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Universidade Federal de Goiás Contemporânea II

Weverton Sousa Paiva 2018

DEUTSCHER, Isaac. "A guerra fria em perspectiva". Marxismo,


guerras e revoluções. São Paulo: Ática, 1991 , p. 119-137.

- “‘Esta guerra era necessária?’ é a pergunta feita freqüentemente pelos


historiadores de todo conflito armado de maiores proporções. Os
historiadores e os críticos da guerra fria também estão começando a
formular essa questão. Não me proponho a fazer o mesmo. Como
historiador, sempre tive consciência de que é muito mais fácil entender o
que realmente aconteceu e o que está acontecendo na história da
humanidade do que especular sobre o que poderia ter acontecido. Como
marxista, não estou inclinado a pensar que a guerra fria, de extensão global
e agora com duas décadas de duração, foi um mero e lastimável mal-
entendido ou um incidente que poderia ser eliminado de nossas
preocupações, algo provocado pela malevolência ou pela imbecilidade de
alguém.” (p. 119)

- “Aceito que, por qualquer ângulo que se olhe, a guerra fria foi até certo
ponto inevitável. Ela se desenvolveu diretamente a partir das tensões que
sustentavam a Grande Aliança, na qual os Estados Unidos, a Grã-Bretanha
e a União Soviética encontravam-se unidos na Segunda Guerra Mundial.
Essas tensões eram mais profundas e mais graves que as que podem ser
encontradas em qualquer outra coalizão em tempo de guerra. Mas, mesmo
que os acontecimentos houvessem se dado de maneira diferente, não era
esperado que a Grande Aliança sobrevivesse à vitória sobre a Alemanha
nazista. Tal vitória foi por demais extraordinária para que os vitoriosos a
digerissem.” (p. 120)

- “Não podemos considerar, no entanto, as origens e o curso da guerra fria


apenas nos termos convencionais de poder político e diplomacia. A
História, tanto tecnológica quanto ideologicamente, transcendeu esses
termos. A humanidade chegou à beira do abismo nuclear e se dilacerou
internamente como nunca antes, dividida em relação aos grandes temas de
sua existência moral e social. Talvez, se os perigos e os riscos tivessem
sido menos assustadores, não teríamos sequer podido comemorar o
vigésimo aniversário do cessar-fogo na relativa paz em que o
comemoramos.” (p. 120)

- “Na guerra fria a verdade, sem a qual os homens não podem ter uma
existência útil e frutífera, é, mais que nunca, a principal e mais absoluta
vítima. As armas destinadas a esmagar e a reduzir a mente humana a cinzas
são tão potentes quanto qualquer das armas destinadas à destruição física.”
(p. 121)

- “E um lugar-comum entre os historiadores contemporâneos que os


Estados Unidos e a União Soviética surgiram como dois colossos vitoriosos
a partir da Segunda Guerra Mundial, olhando um para o outro em meio a
um vácuo de poder. Para mim, essa imagem sugestiva, embora
parcialmente verdadeira, parece oferecer uma interpretação errônea a priori
das origens da guerra fria e de seu curso. Ela põe os dois colossos em um
plano de igualdade, conferindo a cada um deles um poder idêntico, a
mesma capacidade de lesar o outro e os mesmos gestos e expressões
ameaçadores. Tenciono mostrar de maneira breve como era cada um desses
colossos pouco antes e durante o choque entre eles.” (p. 121)

- “ Dizer que essa nação, a mais próspera do mundo, teve também a boa
fortuna de arrematar a vitória pelo preço mais baixo não é nenhuma crítica
à bravura e à engenhosidade de seus solda dos, aviadores e marinheiros.
Nem uma bomba sequer caiu em solo americano, e as perdas de vida que as
Forças Armadas norte-americanas sofreram também foram muito baixas. O
colosso norte-americano, podia-se dizer, voltou do campo de batalha
somente com um arranhão na pele. Ele também tinha suas fraquezas,
entretanto elas se encontravam onde ele menos suspeitava: na própria
perplexidade diante de seu tamanho e de seu poder e, infelizmente, em sua
complacência, seu farisaísmo e arrogância.” (p. 121-122)

- “Que quadro diferente o colosso russo apresentava! Após todas as


batalhas e triunfos, estava mais que prostrado, sangrando profusamente por
muitas feridas. As panes mais densa mente povoadas, mais prósperas e
mais civilizadas da União Soviética foram perdidas. No final da guerra, 25
milhões de pessoas dessas províncias se encontravam sem casa, vivendo
em trincheiras e em choças de barro. [...] Por muitos e muitos anos depois
da guerra, só era possível ver nos campos russos homens velhos,-
mutilados, mulheres e crianças cultivando a terra. As mulheres idosas
tinham de limpar, com suas mãos nuas, milhares e milhares de acres de
entulho de suas cidades natais. Sim, no começo da guerra fria os dois
colossos se defrontaram, mas um estava robusto, vigoroso e ereto, e o outro
prostrado e exangue. Esta é a verdade incontestável dos fatos.” (p. 122)
- “Desse modo os líderes do Ocidente, da maneira mais formal e solene,
advertiram o mundo todo sobre a realidade da ameaça militar russa. Tal
ameaça serviu de justificativa para a revogação formal das alianças e para o
começo do rearmamento da Alemanha Ocidental. No entanto, se uma coisa
estava clara, ou deveria estar, era o seguinte: a Rússia, com 20 milhões de
homens mortos e incontáveis milhões de mutilados, por muitos anos não
seria capaz de travar nenhuma guerra mais importante. Ela talvez pudesse
lutar por sua sobrevivência, se forçada a isso, mas com certeza não se
encontrava em condições físicas e morais de empreender uma invasão em
larga escala a países estrangeiros.” (p. 123)

- “Mais de uma vez na História grandes potências formaram alianças e até


iniciaram hostilidades apoiadas em falsos medos. Mas nunca antes
estadistas responsáveis criaram um pânico tão gigantesco e irreal como o
alarme sobre a intenção russa de conquistar e dominar o mundo, a partir do
qual a Aliança do Atlântico Norte passou a existir.” (p. 123-124)

- “Mas que Stalin e seus agentes tenham usado os partidos comunistas para
promover a revolução mundial é um dos mitos mais falsos dos nossos
tempos. É verdade que tanto os anticomunistas quanto os comunistas de
convicção stalinista alimentaram esse mito. O que, no entanto, não o torna
mais digno de crédito. Na verdade, Stalin, ao contrário, usava os partidos
comunistas subservientes mais freqüentemente para acalmar, tolher e até
para sabotar o crescimento da revolução mundial.” (p. 124)

- “Stalin fez mais para salvar a Europa Ocidental do comunismo que a


administração norte-americana fez ou poderia ter feito. Ele salvou a França
e a Itália do comunismo, mesmo antes de o presidente Truman proclamar
sua doutrina. Nós sabemos agora quantas obstruções da parte de Stalin os
comunistas iugoslavos, liderados por Tito, tiveram de enfrentar para
consumar a revolução em seu país. Também sabemos quão cinicamente
Stalin abandonou os comunistas gregos ao seu destino, enquanto eles eram
esmagados pela intervenção armada da Inglaterra.” (p. 124-125)

- “Então, em junho de 1947, veio o desafio do Plano Marshall, no qual os


Estados Unidos ofereceram, sob determinadas condições, assistência a
todas as nações da Europa, inclusive à URSS. O plano representava um
desafio perigoso para o governo de Stalin e com certeza teria sido para
qualquer governo soviético. Uma vez que a superioridade econômica norte-
americana sobre a Rússia era tão esmagadora na época, o Plano Marshall
significava, do ponto de vista soviético, a ameaça de uma irresistível
penetração do capital americano na Rússia e na Europa Oriental.” (p. 125-
126)
- “Stalin não apenas rejeitou e forçou os governos da Europa Oriental a
rejeitar a ajuda Marshall, mas com o golpe na Tchecoslováquia, em
fevereiro de 1948, levou à stalinização da Europa Oriental a sua conclusão
lógica. Por fim, desceu a cortina de Ferro sobre toda a sua zona-de
influência, de modo a tornar impossível qualquer penetração dos norte-
americanos ou de outras influências ocidentais. Obviamente suas ações e a
impiedosa brutalidade com que impôs um regime de terror em toda a
Europa Oriental ofereceram aos olhos do Ocidente uma justificativa,
poderia se dizer uma justificativa post factum, para a Doutrina Truman e
para outras medidas da guerra fria.” (p.126)

- “Em suas relações com o próprio povo, Stalin foi o mais implacável,
inescrupuloso e sanguinário tirano; em sua conduta, especialmente com os
membros do próprio partido e com o comunismo em geral, foi um
manipulador traiçoeiro e fraudulento. Não tinha escrúpulos em extrair o
sangue e o suor dos trabalhadores e dos camponeses russos. Seus grandes
expurgos, seus gigantescos campos de concentração e sua insana GPU
ficam para a História como monumentos negros à sua infâmia. Entretanto,
esse traiçoeiro tirano era também, a seu modo, estranhamente rigoroso e
quase escrupuloso nas negociações com os parceiros diplomáticos
burgueses. Nessas negociações sempre seguia à risca suas obrigações, com
uma meticulosidade legalista bizantina.” (p. 126-127)

- “Se o propósito da estratégia da guerra fria do Ocidente era conter o


comunismo, então a ironia histórica consistiu no fato de que ninguém
conteve o comunismo — e nem poderia contê-lo — mais efetivamente que
o próprio Stalin.” (p. 127)

- “Em geral, as mentes conservadoras vêem na revolução a intriga maligna


de instigadores e agitadores e nunca o resultado de uma luta legítima.
Assim, Churchill, Truman e seus associados suspeitaram — total ou
parcialmente — que o grande instigador e agitador por trás da
efervescência revolucionária dos anos do pós-guerra não era outro senão o
próprio Stalin, o aliado deles do tempo de guerra. É certo que, durante a
guerra, Churchill expressou mais de uma vez sua admiração pela natureza
essencialmente conservadora de Stalin como governante. "Não conheço
nenhum governo", disse Churchill nos últimos meses da guerra, "que
cumpra suas obrigações, até contra a própria vontade, mais solidamente
que o governo da União Soviética. Recuso-me absolutamente a embarcar
na discussão sobre a boa fé da Rússia". Entretanto, apenas um ano mais
tarde, Churchill já denunciava Stalin nos mesmos termos com que
denunciara Hitler.” (p. 128)
- “Stalin defrontou-se com os líderes do Ocidente como um Jano de duas
caras: uma conservadora e outra revolucionária. Os líderes ocidentais
reagiram amarga e ressentidamente, já que a consciência política deles
estava perturbada. Haviam-se aliado aos comunistas contra os nazistas, e a
necessidade dessa aliança levou-os a entregar a Europa Oriental a Stalin.
Do ponto de vista de seu interesse e de sua psicologia de classe, os líderes
da burguesia norte-americana e os da inglesa desempenharam o papel mais
paradoxal e contraditório: haviam cedido terreno a seu inimigo de classe e
agora procuravam recuperá-lo.” (p. 129)

- “Tal foi o primeiro programa da chamada política de contenção, o seu


programa máximo dos anos de 1946-48, que fracassou de vez e por
completo: acabou por acelerar o desastre que pretendia prevenir. O fracasso
provocou uma explosão muito mais violenta do poder soviético, que
acabou cobrindo hermeticamente a totalidade de suas zonas de influência e
sujeitando impiedosamente toda a Europa Oriental.” (p. 129)

- “Ambos, Stalin e Truman, cada um a seu modo, trabalharam para conter a


Revolução Chinesa, e o vulcão explodiu sobre suas cabeças. Mas, enquanto
Stalin voltou a si bem depressa, não apenas rendendo- se aos fatos mas
assumindo uma postura de amigo e protetor da revolução que venceu
apesar dele, nossos estrategistas ocidentais da guerra fria se recusaram e
ainda se recusam a encarar a realidade. Com os olhos fechados para o
impulso inerente, para a força dinâmica inata da Revolução Chinesa, eles a
consideraram o resultado de uma intriga ignóbil e uma criação-fantoche da
Rússia. A lição vital da Revolução Chinesa foi que, quando uma grande
nação luta para reorganizar todas as fundações de sua existência política e
social, nada pode detê-la, e a mais inteligente política de contenção é, e
sempre será, impotente contra o elemento genuíno da revolução. Se nossos
estadistas acre ditam que as armas e a diplomacia podem deter a
humanidade na busca por novas formas e por um novo conteúdo para sua
existência social, não passam de reacionários utópicos; podem retardar o
processo mundial de transformações, podem torná- lo mais doloroso e
convulsivo, mas não podem impedi-lo.” (p. 129-130)

II

- “Permitam-me agora refletir sobre uma outra concepção errada quanto à


guerra fria. Nas primeiras fases da guerra fria, ao mesmo tempo que
negligenciavam a fraqueza real da Rússia quando ela estava exaurida e
exangue, os estrategistas ocidentais subestimavam de modo grosseiro sua
força potencial.” (p. 130)
- “[...] a pretensão da superioridade tecnológica e militar do Ocidente —
ou, mais especificamente, norte-americana — ressurge de tempos em
tempos no pensamento estratégico ocidental até que, refutada por um fato
novo, dá lugar ao pânico e ao medo. Na realidade, a arrogância e o pânico
parecem fazer os estrategistas girarem num círculo vicioso.” (p. 131)

- “Vimos quão irreal era a idéia de um colosso russo voltado para a


subversão e para a dominação do mundo. Durante a maior parte da guerra
fria e com certeza até bem recentemente, o pensamento estratégico
ocidental também tomou como certo que o colosso soviético era um
monolito; que a União Soviética, a China e todos os seus aliados e satélites
formavam um bloco único. Disseram-nos que o caráter maligno e
ameaçador do poder soviético derivava precisamente disso, de sua natureza
monolítica. Ainda uma vez, essa noção tem alguma base — limitada — na
realidade. O stalinismo comprimiu dentro de um molde totalitário todos
aqueles que a ele estavam sujeitos e impôs uma uniformidade absoluta e
dogmática, embora sem princípios, sobre o movimento comunista como um
todo.” (p. 131)

- “Nossos estrategistas da guerra fria ajudaram a cimentar o monolito


stalinista. Porém, a idéia de que o monolito precisava se expandir para se
fortificar e se consolidar era completamente errada. Ao contrário, com sua
expansão o monolitò stalinista começou a rachar e se quebrar.” (p. 132)

- “Na ocasião da morte de Stalin, as mudanças sociais, os


descontentamentos dentro da Rússia e as dissensões entre ela e os outros
países comunistas atuaram contra o monolitò stalinista. Uma época de
mudanças abriu-se no campo comunista. Poucos dentre nós aqui no
Ocidente — e éramos certamente muito, muito poucos —viram o início das
mudanças e analisaram seus primeiros sintomas. Acusavam-nos de
idealistas e falsos profetas; nossos propagandistas da guerra fria e nossos
Congressos pela Liberdade Cultural supunham que o monolitò stalinista era
imutável e que sobreviveria a Stalin por um longo período.” (p. 132)

- “A noção de um monolitò soviético, da qual o próprio stalinismo se


ufanava, continuava a dominar o pensamento estratégico ocidental. Foi
assim até mesmo quando a ruptura entre a Rússia de Kruschev e a China de
Mao se tornou aparente para aqueles que podiam entender os sinais.” (p.
132-133)

- “Quando enfim, tal pressuposição também entrou em colapso os


estrategistas da guerra fria voltaram-se de maneira abrupta para o extremo
oposto e começaram a exagerar grossei ramente a extensão da controvérsia
sino-soviética e a explora; Uma nova imagem da Rússia começou a
aparecer no Ocidente, a imagem de uma emergente burguesia russa que
devia estar aterrorizada com o crescente poder da China, o novo e perigoso
colosso que despontava junto às suas fronteiras. Todo o caráter maligno
que os ideólogos da guerra fria atribuíram por tanto tempo à União
Soviética era então transferido para a China.” (p. 133)

- “os maoístas se dirigiam ao Ocidente numa linguagem mais militante e


desafiadora que a usada pelos kruschevistas. Sem dúvida, seu
ressentimento contra o Ocidente e, especialmente, contra os Estados
Unidos, era e é muito mais intenso. E o ostracismo a que os Estados Unidos
submeteram a China tornou esse res sentimento ainda mais agudo. Tudo
isso, entretanto, não implica a existência de uma ameaça chinesa ao
Ocidente, e os que falam de ameaça o fazem para justificar a obsessiva
hostilidade demonstrada pelas sucessivas administrações norte-americanas
contra a China comunista.” (p. 133)

- “Não há, de forma alguma, nada de repreensível na tentativa de um poder


se beneficiar das querelas mortais de seus oponentes: sempre foi intenção
declarada da política comunista beneficiar-se das contradições internas do
campo capitalista imperialista. Não haveria nada de intrinsecamente
pecaminoso na tentativa norte-americana de introduzir uma cunha entre a
Rússia e a China não fosse essa cunha dirigida com irresponsabilidade
contra o corpo vivo do Vietnã, ameaçando a paz na Ásia e, com certeza, no
mundo” (p. 133-134)

- “Por trás da controvérsia sino-soviética sobre estratégia, táticas e


ideologia, ainda existe a solidariedade básica entre os regimes de dois
países anticapitalistas. Eles só podem se permitir lutar entre si quando a
torrente de hostilidade ocidental contra um e outro moderar-se um
pouco.Quando essa hostilidade se acirra e novamente se abate sobre um
deles, devem se unir.” (134)

- “De tudo o que foi dito, depreende-se, creio, que todos os equívocos e
desilusões característicos da guerra fria estão se reproduzindo no Vietnã.
Ainda uma vez, a política norte-americana se baseia na oposição a uma
força revolucionária genuína. O Vietcong é apoiado em sua luta pela
esmagadora maioria do campesinato vietnamita, caso contrário não teria
conseguido conquistar esse território e estender seu controle sobre três quar
tos do país. Nenhum poder estrangeiro, não importa quão formidáveis
sejam as armas que possui, pode a longo prazo prevalecer sobre um tipo de
ambiente revolucionário como esse.” (p. 134)

- “Sem querer enxergar a realidade, a Casa Branca e o Departamento de


Estado dizem ao mundo que o verdadeiro culpado é, mais uma vez, um
poder comunista estrangeiro — o Vietnã do Norte — e, por trás dele, o
maligno colosso chinês. A lógica de tal argumento requer, sem dúvida, que
se dirijam ataques militares ao Vietnã do Norte e, num segundo momento,
à China. E ainda outra vez, provocação gera contra provocação. O Vietnã
do Norte, a China e até a Rússia talvez possam ser arrastados para o
conflito no Vietnã do Sul.” (p. 135)

- “No Vietnã, não foi apenas a política norte-americana que chegou a um


impasse. Toda a estratégia do Ocidente para a guerra fria — que durante
duas décadas se moveu num labirinto de concepções e de cálculos errados,
como também por entre os escombros de tantas ilusões — está agora diante
do beco sem saída que é a questão vietnamita. Talvez seja agora o
momento de fazer um balanço de tão longa e terrível aventura, de calcular
seus custos materiais, políticos e morais e de avaliar seus riscos. Não tenho
grandes esperanças. Não vejo a aproximação de um grande cessar-fogo,
que acabaria com a guerra fria.” (p. 135)

- “Em termos gerais, como disse no começo, essa foi uma guerra inevitável.
Os antagonismos e as tensões entre os poderes não podem ser subitamente
ex conjurados. O conflito entre o capitalismo e o comunismo, que alguns
preferem descrever como o conflito entre a democracia e o comunismo,
não está próximo de uma solução. A hostilidade entre o colonialismo ou o
neocolonialismo e os povos da Ásia, África e América do Sul não se
extinguira tão cedo. Mas, mesmo que a dura realidade desses múltiplos
conflitos esteja aí para ficar, ainda é pos sível a todas as forças envolvidas
comportarem-se mais racionalmente do que se comportaram até agora e
privarem os mesmos conflitos da histeria e da insanidade da guerra fria, de
seus mitos e lendas, da intensidade suicida da disputa.” (p. 135-136)

- “Continuo a acreditar que a luta de classes é o motor da História e que


somente um mundo socialista — um certo mundo socialista — se situa à
altura de resolver os problemas da sociedade moderna. Mas, em nosso
tempo, a luta de classes afundou-se no sangrento pântano dos poderes
políticos. Em ambos os lados do mundo dividido, certas oligarquias
impiedosas e estúpidas, capitalistas aqui e burocráticas lá, não apenas
detêm nas mãos todo o poder em suas respectivas nações, mas também
confundem as mentes e sufocam as vontades de suas nações usurpando
para si o papel de principais protagonistas dos conflitos sociais e
ideológicos. As lutas de classes de nosso tempo degene raram numa
inescrupulosa disputa entre oligarquias governantes.” (p. 136)

- “Talvez não sejamos capazes de fugir dos graves conflitos de nosso


tempo e não precisamos fugir deles. Mas talvez precisemos elevá-los acima
do pântano em que foram jogados. As divisões podem voltar a se dar
dentro das nações, e não entre elas. Podemos devolver à luta de classes sua
velha dignidade. Podemos e devemos restaurar o significado dos grandes
ideais pelos quais a humanidade ainda vive, os ideais de liberalismo,
democracia e comunismo.” (p. 136)

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