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A questão da Mundialização do Capital

Aula
A CRISE DO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO

META
Analisar a partir de uma determinada perspectiva teórica a dinâmica atual da crise
do capitalismo contemporânea e seus elementos intrínsecos que operam no
aprofundamento do mesmo;
enfocar a impossibilidade de aplicar receitas econômicas anteriores para tentar
superar a crise, por ela apresentar estrutural, universal e de certa forma depressiva.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
o aluno tentar entender a complexidade do capitalismo de nossos dias a partir de
uma abordagem crítica, dominando algumas categorias como “capital”, “crise
estrutural”, “sistema metabólico do capital”, etc. o tema, por ser instigante, poderá
contribuir para futuras leituras do aluno de um tema que certamente um futuro
professor de Geografia poderá apropriar do assunto.

PRÉ-REQUISITOS
O tema da aula 03 por ter analisado o que vem a ser “mundialização do capital” e
seus contornos a partir da “vitória” do neoliberalismo com a derrubada do muro de
Berlim em 1989.

(Fonte: http://www.flickr.com)
Geografia Econômica

INTRODUÇÃO

Todos nós sabemos que o sistema de produção que vivemos é marca-


do pelo domínio do capitalismo. É um sistema que compreende um perí-
odo histórico bem curto em relação à história da humanidade, apenas
pouco mais de 400 anos. Apesar disso foi o sistema mais revolucionário
se comparado aos sistemas anteriores (antigo, feudal, etc.), por transfor-
mar radicalmente a produção de bens e serviços, com a relevante contri-
buição do progresso tecnológico, da formação dos Estados Nacionais (po-
demos dizer, países) e da criação de diversas classes sociais, sendo uma
dominadora, formada por uma minoria poderosa politicamente e
enriquecida economicamente.
Entretanto, esse sistema que transforma tudo em mercadoria (ou seja,
para comprar e vender) teve e tem seu preço: a existência de crises cíclicas.
Se colocarmos em toda sua história, as crises sempre fizeram parte do
sistema capitalista, porém uma foi marcante: a crise de 1929.
Todos nós conhecemos que a crise de 1929 teve como marco simbólico
a “queda da bolsa de valores de Nova York”. Mas o aluno deve entender que
a crise não foi só a queda da bolsa, mas o próprio sistema capitalista como um
todo, e nisso devemos saber: a crise de
1929 foi à crise do liberalismo. O libera-
lismo tem como uma de suas carac-
terísticas a liberdade de mercado, a fragi-
lidade do Estado e a valorização do
individuo do que a valorização da coletivi-
dade, e tudo foi por água abaixo. A
resposta foi a receita keynesiana (expres-
são tirada do nome do economista inglês,
Jonh Maynard Keynes), que constituiu
na presença do Estado como princi-
pal elemento de intervenção na eco-
nomia para a superação e na criação
de milhões de empregos. A receita
naquele momento deu certo.
Bolsa de valores é o mercado organizado onde se negociam ações de
empresas de capital aberto (públicas ou privadas) e outros instrumentos O problema é agora e isso o alu-
financeiros como opções e debêntures. Embora existam entidades que só no deve estar atento. A crise que vive-
operam com pregão eletrônico (como a norte-americana Nasdaq), em sua
maioria as bolsas de valores dispõem de um pregão físico, onde são reali-
mos hoje merece ser entendida como a crise
zadas as negociações. As bolsas têm o dever de repassar aos investidores mais profunda do que a crise de 1929. E
(através de revistas, boletins e meios eletrônicos) informações sobre seus a presente aula é uma tentativa de
negócios diários, comunicados relevantes de empresas abertas, dados de
mercado e tudo o mais que contribua para a transparência das operações. entender, sendo uma questão
(fonte: http://www.flickr.com.). preocupante, onde esta o futuro da
humanidade.

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A crise do capitalismo contemporâneo Aula

CAPITALISMO E CAPITAL 4
Uma primeira questão: capitalismo e capital são duas coisas diferen-
tes. Capitalismo é um sistema histórico de produção que fortalece o capi-
tal (e não o trabalho) e se caracteriza pela infinita expansão e necessária
acumulação, onde os que controlam o sistema ficam com a maior parte do
bolo. Capital é uma categoria mais antiga que o capitalismo e opera mais
como uma necessidade fundamental de circulação da riqueza, de
entesouramento ou até mesmo de investimento. O problema é que no
capitalismo o capital toma outra dimensão. Ele é fundamental para pro-
duzir riquezas, mas tem como finalidade acumular, gerando também pro-
blemas sociais na medida em que o capital facilita a produção de mercadorias
não para atender necessidades humanas e sociais, mas para atender ele próprio:
para a acumulação e expansão. Vamos a um exemplo.
Um vendedor de flores vende esse produto não é porque ele morre de
amores pelas flores ou que tenha uma visão romântica da realidade, mas
porque ele quer fazer dinheiro e ter lucro. Quando chega os dias dos namo-
rados, o vendedor de flores pouco ta lixando se você está ou não apaixona-
do, isso é problema seu. O que ele quer saber é vender flores e não importa
para quem você está enviando. Você pode até enviar flores para o Diabo, o
vendedor não se importa, apenas agradece sua compra (“obrigado pela pre-
ferência”). Isto é capitalismo. O que vale é o valor da mercadoria não sua necessidade.
Para completar essa analise conceitual, adicionamos a categoria “sis-
tema metabólico do capital”, por sinal bem diferente do que conhecemos
como “sistema capitalista” ou “sistema econômico”. O conceito de me-
tabolismo dar uma idéia de movimento, processo, contradição e princi-
palmente energia social e econômica, onde a característica principal é a
realização do próprio capital.
Nesse enfoque, sistema metabólico do capital tem como principal
lastro da formação do tripé capital, trabalho e Estado. E as mudanças estru-
turais ai decorrentes pode alterar o sistema metabólico, podendo ser até
mesmo outro sistema além do capital. No capitalismo, o capital tem a pro-
teção do Estado e submete o trabalho para realizar a acumulação. O lado
do tripé mais fortalecido é do capital. Já no sistema metabólico socialista,
é evidente que o trabalho tem mais força que os demais lados do tripé.
O exemplo do fracasso socialista da União Soviética e dos demais
países socialistas deu-se em função justamente de não ter alterado o tripé
do sociometabolismo. A simples extinção da propriedade privada não foi
suficiente para realizar o sonho socialista. A manutenção de um Estado
burocrático, autoritário e da formação de uma nova classe dominante,
contribuiu para seu fracasso. Ou seja, alterou-se o lado do tripé do traba-
lho e do capital, mas manteve o Estado. Daí deu no que deu, o sistema foi
reduzido a cinzas em poucos anos.

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Geografia Econômica

ANTECEDENTES DA CRISE ATUAL: A CRISE


ESTRUTURAL DO CAPITAL

Depois disso, vamos ao assunto da aula: porque no capitalismo exis-


tem sempre crises? Simples responder: como é um sistema que se realiza
apenas para produzir riquezas e não necessidades humanas e sociais, é
natural que as crises tem que aparecer. Ou seja, se esse sistema produz
milhões de desempregados e assim mesmo existe crescimento econômi-
co, o que importa é o crescimento. O problema é que o excesso de desem-
pregados poderá contribuir na diminuição das vendas ou até mesmo no
aumento da violência, sem contar também os danos da corrupção políti-
ca, do parasitismo do sistema financeiro, etc. E como podemos chegar a
um quadro forte na “queda nas vendas”, porque a população esta sem
emprego ou recebem péssimos salários, é evidente que a crise aparece.
Como já colocamos na parte da introdução, as crises são comuns no
capitalismo. Mas sempre houve solução para a superação dessas crises,
como foi o caso da crise de 1929. O problema é que estamos chegando a um
limite de crise insustentável, e que autores mais críticos do sistema capitalista
como István Mészáros (2009) chama de crise estrutural do capital. Toda a
nossa aula esta baseada, em linhas gerais, através do pensamento desse
estudioso contemporâneo e um dos que mais apresentam maior profundi-
dade teórica e contundência em suas abordagens sobre o sistema do capi-
tal dos nossos dias.
Para esse estudioso húngaro, o capitalismo de nossos dias é bem dife-
rente do capitalismo de poucas décadas atrás, e a marca é a crise permanente
do capital. O marco divisório deu-se em 1973 a partir da crise do petróleo,
onde a fase de crescimento “dourado” do capitalismo depois do final da segun-
da guerra mundial acabou! De lá para cá foi crise em cima de crise. Podemos
enumerar várias: segundo choque do petróleo em 1979, a crise financeira
mexicana em 1982 e brasileira em 1983, as crises financeiras dos anos 90
(México, Brasil, Coréia do Sul, Argentina, Rússia, etc.), a crise do 11 de
Setembro e finalmente a crise de 2008.
O que vem a ser crise estrutural do capital?
São duas expressões que o aluno deve diferenciar para entender o
fenômeno da crise. A primeira denominamos de crise conjuntural e a segun-
da de crise estrutural. Crise conjuntural é a crise periódica, breve e tempo-
ral, podendo ser superada a partir de determinadas medidas econômicas
paliativas, como o aumento do crédito (ou seja, colocar dinheiro para
investimentos, etc.) e a criação de empregos. Isso foi comum na história
do capitalismo, desde seu nascedouro. Conjuntura significa fato momen-
tâneo, o agora, fato de curto prazo.
Já crise estrutural tem uma amplitude histórica. A sua principal ca-
racterística é a continuidade sem fim da crise, e pior, do aprofundamento

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A crise do capitalismo contemporâneo Aula

de problemas cada vez mais insuperáveis. Assim, a crise do capitalismo


de nossos dias é estrutural porque ela se prolonga desde os meados dos
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anos 70 do século passado, não superando mais para uma fase de prospe-
ridade. E por que dizemos isso? Basta observar dois fatos comuns nas
últimas décadas: o lento crescimento econômico dos países mais ricos, todos em
um verdadeiro passo de tartaruga. O outro fato seria o aumento do desempre-
go, não apenas em função da adesão de recursos tecnológicos no processo
de produção e que substituem mão-de-obra, mas da incapacidade como
um todo do sistema gerar emprego, principalmente empregos decentes e
bem pagos. Os empregos que são criados hoje em dia, são empregos pre-
cários e de baixos salários.
E para entender os elementos da crise estrutural do capital de nossos
dias, a Geografia Econômica deve aprofundar essa questão na medida
em que o rebatimento dessa crise acontece em todos os cantos do mundo
e não apenas em algumas partes do planeta, sendo ela universal, perversa
e socialmente excludente. Ou seja, mesmo com a crise, por incrível que
pareça muita gente ganha dinheiro em cima da miséria de milhões.

ATIVIDADES

Responda a seguinte indagação: a qualificação profissional ela dar mais


oportunidades para trabalhar do que a não qualificação? Ou ainda, será que
chegaremos a uma situação absurda: milhões de pessoas com diplomas su-
periores sem encontrar emprego e quando encontram empregos de baixo
status social. Será que chegaremos ao quadro de professores de Geografia,
com título de Doutor, trabalhando como recepcionista de hotel, camareiros,
garçons ou até mesmo motorista de táxi? Reflita e responda.

OS ELEMENTOS INTERNOS EXPLICATIVOS DA


CRISE DO CAPITAL DOS NOSSOS DIAS

Dando continuidade ao tema, que de certa forma é apaixonante mas


ao mesmo tempo preocupante, podemos explicar o segmento dessa aula a
partir do que estamos chamando de elementos “visíveis” da crise e que
aparece na grande imprensa, facilmente assimilável por qualquer pessoa.
Por outro lado, analisaremos concretamente os “elementos reais” que
verdadeiramente operam dentro dessa crise e substanciam a tese da crise
estrutural defendida como tese na presente aula.
A crise que se prolonga conjunturalmente desde outubro de 2008 é
simples fazer o encadeamento dos fatos. Inicialmente começou com a
crise imobiliária norte-americana, onde os donos dos imóveis não pude-
ram pagar as prestações em dia e os bancos que financiaram esses empre-
endimentos ficaram sem “lastro financeiro”. Isso provocou a quebra es-

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Geografia Econômica

petacular de bancos seculares que operavam no segmento financeiro des-


de o século XIX, alastrando a crise para outros bancos que operavam no
segmento de seguros e investimento. E como o capitalismo é “globalizado”,
é evidente que a crise se alastrou como a gripe suína, todo mundo foi
contaminado, onde papéis (quer dizer ações) negociadas em bolsas de
valores viraram pó. O desemprego no segmento bancário chegou em pou-
cos dias aos milhares.
No primeiro momento, apenas o segmento financeiro foi o atingido.
A coisa pegou fogo quando o segmento produtivo (ou seja, o segmento
industrial) foi atingido diretamente com a queda cavalar das vendas e do
endividamento dessas empresas. Iniciado pelas empresas norte-america-
nas, também se alastrou para empresas européias e asiáticas. O clima de
pânico foi instituído em todo o mundo e aí um fato ocorreu da qual não
podemos esquecer: o tão sonhado mundo dominado pelo liberalismo e
seu filho contemporâneo – o neoliberalismo – evaporou.
Sem dúvida nenhuma os defensores do neoliberalismo, onde sempre
diziam que a crise tinha como principal culpado a “presença do Estado
na economia”, foram desmoralizados. Para superar a crise, que muitos
economistas colocam essa como a mais profunda do que a de 1929, mais
uma vez o salvador da pátria foi o Estado.
E ai presenciamos uma das coisas que há pouco tempo pensávamos
ser impossível acontecer. O Estado começa a socorrer bancos e empresas
privadas, despejando caminhões de dinheiro para que a crise não coloque
todo mundo no buraco, podendo criar um quadro em economicamente
insustentável caso não ajudasse. Basta observar o maior símbolo do capi-
talismo industrial americano – A General Motors – simplesmente pedir
falência, fechando quase a metade de suas fábricas em território america-
no e colocando milhares de trabalhadores na rua. Ou seja, o governo
norte-americano agora é empresário do segmento de maior inovação
tecnológica – o automobilístico – e caso não ocorresse o apoio financeiro,
as conseqüências seriam inevitáveis. Não podemos esquecer que toda
essa ajuda tem seu preço e o maior deles é o aumento do rombo das
contas públicas do Estado americano, que a sociedade vai ter que pagar a
médio e longo prazo e como é o pais mais rico e industrializado do mun-
do, é evidente que o mundo inteiro pagará essa astronômica conta, sim-
plesmente para salvar empresas capitalistas.
Acreditamos que o aluno deve guardar esses fatos para tentar porque
tudo isso aconteceu e que a crise certamente se prolongará para os próxi-
mos anos. Ela poderá até mesmo terminar esse curso à distância e ainda
assim a crise persistirá.
Isso é o que chamamos de elementos “visíveis” e compreensíveis da
crise econômica dos nossos dias. Entretanto a questão vai mais além. A
crise em questão nada mais é que um conjunto de fatores que confirmam a
tese da crise estrutural do capital. E nele é que discorremos agora para enten-

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A crise do capitalismo contemporâneo Aula

der concretamente a dimensão do capitalismo e o porquê de estarmos em


um momento histórico tão importante, inclusive colocando a humanidade
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em perigo. No primeiro momento é entender por que as experiências ante-
riores fracassaram na tentativa de superação da crise e no segundo momen-
to abordar as dimensões reais da crise estrutural do capital.

O FRACASSO NA TENTATIVA DE
DOMESTICAÇÃO DO CAPITAL

Como abordamos anteriormente, o capital preocupa-se apenas na


realização dele próprio. Se ele produz mercadoria para todo mundo, a sua
finalidade seria não atender e satisfazer necessidades e sim subordinar
essas necessidades ao que realmente ele deseja: acumular e expandir, isso
como um processo que se projeta para o infinito. Essa sanha foi abordada
pelo economista Karl Marx em sua obra atualmente odiada, porém mais
viva do que nunca: O Capital.
Voltando a questão. Para a superação dessas crises inevitáveis, é evi-
dente que as receitas foram inúmeras, a depender de país para país. En-
tretanto, três importantes experiências foram desenvolvidas durante grande
parte do século XX na tentativa de superação dessas crises e de certa
forma domesticar a face natural e perversa do capital.
A primeira relaciona-se com a experiência keynesiana, como já cita-
mos anteriormente. Na verdade foi à ação do Estado (através de seus
respectivos governos) que superou a crise do liberalismo econômico en-
tão dominante antes da crise de 1929.
O auge dessa experiência e que passou também em boa parte dos
países capitalistas, se processou no período logo após o final da segunda
guerra mundial e por incrível que pareça, a experiência deu certo em pra-
ticamente todos os países que aplicaram a receita. Porém, houve limites,
como menor crescimento econômico e seu maior problema: o crescimen-
to das dívidas dos Estados. E isso alguém teria que pagar a conta.
Com a crise do petróleo, matriz energética então mais importante do
mundo, juntamente com o crescimento das dividas externas dos países subdesen-
volvidos (ou do “terceiro mundo”, como se dizia na época!) também con-
tribuíram na evaporação da receita do “Estado empresário”. Há bem pouco
tempo defender a tese do keynesianismo era motivo de chacota, senão
patético e de taxar esses defensores de loucos. Essa tese esta sepultada.
A segunda experiência relaciona-se dentro do espectro político, e que
se deu através da ideologia da social-democracia. Para os defensores dessa
abordagem, era possível domesticar o capital a partir da “convivência”
entre a realização do binômio acumulação-expansão e a aplicação de po-
líticas sociais, como o estabelecimento de direitos sociais e a
universalização de serviços públicos gratuitos como educação e saúde.

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Geografia Econômica

Por muito tempo essa experiência teve seu valor, inclusive com aparentes
avanços sociais. Mas com a derrota do socialismo do Leste Europeu no
final da década de 80 do século passado, esses direitos foram cassados
violentamente em praticamente todo o mundo. O Brasil até que não ado-
tou essas políticas, ainda assim atacou em outras frentes, como o
sucateamento da educação e da saúde, e sua privatização deslavada (atra-
vés da expansão dos planos de saúde e do crescimento das instituições de
ensino particulares).
Em nossos dias, a social-democracia é um fantoche histórico, que
perde seguidamente eleições, e ao mesmo tempo, partidos de direita têm
ganhado sempre. Basta observar as eleições em diversos países europeus
nos últimos tempos (Itália, França, Alemanha, etc.), inclusive com vitóri-
as de partidos nazistas e racistas.
Finalmente a terceira experiência fracassada foi à implantação do socia-
lismo no Leste Europeu, particularmente com a criação da União Soviética. Valori-
zada inicialmente como alternativa de superação do capitalismo, em nada
mudou internamente, na medida em que a democracia foi suprimida, foi
formada uma classe dominante e aplicou durante décadas absurdas recei-
tas do tipo: construir satélites e armas atômicas em detrimento da produ-
ção de pães. A derrubada foi fulminante, o sistema sustentava-se sob pés
de barro e seus castelos eram de areia. Foi incrível seu desaparecimento,
em poucos meses todos os países do Leste Europeu caíram como dominó.
A partir dessa constatação e que vamos abordar os principais ele-
mentos da crise do capital. Veja que não estamos acrescentando a
experiência cubana, até porque não pode ser tirada da experiência dessa
ilha caribenha como modelo para o mundo, pois se agregarmos países
complexos e continentais como Brasil e Índia, não poderá jamais apli-
car o modelo.

OS ELEMENTOS CONTEMPORÂNEOS DA CRISE


ESTRUTURAL DO CAPITAL

Uma primeira questão relaciona-se ao que Mészáros denomina de capi-


tal destrutivo. E o que significa capital destrutivo? Para esse autor, o capital
contemporâneo só pode realizar suas conhecidas pretensões (acumular-ex-
pandir) sob o efeito destrutivo em seus processos. Em outras palavras, a
perversidade do capital se processa pela necessidade de destruir seus “fato-
res de produção”. Vamos a dois exemplos: a natureza e o trabalho.
A sanha de crescer sem parar efetivamente tem limites. E como não
temos nenhum “cantinho” do mundo onde ele não atua, é evidente que
estamos chegando aos limites, e que o autor denomina de ativação dos
limites absolutos do capital. Essa ativação serve como alerta, afinal vivemos

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A crise do capitalismo contemporâneo Aula

em um planeta com recursos naturais limitados e uma população em per-


manente crescimento. Esse é o grande dilema.
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Mas a questão é muito mais complexa.
Todos nós sabemos que a natureza nunca foi agredida como em nossos dias. A
fauna e a flora estão sendo destruídas diariamente, centenas de espécies
animais e de plantas estão sendo extintas e em poucos anos muitas espé-
cies estarão extintas. Para a imprensa em geral, esse problema é atribuído
a “ação do homem”, isso para escamotear a verdade. Por incrível que
pareça, para que o capital realize e reproduza até o infinito, a natureza
deve ser destruída continuamente, através de diversas ações, como o
emporcalhamento do ar, da poluição dos rios, do esgotamento dos recur-
sos pesqueiros, do desmatamento generalizado, da desertificação, etc. Tudo
isso não pode ser atribuída ao “homem”, mas ao capital.
No mesmo sentido do capital destrutivo é a expansão sem medidas do
desemprego. Segundo o nosso autor, só no ano de 2009, devido à crise eco-
nômica, mais de 50 milhões de pessoas perderão seus empregos em todo o mundo.
O moinho satânico do capital gira sem parar!! E se colocarmos os desem-
pregados anteriores chegaremos a astronômica cifra de aproximadamente
400 milhões de desempregados em todo o mundo. Um mundo de gente que não
tem o que fazer, pois o sistema imperante não mais oferece condições de
emprego. E o interessante é que o emprego desaparecido não mais volta,
simplesmente é extinto.
E esta seria uma das questões centrais da crise estrutural. As mudan-
ças do padrão produtivo do novo capitalismo não têm como objetivo
criar mais empregos. Os empregos criados agora estão mais concentrados no seg-
mento de bens e serviços, naquilo que chamamos de setor terciário. E os empregos
criados são de baixa remuneração e precários.
Para completar a questão da ativação do capital destrutivo temos
também as necessárias e inevitáveis guerras regionais. Na grande imprensa co-
nhecemos diversos conflitos, mas o aluno deve saber que no mundo do
início do presente século temos mais 50 guerras instituídas. Só na África
são 18. Mas a questão não seria a guerra em si e que todos não concorda-
mos. O problema é a necessidade que exista guerra para que o capital se
realize em toda sua plenitude. Ou em outras palavras, a existência de
guerras também é fundamental para ativar um dos setores mais lucrativos
do mundo: o segmento de armas (o aluno deveria assistir o filme “O
Senhor das Armas”, tendo como ator principal o americano Nicole Cage).
O chamado complexo industrial-militar lucro bilhões de dólares com estas
guerras, e com ganhos cada vez maiores, pois uma boa parte dessas armas
é contrabandeada. Vamos a um exemplo. Apenas uma arma leve a AK-
47, somente ela, já foi responsável pela morte de 7 milhões de pessoas!!
Assim, pelo caráter incontrolável do capital, pela destruição que esta realizan-
do e sua força infinita sob um planeta de recursos naturais finitos, ao lado de um

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Geografia Econômica

crescimento populacional ao estilo malthusiano, nada mais pessimista do que pen-


sarmos o que será o mundo daqui a algumas poucas décadas.
É nesse entendimento que o aluno de Geografia Econômica deve
encarar a realidade, cabendo saber quais as causas e processos em ativa-
ção, sendo a realidade capitalista o maior desafio de saber como esse
sistema funciona no mundo contemporâneo, um enigma que o senso co-
mum não responde. Cabendo ao estudante entender o processo, através
de leituras e debates, e se possível da possibilidade de estabelecer pro-
postas de como superar essa questão tão vital para os nossos dias.
Esse foi o recado dessa aula. Uma denuncia dura e real. Mas ainda
acreditamos da possibilidade de superação desses problemas, como uma
máxima: é sob o precipício que encontramos a saída.

CONCLUSÃO

A presente aula abordou um tema importante no campo de estudo da


Geografia Econômica: decifrar a complexidade do mundo contemporâ-
neo. Para isso desenvolvemos a abordagem da tese da crise estrutural do
capital. Nela observamos os elementos atuais que fazem parte dessa cri-
se. E ainda mais importante: dos dilemas que certamente teremos que
enfrentar daqui para frente.
Nesse aspecto, a lição que deve ser tirada dessa análise, a luz de uma
profunda leitura crítica do mundo do capital e de suas contradições, é
justamente pensar o mundo dentro de uma perspectiva de mudança e me
parece sob a luz do capital, não tem muita saída.
Veja que não abordamos a via socialista como meio de superação da
crise, até porque a experiência soviética e de outros países foi
traumatizante. Mais uma questão é crucial: o mundo vai ter que superar
essa crise econômica sem precedentes, que Mészáros denomina de crise
estrutural do capital, ou não teremos mais humanidade no planeta Terra
em menos de 50 anos. Talvez o resgate da proposta socializante possa
aparecer como via alternativa, mas dentro de outros parâmetros do que
aqueles conhecidos nos países que passaram pela via socialista. O que
efetivamente não pode é essa lógica destrutiva continuar.

RESUMO

A chamada crise estrutural do capital é uma tese defendida por


Mészáros, atualmente o maior estudioso e ferrenho crítico do sistema do
capital. Para entender a crise econômica contemporânea desenvolvemos
essa tese na presente aula, onde o marco divisório seria a crise de 1973
com o choque do petróleo e das crises financeiras posteriores. Ou seja, a

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A crise do capitalismo contemporâneo Aula

partir da década de 70 do século passado vivemos sucessivas crises


conjunturais cada vez mais próximas uma da outra, fechando o ciclo da
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fase do crescimento econômico depois do final da segunda guerra mundi-
al, que alguns chamam de fase dourada do capitalismo.
O que marca essa crise estrutural é que ela permanente, universal e
cada vez mais insuperável, devido ao conjunto de elementos contraditórios
evidenciados. Primeiramente devemos entender os elementos anteceden-
tes constitutivos dessa crise, sendo o mais importante deles as fracassadas
tentativas de domesticação do capital, como a experiência keynesiana mal
sucedida, o insucesso da forma política de administrar o capital a partir das
propostas da social-democracia e do fracasso surpreendente da experiência
socialista da União Soviética e dos países do Leste Europeu.
Desse lado, o sistema que opera no mundo atual se dar pelo chamado
capital destrutivo, que se configura pela sanha destrutiva para que o capital
se realize, acumulando e expandindo. Mas sob um preço muito alto. Para
gerar resultados e ganhos, a natureza deve ser destruída, o trabalho deve
ser extinto ou desvalorizado e as guerras necessárias para dar lucro a um
segmento tão importante na atualidade, que são as indústrias de armas.
É dentro desse quadro, a partir da proposta do autor húngaro que
desenvolvemos a aula como forma de denuncia e ao mesmo de reflexão e
necessário aprofundamento do debate para superar esse quadro tão
preocupante, onde está em jogo a própria sobrevivência da humanidade.

ATIVIDADES

O Brasil tem características econômicas bem distintas em relação


aos países capitalistas mais desenvolvidos. Que características são essas?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

leve em consideração a questão da geografia e da história econômica


brasileira, além da formação da sociedade brasileira e também de ter
um nível de industrialização bem diferenciada em relação aos demais
países da América do Sul e também dos países do capitalismo central.

PRÓXIMA AULA

Para aprofundar as questões desenvolvidas as aulas anteriores, abor-


daremos na próxima aula o enigma da Geografia Econômica Brasileira,
ou seja, como o Brasil se insere dentro da lógica capitalista de produção.

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Geografia Econômica

REFERÊNCIAS

MÉSZÁROS, István. Para além do capital – rumo a uma teoria da


transição. São Paulo: Editora Boitempo Editora da Unicamp. 2002.
________________. Os desafios e o fardo do tempo histórico.
São Paulo: Editora Boitempo, 2007.
________________. A crise estrutural do capital. São Paulo:
editora Boitempo, 2009.

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