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PAIS E FILHOS

SONO, PESADELOS E TERRORES NOCTURNOS

Entrada: Pesadelos e terrores noturnos são sonhos que fazem parte do sono normal de uma criança, na
medida em que permitem “limpar” o inconsciente da sua carga emocional negativa. São consideradas
perturbações patológicas quando se tornam frequentes, se se prolongam para lá de uma certa fase de
crescimento ou se o tema do pesadelo é recorrente.

Texto Ana Vieira de Castro

O sonho é uma proteção para o sono, ou seja, sonhar alivia-nos, adultos e crianças, das tensões
acumuladas no dia a dia o que permite que o sono se desenvolva de uma maneira satisfatória.
Adormecemos, e à medida que vamos caindo nas profundezas do sono vamos sendo progressivamente
inundados de imagens que começam a vir do inconsciente. Vêm carregadas de mensagens com
conteúdos diversos numa operação inteligente de descompressão, alívio e resolução de muitos anseios e
preocupações, variando na complexidade segundo idades e vivências. Mas, independentemente da
idade, a dinâmica dos sonhos é a mesma para adultos e crianças. Quando deixamos o inconsciente
“falar”, ele envia-nos imagens acompanhadas de emoções muito intensas como fortes angústias, medos
terríveis e inconfessáveis desejos inconscientes. Por vezes, se a tensão se torna insuportável, acabamos
por acordar angustiados e assustados, ainda ligados à “realidade” que acabamos de vivenciar no
pesadelo.

Agressões e conflitos internos. Os pesadelos, que são afinal todos estes sonhos impregnados de
angústias insuportáveis, fazem parte, evidentemente, de um sono normal de adultos e crianças, apesar
dos seus conteúdos manifestarem “uma angústia muito forte”, como sublinha Maria Lavínia Franca,
pedopsiquiatra. E se as crianças começam a sonhar no útero da mãe em plena fase de gestação, período
este em que 80% do tempo é passado a dormir em sonho paradoxal, a consciência dos sonhos “maus” ou
pesadelos vem muito mais tarde, por volta dos dois anos segundo os especialistas. A intensidade da
angústia contida nestes pesadelos relaciona-se com a sua evolução libidinal e afetiva. São igualmente
um reflexo direto das angústias e medos que enfrentam no dia a dia, e que surgem das situações mais
diversas. Se os pais se zangam com elas e as castigam, se estão doentes, se são agredidas na escola por
outras crianças mais velhas, se vão ter um teste de matemática, se passam por uma fase de transição
difícil, se os pais vivem um processo de divórcio ou se mudam de casa ou de escola, é normal que os
pesadelos se sucedam. Até aqui não há qualquer problema, os pesadelos pontuais ligados a factos
concretos são comuns nestas idades. Mas se o tema do pesadelo se torna recorrente, significa que a
criança sofre de bloqueio específico, que é preciso investigar.

Conflitualidade interna. Os pesadelos ocorrem normalmente entre os dois e os seis anos de idade. “Só
damos conta deles a partir dos dois anos, porque até aí a criança não tem forma de verbalizar e exprimir
o que sonha” refere Maria Lavínia Franca. Por todas as razões apontadas é normal que ocorram nesta
fase de crescimento, mas se persistirem para lá dos seis anos e com muita regularidade é aconselhada a
observação do médico pediatra ou do pedopsiquiatra. É importante averiguar “o que se está a passar” em
termos da conflitualidade interna da criança, assim como “trabalhar” os pesadelos que são consequência
de situações traumáticas reais, como estadia no hospital ou acidente que a criança tenha vivido, ou ainda
com “perturbações da relação afetiva da criança dentro da família, como a separação dos pais, luto por
perda da alguém muito próximo ou mudança de espaço”.

Sonho mau. Os pesadelos aparecem na última fase do sono, que é mais rápido e superficial, e que
acontece mais para o final da noite. Se observados durante o sono através de eletroencefalograma vemos
que nesta etapa se registam ondas rápidas. Trata-se da fase paradoxística do sono, acompanhada de um
movimento ocular rápido. Quando acordam depois de um pesadelo, as crianças têm relativa facilidade
em se lembrarem do conteúdo, porque esta fase do sono é muito mais leve que a primeira, a do sono
profundo, que ocorre ao princípio da noite. Acordam, choram e chamam pelos pais, por vezes pedem
para acabar a noite na cama deles, outras vezes, depois de devidamente acalmadas, ficam na sua cama e
adormecem de novo. Para as sossegar, os pais devem falar com elas e levá-las a verbalizar o sonho
“mau”. No dia a seguir lembrar-se-ão que tiveram um pesadelo, mesmo que não recordem os detalhes.
Embora desagradável, o pesadelo é útil porque permite ao inconsciente esvaziar os seus conteúdos
dolorosos.

Terrores noturnos. Com peso e significado diferentes dos pesadelos comuns, o terror nocturno reveste-
se de um carácter mais dramático. Ao contrário dos pesadelos, a criança não acorda apesar de se mostrar
apavorada, gritando e chorando e por vezes movimentando-se através da casa. E este é um facto que
impressiona e aflige bastante os pais. A criança não consegue “sair” do sono, continuando
profundamente adormecida embora com os olhos abertos, não os reconhecendo. Nestas situações as
opiniões dividem-se quanto ao melhor procedimento a ter. Se há médicos que aconselham os pais a não
intervir, sugerindo-lhes que a levem de volta para a cama após a crise, outros há que defendem o
contrário. Aconselham a que se acorde a criança muito suavemente, com um abraço carinhoso, com o
intuito de acabar com uma crise que é traumática e que por isso deve ser interrompida porque a criança
está em sofrimento. O mesmo não acontece em relação ao sonambulismo, que é considerado outra
perturbação do sono. Nestes casos não é aconselhável acordar a criança, a não ser que ela se coloque
numa situação perigosa, como arriscar-se a cair das escadas ou aproximar-se perigosamente de uma
janela.

Estruturação das defesas. Os terrores noturnos, que têm a duração de alguns minutos, ocorrem ao
princípio da noite, na fase de sono profundo em que se detetam as ondas lentas Delta. Acompanham-se
de fenómenos neurovegetativos como taquicardia ou aceleração cardíaca, palidez, suores e taquipneia
(respiração acelerada), e são por vezes acompanhados de eneurese. Uma outra diferença em relação aos
pesadelos reside no facto de que a criança volta para a cama ser tem acordado, como se não tivesse
vivido este episódio. E no dia seguinte não se lembra de nada. Considerados perturbações patológicas se
frequentemente repetidos, os terrores noturnos sugerem a ocorrência de inquietações profundas e,
portanto, precisam de ser tratadas e analisadas pelo médico. Mas tal como as outras perturbações do
sono, nomeadamente os pesadelos, sendo pontuais não pedem nenhum tratamento especial e acabam por
passar com o tempo. Não são lineares as razões que levam as crianças a terem pesadelos e terrores
noturnos frequentes. Garantido é que ambos traduzem fortes níveis de angústia, acompanhados de
sentimentos de culpa, paralisação e auto-castigo, entre outros sentimentos, causados, como já se disse,
por conflitualidades internas de crescimento psíquico, como a questão edipiana, ou traumas reais.
Quando se prolongam para lá dos seis ou sete anos demonstram que a criança ainda não tem capacidade
de construir defesas protetoras do Eu, que nesta idade e de uma forma geral já deveriam estar
constituídas. Nestes casos, torna-se necessária a intervenção do médico pedopsiquiatra de forma a
trabalhar todas estas questões e ajudar a repor o equilíbrio e bem-estar da criança.

CAIXA: Estatisticamente, as crianças têm mais pesadelos que os adultos. Isto porque, quando estão
acordados, os bebés recebem permanentemente estímulos abundantes, novas imagens e sons, impressões
sensoriais intensas, emoções muito fortes, nomeadamente as separações da mãe. Embora tendamos a
desvalorizá-las, o bebé sente-as como verdadeiros tremores de terra que se registam no pequeno cérebro
e na estrutura do seu Eu, ainda sem defesas suficientes. Quando dorme, o seu cérebro processa todas
estas informações e elimina as “sobrecargas”, o que lhe provoca uma angústia terrível. Até aos cinco
anos, esta angústia manifesta-se muitas vezes por sonhos de perseguição, de abandono e de
enclausuramento num espaço fechado. Depois, à medida que a criança vai crescendo e que se vai
estruturando a sua linguagem, e que melhor pode falar dessas emoções e sensações, os pesadelos vão
diminuindo.*

*Dados recolhidos em www.psychologies.com

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