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Sumário cuR1NGA 47

CARTAS NA MESA
1O O mestre, não todo
Fernanda Otoni Brisset

INTERNACIONAL
18 Há apenas isso: o laço social
Christiane Alberti

O AVESSO DO MESTRE CONTEMPORÂNEO:


CLÍNICA LACANIANA
30 O mito individual da psicose
Antônio Beneti

40 "Eurídice duas vezes perdida"


Elisa Alvarenga

47 Transferência e acontecimento de corpo: suposto-saber-ler de outra forma


Jésus Santiago

61 O sintoma e o lugar da fala na psicanálise


Laura Rubião

67 O inconsciente à flor da pele, ou a carne das palavras


Lucíola Freitas de Macedo ,
76 Efh0s trolling, fake news e capitalismo
Maria Rita Guimarães
82
O mestre contemporâneo e o analista
RamMandil
90
ln~er~retação: a heresia do analista
Serg10 Laia
106
Como conceber a transfer~ . . .
Simone Souto encia na chmca do Um que dialoga sozinho?
EXTI MIDADES
120 Entrevista com João Moreira Salles

142 Três figuras do mestre grego antigo


Teodoro Rennó Assunção

SUPERVISÃO: EFEITOS DE FORMAÇÃO


158 O que a experiência da supervisão me ensina?
Fernanda Otoni Brisset

167 O que a experiência da supervisão me ensina?


Helenice de Castro

RESSONÂNCIAS DO PASSE
176 Crer no sintoma
Fernando Vitale

185 A iteração do 5 1 na solução do final de análise: comentário ao Passe de


Fernando Vitale
Ana Lydia Santiago

RADAR
194 Momentos de crise
Gil Caroz

• _ • 1:rt zs: :ct r e ;c;;o:; :iti&X rtwC: :teslAnr 1t M1


O mestre, não todo

Fernanda Otoni The master.,


Brisset notai/
Psicóloga, analista praticante, membro da
EBP e da AMP.
Psychologist, practicing analyst, EBP I AMP
member.
E-mail: fernanda.otonibb@gmail .com

RESUMO ABSTRACT
Se o falo e o Nome-do-pai não estão mais ao Ij the phallus and the name ef thefath er are no
centro, o mestre também se desloca: não é longer in the center, the master also moves: it is
mais o mesmo e nem opera mais do mesmo no longer the sarne and no longer operatesfrom
lugar. Quais são as consequências desse the sarne place. What are the consequences ef this
descentramento na clínica e no laço social? decentering in the clinic and in the social bond?
Palavras-chave: Discurso do mestre. Keywords: Master 's discourse. Phallocentric
Ordem falocêntrica . Não todo. Feminização ef
arder. Not all. Feminization the world.Joy.
do mundo. Alegria.

1
Para ler as cartas na mesa da noss .d
a comum ade analíti t
leitura o trabalho que realizamos XX ca , tomei como lupa de
para a II Jornad d E l
Psicanálise, Seção Minas Gerais _ "O . . as ª sco a Brasileira de
mconsc1ente e o Me tr
o que . ode a transferência?" _ b ~ s ~~~ temr:orâneo:
""fll:!~ ~ - ::.J(--•-- - . . em como o trabalho ru E •· ,. . -
eiro, realizado em novembro no Rio de J . " mo ao ncontro Brasi-
' ane1ro - A 9.~eda do f; l . "
Para imcio de conversa torna-se c . l d· . - . - ~ oc~.lsmq .
' ruc1a Istingu1rmos l
equivale à queda do falo , mas indica que t _ , . que ta queda não t
. es e nao está mais ao ce tr 0
à amarração /montagem subjetiva do f; l " n .....?...-~
.._ . - a ass_ei: cqp._!~p_oraneo. A d
~narcal petde sua centralidade e esse desl d l' 4:- ,_, or -ef!!....Ba-

,. ~ ._ ' .
. ~
do. Se o falo e o Nome-do-pai nao estão · -r•--,, ·-
ocamento, e_c 1~10, mudou o mun-
mais ao centro, o mestre também se
2 esloca: nao e mais o mesmo e nem opera m · d - 1- . ~ •
" . • - ._ -~.s _ Q_~e§!P-9 ~u~. Quais sao as ,
consequenc1as desse descentramento na clinica e no laço social? fiD,
O PAS·TOUT É PARTOUT! -<

A feminização do mundo participa da mutação da ordem das coisas. Os mo-


dos de enlace e desenlace entre o discurso do mestre e o não-todo, na atuali-
dade, estão em questão. Jésus Santiago, referindo-se a Jacques-Alain Miller,
ressaltou, com precisão, qu~ ~jiscurso civilizatório não mais se orienta pelo
~.!._Str~ e assume ~ ~da vez_mai~ o catltet_e,}'l~,Éfiguraçâociõêfisêur so anâü-
Ê CO~ UjQ agente é !) ~'g.", engu<l;Il_!~ ~
et<1S~.!!s~ 2? ?~!iº·
Isso nos remete
imediatamente ao que Miller (2016) anotou na quarta capa do Seminário O
, ..... """ ""t

desejo e sua interpretação: .:!:!_m outro discurso está em via de _stp~a~ o ...
~~él_!l,!!g_,9. A inova~ão n? lugar <}aJr.aªqi~ão: Mais q.u~ a hierargui~'1.a rede.;. O atra- \
(~ _!ivo d~ futuro leva a v~ntagem sobre o peso do passado. O fe~ inino.~gtª;! (
\:) dianteira sobre o viril."
-. Isto é um fato! O gozo feminino toma a dianteira e sua ação coloca em rele- ""' J
vo a perturbação ativa e inarticulável, o transtorno que se agita no interior do 1
funcionamento do mestre. Tal gozo interpela e provoca o mestre contempora- "

neo, pois é ao nível da pulsão que uma disrupção se verifica, não-toda ar~cu-
lada, ~ conect~L1P~t~.pJ....da maestr~ d~~arp~rr ada !ª
ordem das cmsas,
_for_! dâ ki.~qr su_a_,c entra}ida~ ~isper~~' sem ~orda dar~, sem enqu~dramento.
E a clínica testemunha mais ainda, sua força tamanha, em nossos dias.
.. - · : d d d gozo desgarrado do Nome-do -
Ver1ficamos a eclosao a vonta e o puro
-paí que ganha o infinito, "pro1•c 11era no escurO
e multiplica-se co1no um en-
"
. ( 20 l 8 181) declara: o mestre
xamc». Ao seguir essa trilha, Simone Souto , P·
\
não é mais o mesmo..sle_s<,; t<:~ou T~-9.,m; ~~~ evi~~~e.'..~ !':..~~Co
~ ;;..;.;_..--...m ~~~dida ainda mais inatacavel . .
e nesta mesrpa ,.. ,,.....2..-..~~~ ,,. É. L (2018
..J-- a& 4 a• 1 · ·· guindo a entrevista com nc aurent ) dirigid
Como exemp o, se . . , . a
rasileiro vimos que um dos efeitos do dechnio da Iógic
ao XXII Encontro B ' ' ·ª
. al e I e"ntrica se verifica quando, no vacuo de sua queda, e!!lg~a0
r l..::) patr1arc ' ia oc

_--.·-~
um a aesme ~ d~ , 1·mperativo
l1<1.o,
'
gozo de v':~~ ~'?J ~tro, recuf:'.~1:~~-! ~~ça i,11sana, fora do -~~1!!,UJn~ m
. . , sem
...,, ->. hm1tes
.
, visando,. sem ponderaçao
-... , , - .· . . '
restau-
i ..............- " " - :..... ~ 'i"·d· m c -· · ~servá-la. Dito de outra maneira: no vácuo da q<Ü~dàd
.' rara anuga o~ e-~ 0 . a
, ~ - ,y
Pv- or<1.em pa 1arca , tr' 1 esse Um eclode
~-- como um falo absoluto : consistente ,. irre _
r" dutível sem dialética! Ta radicalização empunha suas armas segundo a lógica
de um~ ordem triunfante, fazendo surgir ícones obstinados, paradigmatica-
mente bizarros e birutamente falocentrados, l~van5!.<2_ _<i:d ~~!!!~!adicalidade
. . . ...,.....~~

, ~ de uma ordem .totalitária, extrema, seja qual for seu viés ideológic~ ma
~'f ..?rdem que irrompe fora do ordinário, nutrida _por_~!?:5!_~es~ai:1'ilhada
· qu~ prolifera no interior d~~sc~~~~~-
t Por outro lado, a irru ção de uma outra força, o ~~~~~ , !1~º_sede,
/j trans orda e interro a o mestre e se ~~~ dis- ~<;..
~ -~ curs ·stérico ara dar um~,a~~~~....~--~-~~~!~5ia
_t? à imposição e uma ordem falocentrada, ou seja, a todo e qualquer movi-
-~ ,e:;t;tt8Msº J"'"X ■-P f _.a;r + Tt ,rse:s ~ ___,

mento de restauração da antiga ordem das coisas, como vimos acontecer,


re~e;;t-;;m; nt .e, c~~-"in~;~~tÕ#~Íe~ó7 u ~ ; : o ; i ;o~rnênt ~Ín-
. _,..<_"""-__ ~~

puls1onados por esse outro lado da força mostram o quão estão vivas e ope-
rantes outras formas subjetivas de enodamento desse gozo infinito, mais do
tipo de uma amarração singular do que de uma ordem universal falocentrada.
Tais acontecimentos, lidos a partir do que nos faz saber o ensino do sintoma
em n l' · 'd' d
f!) é ::~a e ~ca co~1 i~a, ~~s esclarece~ -9.';e a s~!1çr~ ª ~ª ,º; i~J~s:::_ a
~
e _p 0 .0 VIra ~os sigru?:,!1!,~es da tradição, mas sim da força do não t~cto que
subverte o discurso "'f
~ ~-- . .
t - - - -.._,,_ ....o t ' J ' - • " " ' " ' " ~
<1.0 mes re .

. O que·hoje ~stâ. ém êvi.dência, de forma esclarecedora, é o que bem antes


n disse, Lacan (2009 ' P· 64) , em 1971 : "Não existe universal da mulher. E' isso
tJ
·
O que e levantado por um questionamento
·
do falo, quanto ao que se passa co
m
11 0
~ gozo que ele constitui,· visto
·
'i que eu disse que era o gozo feminino. "O qu e
j c~bnecta com a fala de Éric Laurent (2018) : "Não é mais do lado esquerdo da
~ tá ua da sexuação h · , Id
\. que 0 Je O gozo e interrogado" é mais ainda do outro ª 0
que o gozo se mexe e P . . ' . d 1 o
. . rova sua intensidade e sua potência criativa e aç
soc1a1' ainda que n ~ d
- - - - -- !J.m.s • ao?cesse e não se escrever.
i1 11'L.4Cf....,.,._
A XXII Jornada da EBP-MG pôde verifi _ . _
, , . . car seJa no que nao cede como ir-
redutível no caso singular ou nas soluções qu d
., . . e se engen ram numa ordem po-
htica mais ampla - como a operação analítica disso · · ..
. __,_~- ~- - -----~;------ - .:e.~rt!:,cipa, .e:rmitindo-nos ~.
ler ao avesso o mestre contell!Roraneo ao favore l' · d ':'- · ... . ,. . ·
_. · ' • "' ·- - - .. "' - - - -... __,-..S,e,r a E2__!,!ica o smtoma! *,
Nao
. _ por acaso, durante essa Jornada , o feminino t ornou ~ a d.ianteira
. com rl~
_precisao e _graça, garra e finesse ..~~t,~;9g_'!,1:.<? 1;1estre ~,; nossos dias. ~

NOSSA RESPONSABILIDADE!

Lembrei-me de Christiane Alberti ( 2018), nossa convidada nessa Jornada:


"uma análise caminha para desativar tudo que obscurece o sujeito em sua vida
pessoal e social, as tendências mais mortíferas e deletérias que descobrimos
em nós, como mais fortes que nós." E se assim o faz é para ativar, ao nível do
que se experimenta no corpo, o instante furtivo, contingente, fora do sentido
ordinário, em 9~~ ª~ss~J'~~x~!!s:~.2!~.!~..~o~ , um esclarecimento, uma ~
alegria inusitada, um gay savoir ... Afinal, é ao nível do funcionamento que ~
o discurso analítico mostra-se com;~ ; x~t~~;;~~·;r;;~~rso J.d ~~;;e-:- ~
1

Ad~~tr~;ªnas 'á~X::d~~'pe:-iê~i;;;;arr~~~r: ctat'p~~~;n; ;t~ali<Taae é


nossa responsabilidade, pois se trabalhamos, em nossos consultórios ou nas
instituições, para que a solução do Um possa se engendrar junto a mais alguns
outros, é por sabermos que "só há isso: o laço social", tal como nos falou
Christiane Alberti (2018), !;_~ sua. conferê~cia, eois ,~ :es~~~!-1~!.wª?,.P.,r~o-
f
y~r ~ l~2!1"~~~ij13u~ a!a!!f: ~:'s?e~.?,Eº~!~i~o". A prática analítica é também
uma prática política que, na solidão de seu ofício, contribui, como bem disse
Lacan (1972), em Milão, para que o "exercício do discurs~ dc!}!.!.~!t:"~ -~~a
menos idiota". Ao ativar o que seg:e irredutível a favor de uma subversão
2
p~~sí~~l, favci'rece que isto que não tem governo, nem nunca terá, em parte
se desloque das ª ~1!~~.P::!"~-~ ~ P.ar~e--e~.~~-: .s?~u~ ~ ~
mátiqli..ª9~~t-ticu~,ingover~áY~l .R- p m ~.. fér,T;1!~1:2.~s~i:,a.~!? _t~ ~}-. :~ingu ar.
>Ir~ .,. .
E a aposta analítica!
, d idade uma última carta 1an-
Para encerrar entrego a mesa e nossa comun
' ~ M
i ._r -do
· S~11es, d'ret w x ~• •o --No
-rloçµw~u.~rj
0
çada em nossa Jornada por Joao oreira
d b t d ante as duas horas que nos
11111!
intenso aP"ora. Ele aportou ao nosso e a e, ur
•. • -u · alr:v &aw » •~ . d aio de 68 atravessado pela
concedeu, sua leitura dos acontecimentos e m \ .
. t u sua viagem a China, naquele
lente de sua mãe quando fil 1 mou e regis ro . .
. . 1 ~ Íntima entre a 1ntens1dade e a
instante ... As imagens guardam urna re açao
fugacidade . . . Do filme, eu guardara uma pergunta cortante : "Com_.o.J~r
_para não per_d er a_alegria, mesmo.. tJ nd<?. p~!_?.id_? os ideais e o sen~do?" A
afinidade dessa questão com a causa analítica nos faz levá-la adiante atrav~ do :
manejo, delicado e preciso, que t_e ~por~fi~ _~ubverter a iteração do mestre ,
contemporâneo. Oito de outra forma: nestes tempos sombrios, na 1i_r~s:ão ck>
tratamento d~ c~da caso, se fazemos falar é pa~a não calar o que pode .é!_~ c~-
.n~lís~, a transfer~ê~cia, q;anêfõ,·io..nã~
: .e~er à melancolia faz ativar, de~de e~~e
furo de sentido, alguma al~gria de ~iver ! ! ! ,. - -
~ -
E aqui estamos!

NOTA

1
Foi na condição de Diretora da EBP-MG que a editora da revista, Laura Rubião, convi-
dou-me a ler as cartas sobre a mesa da nossa comunidade analítica, no momento atual.
É o último número da Curinga editado sob a sua orientação, ocasião em que aproveito
para deixar o registro da minha alegria em ter acompanhado durante esses dois anos
o rigor do trabalho realizado por Laura e sua equipe, que soube articular com fineza e
talento incontornáveis, a precisão com que a atualidade da clínica se mostra enlaçada às
questões de sociedade. Merci beaucoup!

REFERÊNCIAS

ALBERT!, C. Conferência proferida durante a XXII Jornada da EBP-MG, em outubro


de 2018 . Publicada neste número às páginas 18-27.
LACAN , J· O semmano,
· ' · 1·ivro 18 : De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2009.

LACAN
., ' J. Conferência
. de M·1~
i ao em 12 d e maio
· d e 1972. Discurso
· ·
publicado em obra
bilingue: Lacan m ltalia 1953-1978 e ltalie Lacan, La Salamandra, 1978.
LAURENT, É. As eleições no B ·1 E . .
rasi • ntrevista realizada por Fernanda Otoni Brisset,
em 3 de outubro de 2018 p • D· ,
, em ans. isponivel em: https: / /youtu.be/uY2Jtl 233Rs
MILLER, J. -A . Texto de contrac I . LAC . ' . .
. _ . apa. n . AN, J. O semmarw, hvro 6 : O desejo e sua
mterpretaçao . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed ., 2016 _

SOUTO, S. O Inconsciente e o Mestre e . A


. . ontemporaneo: o que pode a transferência? .
Curm9a, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise - Se ão M. . .-
zontc, n. 45, 2018 . p. 180 _ _
189
_ç 1nas Gerais, Belo Hon

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