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PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

Os princípios presentes no início do Código de Processo Civil têm como


esteio a Constituição Federal e buscam demonstrar o espírito de justiça presente no
Estado Democrático de Direito, reafirmando direitos e garantias fundamentais
concernentes aos litigantes em processo judicial, consignando, assim, sua plena
observância.
A exposição de motivos do CPC/15 demonstra, de maneira clara, esse
espírito da seguinte forma: “a necessidade de que fique evidente a harmonia da lei
ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com se incluíssem no
Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual”. Neste
sentido, se faz necessária uma análise pormenorizada das chamadas Normas
Fundamentais do Processo Civil, previstas nos arts. 1º a 12 do CPC.
O primeiro artigo do códex positiva o fenômeno acima descrito: a
constitucionalização do Processo Civil. Humberto Theodoro Jr. caracteriza o art. 1º
como sendo a fonte imediata do processo civil, tecendo os seguintes ensinamentos
a respeito:
[…] A fonte imediata do processo civil não é mais apenas o Código, é, antes
de tudo, a própria Constituição, em que se acham enunciados, como direitos
fundamentais, os princípios sobre os quais se ergue o processo de atuação
da jurisdição civil.
Da Constituição emergem os requisitos do processo justo, o qual supera,
em profundidade, o feitio preponderantemente procedimental da antiga
visão do devido processo legal.1

Partindo desse pressuposto, o CPC indica a principal característica inerente


ao Processo Civil: a garantia dos direitos fundamentais. Nessa toada, o art. 2º reúne
em seu texto dois princípios essenciais ao exercício da jurisdição: a) princípio
inquisitivo; b) princípio dispositivo; e c) princípio do impulso oficial. Quanto ao
princípio inquisitivo, este caracteriza-se, consoante as lições de Humberto Theodoro
Jr., “pela liberdade da iniciativa conferida ao juiz […] Por todos os meios a seu
alcance, o julgador procura descobrir a verdade real, independentemente de
inciativa ou de colaboração das partes”2. Entretanto, a atuação do magistrado se dá
de maneira intrínseca aos autos, sendo o juiz mero “espectador” da lide, ao passo

1
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I. 59. ed. rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Pág. 102. (versão digital)
2

Op. Cit. Pág. 103. (versão digital)


que as partes instauram o processo e produzem as provas com as quais pretendem
demonstrar o seu direito, consagrando, assim, o princípio dispositivo.3
Outrossim, o art. 2º dispõe que o processo se desenvolve por impulso oficial,
o que significa que, ajuizada a pretensão, o interesse público recai sobre o litígio
submetido ao Poder Judiciário, uma vez que o Estado tem interesse na composição
da lide. Em relação a este princípio, Humberto Theodoro Júnior traz a seguinte lição:
“Daí por que, embora a iniciativa da abertura do processo seja da parte, o seu
impulso é oficial, isto é, do juiz (art. 2º), que promove o andamento do feito até o
provimento final, independentemente de provocação dos interessados”.4
Em sequência, o princípio contido ao art. 3º consiste numa flagrante
transcrição da norma consubstanciada no art. 5°, XXV, da CF, sendo este o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, que visa garantir a todos o direito ao
acesso à justiça. Em desdobramento, Alexandre Freitas Câmara traz alguns
apontamentos acerca do caput do art. 3º do CPC e seus parágrafos, como transcrito
abaixo:

Impende então dizer, de início, que o Código de Processo Civil afirma


expressamente o princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, o
princípio que assegura o amplo e universal acesso ao Judiciário (art. 3° do
CPC; art. 5°, XXXV, da Constituição da República), estabelecendo que “não
se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”,
reconhecendo-se, porém, que isso é compatível com a utilização da
arbitragem (art. 3°, § 1°), bem assim com a busca da solução consensual
dos conflitos (art. 3°, § 2°).

Os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação,


deverão ser estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no
processo, inclusive durante seu curso (art. 3°, § 3°). 5

Ao art. 4º é apresentado outro princípio com manifesto esteio em dispositivo


constitucional, grafado no art. 5º, LXVIII, da CF, tratando-se, portanto, do princípio
da razoável duração do processo. Este que tem como objetivo garantir às partes que
sua demanda seja analisada em tempo razoável, de forma a minimizar a
possibilidade de danos no decorrer do tempo. Alexandre Freitas Câmara conceitua
este princípio em um maior grau de amplitude, consignando o seguinte
apontamento: “A garantia de duração razoável do processo deve ser compreendida,
3
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I. 59. ed. rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Pág. 103. (versão digital)
4

5
Op. Cit. Pág. 103. (versão digital)
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.
Pág. 18. (versão digital)
então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só
no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento”6.
Logo em seguida, o art. 5° materializa o princípio da boa-fé processual, de
forma a evitar que qualquer das partes tenha conduta lesiva ou cause prejuízo, tanto
à outra parte, quanto a quem, de qualquer forma, tenha alguma participação no
processo. O princípio aludido guarda sintonia, também, com o respeito aos direitos e
garantias fundamentais.
O próximo princípio a ser tratado é o princípio da cooperação, disposto no
art. 6º do CPC, segundo o qual “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre
si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. A
respeito disso, Humberto Theodoro Jr. tece os seguintes ensinamentos:

Dessa maneira, o princípio da cooperação tende a “transformar o processo


civil numa comunidade de trabalho”, na qual se potencializa o franco diálogo
entre todos os sujeitos processuais – partes, juiz e intervenientes – a fim de
alcançar “a solução mais adequada e justa ao caso concreto”. 7

Quanto aos princípios seguintes, o douto jurista acima aludido reúne três
destas figuras em uma só: o princípio do contraditório efetivo, formado pelos arts. 7º,
9º e 10 da seguinte forma:
A moderna dinâmica do contraditório, indispensável à implantação do
processo justo, está presente nas “normas fundamentais” constantes de três
artigos, quais sejam, o 7º, o 9º e 10 do NCPC.

[…]

Para implantar, com efetividade, esse contraditório dinâmico e efetivo, o


novo NCPC lançou mão de três dispositivos que terão de ser lidos de
maneira sistemática e integrativa:

a) As partes deverão merecer tratamento paritário, devendo o juiz zelar pelo


“efetivo contraditório” (art. 7º): a igualdade de tratamento não pode se dar
apenas formalmente. […]

b) Qualquer decisão que contrarie uma parte, não será tomada “sem que ela
seja previamente ouvida” (art. 9º): as decisões judiciais não podem
surpreender a parte que terá de suportar suas consequências, porque o
contraditório moderno assegura o direito dos sujeitos do processo de não só
participar da preparação do provimento judicial, como de influir na sua
formulação. […]
c) Por fim, mesmo que a questão tenha sido debatida amplamente, não se
permite ao juiz decidi-la mediante fundamento ainda não submetido à
manifestação das partes (art. 10). […]

6
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op., Cit., pág. 19. (versão digital)
7

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op., Cit., pág. 112. (versão digital)


Em suma, de acordo com os princípios acima descritos, o contraditório
ocorre de maneira integral no processo, devendo o juiz, sempre que possível, dar às
partes a oportunidade de se manifestarem acerca de qualquer matéria, inclusive as
que o mesmo deva se manifestar de ofício. Desta forma, a garantia ao contraditório
ocorre de maneira ampla e irrestrita, ressalvadas as hipóteses constantes nos
incisos do art. 9º, por se tratarem de situações que, por sua natureza, dispensam a
produção de prova em sentido contrário.
O art. 8º, por sua vez, traz uma relação de princípios a serem observados,
dispondo, em primeiro lugar, do dever do juiz em atender aos fins sociais e às
exigências do bem comum ao aplicar o ordenamento jurídico, observando princípios
gerais do Direito e da Administração Pública, como: proporcionalidade,
razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência.
Nessa vereda, o art. 11 dispõe acerca do princípio da publicidade e o
princípio da fundamentação das decisões judicias, onde, consoante o disposto ao
caput do artigo, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Neste sentido,
Humberto Theodoro Jr. apresenta os seguintes apontamentos:

Explica-se a exigência constitucional pela circunstância de que na prestação


jurisdicional há um interesse público maior do que o privado defendido pelas
partes. Trata-se da garantia da paz e harmonia social, procurada por meio
da manutenção da ordem jurídica. Daí que todos, e não apenas os
litigantes, têm direito de conhecer e acompanhar tudo o que se passa
durante o processo.8

Verifica-se, então, que a publicidade confere um lastro de caráter público ao


Processo Civil, na medida em que qualquer cidadão, ao verificar alguma
irregularidade constante na marcha processual, pode reportar a uma das partes,
que, por sua vez, tomará alguma providência. A publicidade permite um controle do
Poder Judiciário por meio do interesse público.
O princípio da fundamentação das decisões judiciais, por sua vez, exige do
magistrado qualidade técnica em suas decisões, ao passo de, carecendo de
fundamentação, se tornarem eivadas de nulidade. Acerca deste princípio, Alexandre
Câmara leciona o seguinte:

O CPC exige, concretizando o princípio constitucional, uma fundamentação


substancial das decisões. Não se admite a prolação de decisões falsamente
motivadas ou com “simulacro de fundamentação”. É o que se dá nos casos

8
THEODORO JÚNIOR. Op., Cit., pág. 121. (versão digital)
arrolados no § 1º do art. 489, o qual enumera uma série de casos de falsa
fundamentação, as quais são expressamente equiparadas às decisões não
fundamentadas (FPPC, enunciado 303: “As hipóteses descritas nos incisos
do § 1º do art. 489 são exemplificativas”). 9

Nessa toada, a exigência da fundamentação das decisões busca evitar


ações temerárias ou manifestamente ilegais por parte do juiz, que deve demonstrar
de maneira clara, concisa e coesa, sempre com fulcro nas fontes do Direito, as
razões pelas quais decide acerca de determinada matéria.
Por fim, o art. 12 do CPC disciplina o princípio da ordem cronológica dos
processos, de forma a garantir tratamento isonômico a todos os litigantes em
processo judicial, sendo essa ordem organizada em uma lista de acesso público,
disponível via internet ou pessoalmente, nos cartórios. Em complementação, é
válido demonstrar abaixo o entendimento de Alexandre Freitas Câmara acerca deste
princípio e de suas nuances:

Assim, incumbe ao juiz ou tribunal proferir suas sentenças (mas não


necessariamente as decisões interlocutórias) ou acórdãos,
preferencialmente segundo a ordem cronológica em que os autos tenham
sido enviados à conclusão. Ficam excluídos dessa regra, porém (art. 12, §
2º), as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de
improcedência liminar do pedido; o julgamento de processos em bloco para
aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; o
próprio julgamento de casos repetitivos; as decisões de extinção do
processo sem resolução do mérito (art. 485); as decisões monocráticas
proferidas nos tribunais pelo relator (art. 932); o julgamento de embargos de
declaração e de agravo interno; as preferências legais (como é o caso do
processo em que é parte o idoso, ou os processos de habeas corpus) e os
casos em que haja meta, estabelecida pelo CNJ, a cumprir; os processos
criminais (quando o órgão jurisdicional tiver competência cível e criminal); e
as causas que exijam urgência na prolação da decisão, assim reconhecida
expressamente por decisão fundamentada. Para estas, sequer preferencial
a ordem cronológica é.10

Desta forma, ante o supra exposto, verifica-se que os princípios norteadores


do Direito Processual Civil constituem um arcabouço jurídico voltado à preservação
e observância dos direitos e garantias fundamentais, tornando, assim, o processo
civil em um instrumento de resolução célere e justa dos dissídios de ordem social.

BIBLIOGRAFIA
9
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op., Cit., pág. 26. (versão digital)

10
CÂMARA, Alexandre Freitas. Op., Cit., pág. 27. (versão digital)
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro – 3. ed. – São
Paulo: Atlas, 2017.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I.


59. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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