neurais que
sinapsam num terminal nervoso; encontram-se
no bordo entre epiderme e derme da pele glabra.
Os terminais nervosos dos bolbos terminais de Krause aparecem enovelados; enervam
as áreas periféricas da pele seca e membranas mucosas (à volta dos lábios e genitália
externa) e são sensores de resposta rápida.
37
Os campos receptores dos diferentes tipos de receptores cutâneos variam em
muito no tamanho. Os c. Pacini têm campos receptores muito amplos, enquanto os c.
Meissner e discos de Merkel têm campos muito pequenos. Campos receptores pequenos
parecem ser muito importantes no alcance de alta resolução espacial. Esta resolução é
demonstrada pela capacidade de discriminar entre dois pontos de estimulação cutânea
(na pele das pontas dos dedos conseguimos discriminar 2 pontos de estimulação muito
próximos, enquanto que na pele das costas não conseguimos distinguir entre os 2 pontos
de estímulo a menos que estes estejam bastante separados). Esta capacidade de
discriminação táctil depende do tamanho dos campos receptores – quanto menores,
maior é a resolução e essa capacidade – e do
número de receptores presentes.
O pêlo também faz parte do sistema
sensitivo somático. Estes originam-se nos
folículos pilosos que contêm inúmeras
terminações nervosas livres. Estas sentem
movimentos do pêlo, pois consequentemente os
componentes do folículo também de movem de
acordo.
38
são terminações nervosas livres, não especializadas, com axónios pequenos, podendo
ser fibras C desmielinizadas ou fibras Adelta mielinizadas.
A figura seguinte mostra como o potencial
de repouso de cada receptor se altera perante um
estímulo térmico. Os receptores de calor
começam a disparar acima de 30ºC e aumentam
as suas descargas até 44/46ºC, a partir do qual a
taxa de descarga diminui passando a existir uma
sensação de dor, provavelmente desencadeada
por terminações nociceptivas. Os receptores de
frio têm uma resposta muito mais ampla. A sua
descarga aumenta assim que a temperatura desce
abaixo dos 24/28ºC. A taxa descarga continua até
cerca de 10ºC, deixando de ocorrer abaixo deste valo. Nesta situação a sensação de frio
toma a sensação de um anestésico.
Os receptores de frio também possuem uma resposta fásica que lhes permite
reportar alterações na temperatura. Como mostra a figura, quando a temperatura, de
repente, desce de 20,5ºC para 15,2ºC, a taxa de descarga dos receptores aumenta
transitoriamente, adquirindo uma novo estado de repouso; contudo este estado é menor
do que o anterior. Se a temperatura muda, de repente, de 35ºC para 31,5ºC a taxa de
descarga aumenta transitoriamente e o nível de repouso é maior.
A transdução de temperaturas relativamente quentes é desencadeada por vários
tipos de canais TRPV (do 1 ao 4). O TRPV1 é um receptor de vanilóides – activado
pela classe de compostos vanilóides, da qual faz parte a capsaicina o composto que dá
aos alimentos picanyes a sua sensação de calor. As malaguetas sabem a picante (quente)
porque tem componentes que activam canais iónicos que o próprio calor activa. Os
canais TRPV1 têm um limiar de temperatura bastante alto (43ºC) e assim ajudam a
desencadear alguns dos aspectos dolorosos da termorrecepção. Outros canais TRPV têm
limiares mais baixos estando mais envolvidos em sensação de calor.
O canal TRPM8 medeia sensação de relativo frio. Estes canais iniciam a sua
actividade a temperaturas abaixo dos 27ºC e são activadas no máximo até aos 8ºC. É um
receptor de mentol.
39
canais TRPV1 e 2) ou muito baixas (canais TRPA1 e TRPM8), passíveis de causar
dano. Nociceptores quimicamente sensíveis sentem alterações nos níveis de certos
agentes, como K+, pH extremo, substâncias neuroactivas como a histamina ou
bradicinina e alguns irritantes exógenos. Nociceptores polimodais são terminações
nervosas únicas sensíveis a um conjunto de estímulos mecânicos, térmicos e químicos.
Os axónios nociceptivos incluem fibras Adelta rápidas – sensação de dor aguda e
intensa – e fibras lentas amielínicas C – dor tipo queimadura.
Os nociceptores são terminações nervosas livres que se distribuem intensamente
pelo corpo – pele, osso, músculo, vísceras, vasos e coração. Não estão presentes no
cérebro, apesar de se encontrarem nas meninges.
A sensação de dor pode ser modulada. A pele, articulações ou músculos que
foram danificados ou sofrem inflamação geralmente são sensíveis a estímulo posterior.
Este fenómeno chama-se hiperalgesia, manifestando-se como menor limiar para
sensação de dor (aumento do estímulo doloroso). Hiperalgesia primária ocorre em
áreas de tecido danificado; após 20 minutos da lesão, o tecido envolvente pode tornar-se
hipersensível por um processo chamado hiperalgesia secundária. Este fenómeno
envolve processos perto dos receptores periféricos e mecanismos do SNC. A pele
danificada liberta um conjunto de substâncias através das suas próprias células, células
do sangue e das terminações nervosas – bradicinina, PGs, serotonina, subs P, K+, H+ -
estas disparam um conjunto de respostas locais conhecidas por inflamação. O resultado
é o aumento do calibre vascular, causando edema e vermelhidão. Os mastócitos libertam
histamina que actua nos nociceptores. Através do reflexo axonal os potenciais de acção
podem propagar-se ao longo de axónios nociceptivos desde o local de lesão até ramos
vizinhos do mesmo axónio que inervam regiões da pele distintas. Este fenómeno pode
tornar certos nociceptores sensíveis a certos estímulos não-dolorosos (o toque pode ser
sentido como dor, quando antes não o era). Só depois desta sensibilização é que eles se
tornam responsivos a estímulo mecânico e químico e contribuem para a hiperalgesia.
A sensação cognitiva de dor está muito dependente do cérebro. Por vezes os
nociceptores podem ter altas taxas de descarga sem que a consciência de dor exista,
enquanto que noutras situações a dor é excruciante sem que os nociceptores estejam a
disparar. A dor pode ser modulada por input sensitivo não-doloroso e por actividade
nervosa de vários núcleos cerebrais. Por exemplo, a dor desencadeada por actividade
dos nociceptores (fibras Adelta e C) pode ser atenuada por actividade simultânea dos
mecanorreceptores de baixo limiar (fibras Aα e Aβ); este fenómeno é uma experiência
familiar – algum do desconforto da dor por queimadura, corte ou contusão pode ser
aliviado por massagem suave da região. Sugere-se que este fenómeno pode ser resultado
de um ‘gating’ por parte das vias mecanossensíveis, na transmissão da sensação de dor
ao cérebro.
Outro mecanismo de modulação da sensação dolorosa envolve os pequenos
péptidos, endorfinas. Uma classe de drogas, opióides (morfina, heroína), actua ligando-
se a receptores de opióides no cérebro, sendo que ele mesmo sintetiza as suas próprias
substâncias ‘endogenous morphine-like’.
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Os fusos musculares sentem alterações no comprimento das fibras musculares
esqueléticas, enquanto órgãos tendinosos de Golgi medem a força muscular
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