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AVALIAÇÃO

LEGISLATIVA
NO BRASIL
Efeitos da Emenda Constitucional
nº 109, art. 37, §16
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A945l Avaliação Legislativa no Brasil : efeitos da Emenda Constitucional


nº 109, art. 37, §16 / organização Fabiana de Menezes Soares, Thiago
Hermont, Paula Gomes de Magalhães. – Belo Horizonte : Editora Dialética,
2023.
248 p.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-252-8061-5

1. Avaliação Legislativa. 2. Emenda Constitucional. 3. Direito.


I. Organizadores. II. Título.
CDD-340

Ficha catalográfica elaborada por Mariana Brandão Silva CRB -1/3150


PREFÁCIO

Em seguimento ao Livro “Estudos em Legística” publicado


em 2019, o Observatório pela Qualidade da Lei da Universidade Fe-
deral de Minas Gerais, diante de seu compromisso com a difusão
do conhecimento, dedica mais uma coletânea ao estudo da legística,
dessa vez à Luz da recente alteração normativa da Constituição Fede-
ral por meio da Emenda Complementar nº 109 de 2021. Mencionada
alteração reforça a importância de se analisar com qualidade a legis-
lação, trazendo obrigatoriedade e reforçando condutas que visam a
melhoria das políticas públicas.
Sendo assim, a presente obra se debruça sobre vários vieses
quanto a importância de uma legislação com qualidade bem como
quanto a indicação do caminho para se chegar lá. Serão abordados:
aspectos da metodologia da legística sob a ótica formal e material;
a racionalidade e argumentação legislativa por meio da legispru-
dência; a importância de uma linguagem simples para que a norma
chegue corretamente a seus receptores; o papel da interdisciplinari-
dade como meio para oferta de instrumentos que viabilizem a prá-
tica da legística; a avaliação legislativa aplicada à políticas tributá-
rias; e os efeitos da avaliação da norma para as políticas públicas e
proteção de dados pessoais.
Esperamos que com essa obra a consciência quanto a impor-
tância de se falar sobre o ato de produção das normas seja difundida,
eis que somente dessa forma seremos capazes de melhorar nossa reali-
dade social por meio da produção de melhores normas. Te desejamos
uma ótima leitura!
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

A IMPLEMENTAÇÃO DA ANÁLISE DO
CUMPRIMENTO DAS LEIS NO BRASIL:
CONTEXTO, GOVERNANÇA, INSTRUMENTOS 11

Fabiana de Menezes Soares

A EC 109 E A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:


INICIATIVAS FEDERAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS 53

Thiago Hermont

A AVALIAÇÃO DE IMPACTO REGULATÓRIO COMO


INSTRUMENTO PARA GARANTIA DO DIREITO
À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS: UM ESTUDO DE
CASO DA REDE NACIONAL DE DADOS EM SAÚDE 73

Ana Beatriz Rezende Rosa e Fabiana Miranda Prestes

A LEGISPRUDÊNCIA APLICADA: DEVERES


DO LEGISLADOR E FERRAMENTAS PARA
A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 97

Cristiane Silva Kaitel e Esther Külkamp Eyng Prete


MODELAGEM DE PROCESSO: INSTRUMENTO
PARA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 121

Paula Gomes de Magalhães

LINGUAGEM SIMPLES, LEGÍSTICA E


AVALIAÇÃO LEGISLATIVA: QUALIFICADORES
DA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 141

Pietra Vaz Diógenes da Silva e Thábata Filizola Costa

RACIONALIDADE E ARGUMENTAÇÃO
LEGISLATIVA EM UMA CULTURA DA
JUSTIFICAÇÃO DEMOCRÁTICA DAS LEIS 169

Rodrigo Élcio Marcelos Mascarenhas

POR UMA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA


BASEADA EM EVIDÊNCIAS: AVALIAÇÃO
LEGISLATIVA, POLÍTICAS TRIBUTÁRIAS
E A RESPONSABILIDADE DO LEGISLADOR 197

Thiago Álvares Feital Thiago Álvares Feital

OS REFLEXOS DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL


E O SANEAMENTO BÁSICO: ANÁLISE
DA SISTEMATIZAÇÃO NA CIDADE
DE MANAUS À LUZ DA LEGÍSTICA 225

Bianor Saraiva Nogueira Júnior e


Berenice Miranda Batista
9

INTRODUÇÃO

Emendas constitucionais sempre possuem o élan de encan-


tar aqueles que vivem o Direito, pois despertam o interesse sobre a
mudança na norma máxima do país. O processo de elaboração que
desemboca na efetiva alteração constitucional também traz ricos en-
sinamentos, desvelando o tramitar legislativo em suas justificativas,
discussões internas, contraposições, todas em prol da consubstancia-
ção de um novo preceito que embasará o assunto tratado.
Dentre as mais de cem emendas pelas quais a Constituição
Federal de 1988 já passou, de suma importância considerando que
representa uma sociedade viva e mutável, a presente obra escolheu
pousar sua atenção na Emenda Constitucional 109 de 15 de março de
2021. Diante das várias alterações trazidas pela mesma, a mudança
no 16º parágrafo do artigo 37 se fez notável ao dispor sobre a neces-
sidade dos órgãos e entidades da administração pública de realizar a
avaliação das políticas públicas, sendo fundamental divulgar o objeto
avaliado e os resultados obtidos no processo.
Qual a importância de se dedicar toda uma obra às especifi-
cidades de tal artigo? Haveria escopo de pesquisa e investigação para
tanto? A resposta é claramente afirmativa quando nos recordamos
que as políticas públicas são justamente a mão estatal no agir em prol
da resolução de dissonâncias de ordem social, política, econômica e
cultural, dentre outras, vividas pelos cidadãos. Por meio do dispên-
dio do erário público, a administração pública cria soluções práticas
para dirimir falhas na tecitura social e, nesse sentido, possuir méto-
dos de avaliação não é somente necessário, mas crucial para que se
possa realizar tais ações de um ponto de vista sistemático, verificável,
confiável e mensurável. Em suma, de forma a balizar a escolha públi-
10

ca em fatores de calibre científico e técnico, não em mera subjetividade


passível da discricionaridade do administrador público em atuação.
Assim, em tempos que a desinformação impera pelos mais va-
riados motivos, advindo de fontes oficiais antes nunca cogitadas, o Ob-
servatório para a Qualidade da Lei, da Faculdade de Direito da Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, mostra novamente seu protagonismo,
enfrentando o assunto de frente, expondo as nuances do processo ava-
liativo e firmando a importância de se ampliar a discussão em variados
frontes, todos pertinentes ao momento vivido. O reforço à relevância de
se analisar com qualidade a maneira pela qual a EC 109, notadamente
na alteração trazida em artigo pertencente a forma como a Constituição
Federal dispõe sobre a organização do estado, impõe o dever de se veri-
ficar como as políticas públicas são pensadas, elaboradas e executadas,
para que cumpram seu objetivo fundamental: garantir o bem-estar da
população por meio de ações governamentais que realizem os direitos
constitucionais previstos.
Esta obra nos brinda com uma coletânea de estudos dentro desta
ótica avaliativa e de autoria de pesquisadoras e pesquisadores do Obser-
vatório para a Qualidade da Lei, sob nossa orientação. É uma compilação
que surge em tempo oportuno, passado pouco mais de um ano da EC
109, apresentando temas plurais e empírica e teoricamente embasados no
tocante ao assunto, o que permite enxergar o panorama desta alteração
constitucional de forma mais analítica, servindo também de convite a
futuras explorações e trocas acadêmicas na área.
11

A IMPLEMENTAÇÃO DA
ANÁLISE DO CUMPRIMENTO
DAS LEIS NO BRASIL: CONTEXTO,
GOVERNANÇA, INSTRUMENTOS

Fabiana de Menezes Soares1

1. O CONTEXTO NORMATIVO DA AVALIAÇÃO


SOBRE EFEITOS DA LEI: LIÇÕES DA PRÁTICA SUÍÇA

“Uma atividade para o devir” a frase anuncia o capítulo 1 do


livro de Luzius Mader sobre avaliação legislativa, ainda em 19852. A
obra pioneira de Mader, “A avaliação legislativa – Por uma análise
empírica dos efeitos da legislação” não seria apenas um sério convite
ao entendimento sobre o incremento da racionalidade da atividade
de legislação, se não fosse também fruto de uma inovação na organi-
zação dos trabalhos de elaboração de leis e demais atos normativos.

1 Profa. Associada da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do


Observatório para a Qualidade da Lei.
2 L’évaluation législative. Pour une analyse empirique des effets de la legisla-
tion, Lausanne, Payot, 1985. Prof Mader, ao lado de Prof Morand, Prof Delley
foram percussores, influenciados pela abordagem de Peter Noll, em perspectiva
metodológica, testada, transdisciplinar que muito inspirou os trabalhos do Ob-
servatório para qualidade da lei, tais como “Estudos em Legística”, coletânea
produzida no âmbito das atividades de pesquisa do Observatório para qualidade
da lei <https://www.direito.ufmg.br/wp-content/uploads/2019/10/Miolo_Estu-
dos-em-Legi%CC%81stica-Final2.pdf>.
12 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Mas o caso da Suíça não é somente emblemático pela pauta de


pesquisa inaugurada pela obra de Peter Noll mais de 10 anos antes, há
relevantes motivos por detrás de uma metodologia que se apresentou, de
modo eficiente, no mundo burocrático.
No Brasil, a Emenda Constitucional 109/2020, ao incluir o pará-
grafo 16, do art. 37 também cria um mandato de avaliação dirigido a toda
Federação Brasileira: “Os órgãos e entidades da administração pública,
individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas pú-
blicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados
alcançados, na forma da lei.”
A primeira questão a ser enfrentada é sobre a existência de um
sistema normativo, pré-existente que autoriza a aplicação do dispositivo
constitucional. Ao lado disso, é verificar quais são as condições necessá-
rias para que os afetados cumpram a norma constitucional que alcança
toda a gestão pública, nas três funções do Estado e em toda Federação.
Há uma cadeia de fontes normativas a rede de hierarquia consti-
tucional que assinala a profunda valência da força normativa constitucio-
nal relativa à questão da avaliação no Brasil. Essa rede para a implemen-
tação da avaliação, possui uma legalidade forte em razão da disciplina de
direito financeiro, direito tributário e claro, direito administrativo. Esse
sistema normativo de tutela da avaliação, anterior, articula-se, em razão
do tema, às alterações da EC 109, como o §16 do art. 37 , o que exige uma
exegese aque não chegue ao absurdo argumento de que normas consti-
tucionais tenham sua força mitigada pela necessidade de novas normas
infra-legais: como se a questão da avaliação não é uma inovação no orde-
namento jurídico brasileiro.
Em razão do tema, o sistema reorganizado, aglutinado pela pres-
crição do art. 37, § 16 alcança desde a disciplina da gestão pública da fe-
deração e dos seus fins, passando por diversos artigos sobre a Ordem So-
cial, inclui regras de Finanças Públicas, Tributação, garantias adicionais
para a maximização de eficácia dos Direitos Fundamentais de primeira
geração como Saúde e Educação.
Portanto, o Constituinte, fosse originário ou derivado, criaram
uma diretriz de ação governamental, com critérios de validade oriundos
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 13

da própria Constituição da República que se encontram disseminados


em diversas categorias de atos normativos, a exigir um esforço minerador
sobre o volume de atos normativos para identificar o sistema densificador
de normas constitucionais presente na legislação, inclusive a infra-legal.
As dificuldades para reconstrução do impacto normativo, como
no presente caso, são por si, mais um argumento a favor de uma políti-
ca legislativa de qualidade onde leis melhores e com textos/ temas con-
solidados se sobreponha à cultura “quantitativa” onde atos normativos
disputam não só um exame de vigência, mas dificultam as condições de
executoriedade e elide/frustra as expectativas de legítimos interessados.

1.1. Quadros de fontes do direito referentes


ao Sistema Constitucional de Avaliação
da Aplicação da Lei via serviços públicos

Artigo 37, §3º, I — avaliação periódica,


externa e interna, da qualidade dos
Artigo 41 do ADCT — previsão de que os serviços públicos, a partir, entre outras Artigo 40, § 4º-A — submissão a
Poderes Executivos da União, dos Estados, do dimensões, das reclamações dos seus avaliação biopsicossocial realizada por
Distrito Federal e dos Municípios reavaliassem usuários coletadas em sistemas de equipe multiprofissional e
em dois anos todos os incentivos fiscais de atendimento e canais de participação interdisciplinar para fins de concessão de
natureza setorial que estavam em vigor na correspondentes; aposentadoria especial a servidores com
data de promulgação da CF/1988. Caso não deficiência no RPPS;
fossem confirmados por lei, seriam eles
automaticamente revogados.

Artigo 37, §8º, II — critérios de


avaliação acerca do cumprimento
do contrato de gestão que
Artigo 74, I — sistema de controle interno ampliar a autonomia
dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário destina-se a "avaliar o
cumprimento das metas previstas no
plano plurianual, a execução dos
programas de governo e dos orçamentos Artigo 37, § 16 — dever Artigo 198, § 3º, III — previsão de que lei
da União" imposto aos órgãos e complementar fixe normas de fiscalização,
entidades da administração avaliação e controle das despesas
pública, individual ou computadas no piso em ações e serviços
conjuntamente, de que públicos de saúde pelas esferas federal,
realizem avaliação das estadual, distrital e municipal
Artigo 74, II — atribui ao sistema de
controle interno a finalidade de "avaliar os políticas públicas, inclusive
resultados, quanto à eficácia e eficiência, com divulgação do objeto a
da gestão orçamentária, financeira e ser avaliado e dos resultados
patrimonial nos órgãos e entidades da alcançados;
administração federal, bem como da [Artigo 193, parágrafo único — disposição
aplicação de recursos públicos por geral do Título VIII — Da Ordem Social de que
entidades de direito privado "o Estado exercerá a função de planejamento
das políticas sociais, assegurada, na forma da
lei, a participação da sociedade nos processos
de formulação, de monitoramento, de
Artigo 165, § 16 — dever de que as leis de controle e de avaliação dessas políticas"
plano plurianual, diretrizes orçamentárias e
orçamento anual observem, "no que couber,
os resultados do monitoramento e da
avaliação das políticas públicas previstos no § Artigo 52, XV — competência privativa do
16 do art. 37 desta Constituição Senado Federal para "avaliar periodicamente
Artigo 173, § 1º, V – previsão de que o a funcionalidade do Sistema Tributário
estatuto das empresas estatais Nacional, em sua estrutura e seus
exploradoras de atividade econômica componentes, e o desempenho das
contenha regras relativas à avaliação de administrações tributárias da União, dos
desempenho e à responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios
administradores
14 | FABIANA DE MENEZES SOARES

As relações entre a efetividade de direitos, obrigações, exercício


de competências passa pela eficiência das políticas públicas e está longe
de ser um tema surgido após o advento da EC 109/2020. A questão das
necessárias e complementares relações entre direito e políticas públicas,
ainda no início da primeira década do século 21 foi abordada por Maria
Paula Dallari Bucci, na literatura nacional e porta alguns elementos chave
para a devida compreensão do alcance das modificações :

“Como se pode ver, os direitos sociais, ditos de segunda geração,


que mais precisamente engloba os direitos de primeira geração.
Da mesma forma, os direitos de terceira geração, tais como o di-
reito ao meio-ambiente equilibrado, à biodiversidade e o direito
ao desenvolvimento, foram concebidos para garantia mais extensa
dos direitos individuais, também em relação aos cidadãos ainda
não nascidos, envolvendo cada indivíduo na perspectiva temporal
da humanidade, por isso intitulados “direitos transgeracionais”. O
conteúdo jurídico da dignidade humana vai, dessa forma, se am-
pliando na medida em que novos direitos vão sendo reconhecidos
e agregados ao rol dos direitos fundamentais.(...) Há uma estreita
relação entre os temas das políticas públicas e dos direitos huma-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 15

nos. Pois uma das características do movimento de ampliação do


conteúdo jurídico da dignidade humana é a multiplicação das de-
mandas por direitos, demandas diversificadas e pulverizadas na
titularidade de indivíduos. (BUCCI, 2001)3

O custo dos direitos fundamentais4 é outra essencialidade impor-


tante para a adequada exegese constitucional do tema da avaliação dos
efeitos da lei. Elida Graziane Pinto (2015) demonstra como a efetividade
de direitos como educação e saúde demandam escolhas orçamentárias
condizentes com o sistema constitucional. Nesse sentido, a redução do ta-
manho do Estado não é argumento válido a rechaçar o valor civilizatório,
republicano da satisfação de direitos à saúde e educação. Neste sentido,
atentam contra a estrutura constitucional a redução do gasto mínimo, as
interpretações restritivas para as transferências intergovernamentais (que
equilibram assimetrias federativas) sob pretexto da melhor escolha para
estabilização macroeconômica.
Sob o ponto de vista da dinâmica internacional da avaliação de
políticas públicas ( public policies) a prática nas Américas vem aumen-
tando e exigindo padrões aptos a diagnosticarem realidades diversas 5

3 BUCCI, Maria Paula Dallari et alli. Direitos humanos e políticas públicas. São Pau-
lo, Pólis, 2001. 60p. (Cadernos Pólis, 2), Vide também a trajetória de investigação
consolidada sobre o tema: BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma
teoria jurídica das políticas públicas. Saraiva Educação SA, 2021.
4 PINTO, Élida Graziane; XIMENES, Salomão Barros. Financiamento dos direitos
sociais na Constituição de 1988: do “pacto assimétrico” ao “estado de sítio fis-
cal”. Educação & Sociedade, v. 39, p. 980-1003, 2018. PINTO, Élida Graziane. Ero-
são orçamentário-financeira dos direitos sociais na Constituição de 1988. Ciência
& Saúde Coletiva, v. 24, p. 4473-4478, 2019; PINTO, Élida Graziane. Financiamen-
to dos direitos à saúde e à educação: uma perspectiva constitucional. In: Financia-
mento dos direitos à saúde e à educação: uma perspectiva constitucional. 2015.
p. 251-251.
5 STOCKMANN, Reinhard; MEYER, Wolfgang; SZENTMARJAY, Laszlo (Ed.). The
institutionalisation of evaluation in the Americas. Springer Nature, 2022.” Accor-
dingly, it is not surprising that the institutionalisation of evalua- tion in the Ameri-
cas shows very different forms and characteristics. This can be seen at first glance.
What the similarities and differences between them are, is to be examined in detail
below. This includes a systematic comparative analysis of the country case studies.
16 | FABIANA DE MENEZES SOARES

A ação do Estado quando avalia suas políticas e mais ainda quando


as concebe como a devida ação concreta do Estado para responder a uma
demanda, necessita de mecanismos para calibrar a discricionariedade de
gestores 6. Esses, por sua vez, terão a avaliação da qualidade dos gastos/des-
pesas públicos documentados pela atuação dos Tribunais de Contas.
Uma vez que tanto as Cortes de Contas, quanto o Judiciário
possuem atuações concretas, que produzem efeitos identificáveis e um
percurso procedimental de interpretação das garantias, direitos, deveres,
competências legais, ambas atuações estatais acabam por disponibilizar
informações sobre uma dada realidade por meio dos identificados efei-
tos benfazejos, onerosos, indesejáveis, inadequados, eficientes. Os dados
jurisprudenciais das Cortes de Contas, da administração da Justiça, dos
entendimentos sumulados pela prática administrativa se constituem
também em indicadores sobre o insucesso de legislações.

I.2. Contextos plurais e acesso a dados idôneos

No caso da Suíça, sua prática referendária é consolidada, etapa


no processo de elaboração de leis e políticas públicas, que conta com a
participação ativa de suas comunas. Se pensamos no Brasil com seus
5.577 municípios7 ( incluído o Distrito Federal) verificamos que o papel

First, the institutionalisa- tion of evaluation in the political system is examined


by using the analysis guideline on which this study is based. Since it is clear that
the legal and organisational anchoring of evaluation does not automatically mean
that evaluations are actually carried out in reality, this question will be analysed
next. Among other things, in order to determine the degree of institu- tionalisation
of evaluation in social systems, it will be examined whether civil society in any
way uses evaluations for its own purposes, whether it acknowledges and discusses
evaluation results or even knows the concept of evaluation at all, whether it is acti-
vely involved in evaluations, or even consciously demands from political and social
actors that evaluations are being conducted.” P. 452.
6 CAVALCANTI, Paula Arcoverde. Análise de políticas públicas o estudo do esta-
do em ação. Eduneb, 2012.
7 Conforme IBGE <https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/es-
trutura-territorial/23701-divisao-territorial-brasileira.html>. Acessado em 01/04/2023.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 17

da reconstrução do âmbito de incidência assume singular valência. Vale


lembrar que a primeira percepção que temos de Estado, ocorre fruto
da nossa vivência sobre como a administração municipal atua sobre o
território das cidades.
Na Federação brasileira, assimétrica, a compreensão da atuação
concreta das legislações e regulações, em cada contexto, pode auxiliar a
elaboração da sua correspondente rede de implementação, que por vez,
assegure condições viáveis para o seu cumprimento, escopo final do pará-
grafo 16 do art. 37. Nesse sentido, o aspecto factual do processo de inter-
pretação próprio da criação de leis e regulações, necessita estar amparado
por uma rede de dados que reconstrua o âmbito presente da incidência-
alvo de um dado ato normativo.
Os dados oficiais, legíveis8, são necessários à atividade de proje-
tação realmente apta a criar condições factíveis para viabilizar os objeti-
vos justificados em adequados procedimentos de elaboração legislativa.
Portanto a questão envolve não só a Política de Dados Abertos (ampla-
mente descrita na Lei de Acesso a Informação – Lei Lei nº 12.527, de 18
de novembro de 2011) mas também assegurar uma Política de Estatística
e Cartografia oficial capaz de lidar com os reclames da tecnologia e do
desafio da pluralidade de contextos existentes no Brasil. Obviamente, as
reconstruções de cenários de incidência normativa necessitam de dados
idôneos e atualizados. As leis não têm a mesma força em contextos desi-
guais. Porém, a devida reconstrução do cenário presente do problema a
ser enfrentado pela ação legislativa ou regulatória terá uma rede de im-
plementação mais eficiente, se a avaliação prévia ( diagnóstico do proble-
ma) contiver dados fidedignos e acessíveis.
A essencialidade dos dados estatísticos e cartográficos à atividade
de avaliação também traz à tona a lacuna referente à articulação normativa
de um sistema estatístico geográfico no Brasil. Sua disciplina constitucional

8 MOREIRA, Felipe Lellis. Impacto do uso de Dados Abertos sobre Assimetria de In-
fluência do Lobby no Congresso Nacional (Tese de Doutorado), Biblioteca Digital
da UFMG <http://hdl.handle.net/1843/39130> MACIEL, Caroline. Fundamentos
da Transparência Pública: Informação, Participação e Dados Abertos Rio de Janei-
ro: Lúmen Juris, 2022.
18 | FABIANA DE MENEZES SOARES

encontra-se no inciso XV art. 21 e no inciso XVII do art. 22 da Constitui-


ção Federal no rol de competências da União, respectivamente: “organizar
e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia
de âmbito nacional” e ainda a competência privativa da União legislar so-
bre “sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais”.
Não obstante avanços tecnológicos, tais como digitalização, au-
tomação de processos, georreferenciamento, existência de várias bases
de dados conexos, alimentados por outros sistemas públicos de inter-
face com a realidade e sociedade, frequentemente não articulados e/ou
coordenados entre si.
A disciplina do Censo é mais recente( A Lei nº 8.184, de 10 de
maio de 1991 dispõe sobre a periodicidade dos Censos Demográficos
e dos Censos Econômicos), todavia, não obstante o caráter de política
de estado, posto que trata-se de interesse público e coletivo do mais alto
grau (a disponibilização de dados oficiais), a sua realização está sujeita ao
executivo e portanto às “sazonalidades” de eventuais governos:

Art. 1º A periodicidade dos Censos Demográficos e dos Censos


Econômicos, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), será fixada por ato do Poder Exe-
cutivo, não podendo exceder a dez anos a dos Censos Demográ-
ficos e a cinco anos a dos Censos Econômicos.

Todavia, todas essas mudanças ainda se equilibram numa cadeia


de fontes do direito, de mais de 50 anos, vigente e que permanecem a
densificar normas constitucionais, a saber: Decreto-Lei (DL) nº 161, de
13 de fevereiro de 1967, Decreto-Lei nº 243, de 28 de fevereiro de 1967;
Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973. ; Decreto nº 77.624, de 17 de maio
de 1976. .Desde 1999, os Guias de boas práticas para fomento de boas
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 19

políticas regulatórias da OCDE9, ou mesmo o Relatório Mandelkern10


(EU; 2001/2003) salientam o papel das consultas públicas nas reconstru-
ções de cenários, importantes para o diagnóstico do “presente” de um
dado problema alvo de uma legislação, além, obviamente da preocupação
com legislações mais eficientes, cuja realizabilidade possa ser verificada
por meio de procedimentos que antevejam dificuldades e as equacionem
antes da sua entrada em vigor. Ainda que o Brasil não integre, ainda, a
OCDE, os ecos da influência de seus guias sobre o sistema normativo em
torno das normas sobre normas são verificáveis.

2. A AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO


INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

A Constituição da Confederação Helvética que entrou em vigor


em janeiro de 2000 é fruto de processo revisional total da Constituição

9 Lista das Recomendações OCDE desde 1995:


1995 Recommendation of the Council on Improving the Quality of Government Re-
gulation [C(95)21/FINAL] OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy;
1997 OECD Report to Ministers, which set up a comprehensive plan for action on
Regulatory Reform;
1998 Recommendation of the Council concerning Effective Action Against Hard
Core Cartels [C98)35/FINAL];
2022 Recommendation of the Council on International Regulatory Cooperation to
Tackle Global Challenges;
2021 Recommendation on Agile Regulatory Governance to Harness Innovation;
2012 Recommendation of the Council of the OECD on Regulatory Policy and Go-
vernance 2005 OECD Guiding Principles for Regulatory Quality and Performance
2005 APEC-OECD Integrated Checklist on Regulatory Reform 2021 International
Regulatory Cooperation;
2020 Reviewing the Stock of Regulation 2020 One-Stop Shops for Citizens and Bu-
siness 2020 Regulatory Impact Assessment 2018 OECD Regulatory Enforcement
and Inspections Toolkit;
2014 The Governance of Regulators 2014 Regulatory Enforcement and Inspections.
10 https://www.smartreg.pe/reportes/Mandelkern%20Report%20on%20Better%20
Regulation%202001.pdf; https://leges.weblaw.ch/legesissues/2003/1/20031151-162.
html. Acessado em 01/04/2023.
20 | FABIANA DE MENEZES SOARES

de 1848 iniciado nos anos 90 e referendada11 pelo povo suíço (59,2%) e


por 12 cantões ( dentre 20 cantões) e dois semi-cantões (dentre 6 cantões)
com a retirada de anacronismos, que recepcionou o direito constitucio-
nal, jurisprudencial, não escrito.
Uma das modificações mais notáveis, concerne à avaliação de
efeitos empíricos de ações estatais: políticas públicas e legislações, no
sentido lato. A avaliação positivada no art. 170 incluiu o exame de efeti-
vidade das ações, decorrentes de todos os processos decisionais estatais:
“A Assembléia Federal garante que a eficácia das medidas tomadas pela
Confederação seja avaliada.”(grifo nosso). Ou seja, um artigo bem mais
suscinto do que o seu correspondente brasileiro e que foi bem sucedido
na implementação dessa grande inovação na gestão estatal.
Esse artigo pavimentou um rol de mudanças sobre toda a gestão
pública com alcance sobre todos os entes da confederação e em todas
as funções estatais que se valeu da definição dos padrões da SEVAL12,
amplamente utilizados na gestão pública suíça e que ajudam a definir o
projeto cultural da governança legislativo-regulatória da Suíça.
É dentre os processos decisionais estatais que os standards da SE-
VAL são aplicados posto que definem o modelo de a avaliação entendi-
da como “análise e sistemática e transparente apreciação” da concepção,
dos efeitos/resultados, ou da implementação de efeitos, concernentes a:
política pública, norma jurídica, plano, projeto, programa, medida, pres-

11 AUER,Andreas et DELLEY, Jean-Daniel «Le référendum facultatif; la théorie à


l’épreuve de la réalité» , Revue de droit suisse, 1979, vol. 1, pp. 134.AUER, Andreas
(dir.) Les Origines de la démocratie directe en Suisse / Die Ursprünge der Schweizeris-
chen direkten Demokratie, Helbing & Lichtenhahn, Bâle, Francfort, 1996.; MOREL,
Laurence. “Le Référendum État des Recherches. Revue Française de Science Politi-
que, vol. 42, no. 5, 1992, pp. 835–64. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/43119125.
Acessado em 01 de abril de 2023. LINDER, Wolf. Das politische System der Schweiz.
VS Verlag für Sozialwissenschaften, 2004; CHOLLET, A. Une défense du référen-
dum à partir de l’exemple suisse. Revue du MAUSS, 50, 291-305, 2017. https://doi.
org/10.3917/rdm.050.0291; MICOTTI, Sébastien; BÜTZER, Michael. La démocra-
tie communale en Suisse: vue générale, institutions et expériences dans les villes
1990-2000. c2d Working Papers Series, n. R08, 2003.
12 Standards d’évaluation de la Société suisse d’évaluation Adopté par l’assemblée gé-
nérale au 9 septembre 2016.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 21

tação, organização, processo, manifestação, tecnologia ou material que


possa ser avaliado13.
A institucionalização da avaliação legislativa, segundo Mader
(1985), faz-se sentido diante de alguns aspectos que ainda hoje podem
ser verificados nas informações oficiais14. O primeiro deles é dotar de-
mandas complexas de um maior aporte de insumos informacionais que
incluem dados a serem selecionados a partir da necessidade concreta.
O segundo aspecto diz respeito à necessidade de pessoal técnico
especializado em analisar dados e a verificar resultados, assim justifica-se o
planejamento de ações de formação continuada em parceria com as escolas
superiores que forneceram e fornecem aporte metodológico e da delimita-
ção de problemas dos mais diversos presentes na realidade nacional.
Finalmente, a organização do trabalho e dos procedimentos de
gestão que em regime de cooperação que articulem informações por par-
te de quem elabora e de quem a aplica. Desse modo, o sistema da ação
legislativa pode criar medidas de autotutela para melhoria da rede de im-
plementação (as condições para executoriedade) dos atos normativos.
A questão da capacitação de pessoal para lidar com a análise de
feitos empíricos enquanto projeta soluções futuras demanda iniciativas
que atingem os futuros profissionais. Assim, ganha relevância iniciativas
que tenham como escopo a formação de habilidades ainda no curso de
graduação, seja para juristas ou gestores públicos.

2.1. A necessária inovação no ensino


jurídico sobre elaboração legislativa

O Projeto LegisLab UFMG é um laboratório de tecnologia social


para inovação em ensino de graduação, sediado na Faculdade de Direito
que inclui na sua articulação departamental, a Ciência Política, pensa-
13 Guide de l’évaluation de l’efficacité à la Confédération.<http://www.ofj.admin.ch/
ejpd/fr/home/themen/staat_und_buerger/ref_evaluation/ref_umsetzung_art.
html. Acessado em 01 de abril de 2023.
14 https://www.bj.admin.ch/bj/fr/home/staat/legistik.html. Acessado em 01 de abril de 2023.
22 | FABIANA DE MENEZES SOARES

da como tecnologia social que permita a formação para análise de casos


concretos ( problemas legislativo e/ou regulatórios municipais, estaduais
ou federais) em ambiência transdisciplinar.
O projeto está em curso desde 2018 e usa técnicas de PBL (pro-
blem based learning) e sua Trilha de Conhecimento é fundada em dire-
trizes que assegurem o modelo instituído de Ensino-Aprendizagem que
facilite uma ambiência favorável ao desempenho das tarefas de avaliação
legislativo-regulatória:

1. Pensar problemas reais, ofertar soluções factíveis.


2. Elaboração da Casoteca fundada em resultados de pesqui-
sas, pautas sugeridas por sistemas peritos, inclusive a as-
sistência judicial (indicador de litigiosidade), assuntos da
agenda pública.
3. Produção de soluções concertadas pelas equipes, em sala
de aula.
4. Justificação das soluções fundada em dados e evidências e
que considerem os Objetivos do Milênio.
5. Interação entre pós graduação e graduação: mentoria das
equipes multidisciplinares e ambiência transdisciplinar.
6. A Ciência de Dados faz parte do processo de co-criação
da solução.
7. Problemas são georreferenciados.
8. As soluções consideram legislações e suas políticas públicas,
sobretudo se os problemas forem transversais.
9. Escuta ativas de outros pesquisadores e profissionais com
experiência e conhecimento sobre o tema do caso estão pre-
sentes no fluxo da análise e são documentadas no processo
de co-criação.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 23

10. Publicidade do processo de co-criação durante todo o per-


curso, em linguagem simples, inclusive, se possível, usando
redes sociais.
11. Publicidade das soluções por meio de difusão estratégica.
12. Banco de conhecimento a cada semestre, alimentado por
resultados das equipes.
13. Incentivo de habilidades de cooperação, convivência, respei-
to ao dissenso.

A Casoteca, com problemas reais é elaborada observando os


temas da agenda pública, questões identificadas nos trabalhos da pós
graduação, nas atividades de extensão acadêmica que exijam uma abor-
dagem que envolva processos decisórios em casas legislativas, órgãos
normativos. Os casos são distribuídos às equipes mistas (estudantes de
Direito, Ciências do Estado, Gestão Pública etc.).
A análise é feita por etapas, avaliadas, ao longo do semestre. Não
existem trabalhos individuais e a equipe segue junta desde o início. As
avaliações são discutidas e as equipes tem oportunidades de melhorar seu
desempenho, durante todo o semestre. Ao final, o resultado dos trabalhos
é disponibilizado e publicizado em relatórios técnicos e o conhecimento
desenvolvido pela análise dos casos propicia uma contribuição da univer-
sidade para a sociedade brasileira15.
Trata-se de uma inovação na gestão pública referente ao ensino
superior que visa criar condições para consolidação da cultura de análise
de efeitos empíricos da lei por meio de ação educacional. A proposta e
a condução dos trabalhos utiliza a metodologia da Legística e se inspira
em variados instrumentos presentes em práticas de avaliação legislativa.
A inovação em processo que a proposta do LegisLab espelha e
que também se fundamenta na utilidade do modelo jurídico de gover-
nança para análise dos efeitos empíricos da lei, expresso na prescrição
normativa contida no §16 do art. 37 da Constituição Federal, também

15 A presente coletânea é uma ação de difusão de conhecimento produzido pelo Pro-


grama de Pós Graduacão em Direito - PPGD.
24 | FABIANA DE MENEZES SOARES

integra outro sistema normativo de Ciência, Tecnologia e Inovação. Essa


articulação entre as normas constitucionais de avaliação dos efeitos das
ações governamentais ( que por sua vez, se justificam porque advém de
atos normativos de diferentes níveis) decorre de Emenda Constitucional
anterior, a EC 85/2015 que positivou os princípios conformadores de po-
líticas públicas em para a ciência, tecnologia e inovação.
O alcance da Emenda Constitucional sobre a arquitetura constitu-
cional foi profundo e se referiu não somente a um artigo, mas a um elenco
de artigos constitucionais, incluindo as competências dos entes federados,
passando por Finanças Públicas até chegar nos desafios à efetivação de di-
reitos fundamentais e sociais prescritos no Título “Da Ordem Social”.
O alcance das alterações dos artigos constitucionais e consequente-
mente todas as normas então vigentes sobre o tema da autonomia técnico-
-científica nacionais atingiu os seguintes artigos : inciso V, art. 23; inciso XIX,
do art. 24 concernentes ao Título da Organizacão do Estado; §5º do art. 167;
inciso V, do art.200 concernentes ao Título Da Tributacão e Do Orçamento;
§2º do art. 213 e finalmente, no capítulo da Ciência, Tecnologia e Inovação
com os artigos 218, 219 concernentes ao Título Da Ordem Social.
Esse capítulo integra às diretrizes constitucionais do Título da
Ordem Social, disposta no art. 193 (“A ordem social tem como base o
primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”),
cujo parágrafo único, dispõe:

“O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, as-


segurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos
de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas
políticas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)

3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO LEGISLATIVA

O desenho institucional apto a desenvolver a cultura da avalia-


ção, ganhou terreno na Suíça desde 1996 com a formalização da SEVAL
( Sociedade Suíça de Avaliação). Composta por representantes das uni-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 25

versidades e centros de pesquisa vinculados ao Ensino Superior inclui re-


presentantes de órgãos administrativos municipais, cantonais e da Con-
federação que além de propor diretrizes de avaliação para o setor público,
documenta boas práticas, capacita agentes, além de fixar os padrões de
avaliação (Standards Seval).
Assim, o denominado processo de transposição constitucional16
cuidou de implementar a avaliação dos efeitos empíricos da legislação na
cultura burocrática suíça instituindo um modelo de gestão de projetos de
cunho legislativo e regulatório que se articulam numa rede de implemen-
tação. Para fins de consolidação e uniformização dos procedimentos de:
avaliação de ações governamentais , alterações e novos impulsos para a
elaboração legislativa instrumentos como manuais e guias que decodifi-
cam as etapas procedimentais em diretrizes práticas que permitem con-
cretizar comandos legais e regulatórios em gestão legislativo-regulatória.
A garantia da qualidade da avaliação no ciclo do projeto contido
no Manual de Avaliação de Efetividade da Confederação lançou as ba-
ses de apoio para os serviços que lidariam com os ciclos do projetos de
avaliação, após as deliberações do grupo de trabalho interdepartamen-
tal criado para implementar a efetividade do art 170 da Constituição da
Confederação Helvética.
Basicamente duas perspectivas dirigiram o manual: a primeira
teórica que elencou, conforme a literatura especializada, cinco etapas
17

funcionais de um bom ciclo de avaliação: Planejamento, Concepção do

16 Décisions du Conseil fédéral: Beschluss des Bundesrates vom 3. November 2004;


Aperçu consolidé des décisions du 19 janvier 2006); Evaluer l’efficacité des mesures
prises par la Confédération.
17 Mader, Luzius (2005): Artikel 170 der Bundesverfas- sung: Was wurde erreicht, was ist
noch zu tun? LeGes – Législation & Evaluation 2005/1: 29-37 http://www.admin.ch/
ch/d/bk/leges/2005- 1/014%20Mader.pdf ; Bussmann, Werner/Klöti, Ulrich/ Knoep-
fel, Peter (Hrsg.) (1997): Einführung in die Politikevaluation. Basel: Helbing & Lichte-
nhahn. http://www.bj.admin.ch/etc/medialib/data/staat_buerger/evaluation/materia-
lien.Par.0003.File.tmp/politik evaluation.pdf ; IDEKOWI (2004): Efficacité des mesures
prises par la Confédération. Propositions de mise en œuvre de l’art. 170 de la Constitution
fédérale dans le contexte des activités du Conseil fédéral et de l’administration fédérale.
Rapport du Groupe de contact interdépartemental „Evaluations de l’efficacité“, 14 juin
2004. Berne: Office fédéral de la justice. http://www.bj.admin.ch/etc/medialib/data/sta-
26 | FABIANA DE MENEZES SOARES

mapa de entregas, Definição da Executoriedade das Entregas (Execução),


Acompanhamento (Monitoramento) das atividades de Avaliação. A se-
gunda compreende a direção do instrumento de gestão do projeto de ava-
liação, aperfeiçoada em quatro (4) dimensões; Utilidade, Realizabilidade,
Deontologia ( Integridade) e Precisão.
Especificamente para a atividade de elaboração legislativa, há um
instrumento preciso para a Legislação (Guia, editado pela primeira vez
em e outro para a análise de impacto de regulamentação. Essa estratégia
permite que legislações, regulamentações (atos infra legais) e suas polí-
ticas públicas tenham os seus ciclos de formação harmonizados, pois a
diretrizes para ambos são compatíveis.
O efeito prático disso é o incremento da efetividade dos efeitos
das ações governamentais e consequentemente, dos efeitos atos norma-
tivos de origem parlamentar ou governamentais. Assim, legislações mais
responsivas ganham espaço porque aumentam o nível de confiança ins-
titucional e abrem caminho para escolhas sobre conteúdos de leis e legis-
lações infra-legais que façam sentido para os objetivos constitucionais da
República Federativa do Brasil.
O Guia suíço adota a Metodologia da Legística como padrão
para a análise metodológica estruturada e racionalizante do problema em
torno do impulso para legislar. Desse modo, o procedimento considera o
diagnóstico da situação inicial com o fim de permitir uma reconstrução
de cenário da futura incidência normativa mais comprometido com efei-
tos que permitam impedir, mitigar, melhorar a situação inicial objeto da
ação legislativa. Assim, a rede de implementação que possa incluir atos
infralegais é planejada para dotar o futuro ato de viabilidade quanto à
aplicação e quanto à fruição por parte dos seus afetados.

at_buerger/evaluation.Par.0005.File.tmp/Rapport%20du%20Groupe%20de%20con-
tact%20interdépartemental%20Evaluations%20de%20l’efficacité.pdf.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 27

3.1. Quadro de Inserção do método de resolução


de problemas dentro do procedimento legislativo:

Fonte: Guia da Legislação, 3ª Edição, 200718 ( em vigor, em abril de 2023)

Legenda:
Impulsion/Mandat: Impulso Legislativo
Analyse du Mandat/ Esquisse de la gestion du projet: Análise do manda-
to ( para análise do projeto)/ Minuta da Gestão do Projeto
Analyse de la situation initiale: Análise da situação presente ( Diagnóstico)
Recherche des objectifs: Pesquisa dos objetivos

18 Guide pour l’élaboration de la législation fédérale. 3e édition, mise à jour Office fé-
déral de la justice 2007. <https://www.bj.admin.ch/bj/fr/home/staat/legistik/haup-
tinstrumente.html> Acessado em 01 de abril de 2023.
28 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Recherche des solutions: Pesquisa das soluções


Choix des solutions: Escolha das Soluções

3.2. O papel da Legística material na avaliação legislativa

Se a avaliação legislativa é um processo compreensivo no qual as ati-


vidades da Politica ( Politics) e Política Pública (Public Policy) seguem em
conjunto, a definição de um modelo jurídico com etapas pré definidas não
apenas é útil, como necessário. Assim, as etapas principiológicas da Legística
Material relativas ao ciclo de resolução de problemas é assim sintetizada:

1. Análise da situação inicial

1.1. Qual é o problema?


1.2. Por que o Estado deve intervir (ação legislativa ou outra?)
1.3 Onde reside o problema

2. Pesquisa dos objetivos

2.1. Qual é o cenário futuro desejado?


2.2. O que deve ser alcançado?
2.3. O que deve ser evitado de ser alcançado?

3. Pesquisa das Soluções:

3.1. Elaboração de Lista de Instrumentos de ações pretendidas


3.2. Quais são as soluções possíveis?
3.3. Quais são as variáveis de interferência?
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 29

4. Escolha de soluções: avaliar as soluções

4.1. Quais são as soluções oportunas e realistas no contexto


político?

3.2.1. Esquema dos Standards da Seval –


Guia de Avaliação de Efetividade

•Identificação das partes


•Documentação e objeto da
interessadas e grupos
avaliação
afetados
•Análise do contexto
•Clareza dos fins da avaliação
•Descrição dos objetivos e etapas
•Credibilidade
•Fontes de informações seguras
•Amplitude e clareza das
escolhas •Informações válidas e fidedignas
•Transparência da apreciaçao •Verificação sistemática das
informações
•Completude e clareza do
relatório • Análise das informações
Realizabilidade quantitativas e qualitativas
•Apresentação do relatório Utilidade
dentro do prazo A avaliação é realizada • Conclusões Motivadas
Adequação da avaliação • Apresentação
•Efeito da avaliação de maneira realista,
às necessidades de Imparcial do
reflexiva, com
informação de usuáris •R Relatório
diplomacia e
potenciais. • Meta Avaliação
considerando os custos

Deontologia
A avaliação executada Precisão
corretamente sob o A avaliação obtem e
ponto de vista jurídico e forneceinformações
ético, com respeito e válidas e utilizáveis
devida atenção a
integridade das partes e
grupos afetados
•Acordo formal
•Procedimento
•Proteção aos direitos
individuais •Aceitabilidade política
•Interação marcada por •Relatório custo/benefício
humanidade
•Análise completa e idônea
•Publicacão dos resultados
•Identificacao dos conflitos de
interesse

(Ilustração própria a partir de Widmer et al. 2000)19

19 Widmer, Thomas/Landert, Charles/Bachmann, Nicole (2000): Standards d’évalua-


tion de la Société suisse d’évaluation (Standards SEVAL). Berne/Genève: SEVAL.
http://www.seval.ch/fr/documents/seval_Standards _2001_fr.pdf.
30 | FABIANA DE MENEZES SOARES

3.2.2. Sistema normativo legal e infra legal


para avaliação de leis e regulamentos

Na esfera federal brasileira, uma certa cadeia de fontes do direito


aponta uma interpretação dirigente para a elaboração de leis e ações go-
vernamentais (políticas públicas).
A Lei Complementar 95/98, norma geral incidente sobre a dis-
ciplina de normas sobre a produção de outras normas, prescreve regras
sobre redação, alteração, consolidação e elaboração de atos normativos.
Além disso, inova na publicidade oficial ao considerar o impacto social
dos atos normativos ao autorizar o início da produção de efeitos posterior
à publicação do texto legal com o fim de amplificar o conhecimento real
do conteúdo dos atos normativos.
Ao densificar a disciplina constitucional do devido processo de ela-
boração normativa as suas prescrições acabam por dimensionar o que sig-
nifica a validade sob o império da LC 95/98. Sua força dirigente se expande
sobre os Decretos Federais 9191/2017 e 10.411/2020, respectivamente, e
operacionaliza uma específica densificação da LC 95/98 ao disponibilizar
um instrumento de avaliação legislativo-regulatória e se destina a toda pro-
dução normativa do Executivo e o subsequente que disciplina.
Diversos princípios suscitados em modelos de políticas para boa
legislação nos documentos de referência mencionados, encontram res-
sonância no direito brasileiro. Ainda em 1999, a Lei de Procedimento
Administrativo Federal foi publicada e mesmo com o âmbito de incidên-
cia definido sobre a esfera federal, vem sendo utilizada como fonte sub-
sidiária pela jurisprudência20 na qualidade de um tipo de norma geral,
aplicável sobre as demais administrações públicas.
Todavia, mesmo quando há uma legislação sobre processo ad-
ministrativo, por parte de outros entes da administração pública, diver-
sas legislações estaduais ecoaram, em todo, ou em parte, a principiologia

20 Súmula n. 633/STJ; ADI 6019.


AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 31

positivada na Lei de Procedimento Administrativo Federal. 21 Dentre as


suas normas, salientamos o Art. 2o que prescreve que a Administração
Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalida-
de, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla
defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
( grifo nosso). O mesmo artigo traz uma norma obrigatória de cunho
procedimental prescrita, sob a forma de critérios, a serem obedecidos nos
processos administrativos.
Ressaltamos, no elenco do art. 2º, quatro (4) critérios que coa-
dunam com o modelo de avaliação legislativo-regulatória presentes na
literatura e em boas práticas de referência:

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obri-


gações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente ne-
cessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que deter-
minarem a decisão;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequa-
do grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que me-
lhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada apli-
cação retroativa de nova interpretação.

O Decreto Federal 9.203 de 2017 dispôs sobre a uma política de


governança da administração pública federal direta, autárquica e funda-
cional e traz um conceito legal de governança “conjunto de mecanismos
de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcio-
nar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à
prestação de serviços de interesse da sociedade”.
O mesmo ato normativo elenca princípios dirigentes da gover-
nança pública, no seu art. 3º: capacidade de resposta; integridade; confia-

21 Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Pará, Goiás, Espírito Santo, Bahia, Pernam-
buco, Rio grande do Sul, Amazonas.
32 | FABIANA DE MENEZES SOARES

bilidade; melhoria regulatória; prestação de contas e responsabilidade e


transparência. Por fim, no desenho da política, apresenta o rol de onze (11)
diretrizes das quais ressaltamos: promoção da simplificação administrati-
va, a modernização da gestão pública e a integração dos serviços públicos,
especialmente aqueles prestados por meio eletrônico; monitoramento do
desempenho e avaliar a concepção, a implementação e os resultados das
políticas e das ações prioritárias para assegurar que as diretrizes estratégi-
cas sejam observadas; garantia de processo decisório orientado pelas evi-
dências, pela conformidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburo-
cratização e pelo apoio à participação da sociedade; edição e revisão de atos
normativos, pautando-se pelas boas práticas regulatórias e pela legitimida-
de, estabilidade e coerência do ordenamento jurídico e realizando consul-
tas públicas sempre que conveniente; promoção da comunicação aberta,
voluntária e transparente das atividades e dos resultados da organização, de
maneira a fortalecer o acesso público à informação.
Se a Política de Governança deixa clara a dimensão de planeja-
mento da elaboração legislativa, ainda que não tenha feito a remissão ex-
pressa à Lei Complementar 95/98, verifica-se que uma política para boa
legislação se instrumentalizou, também na Lei 13.848/2019 que dispõe
sobre o processo de avaliação de impacto regulatório das Agências Re-
guladoras ( e portanto cria procedimento específico na Administração
Pública Indireta), bem como a disposição protetiva contra o abuso regu-
latório contido na Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2-19).
Assim, não faz qualquer sentido a assimetria e a contraditória
interpretação no conceito de devido processo legal da elaboração legisla-
tiva que pretenda excluir a inovação da avaliação legislativo-regulatória
da atividade normativa da Administração Direta tutelada por lei, como
a regra do Decreto 10.411 cuja redação pretende excluir a avaliação de
impacto legislativo os Decretos e atos normativos a serem submetidos
ao Congresso Nacional. Esse entendimento ganha singular reforço com
o §16, do art. 37 da Constituição da República. Os atos normativos com
grande alcance (pois isso tem a ver com seu tipo normativo) como as leis
ou atos normativos de maior hierarquia como decretos que acabam por
ter grande impacto na medida em que se articulam com ações governa-
mentais no seio de programas, políticas.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 33

4. POR UMA GOVERNANÇA PARA A LINGUAGEM


SIMPLES E SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS

Há uma escolha positivada para a distinção entre a atividade


relativa à linguagem do direito (redação) e outra, concernente à “ela-
boração” de atos normativos. Primeiramente, o modelo jurídico da lin-
guagem jurídica necessita ser lido sob os auspícios da Lei de acesso a
informação, em especial ao art. 5º da Lei de Acesso à Informação. Se seu
objeto concerne ao acesso às informações do estado que nos termos do
art. 3º veiculam conhecimento.
No caso, a publicidade da legislação permite o acesso ao conhe-
cimento normativo, e assim, concerne a um tipo de informação oficial
cujo efeito é vinculante e assim interfere no sinal de conduta das afeta-
das e afetados, o que culmina por distinguir totalmente a informação de
conteúdo normativo de todas as outras. O art. 5º cria um dever para o
Estado de considerar não somente a publicidade mas formas de tornar
esse conhecimento jurídico materialmente acessível.
A Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017 identificada na sua emen-
ta como “Código do Usuário do Serviço Público” fez remissão expressa à
LAI e traz elementos importantes concernentes ao papel dos afetados
no processo de avaliação de serviços públicos, primeiras trincheiras da
concreta satisfação de direitos e sobretudo de definição do alcance de
competências para incrementar o cumprimento de leis. Salientamos
como especial atenção o art. 5º, além do caput os seguintes incisos:

Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada pres-


tação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços
públicos observar as seguintes diretrizes:
XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simpli-
ficar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propi-
ciar melhores condições para o compartilhamento das informações;
XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evi-
tando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos (grifo nosso).
34 | FABIANA DE MENEZES SOARES

O artigo se refere a ação governamental de atendimento aos cida-


dãos e cidadãs, que concretamente buscam serviços públicos executados
tanto por agentes públicos, quanto por prestadores de serviços. Tais ser-
viços necessitam de estratégias para aumento da sua qualidade, pois isso
responde pela percepção de que a lei está funcionando e que direitos, deve-
res, obrigações, competências acham-se assegurados. Essa boa execução da
lei, expressa na sua politica de serviços ( válida para toda a administração
pública da federação) necessita de um aparato tecnológico, o que responde
por um comprometimento constante com a inovação e com o circuito de
informações ( conhecimento) gerado pela prestação do serviço. Esse mo-
delo também deve ser simples, desburocratizado, acessível.
O art. 23, prescreve , explicitamente a obrigação da avaliação dos
serviços prestados e define quais são os aspectos:

I- satisfação do usuário com o serviço prestado;


II - qualidade do atendimento prestado ao usuário;
III - cumprimento dos compromissos e prazos definidos para
a prestação dos serviços;
IV - quantidade de manifestações de usuários; e
V - medidas adotadas pela administração pública para me-
lhoria e aperfeiçoamento da prestação do serviço.

As dimensões de análise dos efeitos de serviços ( variados e plurais


que viabilizam direitos a serem prestados pelo Estado, em todas as suas ma-
nifestações federativas) exigem a comunicação do usuário ( consultas, pes-
quisas de opinião, enquetes etc), a avaliação por padrões de qualidade que
passam por critérios técnicos e são ligados ais avanços da ciência, à mensura-
ção da eficiência e presteza, ao uso de métodos quantitativos para compreen-
são do público atendido, ao planejamento de um cenário de otimização do
serviço prestado, presentemente. Nesse sentido o art. 14 impõe a necessidade
do relatório de gestão das ouvidorias como insumo informacional de rele-
vância para correção e melhoria na prestação do serviço público.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 35

O parágrafo 1º do mencionado artigo prevê pesquisa anual de


satisfação “por qualquer outro meio que garanta significância estatística
dos resultados”. No parágrafo 2º , o ciclo de avaliação se completa com a
retroalimentação da análise sobre a situação presente que , por sua vez
impulsiona modificações substantivas na prestação futura do serviço
fundada nos dados A transparência ativa é levada a sério por meio de pu-
blicidade dos resultados da avaliação por meio de ranking das entidades
com maior incidência de reclamação.
Obviamente, os serviços bem prestados também ganham visibi-
lidade, mas também têm o efeito de aumento da confiança social no setor
de sua competência. Por fim, chamamos a atenção para o artigo 24 que
por regulamento, cada Poder e cada esfera de Governo, disporá sobre a
avaliação de efetividade e do nível de satisfação dos usuários.
Toda a forma de comunicação com o público, deve considerar
a linguagem simples, pois relatórios escritos com o uso de jargão e ter-
mos técnicos, sem a devida decodificação violam a possibilidade não só
de controle social, mas mitigam a circulação de entendimento sobre as
melhorias necessárias.
A disponibilização da informação ( conhecimento) de cunho ju-
rídico remete a um tipo de processo de elaboração de atos normativos
que assegure a inteligibilidade, compreensibilidade do conteúdo (“me-
diante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em
linguagem de fácil compreensão” conforme disposto na LAI).
Vê-se que se o acesso a informação, no caso, a normativa de cará-
ter jurídico, necessita de ações para considerar a objetividade, a celerida-
de, clareza, a inteligibilidade.
As boas práticas internacionais de Plain Language22, apontam
modelagens de políticas públicas para linguagem cidadã que facilitem a
inteligibilidade, a percepção do contexto relativas ao conhecimento das

22 <https://www.ethnicity-facts-figures.service.gov.uk/style-guide/principles>, <ht-
tps://www.canada.ca/en/privy-council/services/communications-community-o-
ffice/communications-101-boot-camp-canadian-public-servants/plain-langua-
ge-accessibility-inclusive-communications.html>. Acessado 01 de abril de 2023.
36 | FABIANA DE MENEZES SOARES

leis. A França teve como uma das suas ações na sua Política de Lingua-
gem Simples, o lançamento de um tipo de Glossário23
Em 16/12/2022 a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolu-
ção A/77/L. 37[1] pela linguagem/comunicação simples para a acessibili-
dade de pessoas com dificuldade de leitura. Já em 14/07 de 2023, no con-
texto da saúde pública, a FIOCRUZ lança cartilha sobre Comunicação
Acessível24 Em outubro de 2022 é publicada PORTARIA CONJUNTA
No 1391/PR/2022 que regulamentou o uso de linguagem simples e de
direito visual no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais.
O Decreto Judiciário nº 738, 25 de outubro de 2022, da Justiça
do Estado da Bahia disciplinou o uso de Linguagem Simples. Por sua
vez, a prefeitura de São Paulo criou uma articulada política para a
Linguagem Simples25
Os casos relatados são ilustrativos do movimento virtuoso co-
nexo ao acesso a informação compreensível. Portanto, não há motivação
para ações estatais que se omitam em criar estratégias contra a obscuri-
dade, ambiguidade e também anacronismos.

5. A AUTONOMIA DAS CASAS


LEGISLATIVAS PARA O DESENHO DO
MODELO JURÍDICO DA AVALIAÇÃO LEGISLATIVA

Em 2020 foi publicado o estudo de Imgard Anglmayer26 fundado


em pesquisa empírica do tipo Survey que mapeou o estado da política para
boa legislação, com foco no grau de adesão à avaliação de impacto prévia

23 Comité d’Orientation pour la Simplification du Langage Administratif (COSLA)


24 https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-lanca-guias-que-estimulam-comunica-
cao-acessivel Acessado em 01 de abril de 2023.
25 <https://011lab.prefeitura.sp.gov.br/linguagem-simples/sobre> Acessado em 01 de
abril de 2023.
26 ANGLMAYER, Irmagard. Better Regulation practices in national parliaments.
STUDY -EPRS | European Parliamentary Research Service. 2020.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 37

ou posterior por parte 37 parlamentos da União Européia e outros parla-


mentos não integrantes da União como Suíça, Canadá e Reino Unido.
Dentre os resultados da pesquisa realizada, o autor que trabalha
no gabinete de Pesquisa do Parlamento Europeu identificou em cada par-
lamento analisado ( bicameral ou unicameral) , a existência de serviços
administrativos e/ou órgãos políticos dedicados ao suporte de atividades
de avaliação ex ante(IA) e ex post (Eval) nos parlamentos nacionais. O
estudo também distinguiu e identificou a vinculação de um serviço /ór-
gão pertencente a uma ou às duas casas. O estudo traz especial destaque
a alguns parlamentos.
Primeiramente, ganham relevo as casas legislativas da Suíça,
França, Suécia que fundamentam suas experiência consolidada, por força
de mandato constitucional. Todavia, parlamentos que auto regularam a
avaliação independentemente de um mandato constitucional específico,
também foram alvo de escrutínio mais atento como, o Canadá, Bélgica,
Itália, Holanda, Polônia e claro, o Reino Unido.
38 | FABIANA DE MENEZES SOARES

5.1. Presença da Avaliação Legislativa em


Parlamentos Europeus e no Canadá
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 39

Fonte: Anglmayer, 2020

Fonte: Anglmayer, 2020


40 | FABIANA DE MENEZES SOARES

5.2. Avaliação Legislativa e Comunicação


na prática parlamentar

No caso das inovações comunicacionais das casas legislativas,


a luta contra a obscuridade nos textos legais27 traz uma perspectiva
igualmente profunda.
As leis, como é amplamente de conhecimento geral, não usam a
linguagem natural e sim são escritas como proposições lógico-formais. A
técnica legislativa também responde pela escrita reversa que transforma
a compreensão ordinária numa informação cifrada, em maior ou menor
grau, por vezes com o uso de jargões. Seja qual for o nível de “codifica-
ção” um operador será especialmente formado para “decifrá-la”. Curioso
porque a informação que as leis carregam se destina a uma generalidade
e o passar dos séculos culminou por ampliar as possibilidades de com-
preensão e difusão. Dos livros jurídicos objetos de legados28, passando
de geração em geração e assegurando a transmissão de conhecimento
jurídico para os poucos alfabetizados com tempo para os estudos.
Se a metodologia da Legística permite diagnósticos e projetação
de cenários futuros, a consideração desses aspectos acaba por influen-
ciar os Manuais de Redação Parlamentar. Um exemplo da boa prática se
encontra no Manual de Redação Parlamentar da Assembléia Legislativa
de Minas Gerais29. Dois itens em particular, acham-se articulados com
o ciclo de ação legislativa própria da Legística: A Preparação da lei e os
objetivos da Lei:

27 AINIS, Michelle. La legge oscura: come e perché non funziona.Imprenta: Roma,


Laterza, 2010.
28 Antonio Aliani, I libri di un giurista del Cinquecento: Giovanni Battista Baiardi,
in “Le Carte e la Storia, Rivista di storia delle istituzioni” 2/2004, pp. 149-171, doi:
10.1411/18746; Cultura giuridica, libri dei giuristi e tecniche tipografiche / Botelho Hes-
panha, Antonio Manuel in “Radici storiche dell’Europa : l’età moderna. - ( I libri di Viella
; 66) - Roma : Viella, 2009- Casalini id: 2461399” - P. 39-68 - DOI: 10.1400/166646.
29 https://dspace.almg.gov.br/bitstream/11037/5229/5/Manual%20de%20reda%-
c3%a7%c3%a3o%20parlamentar%20-%203%c2%aa%20Edi%c3%a7%c3%a3o.pdf.
Acessado em 01/04/2023.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 41

“A preparação da lei estudo preliminar

Antes de se iniciar a elaboração de um projeto de lei ou de uma proposta de


emenda à Constituição, deve-se proceder a um estudo técnico sobrea viabi-
lidade da proposição. Esse estudo é importante para avaliar as condições de
aplicação e os possíveis impactos da nova legislação, e também para evitar a
edição de leis desnecessárias. As informações recolhidas e a análise feita nessa
etapa preliminar podem e devem ser usadas na justificação do projeto, se pos-
sível de forma sistemática, de modo que a proposição seja bem fundamenta-
da, com argumentos consistentes e objetivos, úteis ao debate sobre a matéria.
Os aspectos a serem examinados no estudo preliminar são os objetivos da lei,
a necessidade de legislar, a possibilidade jurídica de legislar, o impacto sobre a
realidade e o ordenamento, o objeto da lei e seu campo de aplicação

Os objetivos da lei

Deve-se verificar se a lei pretendida trará alguma novidade em relação à le-


gislação vigente e se o caminho legislativo é, de fato, o mais adequado para
solucionar as demandas em questão. É necessário, assim, logo de início, fa-
zer um levantamento da legislação existente sobre a matéria, tanto no âm-
bito do Estado quanto da União, para avaliar concretamente a necessidade
de uma lei nova e, sendo o caso, propor a melhor forma de, tecnicamente,
inseri-la no sistema em vigor. A razão desses cuidados é evitar o acúmu-
lo desnecessário de atos normativos, sempre prejudicial à administração
pública e à sociedade. Em muitos casos, a solução do problema que leva o
parlamentar a querer legislar está em uma medida administrativa, política
ou mesmo judicial, e não na edição de lei nova”

O inciso XXII, do art. 100 do Regimento Interno da Assembléia


Legislativa de Minas Gerais ao dispor sobre as competências das Comis-
sões incluiu a elaboração de estudos de avaliação de impacto da legislação
estadual vigente.
No mesmo artigo, o inciso XIX e o parágrafo 2º disciplinam so-
bre a realização de audiências públicas. Por sua vez o art.122, III discipli-
42 | FABIANA DE MENEZES SOARES

na a ocorrência de debate público, bem como nas Deliberações nº 2694,


de 10/12/2018 e nº 2813, de 28/02/2023 que dispõe sobre a política de
participação da Assembleia Legislativa.
As normas sobre produção de normas dos próprios legislativos
brasileiros possuem diretrizes e princípios pouco uniformes, mas cada
casa acaba por escolher suas prioridades e o seu nível de institucionaliza-
ção. Os Regimentos são a a norma fundamental dos parlamentos.
O Senado Federal possui disciplina principiológica no seu Regi-
mento (art. 412) que incentiva o aporte de insumos informacionais diver-
sos, especificamente o uso dos casos omissos de acordo com a analogia
e os princípios gerais de Direito para tomada decisão e a estipulação de
antecedência da pauta para que haja amplo conhecimento
Os Requerimentos de pedido de informações estão previstos no
art 216, além da disciplina contida nos art. 261 §3º. As Audiências públi-
cas nas comissões são disciplinadas pelo art. 93; para prestação de contas
do Executivo, art. 99 §3º; Art. 99-A.
À Comissão de Assuntos Econômicos compete, ainda, avaliar
periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua
estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tribu-
tárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Por
sua vez, art. 102 dispõe sobre a Comissão de Transparência, Governança,
Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, além da aplicação, no
que couber, do disposto no art. 90 e sem prejuízo das atribuições das de-
mais comissões, cabendo o exercício da fiscalização e o controle dos atos
do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta. Nesse caso, a
Comissão tem a competência:

“a) avaliar a eficácia, eficiência e economicidade dos projetos e pro- gramas


de governo no plano nacional, no regional e no setorial de desenvolvimento,
emitindo parecer conclusivo;

b) apreciar a compatibilidade da execução orçamentária com os planos e


programas governamentais e destes com os objetivos aprovados em lei;”
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 43

Ao lado das regras procedimentais concernentes às varias etapas


da tomada de decisão legislativa, ferramentas já preexistentes às mudanças
da EC 109 permitem o aporte de diversas categorias de informações úteis
ao diagnóstico da situação presente, identificação de afetados e impactos
( das ações governamentais, normativos, inclusos), definição e escolha de
objetivos. As ferramentas foram desenvolvidas por casas legislativas diver-
sas, se complementam e inspiram melhorias e a desejável coordenação.

5.3. Quadro: Quadro síntese de


Boas Práticas em Legimática aplicáveis
à atividade de avaliação legislativa:
44 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Por fim, os critérios cotejados informam os processos decisionais


de elaboração legislativa e de políticas públicas. Todavia, mais uma vez,
necessitam ser compreendidos no conjunto da rede de fontes do direito
pré-existente que pode ser recepcionada pela nova disciplina do parágra-
fo 16 do art.37 da Constituição Federal.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 45

ANEXO 5.4 – PropostaRede


latório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes
Análise Estruturada conforme
de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018
Metodologia da Legística e adaptado das fontes mencionadas.
LegisLab

ESTUDO DE CASOS

1. Identificação do projeto apoiado:

2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018


46 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Estudo de Caso – 1
Relatório da Definição do Problema

Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes


de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

Qual o problema que pretende-se resolver


com elaboração de uma norma?

1. Identificação do projeto apoiado:

Problematização do impulso legiferante (Delley): Título:


Proponente
(Departamento/Unidade
LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas
DIT- Faculdade de Direito

Acadêmica):

• Natureza
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

• Causas: gráfico de modelização causal 2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

• Duração e dinâmica Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018

• Meios envolvidos: mapear os atores afetados


na matriz de interesse x poder

• Consequências

Limite de páginas: 6 páginas + desenho da modelização causal


AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 47

CAUSAS: ELABORAR UM GRÁFICO DE


MODELIZAÇÃO CAUSAL

Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes


de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

1. Identificação do projeto apoiado:

Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas


Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade
Acadêmica):
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018

ENVOLVIDOS: Mapear afetados na matriz


interesse x poder

Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes


de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

1. Identificação do projeto apoiado:

Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas


Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade
Acadêmica):
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018


48 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Estudo de Caso – 2
Relatório de Resumo do Caso

Qual o contexto do caso


escolhido?

• Levantamento da cadeia de legislações que normatiza o


objeto do caso
• Levantamento das políticas públicas em curso que se
relacionam com o objeto do caso

• Levantamento das instituições que afetam o objeto do


caso. Caso necessário, dividindo o objeto em vários
aspectos e relacionando eles a cada uma das instituições
responsáveis

• Resumo do caso

Limite: 4 páginas
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 49

Estudo de Caso – 3
Relatório dos pontos discutidos
com o especialista mentor
Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes
de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

Qual o resultado da reunião com o


especialista?

1. Identificação do projeto apoiado:

• Ata da reunião Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas

• Resumo das questões feitas e respostas recebidas


Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade

• Eventuais orientações recebidas


Acadêmica):
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares

• Resultado da reunião
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018

Limite: 10 páginas.
50 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Estudo de Caso – 4
Relatório de Definição de Objetivos e Meios
Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes
de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

Quais objetivos procura-se atingir e


por quais meios possíveis?

1. Identificação do projeto apoiado:

Utilizar a metodologia proposta por Delley para: Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas
Proponente DIT- Faculdade de Direito

1) Levantar e hierarquizar os objetivos dos mais abstratos aos mais concretos (ver o gráfico de sistematização hierárquica
(Departamento/Unidade
Acadêmica):
seguinte). Podem ser propostos vários, que posteriormente passarão por um juízo de escolha (no último relatório).
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH

2) Fazer a tabela de efeitos últimos (o objetivos, seus efeitos esperados, os indicadores que podem mediroutras
os efeitos) a partir
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
dos objetivos mais concretos encontrados na hierarquização anterior (conforme tabela a seguir) acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

3) Que tipos de instrumentos podem ser usados para realizar esses objetivos? Elenque as possibilidades. Depois,
2. Cumprimento classifique-os
dos objetivos do projeto

entre os mencionados por Delley: (1) instrumentos de tipo prescritivo ou coercitivo, 2) instrumentos de incentivo, 3)
Houve cumprimento Parcial (X )
instrumentos de coordenação; 4) fornecimento de bens e serviços públicos pelo Estado; 5) procedimentos de regulação
entre grupos ou de participação (como conselhos, etc); 6) instrumentos de parceria, ou tipifique-o caso Em não encontre um
relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

adequado. Faça um juízo sobre vantagens e desvantagens de cada instrumento considerando tudo o que você identificou
no problema até o momento. Exemplo: há viabilidade jurídica considerando a cadeia normativa? É uma solução Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018
duradoura ou temporária? Ataca qual parte/natureza do problema? Como atuarão os interessados? Entre outros que o
grupo identificar. (ver a tabela de instrumentos e sua adequação)

Limite: 4 páginas.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 51

GRÁFICO DE SISTEMATIZAÇÃO
HIERÁRQUICA DOS OBJETIVOS

Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes


de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

1. Identificação do projeto apoiado:

Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas


Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade
Acadêmica):
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

TABELA DE "EFEITOS ÚLTIMOS": OBJETIVOS,


2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

EFEITOS E INDICADORES
Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018

Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes


de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

1. Identificação do projeto apoiado:

Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas


Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade
Acadêmica):
Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares
Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH
com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública
acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018


52 | FABIANA DE MENEZES SOARES

Estudo de Caso - 5
Relatório Final do Caso
Escolha dos Instrumentos Relatório de Atividades para o Programa de Apoio a Projetos Estruturantes
de Laboratórios para o Ensino de Graduação – PALEG 2018

LegisLab

Relatório Final

Todos os relatórios anteriores por escrito, já revisados com as


sugestões dadas durante as apresentações (exceto a ata da 1. Identificação do projeto apoiado:

entrevista, que deve vir como anexo) Título: LegisLab – Laboratório de Legislacão e Políticas Públicas
Proponente DIT- Faculdade de Direito
(Departamento/Unidade

Relatório sobre a escolha dos instrumentos para solução do Acadêmica):


Coordenador do projeto: Fabiana de Menezes Soares

caso e as sugestões do grupo. Colaborações ou parcerias DCP/CEL/FAFICH


com departamentos de Colegiado de Graduação do Direito
outras unidades Colegiado de Graduação de Gestão Pública

Justificativa das escolhas: relatórios precedentes e nos


acadêmicas: Colegiado de Graduação das Ciências do Estado

princípios e técnicas sugeridos por Delley 2. Cumprimento dos objetivos do projeto

Houve cumprimento Parcial (X )

Definir: Em relação aos seguintes objetivos específicos, houve cumprimento?

• O quê? (o que será feito?) Modelo Relatório de Atividades - PALEG 2018

• Quem? (responsáveis)
• Como? (detalhamento) Limite:
• Quando? (entrada em vigor, duração, etc) 30 páginas.
• Onde? (locais)
• Por quê? (justificativa)
• Forma de avaliação (indicadores a serem acompanhados)
53

A EC 109 E A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS


PÚBLICAS: INICIATIVAS FEDERAIS,
ESTADUAIS E MUNICIPAIS

Thiago Hermont1

1. INTRODUÇÃO

O conceito de políticas públicas se consolidou nos últimos


anos, em contexto brasileiro, como o conjunto de medidas que têm
como alvo o bem-estar dos cidadãos, desde um aspecto mais dila-
tado, como os gastos com infraestruturas, até ações mais pontuais,
como a criação de conselhos de proteção a minorias2. De forma con-
ceitual mais precisa, podemos trazer as definições elaboradas pela
Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ao dispor que políticas pú-
blicas embasam o comprometimento estatal com os direitos econô-
micos, políticos, sociais e culturais dos cidadãos, sendo mais que um
mero agir, mas também um conjunto de processos que tragam, de
forma estratégica, a implementação de alternativas que criem resul-
tados tangíveis à população (MINAS GERAIS, s/d).

1 Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em


Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do
Observatório para a Qualidade da Lei. Contato: thiagohermont@gmail.com.
2 Exemplos: Conselho Indigenista Missionário, o Conselho para a Promoção da
Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas do Espírito Santo e o Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa.
54 | THIAGO HERMONT

Em função da natureza complexa que envolve os diversos proce-


dimentos ao se realizar políticas públicas, assim como a extensão de seus
efeitos práticos esperados, conta-se com a necessidade de um sistema apto
a avaliar tais políticas de maneira racional e sistematizada. Parafraseando
Delley (2004) quando fala sobre a importância de se pensar a lei antes de
redigi-la, é fundamental que as políticas públicas também sejam pensadas
e que, assim como predispõe a legística material, haja mecanismos meto-
dológicos para incrementar a qualidade da política pública a ser elaborada.
Nesse ciclo metodológico, cabe destacar a importância assumi-
da pelo papel avaliativo. O próprio círculo proposto por Delley (2004)
sugere que ocorram verificações anteriores e posteriores à elaboração le-
gislativa, podendo e devendo se aplicar às políticas públicas. Checar em
que medida há viabilidade prática na criação de tais políticas, antecipar
os potenciais efeitos de forma quali-quantitiva e prever o máximo possí-
vel de prós e contras quando da implementação definitiva são exemplos
salutares de avaliação do mérito do esforço estatal em cumprir com seu
compromisso público.
A figura abaixo, inspirada no ciclo idealizado por Delley (2004)
quando sugere seu procedimento metódico de análise da elaboração le-
gislativa, demonstra como a política pública pode ser racionalizada e utili-
zada de forma eficiente em seu momento de elaboração e implementação:
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 55

Figura 1 - Ciclo esquemático de avaliação de políticas públicas

Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos em Delley (2004)

Vale destacar, antes de entrarmos nos aspectos mais práticos da


avaliação de políticas públicas no Brasil junto às várias entidades federa-
tivas, a importância de cada um destes sete passos citados.
Primeiramente, não há como se falar de política pública sem a
percepção de um problema que possa ser sanado com base nesse investi-
mento estatal. O problema em questão precisa ser devidamente identifi-
cado para que os passos seguintes levem o mesmo em consideração para
a obtenção dos melhores resultados.
Em segundo lugar, a determinação de objetivos das políticas em
questão. Verificar o que elas pretendem é o caminho mais seguro para
garantir sua conquista de forma eficiente e célere. É fundamental que o
gestor público saiba o que pretende alcançar com elas, já que custos fi-
56 | THIAGO HERMONT

nanceiros, de pessoal e de tempo serão empregados para tanto. Os obje-


tivos delineiam o caminho a ser trilhado e, quanto mais precisos forem,
mais tangível e viável será a sua consecução.
Terceiro, a projeção de cenários. Esse passo é crucial para que se
possa vislumbrar quais são os possíveis panoramas de sucesso quando da
implementação das políticas públicas. É um cenário que atende o proble-
ma trazido? Ele segue os objetivos elencados? Essas previsões garantem já
uma certa antecipação ao quinto passo, o da avaliação prospectiva, obten-
do-se economia de tempo com previsões mais concretas.
Em quarto, a escolha das políticas públicas em questão. Este passo
representa a seleção governamental para solucionar as questões de ordem
econômica, social, cultural, estrutural vividas pelos cidadãos. É o primeiro
passo fundamental para o agir público por vir, de forma a efetivar direitos
e garantias que prezam pelo atendimento das necessidades identificadas
nos processos anteriores.
Quinto, a avaliação prospectiva. Este importante momento do mo-
delo avaliativo propõe a investigação pormenorizada e a tentativa de anteci-
pação dos prováveis efeitos da política pública quando de sua implementa-
ção. Seu papel crucial está em poupar futuros desdobramentos indesejados
por meio da previsão mais precisa possível do desenrolar. Trata-se de um
passo que necessita de profissionais especializados e munidos do maior nú-
mero possível de ferramentas tecnológicas, bancos de dados atualizados e
demais sistemas de informação, de forma a cobrir o máximo de resultados
prováveis e como a criação da política os impactaria.
O penúltimo passo é a execução das políticas públicas. Nesse pon-
to, o poder público realiza os gastos ou envio de subsídios, por exemplo,
para facilitar, mediar, criar ou elaborar propostas que atendam às necessi-
dades investigadas e analisadas anteriormente. É o momento da ação, que
precisa ser acompanhada e gerida de forma profissional e verificável, de
modo a se conferir segurança, credibilidade e responsabilidade aos provi-
mentos financeiros executados3.

3 Interessante destacar o que a natureza da legislação experimental em seu caráter


de avaliação continuada pode trazer para este passo. Avaliar uma política pública
ao mesmo tempo em que esta é efetivada traz mais segurança, possibilidades de
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 57

Por fim, a avaliação retrospectiva representa o estágio final no qual


o gestor poderá, com base em todo o material recolhido anteriormente e,
agora, com a visão do que houve na prática, analisar os dados obtidos a
partir da realização do ato. Assim, é possível retificar eventuais problemas
de implementação, propor alterações que aperfeiçoem a efetividade das po-
líticas públicas concebidas, criando-se um ambiente seguro e confiável para
engendrar políticas que sejam cada vez mais assertivas e econômicas.
O breve passo a passo exposto confere uma possibilidade, dentre
outras viáveis, de se balizar as políticas públicas de maneira racional e sis-
tematizada. A importância disso, novamente, é tornar o dispêndio finan-
ceiro em prol do atendimento de necessidades populares quantificável e
mensurável, o que é fundamental em termos de justificação do uso do
orçamento público. Para tanto, a criação de órgãos e mecanismos formais
de avaliação de políticas públicas torna-se uma realidade cada vez mais
presente na sociedade. É nesse sentido que vamos explorar a seguir de
que maneira a legislação vem fomentando a criação e desenvolvimento
de tais entidades que têm como fundamento a avaliação em nível federal,
estadual e municipal.

2. ESFERA FEDERAL

A Emenda Constitucional (EC) 109 de 2021, dentre outras alte-


rações, trouxe nova redação ao art. 37 da Constituição Federal Brasileira
ao dispor que “[o]s órgãos e entidades da administração pública, indivi-
dual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas,
inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados al-
cançados, na forma da lei.” (BRASIL, 1988, art. 37, §16) (grifos nossos)
Em um contexto no qual a importância de avaliações legislativas
encontra-se cada vez mais em voga, como com a criação de metodologias
de impacto únicas (MENEGUIN, 2010) e a expansão nos últimos anos de

mudanças práticas e tempestivas, antecipação de modificações futuras e acompa-


nhamento de seus efeitos reais para o público-alvo.
58 | THIAGO HERMONT

cursos de Legística4 por órgãos como a Escola Nacional de Administra-


ção Pública (Enap) e a Confederação Nacional das Instituições Financei-
ras (CNF), a EC 109 expressa de forma definitiva a relevância da avaliação
como meio de se obter maior efetividade quanto às operações que envolvam
o funcionamento das políticas públicas em todos os âmbitos da federação.
Em nível nacional, a bem-vinda novidade está na existência, des-
de 2019, do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Pú-
blicas (CMAP), instituído pelo Decreto nº 9.834 (BRASIL, 2019). Órgão
consultivo da União, o Conselho busca analisar políticas públicas esco-
lhidas, tendo como objetivo a verificação dos subsídios e gastos por parte
da União. Após as avaliações, o CMAP vai além de seu papel consul-
tivo, propondo recomendações de mudanças que possam beneficiar as
políticas públicas em andamento. Consegue-se, desta forma, assim como
acontece com legislações de cunho experimental, analisar e identificar
problemas, trazendo soluções no decorrer da implementação das políti-
cas, o que vai ao encontro das melhores práticas de governança.
De forma enxuta, uma vez que o capítulo não procura esmiuçar
a estrutura organizacional do CMAP, mas pelo interesse que desperta sua
matriz de funcionamento, o Conselho se apresenta da seguinte forma:

4 A Legística, ciência da legislação, tem como um dos seus preceitos materiais a inser-
ção de etapas avaliativas (prospectivas e retrospectivas) em prol da melhor elabora-
ção legislativa (SOARES, 2007).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 59

Figura 2 - Estrutura do CMAP

Fonte: Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (2020)

A figura explicita a relação interdisciplinar entre os secretários-


-executivos do Ministério da Economia, da Casa Civil e da Controladoria
Geral da União, o que agrega mais qualidade às operações avaliativas em
termos de subsídios e gastos diretos, contando com o suporte e embasa-
mento técnico, tradicionalmente reconhecidos, do IBGE, da Enap e do
Ipea. Ambos os conselhos, CMAS e CMAG, com base nas diretrizes fi-
nalísticas do Plano Plurianual, incrementam o arcabouço avaliativo e de
planejamento financeiro da União ao trazerem informações atualizadas e
fidedignas que podem ser utilizadas no decorrer dos ciclos orçamentários
das políticas públicas em questão.
Desta forma, e assim como ilustra a figura seguinte, a EC 109
configura-se como a concretização de diversos passos adotados ao longo
dos últimos anos em nível federal, com o objetivo de trazer mais efe-
tividade e segurança normativa às abordagens e análises avaliativas de
políticas públicas.
60 | THIAGO HERMONT

Figura 3 - Institucionalização da avaliação de


políticas públicas no governo federal

Fonte: Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (2020)

Porém, cabe destacar, como também observado na figura, que o


processo ainda não se encontra finalizado com a aprovação da EC 109.
A natureza da alteração do art. 37 indica a necessidade de regulamen-
tação legislativa específica, de forma que os órgãos da administração
pública possam estruturar, da forma mais eficiente possível, e diante de
suas realidades e particularidades, mecanismos pertinentes de avalia-
ção de políticas públicas.

3. ESFERA ESTADUAL

A EC 109 e a criação do CMAP em nível federal não revelam o


destaque da avaliação de políticas públicas apenas em termos nacionais.
Houve, ao longo da última década, movimentos estaduais para a institu-
cionalização de órgãos capazes de aferir de forma quantitativa e qualitati-
va as decisões sobre políticas públicas.
De forma mais expressiva, é interessante observar os exemplos
inovadores no Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 61

O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, IPECE,


é exemplo de uma autarquia que foi criada em 2003 para realizar estudos
e investigações de ordem socioeconômica visando não só a criação de
programas, mas também de estratégias que viabilizem o melhor dimen-
sionamento das políticas públicas cearenses (CEARÁ, 2022). Destaca-
mos, como feito anteriormente quando da análise da importância de se
ter métodos sistemáticos de avaliação, dentre os valores do órgão, o rigor
científico e a autonomia técnica. Ambos, juntamente com os demais valo-
res institucionais, balizam a missão do IPECE de ter, até 2025, ferramen-
tas que o tornem moderno e inovador em prol dos cidadãos do estado.
Já o Espírito Santo possui, desde 2010, o Centro de Monitora-
mento e Avaliação de Políticas Públicas (CM&A), que, operando dentro
do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), busca trabalhar em projetos
de políticas públicas em conjunto com pesquisadores e expoentes na área
(ESPÍRITO SANTO, 2022). Porém, a consolidação quanto à relevância
da análise pormenorizada de políticas públicas surgiu em 2017 com a
criação do Sistema de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas
do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2017).
O estado conseguiu alavancar de forma coerente e racional a
análise das políticas públicas, tendo em vista que, dentre seus objetivos,
está a institucionalização do monitoramento e avaliação (M&A) das
políticas públicas, em cooperação integrada com o ciclo orçamentário,
de forma a aperfeiçoar estas mesmas políticas estaduais dentro da con-
formidade dos gastos públicos. De forma ilustrativa, o sistema opera da
seguinte maneira:
62 | THIAGO HERMONT

Figura 4 - Organograma de funcionamento do SIMAPP

Fonte: Espírito Santo (2022)

A inovação capixaba vem acompanhada de tendências de trata-


mento visual de forma mais transparente para o público, como se perce-
be na página governamental, assim como nos facilmente localizáveis, e
sempre de modo prático, recursos de interpretação e compreensão das
políticas públicas e seus monitoramentos e avaliações. Um exemplo é o
Guia Para Avaliar e Monitorar Políticas Públicas, elaborado em conjunto
com o Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil
e África Lusófona, da Fundação Getúlio Vargas5.
Minas Gerais, por sua vez, de forma bastante recente, por meio
do Decreto nº 48.298, de 12 de novembro de 2021, instituiu o Sistema
Estadual de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (MINAS
GERAIS, 2021), que tem como objetivo, como expresso na página da
Fundação João Pinheiro, “qualificar os processos de formulação, monito-
ramento e avaliação de políticas públicas.” (MINAS GERAIS, 2022)
Além disso, o órgão abarca diversas diretrizes de organização em
prol da otimização da eficiência em gastos públicos e transparência, seguin-
do os parâmetros e diretrizes do Plano Plurianual de Ação Governamental,

5 Ressaltamos que o Guia é recomendado não só para uso avaliativo estadual, mas
também municipal e pelo Terceiro Setor. (ESPÍRITO SANTO, 2022).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 63

do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado e da agenda de Objetivos


de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas.
É válido destacar integralmente a definição da estratégia de ava-
liação mineira, uma vez que engloba os principais elementos já expostos
no capítulo para fundamentar a importância de se ter mecanismos men-
suráveis de avaliação das políticas públicas:

A principal estratégia do Sistema é a realização constante e sis-


temática de avaliações de programas prioritários do governo de
Minas, produzindo evidências concretas sobre seus desenhos,
implementação, resultados e impactos e, com isso, subsidiar a to-
mada de decisões que gerem valor público para a população do
estado. (MINAS GERAIS, 2022) (grifos nossos)

Por fim, na região sul do país, ressaltamos as iniciativas do Rio


Grande do Sul e de Santa Catarina.
O estado gaúcho, dentro de sua Secretaria de Planejamento, Go-
vernança e Gestão, criou em 2016 o Núcleo de Monitoramento e Ava-
liação de Políticas Públicas, objetivando a formalização do processo de
avaliação (RIO GRANDE DO SUL, 2022).
Reiteramos que, assim como nos outros estados já discutidos, o
Rio Grande do Sul também bate na relevante tecla de uma gestão baseada
em evidências e em relatórios técnicos detalhados. É fundamental, para o
exercício saudável e duradouro de políticas públicas bem elaboradas, que
estas sejam embasadas em procedimentos repetíveis, confiáveis e cien-
tificamente mensuráveis, de forma a dar total credibilidade às decisões
realizadas com dinheiro público.
Em Santa Catarina, a avaliação das políticas públicas foi levada a
um patamar de design, facilidade de compreensão textual e navegabilida-
de dignos de menção mais pormenorizada (SANTA CATARINA, 2022).
O site da Coordenadoria de Acompanhamento de Políticas Pú-
blicas (CAPP) é completo em termos de informações pertinentes ao as-
sunto, sendo dotado de diversos mecanismos multimodais, sendo estes
compreendidos como os diversos elementos integrados ao documento
64 | THIAGO HERMONT

em análise (recursos escritos, gráficos e audiovisuais, por exemplo) que


expandem a possibilidade de entendimento da mensagem veiculada no
conteúdo em questão (HERMONT, 2014).
De forma exemplificativa, notamos como a navegação em ter-
mos de rolamento torna o conteúdo mais bem exposto. Além disso, fixos
na barra superior, há cinco links que redirecionam para conteúdos afins,
conforme mostra a figura abaixo, incluindo também a acessibilidade por
meio da possibilidade da utilização da ferramenta em LIBRAS.

Figura 5 - Página inicial da CAPP

Fonte: Santa Catarina (2022)

Juntamente com esse arsenal informativo, a CAPP enfatiza que


é por meio das políticas públicas que o estado se torna capaz de dirimir
desigualdades sociais por meio da alocação de recursos. Tendo o Decre-
to nº 9.203, de 22 de novembro de 2017 como referencial normativo, a
Coordenadoria abarca em seu processo de funcionamento o seguinte, de
acordo com o art. 4º:

Monitorar o desempenho e avaliar a concepção, a implementação


e os resultados das políticas e das ações prioritárias para assegurar
que as diretrizes estratégicas sejam observadas;
Avaliar as propostas de criação, expansão ou aperfeiçoamento de
políticas públicas e de concessão de incentivos fiscais e aferir, sem-
pre que possível, seus custos e benefícios; e
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 65

Manter processo decisório orientado pelas evidências, pela con-


formidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburocratiza-
ção e pelo apoio à participação da sociedade. (BRASIL, 2017)

Dessa forma, o governo catarinense demonstra que a utilização


de mecanismos quantificáveis, agradáveis do ponto de vista estético, fun-
cionais e verificáveis se torna uma poderosa ferramenta para que a análi-
se das políticas públicas seja feita no mais alto nível de proficiência.
A figura seguinte mostra a abrangência deste ciclo analítico em
sua sucintez:
Figura 6 - Checklist da política pública
66 |
THIAGO HERMONT

Fonte: Santa Catarina (2022)


AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 67

Observamos que a união de referenciais de objetivos, gestão, me-


dição, evidências, alinhamento, engajamento, confiança pública e com-
promisso político, por meio dos pilares da legitimidade, da ação estatal
e da política, viabiliza maiores chances da criação de políticas públicas
de qualidade. Este é um exemplo de como análises podem ser feitas de
forma clara, seguindo as diretrizes de linguagem simples, de modo que
se tenha um agir público otimizado e apto para sanar as desigualdades já
referenciadas por meio de políticas públicas precisas.

4. ESFERA MUNICIPAL

Embora o alcance da EC 109 seja notadamente divulgado em


termos de seu alcance federal e estadual, como mostramos acima, sendo
isso louvável pela maior abrangência de sua influência quanto à avaliação
das políticas públicas, é digno de nota que a esfera municipal não passou
desapercebida a este impacto.
É bastante positivo perceber que exista de forma oficial a verifi-
cação da análise das políticas públicas onde se consegue lidar mais dire-
tamente com as desigualdades a serem sanadas, ou seja, no município,
com suas dimensões menores, portanto, com problemas mais verificáveis
e perceptíveis pelo cidadão. O exemplo que traremos nesta última seção,
da cidade de São Paulo, serve como um farol de boas práticas no qual
outros municípios brasileiros podem se inspirar para aprimorar a forma
como trabalham e avaliam suas políticas públicas e, ao mesmo tempo,
estabelecer de forma mais oficial parâmetros que estejam dentro dos di-
zeres constitucionais trazidos pela EC 109.
São Paulo, em 2014, criou o Observatório de Indicadores da Ci-
dade de São Paulo, ObservaSampa (SÃO PAULO, 2022). Esta plataforma
digital, dentre outras funções, agrega indicadores e marcos referenciais
sobre a qualidade de vida paulistana, criando também um espaço de vei-
culação de estudos e pesquisa sobre participação popular.
O órgão foi recentemente integrado à Secretaria Executiva de
Planejamento e Entregas Prioritárias por meio do Decreto 61.036 e, jun-
68 | THIAGO HERMONT

tamente com o Comitê Intersecretarial de Indicadores, auxiliam no pla-


nejamento estratégico, elaboração e averiguação sistemática das políticas
públicas municipais (SÃO PAULO, 2022)
Um dos grandes méritos da plataforma paulistana está, assim como
no governo catarinense, na utilização de linguagem acessível e de múltiplos
recursos de leitura que facilitam o acesso à informação, no caso municipal,
quanto aos indicadores de diversas áreas, conforme a figura seguinte:

Figura 7 - Recorte da página inicial do ObservaSampa

Fonte: São Paulo (2022)

É interessante destacar que a disponibilização de indicadores


precisos e devidamente mensuráveis é peça chave para a realização de
políticas públicas igualmente precisas e mensuráveis, uma vez que o em-
basamento objetivo na tomada de decisões de ordem de gastos e subsí-
dios públicos precisa ser amplamente verificável.
Assim, ainda que não seja diretamente um órgão exclusivamente
voltado para a avaliação das políticas públicas, o ObservaSampa serve de
pilar para as decisões da prefeitura, já que conta com um arcabouço de
indicadores objetivos para verificação das demandas sociais que possam,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 69

eventualmente, ser sanadas por meio de políticas públicas. É um retor-


no benéfico ao terceiro passo trazido logo no início do capítulo, sobre a
projeção de cenários alternativos, uma vez que tais projeções necessitam
de sustentação empírica, o que a plataforma oferece nas mais distintas
esferas de impacto na vida paulistana.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Políticas públicas são, como abrimos o capítulo, maneiras pelas


quais o governo procura dirimir dissonâncias de ordem social, econômi-
ca e cultural, por exemplo, que afetam os cidadãos de formas diferentes.
O governo, independentemente de sua esfera de atuação, passa a poder
dispor de parte de seus recursos financeiros para atender a tais finalida-
des. Para tanto, é crucial que se possa averiguar de antemão os efeitos
práticos do dispêndio orçamentário, uma vez que se trata de gastos com
finalidades públicas.
O como fazer pode, e talvez deva, ser diferente para cada unidade
da federação, tendo em vista as várias e tão plurais necessidades de cada
uma. Um modelo geral de verificação, ainda que bem-vindo para servir de
exemplo, deve ser ajustado para as realidades locais, e passível de adaptabi-
lidade contínua, caminhando conforme a própria sociedade se altera.
Os modelos federais, estaduais e as iniciativas municipais mos-
tram de forma clara que o Brasil já está, previamente à introdução da EC
109, preocupado e agindo para o estabelecimento de instituições, con-
selhos e coordenadorias que tenham como objetivo principal não só as
políticas públicas, mas como avaliá-las. Esse é um passo fundamental. Ter
em mente que a política pública transcende sua simples aplicabilidade
é ter consciência do impacto de todo o ciclo formativo da política em
si, notadamente de seu aspecto avaliativo. É uma forma democrática e
responsiva de se medir os efeitos advindos, garantindo o uso idôneo da
verba pública para atender necessidades reais e verificáveis, retribuindo
à população conforme ela demanda. Percebemos o governo agindo para
e pelo cidadão que o elegeu, criando soluções que apenas sua natureza
70 | THIAGO HERMONT

pública consegue sanar, ratificando o contrato estabelecido entre gover-


nante e governado de continuidade sustentável para a edificação de uma
sociedade com menos distorções que possam ser contornadas por políti-
cas públicas de qualidade.

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SÃO PAULO (Município). Decreto nº 61.036, de 7 de fevereiro de 2022. Dispõe


sobre a reorganização da Secretaria Executiva de Planejamento e Entregas Prio-
ritárias – SEPEP, da Secretaria de Governo Municipal, e a criação e organização
da Secretaria Executiva de Limpeza Urbana – SELIMP, na Secretaria Municipal
72 | THIAGO HERMONT

das Subprefeituras, bem como altera a denominação e a lotação dos cargos de


provimento em comissão que especifica. São Paulo, SP: Prefeitura da Cidade de
São Paulo, 2022. Disponível em: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/de-
creto-61036-de-7-de-fevereiro-de-2022#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20
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SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e Desenvolvimento: a Qualidade da Lei


no Quadro da Otimização de uma melhor Legislação. Revista da Faculdade de
Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 124-142, jan. –jul., 2007.
73

A AVALIAÇÃO DE IMPACTO
REGULATÓRIO COMO INSTRUMENTO
PARA GARANTIA DO DIREITO À
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS:
UM ESTUDO DE CASO DA REDE
NACIONAL DE DADOS EM SAÚDE

Ana Beatriz Rezende Rosa1


Fabiana Miranda Prestes2

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos têm sido comum os escândalos envolven-


do o vazamento de dados pessoais tratados por órgãos e entidades
estatais3, bem como a invasão de sites governamentais por hackers4.

1 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


Pesquisadora do Observatório para a Qualidade da Lei. E-mail: anabeatrizre-
zender@gmail.com.
2 Mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pesquisadora do Observatório para a Qualidade da Lei. Procuradora Legislati-
va. E-mail:fabianamirandaprestes@gmail.com.
3 Um exemplo recente de vazamento de dados por órgãos estatais ocorreu no
âmbito do Governo do Estado de Minas Gerais (ASSÉ, 2021). Outro caso no-
tório ocorreu, em 2020, quando uma falha no e-SUS notifica permitiu que os
dados de 200 milhões de brasileiros ficassem disponíveis na internet por pelo
menos seis meses (ALECRIM, 2020).
4 Um caso recente foi a invasão de um site da Secretaria de Saúde do Distrito
Federal por um grupo de hackers que deixou um recado ironizando a baixa
qualidade do sistema de segurança adotado (GIOVANNI, 2022).
74 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

Tais acontecimentos colocam em xeque a garantia do direito à proteção de


dados pessoais de inúmeros cidadãos brasileiros e deslocam a discussão
para os riscos e os limites do tratamento de dados pessoais pelo Estado.
Mesmo após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD), Lei n. 13.709/2018, que traz regras sobre o tratamento de dados
pessoais, observa-se que os órgãos públicos ainda não conseguiram se
adaptar a todos os preceitos trazidos pela lei ou promover o devido apri-
moramento dos mecanismos de proteção de dados pessoais, mesmo em
face da vacatio legis5 do referido marco.
De forma exemplificativa, a pesquisa sobre o uso das Tecnologias
de Informação e Comunicação no setor público brasileiro – TIC Gover-
no Eletrônico 2021 – (CGIB, 2022) aponta que apenas 34% dos órgãos
federais implementaram um plano de resposta a incidentes de segurança
da informação relacionados a dados pessoais. Já na esfera estadual, esse
percentual cai para 22%. Esse gargalo é ainda maior quando se analisa o
contexto municipal, pois a mesma pesquisa identificou que apenas 28%
das prefeituras tinham, em 2021, uma área ou pessoa responsável pela
implementação da LGPD. Em relação à existência de regulamentação ou
lei municipal específica sobre proteção de dados, identificando os papéis
e as responsabilidades dos setores envolvidos, a pesquisa diagnosticou
que apenas 16% do total de prefeituras analisadas atendiam a esse critério.
Nesse cenário, a periclitação do direito à proteção de dados pes-
soais é acentuada pela elaboração normativa deficitária que fundamenta
o tratamento desse tipo de dado pela Administração. Observa-se a cria-
ção de leis e normas infralegais extremamente genéricas que, em grande
parte das vezes, inviabiliza que o cidadão entenda a finalidade da coleta
de seus dados, bem como com quais órgãos eles estão sendo comparti-
lhados, entre outros aspectos opacos do processo de tratamento de dados
feito pelo setor público. Nesse sentido, Gonçalves (2015) denuncia que
o Estado acaba acumulando dados de forma pouco transparente, sem

5 O início da vigência da LGPD foi marcado por um forte lobby para sua prorrogação
(VIEIRA; LOPES, 2021). Se, inicialmente, a lei estava prevista para entrar em vigor
em 18 meses, com a Medida Provisória n. 869/18, o prazo foi prorrogado para 24
meses. Já as sanções só começaram a valer em agosto de 2021.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 75

informar ao cidadão como eles estão sendo tratados e sem que isso se
reverta efetivamente em benefícios para a coletividade.
Essa problemática existe mesmo havendo mecanismos metodo-
lógicos que podem auxiliar o processo decisório intrínseco à elaboração
normativa, como a avaliação de impacto legislativo e regulatório, que
fomentam a criação de normas de maior qualidade, já que trazem dire-
cionamentos para que elas sejam melhor justificadas e estejam em con-
sonância com os direitos e garantias previstas no ordenamento jurídico.
Principalmente à luz da recente inclusão do §16 no art. 37 da Constitui-
ção da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que tornou
obrigatória a avaliação de políticas públicas, a observância desses padrões
de avaliação legislativa e regulatória se torna imprescindível para a me-
lhor execução de políticas públicas para proteção de dados pessoais.
Nessa perspectiva, o presente artigo busca analisar como a ava-
liação de impacto regulatório pode contribuir para a garantia do direito
à proteção de dados pessoais, especialmente no que tange ao tratamento
de dados realizado pelo Estado. Para tanto, será realizado o estudo de
caso da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), com o exame do ar-
cabouço normativo que rege a RNDS, especialmente a Portaria nº 1.434,
de 28 de maio de 2020, que alterou a Portaria de Consolidação nº 1/GM/
MS, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede Nacional de Dados
em Saúde. Almeja-se, assim, avaliar concretamente os déficits observa-
dos na elaboração normativa infralegal que dispõe sobre tratamento de
dados pessoais no âmbito da saúde, bem como apontar caminhos para a
melhoria da qualidade normativa com base na metodologia da avaliação
de impacto regulatório.

2. A AVALIAÇÃO DE IMPACTO
REGULATÓRIO COMO INSTRUMENTO PARA
O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

De forma mais simples, as políticas públicas podem ser definidas


como “o conjunto de programas de ações governamentais racionalmente
76 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

moldadas dentro de um período estipulado, implantadas, avaliadas, dirigi-


das à realização de direitos e de objetivos social e juridicamente relevantes
para a sociedade” (ANDRADE; SANTANA, 2017, p. 787).
Inserido em um Estado Democrático de Direito, o princípio da
legalidade condiciona a atuação estatal à previsão legal (DI PIETRO,
2018) de modo que a exteriorização das políticas públicas é fundada nos
atos normativos existentes no ordenamento, como as leis e as normas
infralegais. Dessa forma, verifica-se que o ponto inicial de toda política
pública é uma norma, que deverá traçar seus objetivos, formas de mate-
rialização, entre outros aspectos.
Ocorre que o processo de elaboração de normas para o desen-
volvimento de políticas públicas é algo extremamente complexo, já que
envolve o condicionamento e a regulamentação de direitos de milhares
de cidadãos inseridos em realidades sociais plurais, o que, dentro de uma
sociedade democrática, requer ainda a prestação de contas sobre a ação
adotada e sua pertinência. Nesse contexto, em que pese a cultura quan-
titativa brasileira6, que considera que a criação de uma norma por si só
seja capaz de resolver problemas sociais, a realidade é bem diferente e
aponta para um cenário de excessiva atividade regulatória pelo Estado
com geração de efeitos deletérios para todo o corpo social7.
É justamente nesse contexto de hiperprodução normativa que se
insere a Legística, ramo da teoria geral do direito que tem como objeto o
fenômeno de elaboração das normas. Ao contrário da perspectiva tradi-
cional da teoria do direito, que tem como foco a aplicação do direito posto
pelo juiz, a Legística se dedica a lege ferenda, isto é, a lei nascente, “ten-
do em vista sua legitimidade, eficiência e efetividade” (SOARES; KAITEL;
PRETE, 2019, p. 10). Propõe, assim, uma metodologia a partir de teorias

6 “A combinação de um arcabouço normativo, constitucional e legal que garante um


amplo poder de iniciativa aos membros individuais do Legislativo com uma cultura
política que ainda mensura a qualidade do mandato parlamentar com base em as-
pectos quantitativos da sua produção legislativa favorece a introdução de um número
significativo de proposições na pauta do Congresso Nacional” (VIEIRA, 2017, p. 48).
7 “Um sistema normativo tão cronicamente inchado traz graves problemas, nomeada-
mente: (a) a sociedade em geral, (b) a economia, (c) a operacionalidade das tarefas do
Estado em geral e (d) ao sistema Judiciário em particular.” (PRETE, 2019, p. 17).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 77

filósofos-teoréticas para que no contexto de produção normativa, legal ou


infralegal, seja possível conferir intelegibilidade, racionalidade, adequabili-
dade prática e linguística à norma a fim de que ela tenha maior qualidade.
Para fins didáticos, a Legística se divide em dois ramos: a Le-
gística Material e a Legística Formal. A Legística Material tem como
escopo de atuação o processo de construção e escolha do conteúdo da
nova norma, como a regulação pode ser projetada, levando em conside-
ração os seus impactos no sistema jurídico e na realidade. Já a Legística
Formal tem como objeto a otimização da comunicação legislativa, me-
lhoria da compreensão e do acesso às normas (SOARES, 2007).
É sob a perspectiva da Legística Material que se insere a avaliação
de impacto legislativo (AIL) e regulatório (AIR) (MENEGUIN; SILVA,
2017). Contudo, é interessante notar que a AIL e AIR, de certa forma,
se diferenciam de uma perspectiva clássica da avaliação de políticas pú-
blicas, pois a última é normalmente realizada “após a implementação da
política para, em essência, verificar a efetividade dos programas e das su-
gestões de modificação ou, durante a implantação de um programa, com
o propósito de subsidiar sua gestão e aperfeiçoar sua aplicação” (MENE-
GUIN; SILVA, 2017, p. 18), enquanto a avaliação de impacto legislativo
e regulatório faz, em regra, uma avaliação ex ante da intervenção estatal
(MENEGUIN; SILVA, 2017).
Nesse sentido, a AIL e AIR podem ser compreendidas como um
conjunto de técnicas que visam a melhoria da qualidade normativa para a
que a lei seja mais eficaz, efetiva, eficiente e legítima. Pontua-se que a avalia-
ção de impacto regulatório não tem como objeto apenas a regulação econô-
mica, mas a regulamentação infralegal de forma geral, como, por exemplo,
a Portaria que cria a RNDS, objeto de estudo do presente trabalho.
Dessa forma, a AIL e AIR fomentam que os legisladores e admi-
nistradores tomem decisões mais acertadas na medida que os direciona
a considerar as razões do impulso legiferante, os seus possíveis impactos
positivos e negativos, viabilizando que, de modo justificado, eles conside-
rem o custo-benefício da norma a ser implementada, não só sob a pers-
pectiva econômica, mas também social e dos direitos impactados.
78 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

Sob um ponto de vista mais concreto, conforme pontuado por


Meneguin e Bijos (2016), em que pese existirem diferente metodologias
de avaliação de impacto regulatório, o cerne delas pode ser resumido nas
seguintes etapas: i) definição do problema; ii) coleta de dados; iii) identi-
ficação das opções regulatórias; iv) avaliação das alternativas; v) escolha
da política a ser adotada.
Em síntese, na primeira etapa - definição do problema - deve ser
delimitado o problema e analisado se existem novos objetivos de políticas
públicas a serem perseguidos que não seriam alcançados à luz do arca-
bouço normativo existente. Já a fase de coleta de dados tem como objetivo
fornecer subsídio informacional sobre a temática correlata a política pú-
blica a ser criada. Neste ponto, é interessante a realização de audiências
públicas, consultas públicas uma vez que os possíveis afetados pelas po-
líticas públicas e os especialistas muito têm a contribuir com percepções
mais concretas sobre o tema. Também deve ser levantado o arcabouço
jurídico pertinente à temática. Na fase de identificação de opções regu-
latória é necessário traçar quais os possíveis caminhos regulatórios que
podem viabilizar a política pública. Na etapa de avaliação de alternativas
serão avaliadas as possibilidades levantadas, sendo possível a utilização
de diferentes técnicas como análise de custo-benefício, análise de riscos,
entre outras, para a aferição da mais adequada. Ao final, considerando
todo o panorama delineado, deve se fazer a escolha da política a ser ado-
tada (MENEGUIN; BIJOS, 2016).
Destaca-se que, apesar de não ser muito disseminada na Admi-
nistração Pública brasileira, a avaliação de impacto legislativo e regulató-
rio é uma prática difundida mundialmente, havendo experiências inte-
ressantes em inúmeros países, como França e Suíça (LEITE, 2019). Além
disso, já existem leis e decretos no próprio contexto brasileiro que estabe-
lecem sua realização, ainda que essas previsões sejam pouco observadas.
No âmbito das agências reguladoras, o caput do art. 6º da Lei
13.848/2019 estabelece que a elaboração ou alteração de atos normativos
de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos
serviços prestados pelas agências deverão ser precedidos da realização
de AIR. Esse artigo é regulamentado pelo Decreto 10.411/2020 que, em
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 79

seu art. 6º, dispõe sobre o conteúdo do relatório de avaliação regulatória,


espelhando, com maior grau de detalhamento, as etapas já sugeridas por
Meneguin e Bijos (2016).
Salienta-se que a própria LGPD, em seu art. 55-J, § 2°, prevê
que as normas editadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados
(ANPD) deverão ser precedidas de análise de impacto regulatório. Por
sua vez, a Portaria nº 16, de 08 de julho de 2021, expedida pela ANPD,
regulamenta esse procedimento e remete às metodologias previstas no
Decreto 10.411/2020.
A recente inclusão do §16 no art. 37 da CRFB, estabelecendo co-
mando específico para que os órgãos e entidades da administração públi-
ca realizem, de forma individual ou conjunta, avaliação de políticas pú-
blicas, com divulgação adequada do objeto e dos resultados alcançados,
promete alavancar a instituição de mecanismos de avaliação de políticas
públicas em todas as esferas de poder. A despeito de se tratar de um dis-
positivo novo e, à primeira vista, de eficácia limitada8, compreende-se
que pode ser um importante caminho para a incorporação da avaliação
de impacto regulatório como etapa do ciclo das políticas públicas.

3. O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS PELO


ESTADO E A REDE NACIONAL DE DADOS EM SAÚDE

Em que pese já existirem leis setoriais no Brasil que versavam de


forma subsidiária sobre o tratamento de dados pessoais (PARENTONI;
LIMA, 2019), a regulação geral da temática só ocorreu em 2018 com a
promulgação da Lei Geral de Proteção de dados (LGPD), normativa ins-
pirada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) euro-
peu (DE LUCCA; MACIEL, 2019).

8 Sob a perspectiva da teoria da aplicabilidade das normas de José Afonso da Silva,


as normas de eficácia limitada são aquelas que “não reúnem todos os elementos
necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos”, requerendo, assim, regu-
lamentação (FERNANDES, 2020, p. 115).
80 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

A LGPD dispõe sobre o tratamento de dados pessoais feito tanto


por pessoa natural, quanto por pessoa jurídica pública ou privada, sendo
de observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Mu-
nicípios (art. 1°) . Almeja, assim, regulamentar o tratamento dos dados
pessoais na busca de efetivar o direito à proteção de dados pessoais, tu-
telando os direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e do livre
desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Contudo, obser-
va-se que o referido marco reserva ao setor público algumas exceções9
e prerrogativas acerca do tratamento dos dados, trazendo um capítulo
específico direcionado à Administração10.
Uma dessas diferenças é que, apesar de estar prevista, em regra,
a necessidade de consentimento do titular para o tratamento de seus da-
dos, nos termos do art. 7°, inciso I, da LGPD, no caso do Poder Público
é possível que seja feito o “tratamento e uso compartilhado de dados ne-
cessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos
ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres” sem a
necessidade de consentimento. É interessante notar que mesmo quando
o objeto do tratamento são dados pessoais sensíveis, ainda se mantém a
prerrogativa da Administração na hipótese de execução de políticas pú-
blicas, conforme se extrai do art. 11, inciso II, alínea “b”, da LGPD.
Por outro lado, a despeito da supracitada exceção, a LGPD esta-
belece em seu art. 6° alguns princípios gerais a serem observados durante
o processo de tratamento de dados, que vinculam tanto o setor públi-
co quanto o privado. Além da boa-fé, estão previstos o princípio do li-
vre acesso; da qualidade dos dados; da transparência; da segurança; da
prevenção; da não discriminação; da responsabilização e prestação de

9 Considerando o foco do presente artigo está relacionado a políticas públicas,


não serão abordadas todas as exceções legais sobre o tratamento de dados pela
Administração Pública.
10 Apesar de não ser objeto de discussão neste trabalho, essa diferenciação entre a
regulação de proteção de dados entre o setor público e privado é criticada, já que
ela cria prerrogativas estatais perante os dados pessoais dos indivíduos, em que pese
o Estado ser um dos maiores custodiadores de dados e essa relação assimétrica ter
sido um dos principais fatores para o desenvolvimento da disciplina sobre proteção
de dados (BIONI; RIELLEI, 2019).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 81

contas. Soma-se ainda a esses, o princípio da finalidade, que, conforme


De Lucca e Maciel (2019), se desdobra em outros quatro subprincípios,
também compreendidos nos princípios da adequação e da necessidade,
que são a limitação da coleta e armazenamento; a conservação; o uso e o
compartilhamento dos dados.
Portanto, mesmo em face de certas prerrogativas, ao setor públi-
co não é conferido um contrato em branco para o tratamento ilimitado
dos dados pessoais dos cidadãos. Pelo contrário, ele deve continuar ob-
servando as demais regras estabelecidas na LGPD, como os princípios do
art. 6°, bem como tem ainda um dever constitucional de garantir o direito
de acesso à informação e a publicidade de suas ações, conforme previsto
no art. 5º, inc. XIV, e art. 37, caput, da CRFB/1988, regulamentado pela
Lei de Acesso à Informação (LAI), e disposto expressamente no art. 23,
inciso I da LGPD11. Logo, o cidadão deve poder saber para que os seus
dados estão sendo utilizados, com quem eles estão sendo compartilha-
dos, dentre outros aspectos do tratamento deste insumo.
Ocorre que, no caso da Portaria n. 1.434 de 2020, que cria a
RNDS, tais limitações não são observadas, conforme exposição a seguir.

3.1. Análise da RNDS em face dos princípios da LGPD

Segundo o site do Ministério da Saúde, a RNDS é uma platafor-


ma nacional de interoperabilidade de dados em saúde, sendo um projeto
estruturante no programa Conect-SUS. Seu objetivo é “promover a troca
de informações entre os pontos da Rede de Atenção à Saúde, permitindo a

11 Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público re-
feridas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei
de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade
pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competên-
cias legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que: I - sejam
informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o trata-
mento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previ-
são legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas
atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônico.
82 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

transição e continuidade do cuidado nos setores público e privado” (MINIS-


TÉRIO DA SAÚDE, 2022c).
Dessa forma, pretende-se que até 2028 a RNDS seja uma “plata-
forma digital de inovação, informação e serviços de saúde para todo o Bra-
sil, em benefício de usuários, cidadãos, pacientes, comunidades, gestores,
profissionais e organizações de saúde” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022c).
A despeito da pretensão da referida política pública, o seu arca-
bouço normativo é bem mais tímido. Conforme o site do Ministério da
Saúde (2022b), a base legal da RNDS é composta por quatro portarias a
seguir citadas: i) Portaria nº 1.434, de 28 de maio de 2020, que institui
a RNDS; ii) Portaria GM/MS nº 69, de 14 de janeiro de 2021, que ins-
titui a obrigatoriedade de registro de aplicação de vacinas contra a Co-
vid-19 nos sistemas de informação do Ministério da Saúde; iii) Portaria
nº 1.792, de 17 de julho de 2020, que dispõe sobre a obrigatoriedade
de notificação ao Ministério da Saúde de todos os resultados de testes
diagnóstico para SARSCoV-2 realizados por laboratórios da rede públi-
ca, rede privada, universitários e quaisquer outros, em todo território
nacional; iv) Portaria GM/MS nº 3.632, de 21 de dezembro de 2020, que
institui a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 (ESD28).
Especificamente sobre a instituição da RNDS, o seu fundamento
se resume a três artigos na Portaria nº 1.434, de 28 de maio de 2020,
que trazem alguns parâmetros para o compartilhamento de dados no
âmbito desse sistema:

Art. 254-A. Fica instituída a Rede Nacional de Dados em Saúde -


RNDS, componente do Sistema Nacional de Informações em Saú-
de - SNIS, de que trata o art. 47 da Lei nº 8.080, de 19 de setem-
bro de 1990, que consiste em uma plataforma nacional voltada à
integração e à interoperabilidade de informações em saúde entre
estabelecimentos de saúde públicos e privados e órgãos de gestão
em saúde dos entes federativos, para garantir o acesso à informa-
ção em saúde necessário à continuidade do cuidado do cidadão.
§ 1º A RNDS integrará, entre outras, informações relativas:
I - à atenção à saúde, em sua integralidade;
II - à vigilância em saúde; e
III - à gestão em saúde.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 83

§ 2º As informações constantes da RNDS poderão ser utilizadas


para os seguintes fins:
I - clínicos e assistenciais;
II - epidemiológicos e de vigilância em saúde;
III - estatísticos e de pesquisas;
IV- de gestão;
V- regulatórios; e
VI- de subsídio à formulação, à execução, ao monitoramento e à
avaliação das políticas de saúde.
§ 3º A integração na RNDS das informação previstas no § 1º será
feita de forma gradativa até a concretização dessa rede como a
via única de interoperabilidade nacional em saúde, devendo as
demais iniciativas nacionais de interoperabilidade em saúde
convergirem para sua arquitetura. (NR)
Art. 254-B. Compete ao Departamento de Informática do SUS
do Ministério da Saúde - DATASUS implementar a RNDS e pro-
mover a integração e a interoperabilidade das informações em
saúde nessa rede. (NR)
Art. 254-C. O acesso às informações na RNDS observará o dis-
posto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais - LGPD), e na Lei nº 12.527, de 18 de
novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação - LAI).

Iniciando o estudo, verifica-se que um dos princípios previstos


na LGPD é o princípio da finalidade, que dispõe que o tratamento de da-
dos deve ser “para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados
ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível
com essas finalidades” (art. 6°, I, da LGPD). Nesse cenário, é preciso que
a previsão normativa acerca de tratamento de dados, seja ela legal ou in-
fralegal, disponha seus objetivos de modo suficientemente determinado.
Todavia, no caso do RNDS, conforme se observa da leitura do art.
254-A da Portaria nº 1.434/2020, tanto os dados coletados (§1°) quanto
as finalidades elencadas (§2°) são tão amplas, que as restrições de trata-
mento de dados se tornam verdadeiras exceções. Essa realidade vai de
encontro com as fragilidades e os déficits no sistema de tecnologia da in-
formação do Ministério, bem como o fato do dado em saúde se tratar de
dado sensível, trazendo um risco ainda maior no caso de seu vazamento.
84 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

Do mesmo modo, o princípio da necessidade, definido como “li-


mitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas
finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não
excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados” (art. 6, III, da
LGPD), também é tangenciado pela Portaria. Ora, não são sequer parti-
cularizados os dados necessários para a política pública, pelo contrário,
o dispositivo torna passível o tratamento de qualquer dado desde que co-
nexo à atenção, à vigilância e à gestão em saúde. Desta forma, observa-se
que a Portaria não estabeleceu, de forma específica, quais dados seriam
indispensáveis para as finalidades pretendidas.
Outro déficit da Portaria analisada, que vai de encontro ao princí-
pio da segurança previsto no art. 6°, VII, da LGPD, é a inexistência de previ-
são de medidas técnicas e administrativas para proteção dos dados pessoais
contra acessos não autorizados, vazamentos e outros desvios possíveis.
Do mesmo modo, o ato normativo infralegal tampouco se detém
acerca da concretização do princípio da transparência, que se traduz na
“garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessí-
veis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento,
observados os segredos comercial e indústria” (art. 6°, VI, da LGPD), uma
vez que não traz mecanismos ou formas para que esse direito seja reali-
zado, prevendo apenas que o acesso às informações da RNDS será regido
pela LGPD e pela Lei de Acesso à Informação.
Destaca-se que a falta de transparência sobre tratamento de da-
dos é um problema recorrente do setor público, em que pese os dados se-
rem subsídio cada vez mais rotineiro no desenvolvimento de políticas pú-
blicas. Conforme o relatório Dados Virais realizado pela Associação Data
Privacy Brasil de Pesquisa, com foco no período entre março a dezembro
de 2020, foram identificados “253 casos de iniciativas de enfrentamento
à COVID-19 envolvendo o uso de tecnologias baseadas em tratamento de
dados pessoais em 24 unidades federativas e 77 municípios” (ANDRADE
et al., 2021). O maior destaque da pesquisa foi justamente a falta de trans-
parência do Poder Público no fornecimento de informações sobre tais
tecnologias, havendo até mesmo casos em que não foi possível identificar
o seu desenvolvedor (ANDRADE et al., 2021).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 85

Ressalta-se que esses parâmetros foram recentemente adotados


pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 6649 e da Arguição de Descumpri-
mento de Preceito Fundamental nº 695, que questionavam o Decreto
10.046/2019, que dispõe sobre governança no compartilhamento de da-
dos no âmbito da Administração Pública Federal e institui o Cadastro
Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados.
O STF decidiu que o compartilhamento de dados pessoais entre
órgãos e entidades da Administração Pública é possível desde que observa-
dos os princípios previstos na LGDP. Para os fins deste artigo, destacamos
os seguintes parâmetros enunciados pelo Tribunal: a) “eleição de propósi-
tos legítimos, específicos e explícitos para o tratamento de dados”; b) “com-
patibilidade do tratamento com as finalidades informadas”; c) “limitação
do compartilhamento ao mínimo necessário para o atendimento da fina-
lidade informada”a; d) “observância do art. 23, I, da LGPD, que determina
seja dada a devida publicidade às hipóteses em que cada entidade governa-
mental compartilha ou tem acesso a banco de dados pessoais”; e e) previsão
de “mecanismos rigorosos de controle de acesso” aos bancos de dados.
Assim, fica evidente que o Poder Público não pode desconside-
rar as previsões da LGPD durante a criação de políticas públicas que en-
volvam o tratamento de dados pessoais, sejam eles sensíveis ou não. É
preciso que sejam criados mecanismos12 de empoderamento do cidadão
para garantia da transparência. Além disso, a construção de tais políti-
cas requer a devida justificação, devendo ser motivada a necessidade da
utilização de tais dados, qual a relação deles com as atribuições do órgão
que a está instituindo e sua pertinência normativa, entre outros aspectos.
A Portaria, em sua redação atual, não fornece instrumentos para
a proteção do cidadão quanto a coleta de seus dados em saúde, tornando-
-se suscetível a discricionariedade estatal. Para além disso, quando o Mi-

12 Sobre o tema, Flôres e Silva (2020, p. 23) pontuam “pensar em mecanismos e alter-
nativas, a fim de conferir poder ao titular dos dados, mostra-se adequado, pertinen-
te e urgente, principalmente porque se sabe que os agentes públicos e governantes,
historicamente, mantiveram bancos de dados com informações pessoais coletadas
e utilizadas, muitas vezes, à revelia dos titulares”.
86 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

nistério da Saúde estabelece uma política de compartilhamento de dados


em saúde de forma indiscriminada com entidades públicas e privadas,
o titular se torna ainda mais sujeito ao desvio na utilização de seus da-
dos, que podem ser utilizadas de forma deletéria e discriminatória, por
exemplo, por operadoras de planos de saúde, trazendo empecilhos para a
concretização do direito à saúde do próprio cidadão.
Pontua-se que, apesar de na época da edição da referida Por-
taria a LGPD não estar vigente, parte de seus princípios norteadores já
estavam incorporados no ordenamento jurídico e eram de observância
obrigatória pela Administração Pública, a exemplo dos princípios da
publicidade e da proporcionalidade (DI PIETRO, 2018). Além disso,
considerando a perspectiva perene concernente à RNDS, a sua criação
em conformidade com a LGPD seria uma questão estratégica e necessá-
ria uma vez que ela tornar-se-ia vigente em pouco tempo13.
Estas são apenas algumas incompatibilidades da Portaria com a
LGPD, que apontam para a necessidade de introdução de novas metodo-
logias para se pensar políticas públicas. Em face da importância do pla-
nejamento e da adequada preparação da Administração nestas hipóteses,

13 “Independentemente da vigência da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de


Dados Pessoais – LGPD), as partes envolvidas em ações dessa natureza possuem
o dever de incorporação de salvaguardas e mecanismos de mitigação de riscos a
direitos fundamentais, decorrente do ordenamento jurídico brasileiro. Esse dever
pode ser extraído de legislação difusa já vigente no país, sendo fontes normativas
das propostas contidas neste relatório, além dos já citados Regulamento Sanitário
Internacional e da Lei da Quarentena, as normas setoriais de proteção de dados
pessoais em vigor (como a Lei 12.965/2014 - Marco Civil da Internet, o Decreto
8.771/2016, a Lei 12.527/2011 - Lei de Acesso à Informação, a Lei 9.472/1997 -
Lei Geral de Telecomunicações, dentre outras) e as normas protetoras de direitos
fundamentais resguardadas pela legislação nacional, em especial a Constituição
Brasileira de 1988 e demais tratados internacionais de direitos humanos dos quais
o Brasil é signatário. Nesse cenário, a LGPD, apesar de ainda não vigente, assume
um papel norteador dessas políticas públicas, uma vez que representa um quadro
principiológico já aprovado pelo legislador brasileiro como fundamental para o
tratamento constitucional da proteção de dados no território nacional. Esse papel
independe da vigência das suas regras deônticas, e apesar dos princípios e reco-
mendações deste relatório seguirem suas orientações, sua pertinência prescinde da
vigência da LGPD, derivando do conjunto de leis em vigor já referidas.” (BIONI;
ZANATTA; MONTEIRO; RIELLI, 2020).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 87

defende-se que essa preocupação ocorra desde a promulgação da lei ou


norma infralegal fundante da política pública, como será exposto a seguir.

4. COMO A AVALIAÇÃO DE IMPACTO


REGULATÓRIO PODE CONTRIBUIR PARA A
GARANTIA DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS?

Inicialmente, convém apontar que não se busca neste estudo de


caso esgotar todas as contribuições passíveis de serem feitas por uma
avaliação de impacto regulatório, uma vez que se trata de procedimento
complexo e interdisciplinar, que exige o envolvimento de mais pessoas e
dados para seu desenvolvimento adequado.
Diante disso, o que se pretende neste tópico é fazer alguns aponta-
mentos sobre a RNDS, a partir da metodologia de AIR sintética proposta
por Meneguin e Bijos (2016), complementada com algumas especificidades
trazidas pela Portaria n. 16/2021, que disciplina a avaliação de impacto regu-
latório das normativas de autoria da Autoridade Nacional de Proteção de Da-
dos Pessoais (ANPD), que tem como objeto específico o tratamento de da-
dos. Salienta-se que a metodologia estabelecida pela Portaria n. 16/2021 está
em conformidade com as práticas internacionais, trazendo apenas alguns
tópicos próprios considerando sua temática de proteção de dados pessoais.
A primeira contribuição a ser dada pela avaliação de impacto regu-
latório está na melhor delimitação do problema a ser enfrentado pela políti-
ca pública, bem como a necessidade do levantamento de dados para tanto.
Trazendo essa perspectiva para a RNDS, em que pese não haver
muito detalhamento sobre seus objetivos, apreende-se do caput do art.
254-A da Portaria nº 1.434/2020, que ela visa, de forma bem genérica,
“garantir o acesso à informação em saúde necessário à continuidade do
cuidado do cidadão”. Nesse sentido, a plataforma busca integrar “estabe-
lecimentos de saúde públicos e privados e órgãos de gestão em saúde dos
entes federativos”. Dessa forma, pode ser inferido que o problema a ser
enfrentado pela referida rede seria a falta de informação em saúde para
cuidado do cidadão.
88 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

Assim, já de início, deve-se questionar em que medida a solução


proposta – compartilhamento dos dados – pode beneficiar o tratamento
do cidadão, visto que isso não está explícito na descrição do programa
e tampouco na sua regulamentação. Considerando que o tratamento de
dados deve ser sempre o mínimo necessário para atingir determinado
objetivo, a justificativa para essa intervenção deve ser tecnicamente tão
relevante a ponto de ser mais benéfica a criação de uma plataforma de
informações, como a RNDS, que traz consigo os riscos envolvidos no
tratamento de dados pessoais pelo Estado, do que a adoção de outras
medidas menos invasivas.
Conforme explicitado por Delley (2004), o impulso legiferante
surge a partir de insatisfações que emergem da sociedade, as quais devem
ser detidamente estudadas antes de serem reguladas, caso essa ação seja
necessária. Essa demanda se torna ainda mais problemática e digna de
atenção quando tem como objeto assuntos mais novos que podem trazer
prejuízos a longo prazo, justamente como observado no caso da RNDS, o
que requer a participação de especialistas para discussão da sua viabilida-
de. Tal conjuntura evidencia a necessidade de coleta de dados de diversas
fontes para a criação de uma política pública, ainda mais uma que tem
como objeto o tratamento de dados sensíveis.
Ao contrário de tais diretrizes, em pesquisa ao Portal de Chama-
mentos, Audiências e Consultas Públicas do Ministério da Saúde (MI-
NISTÉRIO DA SAÚDE, 2022a), no período de junho de 2019 a junho de
2020, a partir dos termos “dados” e “saúde”, não se observa qualquer tipo
de consulta pública acerca da instituição da RNDS. Não se verifica assim
a realização da interlocução oficial entre o Estado e possíveis afetados do
problema, bem como especialistas da temática.
Não bastasse, em agosto de 202014, foi aberta uma consulta pú-
blica para atualização da Política Nacional de Informação e Informática
em Saúde (PNIIS) de curto prazo de duração, em caminho contrário à

14 Ao longo da pesquisa em sites governamentais do governo federal, foram identi-


ficados diversos links que apontavam para um conteúdo, mas quando utilizados
direcionavam para outro, apontando uma opacidade e desorganização na prestação
de informação ao cidadão.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 89

complexidade da temática (INTERVOZES, 2020), que requer muita pon-


deração e planejamento estatal.
Salienta-se que essa busca pelo subsídio informacional também
está contemplada na Portaria n. 16/2021 da Autoridade Nacional de Pro-
teção de Dados que prevê como elemento indispensável “considerações
referentes às informações e às manifestações recebidas para a AIR em even-
tuais processos de participação social ou de outros processos de recebimento
de subsídios de interessados na matéria em análise” (art. 15, VIII).
Ainda sobre a coleta de dados, em relação à temática de saúde,
existe a Pesquisa Nacional de Saúde. A sua última edição foi feita pelo
IBGE em 2019. No que tange ao módulo de Atenção Básica à Saúde15, o
escore geral, em uma escala de 1 a 10, foi de 5,9, pontuação promissora
considerando que o escore 6,6 seria para sistemas de excelência. Em que
pese essa pesquisa abarcar questões sobre informações em saúde para
cuidado do cidadão em uma perspectiva que vai desde a prevenção até
os cuidados paliativos, os dados sobre a temática em si não foram discri-
minados nos relatórios disponibilizados, impossibilitando maiores con-
siderações sobre a necessidade de melhoramento da circulação de infor-
mações de saúde entre as instituições para a garantia do direito à saúde.
Além disso, no Portal da RNDS não são apresentadas mais infor-
mações sobre os déficits trazidos para o tratamento dos cidadãos em fun-
ção da falta de informações na área. Dessa forma, não são encontrados
muitos subsídios informacionais que fundamentem o problema enfrenta-
do pela RNDS, fator que é indispensável para a análise na AIR.
Identificada a necessidade de se propor uma nova legislação, a
avaliação de impacto regulatório também contribui para a elaboração de

15 Conforme o Relatório do referido módulo: “O módulo Atenção Primária à Saúde


do questionário é formado por 26 quesitos distribuídos em 10 componentes rela-
cionados ao tema. São avaliados os seguintes atributos: acesso de primeiro contato,
longitudinalidade, coordenação, integralidade, orientação familiar, e orientação co-
munitária; e os seguintes componentes: afiliação, utilização, acessibilidade, longitu-
dinalidade, integração dos cuidados, sistema de informações, serviços disponíveis,
serviços prestados, e orientação familiar e comunitária.” (IBGE. Pesquisa nacional
de saúde: atenção primária à saúde e informações antropométricas. Coordenação
de Trabalho e Rendimento, Ministério da Saúde. Rio de Janeiro: IBGE, 2020).
90 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

políticas públicas na medida que apresenta a necessidade de se identificar


as alternativas existentes para a sua regulamentação. Apesar de não ter
sido identificados muitos dados que indiquem a gravidade do problema
da falta de informação e seu impacto na saúde do brasileiro, nota-se que
não pode haver uma contraposição entre a garantia do direito à saúde e
a garantia do direito à proteção de dados. Nesse sentido, considerando as
incompatibilidades já apresentadas entre a Portaria da RNDS e a LGPD,
fica evidente a existência de outras opções regulatórias mais afinadas à
equalização desses direitos do que aquela trazida, que comportem ade-
quadamente os princípios consagrados pela LGPD.
Aqui é importante que sejam pontuadas algumas diretrizes da
AIR delineada pela Portaria n. 16/2021. Uma de suas exigências é justa-
mente que se faça a “identificação dos agentes de tratamento, dos titulares
de dados e dos demais afetados pelo problema regulatório identificado” (art.
15, III), bem como a “identificação e definição dos efeitos e riscos decor-
rentes da edição, da alteração ou da revogação do ato normativo” (art. 15,
X), tais etapas são indispensáveis para que se analise concretamente os
riscos envolvidos no tratamento exigido pela política pública que tenha
como objeto os dados pessoais. Essas etapas se destacam ainda mais no
caso, já que um dos grandes problemas observados na Portaria é sua ge-
neralidade, perspectiva incompatível com o desenvolvimento de políticas
públicas sobre a questão, uma vez que ela requer uma grande mobilização
de insumos para a devida minimização de riscos inerentes ao tratamento
de dados pessoais sensíveis.
Nessa breve análise, já fica evidente que as contribuições da AIR
são importantes para conferir mais racionalidade e responsividade à
decisão estatal materializada por meio de uma norma. Seja para melhor
delimitação do problema ou escolha da melhor opção regulatória, a AIR
confere à Administração um caminho promissor a ser seguido durante
a elaboração normativa. Essa importância vem sendo percebida pelo
Estado que, aos poucos, vai implementando esta metodologia, como
ocorre agora nas normas a serem editadas pela Autoridade Nacional de
Proteção de Dados Pessoais.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 91

Por fim, destaca-se que, apesar das críticas tecidas, este trabalho
não advogada pela impossibilidade de utilização de dados pessoais em
políticas públicas. De fato, o seu uso pode contribuir para o aumento da
eficácia da atuação estatal, mas, para que isso não ocorra em descom-
passo com o direito à proteção de dados pessoais, é necessário que haja
maior estudo e participação social na edição de normas infralegais tão
impactantes. É preciso ainda que o Poder Público faça uma análise de
avaliação de riscos sobre a utilização dos dados pessoais, considerando
os efeitos danosos do seu vazamento ou uso indevido, ainda mais quando
se trata de dados pessoais sensíveis, como são os dados sobre saúde, que
podem ser utilizados de forma discriminatória (ABREU, 2016).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, pretendeu-se demonstrar como a avaliação


de impacto regulatório pode contribuir para a elaboração e avaliação das
políticas públicas, de modo especial aquelas que envolvem o tratamento
de dados pessoais. Assim, foi apontada a importância da AIR para que se
pense o fundamento legal das políticas públicas desenvolvidas, exercício
necessário em face da limitação da atuação estatal à legalidade.
Também foram levantados alguns atos normativos que já pre-
veem a realização da AIR no Brasil, como a Lei das Agências Reguladoras
e a própria LGPD. Salientou-se que, apesar da falta de difusão desta me-
todologia nas práticas do setor público brasileiro, a EC n. 109/2021, ao
estabelecer a obrigatoriedade constitucional da avaliação de impacto de
políticas públicas, traz um novo cenário para a implementação da AIR.
Nesse sentido, discorreu-se, brevemente, sobre a disciplina da
LGPD, apontando algumas violações perpetradas pela Portaria que insti-
tui da RNDS. Ao final, detalhou-se que, ao estabelecer uma metodologia
para se pensar a norma, a AIR permite que se faça: i) uma melhor delimi-
tação do problema a ser enfrentado pela política pública; ii) maior coleta
de informações sobre a questão, seja por levantamento de dados de forma
geral, seja pela participação da população e especialistas; iii) identificação
92 | ANA BEATRIZ REZENDE ROSA | FABIANA MIRANDA PRESTES

dos agentes de tratamento, dos titulares de dados e dos demais afetados


pelo problema regulatório identificado; iv) identificação e definição dos
efeitos e riscos decorrentes da edição, da alteração ou da revogação do ato
normativo; v) levantamento de alternativas para a regulação, consideran-
do até mesmo a possibilidade de não regulamentação. Tais considerações
permitem a criação de uma norma mais conectada com a realidade e as
necessidades da sociedade, bem como em compasso com as garantias e
os direitos fundamentais.
Diante do exposto, conclui-se pela necessidade de incorporação
da AIR para amadurecimento das políticas públicas no país, especialmente
aquelas que envolvam o tratamento de dados pessoais pelo Estado, já que
trazem consigo o risco inerente de vazamento e desvio, o que, além de vio-
lar a privacidade do cidadão, pode ser utilizado de forma discriminatória,
em evidente afronta ao direito fundamental à proteção de dados pessoais.

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97

A LEGISPRUDÊNCIA APLICADA:
DEVERES DO LEGISLADOR E
FERRAMENTAS PARA A AVALIAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Cristiane Silva Kaitel1


Esther Külkamp Eyng Prete2

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 109 de 15 de março de 2021


introduz no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil
o § 16, o qual estabelece um dever aos órgãos e entidades da adminis-
tração pública, individual ou conjuntamente, de realizarem a avalia-
ção das políticas públicas estabelecidas.
Este dever de órgãos do Executivo é estabelecido pelo legis-
lador e deve ser cumprido com seriedade, já que os resultados desse
controle deverão ser observados na elaboração das leis orçamentá-
rias, conforme o art. 165 §16 da CF/88.

1 Professora Adjunto IV PUCMINAS. Professora do Programa de Pós-Gradu-


ação em Ciências Humanas da UFVJM. Pesquisadora do Observatório para
a Qualidade da Lei. Coordenadora da Academia de Líderes Católicos Brasil.
Contato: cristiane.kaitel@gmail.com.
2 Advogada, com atuação no Brasil e em Portugal. Doutoranda pela Universida-
de Federal de Minas Gerais, Mestre pela mesma instituição. Pesquisadora do
Observatório para a Qualidade da Lei. Contato: esther.eke@gmail.com.
98 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

A análise da Emenda Constitucional nº 109 revela que o legisla-


dor aliou o controle da sustentabilidade da dívida pública com o dever de
maior eficiência e eficácia da atuação da Administração Pública. O dever
de avaliação de políticas públicas aparece, assim, como forma de aprimo-
ramento da racionalidade da decisão pública.
Ocorre que a avaliação de políticas públicas – que implica uma
avaliação concreta de resultados - ultrapassa a racionalidade legal-for-
malista e de controle contabilístico que prepondera na administração de
tipo burocrático. Por tal motivo, faz-se necessário instruir o legislador
ou o gestor público sobre quais os princípios que qualificam a decisão
pública de maneira que as políticas públicas cumpram com os requisitos
constitucionais de eficácia e eficiência.
A Legisprudência (WINTGENS, 2012) trata-se de uma teoria
normativa que propõe a inserção da racionalidade prática nos processos
de elaboração legislativa e de controle de sua eficiência, eficácia e efeti-
vidade. Para isso, apresenta alguns princípios para a elaboração de “boas
leis” e elenca vários deveres a serem cumpridos pelo legislador. Tais deve-
res se refletirão no dever dos órgãos do Executivo em avaliar e monitorar
as políticas públicas e podem servir como elementos e padrões de análise.
Este capítulo faz, a partir da revisão bibliográfica de alguns tra-
balhos referenciais da Legisprudência, um estudo da aplicabilidade dos
princípios da Legisprudência ao dever de controle das políticas públicas
por parte dos órgãos do Poder Executivo. Ainda, traz a discussão so-
bre os aspectos da racionalidade possível exigível ou esperada por parte
do Legislador e que irá impactar no monitoramento e na avaliação dos
produtos legislativos concretos elaborados e que devem ser executados
com o máximo de efetividade possível. Aborda também a questão da
validade e da legalidade das políticas públicas no processo de monito-
ramento e controle, de modo que este dever seja percebido como uma
oportunidade de atualização e melhoria das políticas públicas e conse-
quentemente da melhoria da qualidade de vida e da garantia de oportu-
nidades para todos, sem discriminação.
Inicialmente trataremos do papel fundamental que a avaliação
das políticas públicas desempenha para a melhora da racionalidade da
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 99

despesa pública e da importância da inserção especificamente do §16 no


art. 37 da Constituição Federal de 1988, e do desafio que se apresenta
para a aplicação da razão prática à avaliação das políticas públicas. Em
seguida, trataremos da questão da racionalidade necessária aos processos
de elaboração, monitoramento e revisão de atos legislativos e em especial
de políticas públicas, em relação aos aspectos da legalidade e validade.
Depois, analisaremos como os princípios da Legisprudência podem ser
aplicados como padrão de controle da efetividade, da eficiência e da efi-
cácia das políticas públicas. Enfim, trataremos da relação entre os deveres
do legislador para o aprimoramento da técnica de avaliação das políticas
públicas pelo Executivo, estabelecendo os mesmos deveres para os órgãos
e as entidades da Administração Pública.

2. APEL DA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA


MELHORA DA RACIONALIDADE DA DESPESA PÚBLICA

A análise sistemática da inserção do §16 no art. 37 da Constitui-


ção Federal revela que o legislador pretendeu aprimorar a racionalidade
da ação estatal ao estabelecer uma relação entre o controle orçamentário
e a avaliação das políticas públicas, conexão que se depreende do novo
§16 do art. 165 da Constituição Federal. Três são os aspectos que a análise
sistemática sugere que devem ser levados em conta para dimensionar o
alcance e sentido do novo §16 no art. 37.
Primeiramente, a inserção do dever de avaliação de políticas públi-
cas dá-se naquele que é o dispositivo constitucional que exerce o papel de
espinha dorsal da Administração Pública no texto constitucional. Resta es-
tabelecida sua importância de ordem matricial e de observância compulsó-
ria para toda a Administração Pública do país, de todos os entes federados.
Em segundo lugar, o §16 deverá ser interpretado e aplicado em
consonância com os princípios que norteiam o agir da Administração
Pública, explicitados principalmente no caput do art. 37. Neste sentido,
salta logo à vista a especial afinidade dos princípios de eficiência - cons-
tante no caput do art. 37 - e da eficácia (inciso II do art. 74) com o cum-
100 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

primento do dever de avaliação de políticas públicas ora inserido na Car-


ta Magna. Pode-se afirmar que o dever de avaliação de políticas públicas
apresenta-se como uma concretização, no plano metodológico, desses
princípios. A eficiência está relacionada à melhor utilização dos recursos
para atingir um objetivo (ALCÂNTARA, 2009), é a razão de coerência
entre os recursos e meios disponíveis aplicados com os objetivos. A efi-
cácia diz respeito à mensuração dos resultados para um dado período de
tempo, diante dos objetivos previamente estabelecidos. É a verificação se
as metas foram efetivamente atingidas (ANDRÉ, 1993).
Terceiro aspecto que deve ser levado em conta, o qual emerge
ao se analisar sistematicamente os dispositivos inseridos pela Emenda
Constitucional n. 109, é que resta clara intenção do legislador em aliar
o controle e sustentabilidade da dívida pública com a maior racionali-
dade do agir estatal. Trata-se de uma importante inovação, que eleva a
importância da avaliação de políticas públicas ao patamar de condição
de legalidade da despesa pública, reforçando o efetivo cumprimento dos
princípios da eficiência e eficácia.
Sem instrumentos de controle e avaliação das políticas públicas, o
controle da racionalidade orçamentária reduz-se ao controle contabilísti-
co, apesar dos princípios da eficiência e da eficácia já estarem consagrados
no texto constitucional (o princípio da eficiência foi inserido pela Emenda
Constitucional 19 de 1998). Tradicionalmente, o controle da dívida pública
parte do controle contabilístico, pois por óbvio que a primeira e mais ne-
cessária forma de exercício do controle das despesas públicas é através da
expressão da sua grandeza monetária, com a observância da relação posi-
tiva entre as receitas frente às despesas. Mas perante o dever de realizar a
avaliação de políticas públicas inserido pelo §16 no art. 37, o controle orça-
mentário apenas contabilístico e formal da despesa pública torna-se cons-
titucionalmente insuficiente para que seja considerado legalmente válido.
Doravante, é expressamente necessário que a despesa pública justifique-se
pelos resultados concretos alcançados conforme princípio da eficácia, e que
tais resultados tenham sido obtidos mediante as melhores opções estratégi-
cas, eleitas após o sopesamento de toda a gama de opções viáveis tendo em
conta o contexto (critério de eficiência). Mas a efetiva implementação do
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 101

controle e avaliação de políticas públicas coloca um desafio para a raciona-


lidade tradicional do processo legislativo.
A avaliação de políticas públicas, para ser realizada, implica um
tipo de racionalidade que ultrapassa a racionalidade meramente formalis-
ta, a qual se relaciona muito bem seja com o controle administrativo buro-
crático, seja com o controle orçamentário contabilístico, pois a racionalida-
de formalista-legalista caracteriza-se, entre outros, por operacionalizar-se
pela mera subsunção do tipo descrito na lei a uma conduta específica. Já a
avaliação de políticas públicas revela-se um caso de uso da razão prática.
A razão prática é o exercício da razão humana com a totalidade
de suas faculdades. Diversamente da mera subsunção, que é a mera veri-
ficação de uma eventual relação entre duas grandezas à luz de um critério
formal, a razão prática caracteriza-se por ser um julgamento, e de grande
complexidade e densidade: é o sopesamento de alternativas, depreendi-
das a partir de fatos, tendo em vista um objetivo, estabelecido à luz de
valores, e tudo isto tendo em vista um contexto. Além da complexidade
dessa operação para a razão individual, tem-se o desafio de como imantar
o processo da decisão pública (procedimentalista, metódica e impessoal)
de tal racionalidade.
A Legisprudência, como explica WINTGENS (2012), visa justa-
mente a inserção da razão prática dentro do processo legislativo. O de-
safio é como fazer tal inserção, dada a característica procedimental do
processo legislativo. É neste sentido que o aludido autor desenvolveu vá-
rios preceitos teoréticos a serem adotados metodicamente pelos atores do
processo legislativo, o que permitiria qualificar a racionalidade da deci-
são pública, enquanto intervenção normativa na liberdade.

3. A RACIONALIDADE NOS PROCESSOS DE ELABORAÇÃO,


MONITORAMENTO E REVISÃO DE ATOS LEGISLATIVOS

Faz-se necessário aprofundar a compreensão de como se estrutu-


ra a racionalidade aplicada ao processo legislativo, de maneira a contras-
tá-la com a proposta da Legisprudência.
102 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

O sistema jurídico ou o ordenamento jurídico normalmente é


entendido como um sistema de normas que tem validade e legalidade. O
controle de legalidade é feito em relação à conformidade com um proce-
dimento formal de elaboração, conforme a presunção de que em um Es-
tado de Direito as competências legalmente estabelecidas determinarão
os órgãos que agem segundo a formalidade procedimental.
O controle de validade é feito em relação à conformidade com a
hierarquia do sistema legal, em que todo ato normativo a ser produzido
deve estar em consonância com as normas hierarquicamente superiores.
Desta forma, qualquer ato normativo criado por um órgão le-
galmente competente para tal, e que está em consonância com as nor-
mas superiores seria válido e legal. Estes produtos normativos sofrem um
controle de legalidade e de validade por parte do judiciário, seguindo o
princípio da separação de poderes. Em regra, a exigência é a de verifi-
cação do atendimento dos requisitos formais de validade e legalidade.
Esta análise parte do pressuposto de que o legislador exerce sua compe-
tência atendendo ao princípio da legalidade e da hierarquia normativa,
com maior ênfase na análise de quem elaborou que produto normativo
segundo uma dada competência legal e se seguiu um dado procedimento
formal definido regimental ou legalmente.
O controle jurisdicional pressupõe que o legislador legislou a par-
tir de um esforço racional de cumprir com os requisitos exigidos no Estado
de Direito. Esta presunção reforça a segurança do próprio sistema legal.
Ocorre que o legislador tem um papel político predominante que
deve ser levado em consideração. Agindo politicamente o legislador mui-
tas vezes atua seguindo agendas próprias e específicas, que influenciam o
conteúdo da norma elaborada. Este interesse político próprio é legítimo,
dado que o legislador é representante do povo e exerce sua competência
legislativa com base nessa legitimidade conquistada pelo voto.
Não obstante, o legislador está submetido ao Estado de Direito e
ao sistema jurídico em sua atuação. A racionalidade aplicada no exercício
de sua função deve ser justificada segundo critérios também racionais. A
Legisprudência nos apresenta princípios sob os quais pode-se justificar a
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 103

ação legislativa e os deveres do legislador que derivam desta obrigação de


fundamentar racionalmente os motivos de uma dada atividade legislativa.
Wintgens e Oliver-Lalana (2013) apontam que conforme o prin-
cípio da Caridade (“principle of charity”) o controle jurisdicional tem
como pressupostos que o legislador tenta evitar contradições em sua ati-
vidade legislativa, assim como tenta evitar que as normas que elabora
tenham consequências absurdas. Ainda, pressupõe que o legislador age
com conhecimento das preferências e dos interesses daqueles que serão
afetados pelas normas produzidas. Assim, o legislador é considerado pri-
ma facie um agente racional.
No entanto, mesmo considerando que a intenção do legislador
é racional, nem sempre o produto do processo de elaboração legislativa
é ótimo. O legislador faz escolhas a todo momento na execução de sua
atividade, escolhas estas que são limitadas. As limitações são de diversos
tipos: constrição de tempo, de recursos, limitação em sua própria capa-
cidade de análise e identificação da problemática a ser enfrentada, falta
de informação qualificada e de fonte confiável, conflito com interesses,
valores e sentimentos próprios. As escolhas do legislador devem consi-
derar a realidade social e os problemas a serem atacados. Esta realidade é
situada historicamente, o que tem como consequência que as escolhas do
legislador também sofrem influência de uma dada situação em um dado
momento histórico.
Disto decorre que o produto da elaboração normativa deve estar
coerente com seu tempo. As circunstâncias técnicas, sociais, políticas e
econômicas influenciam na condição de validade das normas. Se as nor-
mas não forem elaboradas considerando tais elementos e considerando
os efeitos de tais elementos no tempo, elas podem enfrentar problemas
em sua execução pelos destinatários e aplicação pelo Poder Judiciário,
com consequente questionamento de sua validade.
Conforme a tese adotada pela Legisprudência (WINTGENS,
OLIVER-LALANA, 2013) a validade formal verificada no momento de
promulgação das normas não carrega uma presunção a priori de serem
efetivas, eficazes e eficientes. Um processo de elaboração normativa con-
duzido com racionalidade exige constante e periódica análise e recon-
104 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

firmação da validade das normas produzidas conforme estes critérios.


Em consequência, a análise da efetividade, da eficácia e da eficiência de
forma sistemática se apresenta como uma oportunidade de atualização e
melhoria das normas, reforçando o aspecto da legalidade.
A análise de efetividade, eficácia e eficiência situa os efeitos de
uma dada legislação historicamente e possibilita a verificação da ade-
quação das ações propostas. Em se tratando de políticas públicas, esta
análise é fundamental.
Os conceitos de eficácia, efetividade e eficiência para a Legispru-
dência coincidem com os conceitos da doutrina administrativista-cons-
titucional, ainda que com algumas nuances a mais. A análise de eficácia é
feita tendo em vista o objetivo colocado pelo legislador no momento de
elaboração da norma, e verifica-se se ocorreu o efeito desejado. A análise
de eficiência é feita tendo em vista a análise de custo-benefício entre o
efeito desejado e as ações exigidas para se chegar ao resultado esperado.
A Legisprudência acrescenta aos dois critérios anteriores a análise de efe-
tividade, que é feita tendo em vista o comportamento dos afetados pela
norma, se houve a adoção do que foi proposto e determinado, e se os
problemas enfrentados tiveram uma redução ou foram resolvidos.
A racionalidade possível exigível ou esperada por parte do legis-
lador é a que podemos identificar segundo os parâmetros colocados aci-
ma, com vistas a uma racionalidade ótima desejada, em direção à elabo-
ração de leis ótimas. Os aspectos de tal racionalidade serão verificados no
monitoramento dos produtos legislativos concretos elaborados e devem
ser levados em consideração na execução do dever de avaliação das polí-
ticas públicas imputado aos órgãos e entidades da administração pública.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 105

3.1. A racionalidade esperada nos processos


de elaboração, monitoramento e revisão
de políticas públicas conforme a aplicação
dos princípios da Legisprudência

O processo de elaboração de políticas públicas acontece a par-


tir das escolhas políticas do legislador. Ainda assim, é necessário que
o legislador compreenda que é um ator legal e que esse processo de-
manda que o mesmo considere, além das formalidades exigidas pelo
princípio da legalidade e pela hierarquia do sistema normativo, uma
série de elementos objetivos.
Considerando que tais escolhas políticas são feitas a partir da
observação de um quadro social, a partir da identificação de problemas
que afetam a sociedade como um todo, e que atingirão também a grupos
específicos em graus diferentes e de modos diversos, a racionalidade exi-
gível e esperada do legislador o obriga a eleger as propostas mais eficazes,
eficientes e efetivas possíveis.
A análise de eficácia, eficiência e efetividade das propostas con-
sideradas em um primeiro momento deve se basear em: dados empíricos
(qualitativos e quantitativos) obtidos de fontes seguras, confiáveis e com
expertise para o levantamento de tais dados; identificação dos interesses
dos grupos afetados de forma específica; aplicação de estudos que levan-
tem o número maior possível de soluções factíveis e eficientes; em relação
ao estado de coisas ótimo que se quer alcançar.
Todas essas considerações devem ser tomadas em um tempo mí-
nimo possível e adequado, para que o distanciamento entre o levanta-
mento dos dados, sua análise e a elaboração das políticas públicas a serem
propostas seja o menor possível.
Todo o processo de elaboração de políticas públicas deve oferecer
transparência e espaços acessíveis e formatos adequados que consigam
garantir a ampla participação dos afetados.
Vejamos como os princípios da Legisprudência podem servir de
guia neste processo. A Legisprudência propõe que toda elaboração legislativa
106 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

seja realizada seguindo quatro princípios com o objetivo de produzir “boas


leis”. São eles: 1- Princípio da coerência; 2- Princípio da alternatividade; 3-
Princípio da temporalidade; 4- Princípio da densidade normativa necessária
(MENEZES, KAITEL, PRETE, 2019; KAITEL, 2016; WINTGENS, 2012).
O princípio da coerência é apresentado em níveis, a depender
das exigências complementares de coerência que vão sendo adicionadas
com o aumento do nível de coerência. O primeiro nível de coerência é
chamado de coerência sincrônica, e se refere a uma análise semântica e
sintática do texto normativo. Em relação a qualquer texto escrito, o que se
aplica também às normas que instituem políticas públicas, busca-se que
em uma interpretação literal, não haja incoerência nos termos do texto,
ou mesmo no sentido das frases tomadas em seu conjunto. Este nível de
coerência é básico, e a presunção é de que o legislador tenha a capacidade
de produzir um texto escrito com coerência sincrônica.
O segundo nível de coerência é chamado de coerência diacrô-
nica, em que, adicionalmente à coerência semântica e sintática, as nor-
mas estabelecidas não sejam contraditórias entre si, e que o resultado da
aplicação das normas estabelecidas no instrumento normativo não seja
contraditório. Em relação às normas que instituem políticas públicas, a
importância de se garantir a coerência diacrônica é evidente, para que
as normas não sejam ineficazes. A eficácia das políticas públicas se evi-
dencia quando os objetivos propostos são alcançados, o que não seria
possível se as propostas de enfrentamento dos problemas concretos in-
dividualmente se apresentassem contraditórias. A coerência diacrônica
também já se mostra importante na análise de eficiência, já que o custo de
implementação de propostas contraditórias seria alto considerando que
não se conseguiria o resultado planejado.
O terceiro nível de coerência é chamado de coerência sistêmica.
Adicionalmente à coerência diacrônica, exige-se que os efeitos das nor-
mas consideradas individualmente exequíveis, quando observados em
conjunto, se anulem uns aos outros. Neste sentido, a própria existência
do efeito das normas estaria sendo colocado em cheque. Não há possi-
bilidade de enfrentamento dos problemas concretos se os resultados ob-
tidos analisados em conjunto acabem sendo anulados uns pelos outros.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 107

A validade das normas tomadas individualmente não pode resultar em


incompatibilidade operacional conjunta.
O quarto nível de coerência é chamado de coerência intrínseca.
Além da necessidade de coerência sistêmica, é necessário que as soluções
propostas sejam baseadas racionalmente em uma teoria. Assim, o texto
normativo que institui políticas públicas deve refletir um referencial teó-
rico compatível. As propostas contidas no texto normativo das políticas
públicas estão, pela coerência intrínseca, obrigadas a observar os prin-
cípios constitucionais, os princípios basilares de nossa ordem jurídica.
Esta reflexão se apresenta importante quando aplicamos este princípio
ao texto da Emenda Constitucional nº 109/21, já que o legislador esco-
lheu inserir o dever aos órgãos e entidades da administração pública de
avaliação e monitoramento das políticas públicas estabelecidas no art. 37
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em um pará-
grafo específico (§16). Este artigo é fundamental para qualquer análise
dos atos da administração pública, já que concentra os princípios a se-
rem observados em qualquer circunstância, quais sejam, os princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Neste
sentido, para estar conforme o princípio da coerência em seu nível máxi-
mo, ou seja, o nível da coerência intrínseca, o dever de monitoramento,
avaliação e revisão das políticas públicas instituído pelo legislador para
os órgãos e entidades da administração pública tem que ser executado
obedecendo a todos os princípios elencados no caput do art. 37.
O princípio da alternatividade coloca seu foco na ação dos su-
jeitos. A resolução dos conflitos concretos que acontecem na sociedade
a todo tempo deve ser liderada pelos próprios sujeitos envolvidos, pelos
afetados, por mediadores, por todos aqueles que prezam pela solução dia-
logada e pelo respeito à liberdade de todos os sujeitos sem discriminação.
A resolução pacífica e autônoma dos conflitos deve ser a regra, para isso
os sujeitos devem ter informação, autonomia, respeito uns para com os
outros, entender que com uma abordagem positiva do conflito a humani-
dade pode caminhar no sentido de uma evolução em seu existir conjunto.
Toda vez que não se consegue sucesso nesse processo de solução
de conflitos com garantia do exercício da liberdade livre por parte de todos
108 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

os sujeitos, é possível que se justifique a intervenção estatal (que é externa


aos sujeitos) para que se enfrente os problemas dentro da lógica dialogal
e se chegue a uma proposta efetiva de solução. Na elaboração de políticas
públicas a aplicação do princípio da alternatividade é essencial. Quando se
levantam dados sobre as problemáticas a serem enfrentadas e se começa
o exercício racional de identificação de causas e efeitos possíveis, deve-se
considerar que a elaboração de uma norma nem sempre será o caminho
mais eficaz, eficiente e efetivo para a solução dos problemas evidenciados.
Neste sentido, quando se toma a decisão política de estabeleci-
mento de uma política pública que irá organizar e direcionar as ações
de vários atores (públicos, privados, indivíduos), tem-se que considerar
que aquela decisão foi a preferível naquele momento histórico, com base
naqueles determinados dados levantados e naquela discussão racional de
causas e efeitos. Assim, relaciona-se o princípio da alternatividade com o
próximo, o da temporalidade.
O princípio da temporalidade é de aplicação imediata e constante.
Este princípio expõe a característica de historicidade presente em qualquer
escolha do legislador. A presunção de racionalidade, de legalidade e de vali-
dade se conecta com um momento no tempo. Quando uma política pública
é estabelecida, deve ser coerente com o paradigma de seu tempo, deve ser
a melhor alternativa encontrada naquele momento para lidar com aquela
situação determinada. Todas as variáveis de análise para a justificação das
escolhas políticas que resultaram na elaboração de um texto normativo são
analisadas em relação a um dado lapso temporal. Qualquer variação nesses
elementos racionais ensejará uma revisão e possivelmente uma mudança
daquela política pública estabelecida. O princípio da temporalidade está
presente concretamente na EC109/21, haja vista que foi instituído pelo le-
gislador um dever de monitoramento das políticas públicas que perdura no
tempo. Esta análise é periódica, mas perene.
O último princípio a ser relacionado é o da densidade normativa
necessária. Este princípio define que toda intervenção externa (do Esta-
do) sobre a liberdade de ação dos sujeitos – e todo ato normativo é uma
intervenção desta natureza – deve ter somente o alcance e a amplitude
necessários para solucionar a problemática identificada. Não se deve res-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 109

tringir a liberdade mais do que o necessário e justificável. Neste sentido,


deve ser o último princípio a ser considerado pois se os demais forem
observados os atores envolvidos deverão ter chegado a uma proposta
ótima. Se o princípio da densidade normativa necessária for garantido,
estaremos diante de uma eficiência ótima, em que os custos da interven-
ção externa sobre a liberdade serão os necessários para a obtenção dos
resultados desejados. Também no processo de monitoramento das po-
líticas públicas exigido da administração pública esta reflexão deve ser
realizada. Se houver excesso de normas previstas para a execução de uma
dada política pública ou um excesso de sanções, ou uma inadequação de
instrumentos, a política pública deve ser modificada.
A elaboração legislativa de políticas públicas deve atender aos
quatro princípios desenvolvidos pela Legisprudência, com vistas a pro-
duzir as melhores propostas para o enfrentamento das questões sociais
identificadas. A aplicação dos princípios acima explicados aumenta a
probabilidade de garantia da validade perene das normas instituidoras
das políticas públicas.
Do mesmo modo, ao executar o dever de monitoramento, avalia-
ção e reforma das políticas públicas em execução, a administração públi-
ca deverá manter o foco em garantir as melhores propostas possíveis. A
avaliação dos elementos de eficácia, eficiência e efetividade conforme os
princípios da Legisprudência deve ser adotada como padrão de execução
do dever imposto pelo legislador aos órgãos e entidades da administração
pública pela EC 109/21.

4. APRIMORAMENTO E APLICAÇÃO PRÁTICA


DA RACIONALIDADE: OS DEVERES DO LEGISLADOR
PARA O APRIMORAMENTO DA TÉCNICA DE
AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
PELOS ÓRGÃOS DO EXECUTIVO

Os princípios da Legisprudência aplicados à racionalidade legis-


lativa visam, como já explicado, inserirem a razão prática no processo
110 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

legislativo. Tais princípios constituem concretizações do pressuposto ori-


ginal de legitimação da própria soberania estatal, que é a liberdade. O
Estado não possui um direito a priori para intervir ou limitar a liberdade
dos indivíduos. A intervenção normativa só se justifica, por conseguinte,
se ela visa proteger a própria liberdade. Sendo a liberdade a fonte da le-
gitimidade da própria soberania estatal e o fim para o qual a norma deve
se voltar, a liberdade é o principium e o leitmotiv da intervenção estatal.
Disto depreendem-se deveres a serem tidos em conta pelo legislador no
momento de se aventar a possível intervenção normativa e na sua formu-
lação, ou, em outras palavras, deveres para o exercício do poder.
Tais deveres alcançam ademais o dever dos órgãos do Executivo
na avaliação de políticas públicas instituído pela EC 109/21, pois devem
ser contemplados no monitoramento e no controle de efetividade, eficá-
cia e eficiência com a mesma diligência e com o mesmo cuidado com que
o legislador o fez. São os parâmetros a serem seguidos na atividade de
controle determinada.

4.1. Dever de Levantar Fatos Relevantes


(Duty of Relevant Fact Finding)

O discurso de uma norma não se restringe em si mesma. Ela é


a expressão da soberania do Estado, estabelece comandos ou regras de
conduta compulsórias, de maneira que afeta concretamente as liberdades
dos indivíduos e grupos. Por se tratar de um comando com vistas a atuar
diretamente na realidade, a formulação de uma norma deve se basear na
verificação aprofundada dos fatos.
Tal dever de verificação dos fatos pode parecer autoevidente, mas
na verdade sua aplicação efetiva requer do legislador ou do gestor públi-
co uma autocrítica severa. Ocorre que toda norma é motivada por uma
particular visão dos fatos, do próprio legislador ou dos atores sociais que
demandam aquela intervenção, de maneira que o primeiro passo neces-
sário a garantir maior racionalidade da norma é relativizar criticamente
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 111

a demanda inicial e efetuar a uma avaliação dos fatos autônoma, mais


abrangente e aprofundada3.
Existe uma grande diferença entre simplesmente levantar “fatos”
e apurar “fatos relevantes”, sobretudo quando se trata de formulação po-
líticas públicas, que visam efetivamente a transformação de um deter-
minado aspecto da realidade social. Por um lado, intervir num aspecto
da realidade social implica intervir em uma dinâmica, na interação viva
e fluida entre indivíduos e grupos, e não em uma situação estática. Por
outro, os processos sociais são inerentemente complexos. Respostas uni-
versais, prontas, imediatas dificilmente se mostrarão as mais adequadas
para um contexto marcado pela profunda complexificação dos fenôme-
nos sociais. Os cenários alteram-se rapidamente, a experiência do tem-
po e espaço foi influenciada pelo enorme avanço tecnológico, as searas
econômicas interconectam-se mediante redes que desafiam a capacidade
individual de rastreá-las.
Estes dois aspectos implicam o dever de investigação do enca-
deamento dos elos de causalidade entre os fatos, a fim de se chegar a
uma radiografia apurada da dinâmica social em questão. Dados soltos,
sem conexão, não conduzem à melhor compreensão da situação social
em questão, e não auxiliam a antever as eventuais consequências da
intervenção estatal.
Outra dimensão a ser levada em conta para o cumprimento do
dever de verificação de fatos relevantes consiste na necessidade de levar
em conta o contexto dos potenciais afetados pela norma, o que altera o
peso de relevância dada aos fatos. Existem fatos que, segundo os valores
ou as circunstâncias empíricas experienciadas pelos afetados, são mais ou
menos relevantes.
Ocorre que o significado de um fato para um indivíduo reflete
o contexto de relacionamentos e interações sociais no qual ele se insere,

3 “Muito freqüentemente, o legislador se contenta em assumir os problemas tais


como definidos pelos atores sociais. Ora, só uma definição autônoma fundada na
análise da realidade e uma apreciação dos valores em jogo permitiu ao legislador
decidir, com absoluto conhecimento de causa, a oportunidade e a natureza da inter-
venção legislativa.” (DELLEY, 2004, pg 104).
112 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

porque o significado é construído a partir de relacionamentos e interações


sociais. O contexto de interações sociais no qual o indivíduo está inserido
é duplamente importante para a verificação de fatos relevantes: é o espaço
no qual o indivíduo exerce suas liberdades e escolhas com outros indiví-
duos, e o contexto empresta o sentido aos fatos.
A norma, como já mencionado, afeta a liberdade dos indivíduos,
e à luz dos princípios da Legisprudência tal intervenção na liberdade pre-
cisa ser justificada para poder ser legitimada. O exercício da soberania
estatal não o é legitimada a priori segundo a Legisprudência. A interven-
ção nas liberdades só se justifica em prol de resguardar concretamente as
próprias liberdades. Para realizar tal ponderação de alternativas, faz-se
necessário verificar concretamente todos os fatos que compõem o con-
texto dos indivíduos (circunstâncias e valores). É necessário, portanto,
que a concepção de liberdade oferecida pela norma tenha uma justifica-
ção fática robusta para poder se substituir à concepção de liberdade dos
indivíduos. A princípio, tal possibilidade só se abriria ao legislador no
caso de falha na interação social original.
A racionalidade da formulação de uma política pública repousa
na consistência dos fatos que a justificam e a sua legitimidade requer o
respeito ao contexto dos indivíduos e da interação social já existente.

4.2. Dever de formulação do problema.

O “dever de formulação do problema” tem por conteúdo a tensão


entre os valores dos indivíduos e os valores imanentes no processo de
identificação de um estado de coisas como “problemático” pelo legislador.
Identificar o problema que motiva uma demanda de intervenção
normativa tem por base um diagnóstico prévio da situação julgada insa-
tisfatória, o que implica uma referência mais ou menos explícita a uma
situação considerada ideal. Todo este julgamento da situação remete a
valores que permitem qualificar essa situação e, por conseguinte, os ob-
jetivos que lhe são imanentes. Ou seja, a expressão de uma insatisfação
em relação a uma situação de fato revela uma tensão entre uma realidade
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 113

vivida e uma realidade desejada, com base em certos valores que podem
estar expressos ou não no processo desse julgamento. Ocorre que quem
realiza esse julgamento é o legislador (ou quem exerce a soberania em
nome do Estado) e não os próprios indivíduos que estão envolvidos na
situação considerada problemática.
A teoria da Legisprudência não estabelece uma hierarquia de
valores e nem pretende ser uma teoria de justiça substantiva. Trata-se
de uma teoria normativa cujo enfoque é a qualificação do exercício da
soberania estatal, recolocando a liberdade como fundamento da legiti-
midade do Estado. A mera preferência do legislador por uma situação
ideal “A” em detrimento da situação dada “B” não é o suficiente para tor-
nar justificável a intervenção do Estado nas liberdades individuais, se a
situação dada “B” não se trata de uma falência da interação social. A luz
da liberdade como principium, as diferentes formas de interação social
são igualmente legítimas, de maneira que qualquer interferência estatal
normativa só poderia ser justificável no caso de falha da interação social.
Por conseguinte, o dever do legislador de formulação do pro-
blema requer uma justificação que demonstre detidamente e com plena
transparência porque a situação desejada pelo legislador é preferível à
situação vivenciada pelos indivíduos que serão afetados. Esta justificação
tem por conteúdo demonstrar de que maneira as liberdades dos indiví-
duos serão melhor preservadas pela opção legislativa em detrimento da
opção de interação social dos próprios indivíduos.
Mas o processo de justificação do legislador não se esgota ape-
nas na sua consistência discursiva interna, mas deve ser exposto ao
contraditório. A justificação a ser apresentada pelo legislador precisará
levar em conta ou ao menos ser contrastada com as justificações dos
próprios indivíduos, o que se relaciona diretamente com o dever an-
terior de verificação de fatos relevantes. Sem tal sopesamento entre as
justificações da preferência do legislador e a dos afetados, o processo
de formulação do problema não pode ser considerado válido à luz da
liberdade como principium.
114 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

4.3. Dever de balancear alternativas

O dever de balancear alternativas apresenta-se em vários mo-


mentos do processo da decisão legislativa.
O primeiro consiste na decisão ou não de se legislar. A autorida-
de da lei para condicionar a conduta alheia requer que meios alternativos
de ação (estatal, social, comunitária, ou até a inação) tenham sido sopesa-
dos como formas de lidar com a situação considerada problemática. A in-
tervenção normativa torna-se justificável apenas quando ela se apresenta
como uma alternativa razoável à luz de um efetivo falhanço na interação
social e diante da ausência de outras alternativas que privilegiem a inte-
ração social horizontal.
Restando estabelecido que efetivamente a intervenção norma-
tiva estatal se faz necessária, o dever de balancear alternativas aparece
novamente quanto ao estabelecimento do grau de penetração da lei nas
liberdades individuais (ou quanto ao nível de densificação normativa).
A mais agressiva delas é a que condiciona a conduta dos indivíduos sob
pena de uma sanção. Hodiernamente existe toda uma rica gama de téc-
nicas legislativas que visam apenas oferecer um estímulo às condutas in-
dividuais, sem que implique necessariamente uma sanção. Por exemplo,
oferecer meios para que os indivíduos resolvam diretamente suas dis-
putas (alternative dispute resolution), sem que necessariamente o Estado
os substitua nesta tarefa, como é o caso da mediação ou da arbitragem.
Outra modalidade é a de estabelecer pactos com grupos ou setores sociais
onde os meios para ao atingimento de um determinado fim é deixado
ao arbítrio dos próprios indivíduos, cabendo ao Estado apenas verificar
o atingimento do fim. Terceira modalidade é o de códigos de conduta
ou códigos deontológicos de classes profissionais. Incentivos tributários
para a adoção de uma determinada conduta é uma quarta modalidade,
que representa o uso de estímulos econômicos. Por fim, a emissão de
licenças ou certificados é uma técnica que visa garantir a aptidão pro-
fissional, técnica ou de qualidade (no caso de produtos), o que substitui
regulamentações exaustivas que utilizam a técnica tradicional de condi-
cionamento de condutas.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 115

4.4. Dever de prospecção ou dever de tomar em


consideração eventuais consequências futuras

A enunciação do dever de prospecção pode parecer ter um con-


teúdo redundante, dado que a formulação de uma norma implica o de-
sejo político de criar efeitos na realidade. Mas na verdade, mais uma vez,
tal dever tem por escopo a necessária abertura de perspectiva por parte
dos legisladores para a avaliação da lei de lege ferenda. Os legisladores
quando formulam uma norma estão motivados pelos efeitos que acredi-
tam que tal intervenção criará na realidade social. Mas a realidade sem-
pre ultrapassa nossas representações e crenças, e por isso que esse dever
visa chamar a atenção do legislador que se deve realizar uma investigação
alargada das possíveis consequências que tal intervenção pode causar na
realidade, armadilhas latentes na formulação de uma dada política pú-
blica passíveis de causar problemas não intencionais. Por exemplo, uma
política de valorização salarial baseada no aumento do salário-base me-
diante intervenção legislativa, que tem como motivação o aumento da
renda, se realizada em desconexão com vários indicadores que indiquem
a robustez da capacidade econômica de um país, pode redundar em in-
flação e até em despedimentos.
O dever de prospecção, tal como formulado por WINTGENS, é
ainda mais exigente tendo em conta as possíveis mudanças circunstanciais.
Os efeitos negativos e/não-intencionais podem ter sido provocados por
uma alteração severa nas circunstâncias não provocada pela ação estatal (o
exemplo da pandemia por COVID-19 é bastante evidente), ou serem efe-
tivamente efeito da própria intervenção estatal, o que requererá uma nova
avaliação legislativa de maneira a se verificar qual a melhor maneira de
lidar com a nova circunstância (verificação dos fatos relevantes, balancea-
mento de alternativas, formulação do problema, etc.). Por fim, o cumpri-
mento devido do dever de prospecção pode desestimular a excessiva alte-
ração legislativa, de maneira a proporcionar um quadro mais estável para
indivíduos, famílias e empresas poderem projetar suas condutas.
Caso no decorrer da investigação de fatos relevantes, já se tenha
averiguado a possibilidade de ocorrerem consequências danosas (e dificil-
116 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

mente uma política pública poderá ser isenta de gerar efeitos negativos)
estas devem ser levadas em consideração na discussão da pertinência da
intervenção legislativa em tela, não devem ser excluídas da consideração do
debate parlamentar em prol dos creditados benefícios da norma em gênese.

4.5. Dever de retrospecção

O dever de retrospecção requer do legislador que analise quais


foram os efeitos efetivamente gerados pela intervenção normativa.
Os deveres de avaliação legislativa não se encerram com a pro-
mulgação da norma. Uma vez que ela passa a gerar efeitos na realidade,
abre-se uma nova gama de deveres ao legislador. Os seus efeitos devem
ser continuamente balanceados, de maneira a se verificar se a situação
que inicialmente justificara a intervenção se mantém.
Se em comparação com a situação anterior à da intervenção nor-
mativa a lei ou gerou efeitos insuficientes, ou efeitos negativos, a aludida
norma perde sua legitimidade, devendo ser retirada do mundo jurídico
ou ser substituída por uma melhor e mais adequada intervenção estatal,
o que nos leva ao próximo dever do legislador.

4.6. Dever de correção

O Estado não é onisciente. Ainda que todos os demais deveres


já descritos tenham sido cumpridos, a intervenção normativa pode gerar
efeitos indesejados ou insuficientes. O dever de correção consiste, desta
forma, no dever do Estado corrigir ou alterar a prévia intervenção nor-
mativa uma vez que se constate a produção de efeitos negativos, seja ela
devida à inadequação, insuficiência ou por gerarem efeitos danosos.
Veja-se que mesmo a produção de efeitos aparentemente benéfi-
cos, mas que são insuficientes ao que era necessária para atender as ne-
cessidades da situação concreta, deve levar à correção. Isto é mandatório
especialmente diante de dois aspectos, um de ordem principiológica e
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 117

outra de ordem empírica. O resultado de uma política pública que é pri-


ma facie, positivo, mas insuficiente, não cumpriria com o princípio cons-
titucional da eficácia (referente ao dever de se alcançar um resultado), e
provavelmente também não esteja a atender ao princípio constitucional
da eficiência (da melhor relação entre as alternativas disponíveis, não
apenas a partir do aspecto contábil, mas estratégico, e do grau de respeito
à liberdade dos indivíduos).
Do ponto de vista empírico, as políticas públicas muitas vezes têm
em mira problemas sociais complexos. São problemas sociais que resul-
tam do entrelaçamento de várias dimensões da realidade. Esses problemas
caracterizam-se por alguns traços em comum: dificuldade em definir con-
cretamente o problema, possibilidade de diferentes abordagens, a questão
pode ser entendida como sintoma de outro problema, logo, não permitem
nem uma solução definitiva e nem uma única medida como suficiente.
É o caso, por exemplo, da pobreza persistente, que perpassa as-
pectos tanto humanos quanto estruturais, como a má qualidade do sis-
tema educacional e técnico e falta de combate à criminalidade (que afeta
a vida e atividades econômicas especialmente das pessoas mais humil-
des), a outras macroestruturais como baixo desenvolvimento econômico,
estrutura institucional burocrática ou inadequada às atividades econô-
micas, baixos investimentos em áreas econômicas-chaves, desindustria-
lização, concentração econômica de setores, e até reflexos de um cenário
econômico internacional.
Por conseguinte, políticas voltadas a problemas sociais com-
plexos demandam serem continuamente revistos e readequados (corri-
gidos), pois a própria intervenção do Estado na situação empírica gera
novos efeitos que alteram o contexto original que justificava o design da
política pública originalmente traçada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Políticas públicas implicam dois importantes aspectos: por um


lado, normalmente têm em vista questões sociais de grande magnitude.
118 | CRISTIANE SILVA KAITEL | ESTHER KÜLKAMP EYNG PRETE

Por outro, as políticas públicas implicam em despesa pública. Quanto a


este último aspecto, a Emenda Constitucional 109/21 procurou aliar a
sustentabilidade da dívida pública com a avaliação das políticas públi-
cas, de maneira a aumentar sua racionalidade em conjunção com a efi-
ciência daquelas. Os dois aspectos combinados levam à necessidade de
aperfeiçoar a racionalidade aplicada aos procedimentos que culminam
na criação da norma, de maneira a abrir a racionalidade legislativa para
comportar a compreensão do contexto empírico e ainda ter em vista o so-
pesamento mais eficiente das alternativas. O cumprimento dos princípios
constitucionais da eficácia e da eficiência do caput do art.37, a serem le-
vados em conta para a avaliação das políticas públicas, coloca demandas
que ultrapassam a racionalidade formal.
A Legisprudência é provavelmente a única teoria normativa da
atualidade que visa justamente reinserir a razão prática no processo legis-
lativo, o que atende justamente a específica demanda colocada pela inser-
ção do dever de avaliação de políticas públicas da Emenda Constitucional
109/21. Os princípios e os deveres do legislador desenvolvidos na Legis-
prudência demonstraram poderem servir como padrão de execução do
dever imposto pela referida Emenda, aumentando a probabilidade de ga-
rantia de validade perene das normas instituidoras das políticas públicas.

REFERÊNCIAS

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Eficácia da Administração Pública: Estudo Comparativo Brasil e Espanha. Cons-
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DELLEY, Jean-Daniel. Pensar A Lei: Introdução A Um Procedimento Metódico.


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EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 119

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WINTGENS, Luc J.; OLIVER-LALANA, A. D. (eds.), The Rationality and Jus-


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Switzerland, 2013.
121

MODELAGEM DE PROCESSO:
INSTRUMENTO PARA EXECUÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Paula Gomes de Magalhães1

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo possui o objetivo de demonstrar como me-


todologias aplicadas em diferentes áreas do conhecimento são capazes
de se completarem para a efetivação de políticas públicas de qualidade.
Ao longo dessa produção será tratada a relação existente en-
tre a produção normativa com qualidade (legística) vs governança
pública vs execução de política pública vs modelagem de processos.
A relação elencada acima possui o objetivo de demonstrar
como o uso da modelagem de processo, por meio de suas representa-
ções gráficas, é capaz de contribuir para a operabilidade da metodo-
logia da legística em sua análise da qualidade das normas. Além dis-
so, é capaz ainda de trazer mais transparência, acesso à informação e
simplificação quanto a compreensão de uma norma.

1 Doutoranda em prática legislativa com ênfase no mercado imobiliário (incorpo-


ração imobiliária) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra
e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Centro de Estudos em Direito e
Negócios (CEDIN). Advogada com ênfase na atuação extrajudicial de procedi-
mentos cartorários imobiliários. Estudiosa nas atividades regulatórias/legislati-
vas (avaliação de impacto). paulagomesdemagalhaes@gmail.com.
122 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

A apresentação do método da modelagem, já existente e aplicado


em outras áreas do conhecimento, e a possibilidade de sua utilização em
uma análise quanto a qualidade e aos impactos de uma norma é propício
em um cenário brasileiro no qual a necessidade de avaliação dos impac-
tos das normas pela administração pública passa a ser medida obrigatória
em virtude da EC 109/21.
Desse modo, o presente artigo discorrerá sobre o tema com o obje-
tivo de introduzir, e não exaurir, essa nova possibilidade de conversa entre
áreas de conhecimento e metodologias distintas visando um meio de con-
tribuir para a adaptação do cenário brasileiro às novas condições normati-
vas, o que será de grande valia quando se fala de pensar a lei e seus efeitos.

2. SOBRE LEGÍSTICA E AVALIAÇÃO


DE IMPACTO NORMATIVO

2.1. Explorando conceitos e objetivos

As normas brasileiras, que possuem como principal influencia o sis-


tema Civil Law, muitas vezes carecem de uma racionalidade que lhes embase.
O legista, ao tomar um raciocínio dedutivo que por vezes deixa
de levar em consideração os costumes e cultura de um povo no ato de
legislar, recai na imprudência de gerar normas vinculantes que por vezes
deixam de contemplar o caso concreto ao mesmo tempo em que carecem
de justificativa dos motivos pelos quais a estrutura da norma constou de
determinada forma, o que acaba refletindo de modo negativo em toda a
sociedade regida pela norma elaborada.

Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções seve-


ríssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando ma-
teriais explosivos. As consequências da imprevisão e da imperícia
não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto
atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis
(LEAL, 1960, n.p.)
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 123

Nesse ponto, a necessidade de atribuição de mais racionalidade


ao ato de preparo das normas e eficácia da legislação encontra amparo na
legisprudência de Wintgens (2012) e na metodologia de estudo da norma
intitulada legística.
Sobre a teoria da legisprudência, essa possui como aspecto cen-
tral a necessidade de justificação durante todo o processo de elaboração
normativa, na medida em que o compromisso dos legistas, representan-
tes do Estado, para com seus cidadãos, é um ato que se renova constante-
mente e a cada novo ato.
Já quanto a legística, esta é uma metodologia que busca minimi-
zar as divergências existentes entre o texto da norma e o contexto no qual
esta é aplicada. Para Fabiana de Menezes Soares.

A Legística pode ser definida como saber jurídico que evoluiu a


partir de algumas das questões recorrentes na história do direito,
vale dizer, a necessidade de uma legislação mais eficaz (no sentido
de estar disponível e atuante para a produção de efeitos), o ques-
tionamento da lei como o instrumento exclusivo para a consecu-
ção de mudanças sociais, a necessidade de democratizar o acesso
aos textos legais em todos os níveis (SOARES, 2007, p. 125).

Sua aplicação permite que, com a existência de um procedimento


de elaboração legislativa racional, a arbitrariedade inerente à condição de
humano do legista seja naturalizada, e ao mesmo tempo não seja tratada
como motivo para a geração de normas discricionárias.
Essa metodologia conta com duas vertentes: a legística formal,
que trata dos aspectos formais da norma, tais como estrutura do texto,
redação e afins para que ela seja capaz de transmitir de fato a vontade do
legista ao fazê-la; e a legística material, que trata dos aspectos que antece-
dem a elaboração formal da norma, levando em consideração as questões
sociais, econômicas e afins que justificam a inserção no ordenamento de
uma norma capaz de contemplar os anseios do público afetado por esta.
A legística material conta com a prática de um método intitulado
análise de impacto normativo (também chamado de análise de impacto
legislativo – AIL quando aplicado no poder legislativo ou de análise de
124 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

impacto regulatório – AIR quanto aplicado no poder executivo). Por ava-


liação de impacto normativo tem-se uma metodologia existente dentro
da legística que é capaz de orientar os tomadores de decisões para uma
escolha fundamentada de políticas normativas.
Essa avaliação pode ocorrer antes da norma ser inserida no or-
denamento como medida preventiva quanto a seus efeitos (ex ante) ou
após sua vigência como medida remediativa na busca por melhorias dos
efeitos e consequências incidentes da aplicação normativa (ex post).
Vale dizer ainda que a legística, metodologia de elaboração nor-
mativa com qualidade, já tem se difundido em vários países, sendo ainda
embrionária no Brasil. A título de exemplo, tem-se os países da Organi-
zação para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico
- OCDE e da União Europeia - UE.
Ressalta-se que os países dos blocos mencionados acima apos-
tam que a novação na forma de fazer as normas influencia diretamente na
política econômica e no desenvolvimento de uma nação. Em um relatório
produzido pelo grupo de alto nível para a melhoria da qualidade legisla-
tiva (Grupo Mandelkern), traçou-se um programa de melhoria da quali-
dade dos atos normativos como meio de tornar a dinâmica econômica do
mundo mais competitiva através do conhecimento. Em suma, através de
uma elaboração normativa mais racional é possível otimizar a dinâmica
econômica e social de um país ao passo em que encargos e burocracias
desnecessárias são eliminados.
Para o programa de melhoria mencionado acima, foram identifi-
cados pelo grupo Mandelkern os seis principais aspectos que conduzem
ao sucesso, quais sejam:

• Opções de aplicação de políticas;


• Avaliação de impacto da legislação;
• Consulta;
• Simplificação;
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 125

• Acesso à legislação;
• Estruturas eficazes (RELATÓRIO MANDELKERN, 2000).

No Brasil, embora embrionário, o assunto já tem sido mais di-


fundido, sendo que uma recente conquista no ano de 2021, qual seja, a
Emenda Constitucional 109, trouxe mais visibilidade e obrigatoriedade à
essa prática de busca pela qualidade da norma. Essa emenda será melhor
abordada mais adiante em capítulo próprio.

2.2. Explorando a metodologia da legística

A metodologia da legística, em sua vertente de análise material,


que estuda mais o contexto externo para adequação da norma a realidade
de que pretende regular, conta com a análise de três pontos:

(i) Qual problema a ser resolvido;


(ii) Quais objetivos da norma;
(iii) Como alcançar esses objetivos (DELLEY, 2004).

Sobre esses pontos seguem melhores esclarecimentos. Ressalta-se


que as pontuações feitas a seguir foram retiradas da obra “Pensar a Lei,
introdução a um procedimento metódico” de Jean-Daniel Delley (2004):

(i) Qual problema a ser resolvido.

Esse ponto é de fundamental relevância para o legista na medida


em que, como as normas não possuem um fim em si mesmas e são fei-
tas para solucionar questões de impasses sociais, é essencial saber o pro-
blema para então se compreender como fazer (ou mesmo se fazer) uma
norma que consiga solucioná-lo. Afinal, como já dizia o gato Cheshire à
Alice no País das Maravilhas: “para quem não sabe aonde quer chegar,
qualquer caminho serve”.
126 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

Diagnosticando a situação na qual se vislumbra o problema é


possível avaliar a eficiência de solução deste por meio de uma norma.
Isso, pois, muitos impasses ocorrem em razão que hábitos e costumes que
as normas não são capazes de solucionar.
Nesse sentido, Delley (2004, p. 109-111) sugere a realização de
alguns passos:

• Adquirir conhecimento do tema tratado pela norma;


• Obter dados confiáveis que permitam identificar com pre-
cisão a situação que originou a demanda de intervenção
legislativa. Lembrando que muitas vezes a justificativa da
intervenção legislativa é fraca, baseada em achismos ou da-
dos desatualizados;
• Perceber qual a situação vivida e qual a desejada. Nesse
ponto é importante o estímulo ao legista para que reflita
as várias óticas da “situação desejada”, pois essa pode variar
a depender do público focal. Assim, sugere-se a busca por
uma compreensão mais ampla possível de todos aqueles
que serão afetados pela norma, seja direta ou indiretamen-
te. Vale dizer que essa compreensão pode ser alcançada por
meio da oitiva dos afetados;
• Realização de uma profunda análise da realidade, levando
em consideração os valores que a norteiam. Esse ponto le-
gitima a escolha pela intervenção normativa ao passo em
que oferta para o legislador o conhecimento da causa sobre
a qual se pretende legislar e seus efeitos.

Em suma, para a viabilidade de realização dos passos acima, Delley


(2004) traz a reflexão sobre a necessidade de problematização do impulso
legiferante pra identificação do problema de fato que se pretende resolver. A
seguir tem-se um quadro esquemático com os questionamentos sugeridos:
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 127

Figura 01 - Sobre o impulso legiferante

Fonte: DELLEY, 2004, p. 110

Por todo o exposto, nesse ponto a definição do problema trata-se


de compreender o funcionamento do problema, identificar os atores en-
volvidos e sua lógica comportamental para então detectar as interações
existentes entre eles e assim seguir com as demais etapas de uma boa
elaboração normativa.

(ii) Quais objetivos da norma.

Nesse ponto busca-se entender o sentido que a norma terá na


aplicação dentro de um caso concreto, para que então seja possível com-
preender seu objetivo. Vale dizer que essa etapa de compreensão passa
pelo processo de determinação de finalidade e objetivo de uma interven-
ção pública por meio da norma.
Dito isso, cinco são os questionamentos que contribuem para a
compreensão dos objetivos da norma:
128 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

• Qual o motivo de entender o que se pretende atingir com


a norma?

Reflexões sobre a aplicação da norma em um caso concreto são


capazes de auxiliar na compreensão de seu sentido. Nesse ponto, deve-se
levar em consideração qual será o papel da norma: de regular uma situa-
ção já existente ou então de sancionar uma atividade que pelo costume já
vem sendo perpetrada.
Não se pode perder de vista que a criação de uma norma deve ser
feita com o intuito de que essa “pegue”, ou seja, que seja bem aceita e de
fato cumprida, senão por todos, ao menos pela maioria de seus usuários,
de modo que consiga ser capaz de regular a situação a que se propôs.

• Qual a importância da delimitação dos objetivos da norma?

Dado que as normas não possuem um fim em si mesmo, sendo


assim um instrumento utilizado para regular o convívio em sociedade, a
delimitação de seus objetivos é essencial para uma operabilidade do que
se propõem com estas. Vale dizer que somente com os fins e objetivos já
delimitados da norma é que será possível encontrar o conjunto de medi-
das adequadas para concretizá-los.

• Onde se encontram os objetivos das normas?

Para as normas já postas no ordenamento, no corpo da própria


lei e/ou ato normativo no qual estão inseridas ou mesmo na justificativa
destas é possível encontrar os objetivos. Vale dizer, porém, que para os
casos em que não é possível encontrar os objetivos no caminho indicado
acima, justamente em virtude de uma elaboração normativa sem os pro-
cedimentos metódicos e racionais devidos, os programas políticos são
uma alternativa capaz de ofertar um indício.
No Brasil, dentro do contexto político em que as normas são fei-
tas, a proposta de governo de um Estado em muito influencia os aspectos
das normas promulgadas durante sua vigência. Nesse ponto, as políticas
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 129

públicas existentes e sua efetividade são um caminho interessante para


descoberta quanto as reais pretensões normativas.

• Porque existe dificuldade em encontrar os objetivos da norma?

A negligência do legista em explicitar o objetivo de uma norma


por vezes é uma jogada política para conseguir aderência por parte dos
demais legistas. Isso, pois, limitar-se a descrever a situação desejada de
maneira bem genérica favorece a adesão da maioria.
A afirmação acima se sustenta dado que os conflitos surgem tão
logo se tente definir os limites da nocividade de uma norma e os meios
concretos de evitar que eles sejam atingidos. Essa delimitação demanda a
oitiva de mais pessoas afetadas com a norma e mais tempo para elabora-
ção desta, o que infelizmente não se enquadra na atual dinâmica do par-
lamento brasileiro, onde cada vez mais a pluralidade na oitiva de pessoas
vem sendo mitigada e a decisão quanto a aprovação ou não da vigência
de uma norma se rege pelo tempo.
Em resumo, as principais dificuldades podem ser elencadas da
seguinte forma:

• Conflitos de interesses;
• Necessidade de mascarar as divergências para aprovação
eleitoral;
• Parlamento incapaz de figurar de maneira precisa na situa-
ção desejada por falta de conhecimento sobre a matéria ob-
jeto da legislação (o que ocorre pela falta de conhecimento
das implicações fáticas da norma, o que poderia ser sanado
por meio da oitiva da maior diversidade possível de grupos
atingidos pela norma).
130 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

• Quais os meios para se atingir os objetivos?

Para alcance dos objetivos, demanda-se uma alteração na postu-


ra dos representantes dos poderes estatais a fim de minimizar a crise das
instituições ao mesmo tempo em que se restaure a função do particular
que trabalha a serviço do Estado, com a:

• Compreensão quanto a necessidade de se falar sobre os


conflitos de uma norma para que esta consiga cumprir seu
papel independentemente dos mandatos políticos;
• Sobreposição do interesse público (como representante da
pluralidade) ao particular;
• Inserção da matéria sobre a qual se pretende legislar para
debate, a fim de que sejam apresentados pontos de vistas
antes não contemplados pelos autores da norma;
• Atuação do Estado de forma flexível, com sua disponibili-
dade em adaptar os meios empregados dada a evolução do
problema que se pretende resolver. Essa flexibilidade pode
ser alcançada por meio de delegações legislativas e admi-
nistrativas para os atores que atuam mais diretamente com
as questões a serem legisladas.

(iii) Como alcançar os objetivos da norma.

Inicialmente importa dizer que os objetivos da norma estão atre-


lados ao papel do Estado frente a sociedade. Esse, por sua vez, busca in-
fluenciar a escolha dos atores sociais entre as diferentes possibilidades
de ação que lhes são oferecidas, por meio do favorecimento de certas al-
ternativas em detrimento de outras e, quiçá, excluindo outras mais. Essa
influência ocorre por meio das normas, salvo nos casos em que se verifica
a desnecessidade/ineficiência de regulação de alguma situação por meio
destas, como já tratado no presente artigo.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 131

As normas, por sua vez, para alcançarem seus objetivos, contam


com meios de apresentação distintos frente a sociedade. Existem as volta-
das à criação de obrigações e restrições, já outras ao incentivo, persuasão
e acordo (parceria).
A escolha dos meios de apresentação das normas deve levar em
conta quatro princípios de caráter geral, quais sejam:

• Subsidiariedade: quando é feita a escolha do meio menos


constrangedor do direito daquele sobre o qual se legisla ou
que é afetado pela norma;
• Adequação: quando se busca assegurar uma adequação mí-
nima dos instrumentos escolhidos da norma com os objeti-
vos perseguidos pela mesma;
• Sinergia: quando se busca medidas que não se choquem,
mesmo diante da contradição das normas;
• Celeridade: quando se recorre a medidas paliativas para re-
mediar alguns problemas sociais que evoluem mais depres-
sa do que a capacidade de legislar.

Além dos princípios acima, deve levar em consideração também


a técnica, com a averiguação do máximo de ações disponíveis e capazes
de contribuir para a solução do problema apresentado.
A técnica mencionada supra busca evitar o status privilegiado
de alguns meios de apresentação das normas em detrimento de outros e
pode ser feita por meio do método propositivo de Bender. Esse método
se constitui em três etapas:

• descrever o problema a ser solucionado em proposições


simples;
• refutar essas proposições com a descrição de comportamentos;
• buscar medidas próprias para realizar as proposições refutadas.
132 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

Com ele, as seguintes vantagens são obtidas: (i) inventário do


maior número de medidas possíveis e (ii) evidência dos limites da
intervenção pública.
Em suma, para o alcance dos objetivos da norma deve-se esco-
lher formas de apresentação das normas (ou sua ausência) que levem em
consideração uma análise de viabilidade econômica, operacionalidade e
aceitação política. Essa análise, por sua vez, pode ser feita por meio do
método de Bender, que permite a previsão do maior número de possibi-
lidades de solução possíveis de um problema apresentado.

3. APLICAÇÃO DA LEGÍSTICA E AIL/AIR NO BRASIL

A Emenda Complementar 109 de 2021, que altera, entre outros,


o artigo 37 da Constituição Federal do Brasil (1988), acresceu o § 16 com
a seguinte redação: “Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com
as seguintes alterações: [...] § 16. Os órgãos e entidades da administração
pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das po-
líticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos
resultados alcançados, na forma da lei.” (NR).”
Com a inserção desse novo parágrafo, um novo avanço quanto
ao cenário normativo brasileiro ocorreu, ao passo em que a avaliação de
políticas públicas necessariamente toca as questões de Estado no que tan-
ge às suas normas.
Pensar em política pública se traduz no exercício de governança
pública que, segundo o artigo 2º do Decreto 9.203/2017, que dispõe sobre
a política de governança da administração pública federal direta, autár-
quica e fundacional, possui como conceito o “conjunto de mecanismos de
liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar
e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à pres-
tação de serviços de interesse da sociedade” (BRASIL. 2017).
A governança pública, por sua vez, ao mencionar mecanismos de
estratégia e controle com intuito de direcionar e conduzir políticas pú-
blicas, tem como condição inerente à sua efetividade a análise normativa
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 133

com fins à prestação de serviços de interesse da sociedade. Ou seja, falar


de norma é falar de política pública tendo em vista o papel do Estado
como guardião e mantenedor do Estado de Direito.
Dito isso, a Constituição Federal, ao prever em seu artigo 37 a
necessidade de avaliação de políticas públicas, toca a questão da imple-
mentação da avaliação de impacto normativo. Isso ocorre seja com a di-
vulgação do objeto a ser avaliado, que pode representar as normas que
norteiam determinada atividade pública, ou então com a divulgação dos
resultados alcançados, o que pode dizer respeito a realização de uma ava-
liação ex post da norma.
Por avaliação ex post tem-se o método previsto dentro da legística
material no qual os efeitos da norma e suas consequências na sociedade
são avaliados, por meio da metodologia da legística indicada no capítulo
anterior, após a vigência da norma no ordenamento. Em outras palavras,
representa uma análise quanto aos impactos da norma após o início de sua
aplicação e com seus efeitos já sendo sentidos na sociedade. Esse tipo de
avaliação possui o intuito remediativo a fim de que, identificadas as incon-
sistências ou possibilidades de melhoria da legislação, essas sejam trazidas
à tona e apresentadas como argumento para o aperfeiçoamento da norma.
Esse método ex post, a depender do tempo que a norma objeto da
avaliação já está inserida no ordenamento, consegue contemplar maior
pluralidade de cenários do que na avaliação de impacto ex ante, que é
aquela feita como preventiva antes da entrada da norma em vigor (BOH-
NE, 2009). Isso, pois os variados cenários e efeitos de uma norma deixam
de ser previstos e passam a ser sentidos pelos atores sociais.
O avanço quanto a utilização da metodologia de análise de im-
pacto no Brasil sem dúvidas ganhou muito espaço ao constar diretamente
na Magna Carta do país, norma com peso hierárquico dentro do ordena-
mento brasileiro. Contudo, vale dizer que em 2019, com a Lei da Liberda-
de Econômica a previsão quanto a necessidade de análise de impacto foi
prevista em norma de nível federal. Veja-se:
134 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

CAPÍTULO IV DA ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO


Art. 5º As propostas de edição e de alteração de atos normativos de
interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços
prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública
federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão pre-
cedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conte-
rá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo
para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da
exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a
metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos míni-
mos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigató-
ria sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada.
(BRASIL, 2019)

Sendo assim, ante a necessidade de aplicação da avaliação de im-


pacto nas normas advindas da administração pública, passemos a análise
de como a aplicação de um método aquém ao direito, que é a modelagem
de processos, auxilia nessa avaliação assim como na governança pública.

4. SOBRE MODELAGEM DE PROCESSOS

4.1. Definindo conceitos

Antes de se compreender a expressão modelagem faz-se neces-


sário entender o que se entende por processo e como esse está relacio-
nado com a legística. Por processo tem-se um conjunto de atos/ativida-
des interativas que possui o objetivo de alcançar o resultado pretendido.
Dito isso, a ideia de processo está diretamente relacionada ao contexto
da legística, vez que essa se refere a um conjunto de procedimentos su-
geridos para se elaborar uma norma de qualidade. Assim, pode-se dizer
que a legística é um processo utilizado para o alcance de uma elabora-
ção normativa de qualidade.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 135

Vale dizer ainda que a ideia de processo pode e deve ser direta-
mente vinculada ao conceito de governança e, por sua vez, de política pú-
blica na medida em que a existência de processos claros contribuem para
a desburocratização das práticas de gestão, o que é capaz de proporcionar
mais eficiência e eficácia na elaboração e aplicação das políticas públicas.
Além disso, a existência de um processo bem definido atua como
uma sustentação/base para o bom andamento da governança, sendo que a
estratégia e a gestão de riscos exercem o papel de pilares. Lembramos ainda
que uma boa governança é a chave para uma política pública de qualidade.
Vista a importância de um processo para a governança e, por con-
sequente, para as instituições públicas, passa-se ao conceito de modelagem.
Também tida como mapeamento, a modelagem de processos pode
ser entendida como a forma de representar os processos praticados por
uma instituição de modo preciso e o mais completo possível. Essa repre-
sentação, por sua vez, possui o papel de contribuir para a análise, identifica-
ção e proposição de melhorias no processo visando seu desenvolvimento.
Vale dizer que é um método de representação muito utilizado no
meio corporativo e pelas áreas de conhecimento da administração, ciên-
cia da informação e engenharia de produção. A seguir segue quadro con-
tendo as definições de modelagem para importantes referências na área:
136 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

Figura 02 - Definições de modelagem de processos

Fonte: (CARVALHO, 2021, p. 26)

Pelo exposto acima, a modelagem se consiste em um método


de representação de processos por meio do qual é possível melhor com-
preensão quanto a integralidade de suas etapas, quanto aos agentes envol-
vidos, quanto aos fatores externos influenciadores, entre outros. A expo-
sição desses elementos é capaz de estimular na identificação e solução dos
problemas verificados ao longo do processo.
Conforme Wildauer e Wildauer (2015), o resultado da modela-
gem de processos com o objetivo de realizar melhorias pode ser direcio-
nado para a apresentação de alternativas de soluções para os problemas
identificados durante a análise dos processos. Vale dizer que o resultado
da modelagem de processos, que é o de identificar os problemas existen-
tes durante a análise destes e sugerir melhorias, em muito de assemelha
com o objetivo da legística e avaliação de impacto, que é o de analisar a
elaboração das normas e sugerir melhorias durante as etapas. Ademais,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 137

a possibilidade de melhoria de um processo é constante e perene, assim


como ocorre com as normas.
Em suma, a metodologia da legística se traduz na modelagem do
processo que é a elaboração normativa. Ou seja, a legística é nada mais
do que uma modelagem aplicada ao processo de elaboração normativa.

4.2. Explorando a utilização da


modelagem na esfera pública

Embora seja um método de representação, análise e melhoria


muito presente no ambiente corporativo e privado, sendo aplicado por
muitas empresas, a modelagem de processos tem ganhado força no se-
tor público, o que certamente contribui para a elaboração de políticas
públicas de qualidade.
Com a modelagem na esfera pública, é aberto um novo caminho
que torna as etapas do processo mais transparente, eis que a modelagem
geralmente ocorre por meio da representação gráfica se utilizando um
tipo de notação (como fluxograma ou BPM, por exemplo), o que contri-
bui diretamente para o acesso à informação de forma transparente, sim-
ples e compreensível, ou seja, decodificada, aos interessados.
A seguir tem-se a indicação de alguns órgãos que já tiveram seus
processos modelados:
138 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

• Ministério da Educação, na UnB, UFC2 e no hospital uni-


versitário da UFJF3.
• Ministério da Economia, no portal Aduana e Comércio
Exterior4.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto nos capítulos acima, foi possível verificar que a


modelagem de processos e a legística possuem aspectos muito similares
e conversam entre si. A modelagem permite uma representação gráfi-
ca mais didática capaz de trazer os aspectos indicados pelo relatório de
Mandelkern para o sucesso de uma norma.
Além disso, é capaz de trazer transparência, simplificação e de-
codificação das informações eis que traduz por meio de imagens todo
um processo que por vezes é descrito de modo denso e incompreensível
pelos legistas.
Desse modo, conclui-se que uma abordagem interdisciplinar en-
tre distintas áreas do conhecimento contribui para benefícios mútuos e
para a operabilidade de uma metodologia que por vezes se limita a teoria.

REFERÊNCIAS

BOHNE, Eberhard. The Politics of the Ex Ante Evaluation of Legislation. In: The
Impact of Legislation: A Critical Analysis of Ex Ante Evaluation. Org. Jona-
than Verschuuren. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, p. 63-79, 2009.

2 Cf. em: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/212-noticias/educacao-superior-16906108-


54/75231-mapeamento-de-processos-reduz-burocracia-e-amplia-governanca.
3 Cf. em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/
hu-ufjf/acesso-a-informacao/caderno-de-processo/caderno-de-processos.
4 Cf. em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exte-
rior/manuais/subportais-aduana-e-comercio-exterior/mapeamento-de-processos-1.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 139

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília.


1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicaocompilado.htm>. Acesso em 26 out. 2022.

BRASIL. Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política


de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Brasília. 2017. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Decreto/D9203.htm. Acesso em 27 out. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direi-


tos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis
nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de
1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de
31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro
1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis
do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga
a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezem-
bro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e
dá outras providências. Brasília. 2019. Disponível em https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm>.Acesso em 27 out. 2022.

CARVALHO, Mariana Freitas Canielo de. Metodologia de modelagem de pro-


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mentos aplicados no projeto ECI/UFMG. Dissertação ECI UFMG. 2021.

DELLEY, Jean-Daniel. Pensar a lei, introdução a um procedimento metódico.


Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 7, n. 12, p. 101-143, jan./
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RELATÓRIO MANDELKERN sobre a melhoria da qualidade legislativa. Ca-


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SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e desenvolvimento: a qualidade da lei no


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da UFMG. Belo Horizonte, no 50, p. 124-142, jan. – jul., 2007. Disponível em <ht-
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140 | PAULA GOMES DE MAGALHÃES

WILDAUER, E. W.; WILDAUER, L. B. S. Mapeamento de processos: conceitos,


técnicas e ferramentas. Curitiba: Intersaberes, 2015, p. 186.
141

LINGUAGEM SIMPLES, LEGÍSTICA


E AVALIAÇÃO LEGISLATIVA:
QUALIFICADORES DA AVALIAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Pietra Vaz Diógenes da Silva1


Thábata Filizola Costa2

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional (EC) nº 109, de 15 de março de


2021, acrescentou o parágrafo 16 ao artigo 37 e o parágrafo 16 ao
artigo 165 da Constituição Federal (CF) para: 1) instituir o dever de
órgãos e entidades da administração pública realizarem o monitora-
mento e a avaliação das políticas públicas e divulgarem o objeto a ser
avaliado e os resultados alcançados; e 2) dispor que as leis orçamen-
tárias observarão, no que couber, os resultados obtidos a partir do
monitoramento e da avaliação das políticas públicas.

1 Mestre em Direito pela UFMG. Bacharela em Direito pela UFMG, com forma-
ção transversal em Direitos Humanos. Pós-graduanda em Direito Digital pelo
ITS em parceria com a UERJ. Pesquisadora do Observatório para a Qualidade
da Lei. E-mail: pietartar@gmail.com.
2 Pós-graduanda em Poder Legislativo e Políticas Públicas. Especialista em Di-
reito Digital e Compliance. Bacharela em Direito pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Consultora Legislativa da ALMG. Pesquisadora do Observa-
tório para a Qualidade da Lei. E-mail: thabatafc@gmail.com.
142 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

A alteração normativa busca levar a parâmetros objetivos para jus-


tificar a escolha do gestor no que se refere à efetivação de políticas públicas
e à utilização de recursos do erário. Com isso, diminui-se a discriciona-
riedade das decisões administrativas ou, ao menos, a escolha política fica
condicionada a um maior esforço argumentativo, amparado pelos deveres
de eficiência, impessoalidade e publicidade da atividade administrativa.
Para que a finalidade da EC nº 109/2021 seja alcançada, é preciso
qualificar a avaliação de políticas públicas. Pergunta-se, então: como a
linguagem simples e a avaliação legislativa podem contribuir para isso?
Busca-se uma resposta por meio de revisão bibliográfica explo-
ratória realizada à luz da Legística. Primeiramente, são apresentados os
conceitos e as principais técnicas de utilização da linguagem simples e de
avaliação legislativa. Em seguida, demonstra-se a interface entre essas fer-
ramentas e os potenciais benefícios de sua utilização no processo de ava-
liação das políticas públicas. Por fim, conclui-se que a linguagem simples,
no âmbito da avaliação legislativa, pode qualificar a avaliação de políticas
públicas, pois favorece a participação social no ciclo de políticas públicas
e, por meio de metodologias próprias, fundamenta a escolha política e os
gastos orçamentários, aumentando a legitimidade desses processos.

2. ESCLARECIMENTOS CONCEITUAIS

2.1. O movimento da linguagem simples

O movimento da linguagem simples (também denominada lin-


guagem clara ou linguagem cidadã) designa um conjunto de iniciativas
criadas em diferentes países anglófonos de forma simultânea, a partir da
década de 1970, em prol da simplificação da linguagem utilizada em tex-
tos jurídicos, regulatórios e governamentais.
No entanto, é mais antiga a identificação da linguagem rebuscada
como obstáculo para a compreensão das mensagens do Estado. Em 1966,
nos Estados Unidos, John O’Hayre publicou o livro Gobbledygook has
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 143

gotta go3, que pode ser lido como um manifesto pela linguagem simples
nos textos do Estado (embora o termo ainda não tivesse sido cunhado). A
fórmula para a escrita simples apresentada pelo autor difundiu-se e aper-
feiçoou-se, sendo considerada um critério de legibilidade na tradução de
documentos técnicos (BYRNE, 2006).
Schriver (2017) e Blasie (2022) identificam marcos relevantes para
o movimento da linguagem simples que antecedem a década de 1970, tais
como: 1) o Federal Reports Act (1942), norma estadunidense criada com
o objetivo de evitar duplicidades, reduzir custos e minimizar a complexi-
dade do processo de fornecimento de informações, pelas indústrias e pelo
mercado, às agências federais; 2) a publicação Plain World, a guide to the
use of English (1948), criada pelo servidor público Ernest Gowers a pedido
do ministro britânico de Finanças, com o objetivo de garantir a precisão e
a inteligibilidade dos textos governamentais; e 3) o livro The Language of
Law (1963), escrito por David Mellinkoff, professor titular da faculdade de
Direito da Universidade da Califórnia, considerado “[...] a fundação inte-
lectual da linguagem simples no direito”4 (BLASIE, 2022, p. 465).
Felsenfeld (1981), por sua vez, considera como marco inicial do
movimento o documento em linguagem simples criado pelo Citibank de
Nova York em substituição à promissória:

Pode-se datar o início do movimento inglês simples com alguma


precisão. Em 01 de janeiro de 1975, o Citibank de Nova York apre-
sentou uma nota promissória simples em inglês. Uma equipe de
empresários, advogados e consultores linguísticos despojou a ver-
são anterior, um documento denso e essencialmente ilegível, de
muitas disposições substantivas, e limpou o palavreado restante.
O Citibank sabia que estava realizando algo importante. O formu-
lário foi apresentado em uma grande conferência de imprensa que

3 A expressão gobbledygook, que não possui correspondente exato na língua portu-


guesa, é definida pelo Cambridge Dictionary como uma linguagem que soa impor-
tante e oficial, mas que é de difícil compreensão. O Collins Dictionary relaciona o
termo com a condição de não ser inteligível por ser muito técnico ou complicado.
Assim, o título do livro pode ser traduzido, grosso modo, como “A linguagem buro-
crática deve acabar”.
4 Tradução livre. No original: “[...] the intellectual founding of plain language in the law”.
144 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

recebeu cobertura televisiva. A nota realmente atingiu um acor-


de responsivo. Recebeu atenção nacional e até internacional. Foi
particularmente bem recebido por ativistas do consumidor que o
viram como um grande avanço em termos de comunicação com o
consumidor. O senador William Proxmire, presidente do Comitê
Bancário do Senado, leu a nota no plenário do Senado no Registro
do Congresso. (FELSENFELD, 1981, p. 409)5

Segundo Riera (2015), o sucesso da empreitada contribuiu para a


disseminação da linguagem simples para outros países de língua inglesa
(Canadá, Austrália, Nova Zelândia e países do Reino Unido) e influenciou
a reformulação de seguros e formulários bancários. Na mesma época, a
Suécia e a Finlândia começaram a vetar proposições legislativas que não
estivessem escritas de forma simples. O movimento da linguagem simples
alcançava o processo legislativo e os serviços públicos (ADLER, 2022).
Em 1978, o então presidente estadunidense Jimmy Carter expe-
diu a Executive Order 12044, com o objetivo de tornar as normas regu-
latórias federais mais claras, efetivas quanto ao custo e compreensíveis
para aqueles a elas sujeitas (SCHRIVER, 2017). A medida demonstrou a
relevância da linguagem simples para a compreensão normativa.
Em 1979, Chrissie Maher, cofundadora da organização britâni-
ca Plain English Campaign, lançou oficialmente, por meio de uma ma-
nifestação em frente ao Parlamento Inglês, a campanha que dá nome à
organização. Riera (2015) considera essa organização a mais influente do
mundo no incentivo e suporte às ações de linguagem simples.

5 Tradução livre. No original: “One can date the beginning of the plain English move-
ment with some accuracy. On January 1, 1975, Citibank of New York introduced a
plain English consumer promissory note. A team of businessmen, lawyers and lan-
guage consultants had stripped the prior version, a dense and essentially unreadable
document, of many substantive provisions and cleansed the remaining verbiage. Citi-
bank knew it was on to something. The form was introduced at a major press confe-
rence which received television coverage. The note did indeed hit a responsive chord.
It received national, and even international, attention. It was particularly welcomed by
consumer activists who saw it as a major breakthrough in terms of consumer commu-
nication. Senator William Proxmire, Chairman of the Senate Banking Committee,
read the note on the floor of the Senate into the Congressional Record”.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 145

Em 2007 foi instituída a International Plain Language Federation,


projeto conjunto das organizações Center for Plain Language (norte-a-
mericana), Clarity (britânica) e Plain Language Association International
(canadense). O objetivo é avançar na implementação da linguagem sim-
ples criando, para isso, uma profissão; estabelecer uma definição e parâ-
metros para a linguagem simples; consolidar uma instituição internacio-
nal de linguagem simples; promover treinamentos; fomentar e divulgar
pesquisas e publicações; incentivar a linguagem simples na advocacia
(INTERNATIONAL PLAIN LANGUAGE FEDERATION, s.d.).
Clarity International (2014) e Riera (2015) mencionam, ainda,
o Plain Writing Act, norma estadunidense que determina o uso de lin-
guagem simples pelas agências federais, assinada pelo então presidente
Barack Obama em 13 de outubro de 2010, data que se tornou o dia in-
ternacional da linguagem simples. O termo remete ao uso do plain en-
glish na redação das informações divulgadas – remontando aos esforços
previamente feitos pelo fim do gobbledygook –, definindo o plain writing
enquanto uma escrita clara, concisa, organizada e que segue as demais
práticas apropriadas ao seu assunto, campo e público-alvo (Section 3; 3).
O movimento não mais se limita a países falantes da língua ingle-
sa. Na América Latina, Arenas Arias (2021) sistematiza três iniciativas:
Ley Fácil, no Chile, Ley Simple, na Argentina e La Ley En Tu Lenguaje,
no Uruguai, que se utilizam de linguagem simples como um instrumen-
to para promover a difusão dos textos legislativos. O autor cita, ainda,
a experiência colombiana que, a partir da eleição do senador Antanas
Mockus, em 2018, criou a obrigação de fazer “pedagogia legislativa”,
conceito que pressupõe a explicação do conteúdo das normas “[...] e das
consequências de seu descumprimento, para que os cidadãos as com-
preendam, interiorizem e delas se apropriem em prol da convivência e do
respeito das regras” (ARENAS ARIAS, 2021, p. 7).
No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
n. 6.256/2019, de autoria dos deputados Erika Kokay (PT-DF) e Pedro
Augusto Bezerra (PTB-CE). O Projeto apresenta a Política Nacional de
Linguagem Simples, cujos princípios incluem um esforço de superação
de desigualdades e de facilitação do acesso aos serviços públicos.
146 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

Outra iniciativa brasileira relevante para a consolidação da lin-


guagem simples é o programa da Prefeitura de São Paulo, instituído pelo
Decreto nº 59.067, de 11 de novembro de 2019. A iniciativa tem o ob-
jetivo de aproximar sociedade e governo com comunicação acessível, e
tem como eixos engajar e capacitar servidores e servidoras, simplificar
documentos e disseminar o tema de linguagem simples ((011).LAB, s.d.).
Em 2021, foi lançada a Rede Linguagem Simples Brasil, coorde-
nada pela Secretaria de Governo Digital do Governo Federal, Laboratório
de Inovação e Dados do Governo do Ceará (Íris Lab) e pelo Laboratório
de Inovação em Governo da Prefeitura de São Paulo ((011).lab), “[...] fru-
to de uma articulação iniciada por Heloisa Fischer, jornalista e educadora
em Linguagem Simples. A ideia era cocriar um espaço público de debate,
fomento e construção” (REDE LINGUAGEM SIMPLES BRASIL, s.d., s.p.).
A linguagem simples encontra-se em fase de expansão. Sua
progressiva adoção por órgãos públicos e agentes privados revela uma
tendência de simplificação dos caminhos para a compreensão textual e
informacional, o que é especialmente bem-vindo em um mundo hiper-
conectado que sofre com o fenômeno da desinformação.

2.2. Conceitos e técnicas de linguagem simples

Hansen-Schirra e Maaß (2020) diferenciam linguagem fácil e lin-


guagem simples identificando esta última como um nível intermediário
de simplificação da linguagem, situado entre a linguagem-padrão (stan-
dard language) e a linguagem fácil (easy language). De acordo com as au-
toras, a linguagem fácil teria por objetivo central tornar o texto inclusivo
para pessoas com deficiência ou com dificuldades de aprendizado, para
analfabetos funcionais, imigrantes ou pessoas cuja língua materna é dife-
rente do idioma utilizado no texto. Já a linguagem simples seria utilizada
para promover maior compreensibilidade do texto, mas de forma menos
estigmatizante que a primeira.
O Centre for Inclusive Design (2021) também faz essa diferencia-
ção, conceituando a linguagem fácil como aquela utilizada para pessoas
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 147

com dificuldades de ler e escrever, enquanto a linguagem simples tem


como público-alvo pessoas com um nível razoável de leitura, que dese-
jam ler e entender a informação com rapidez. Acrescenta-se ao conceito a
preocupação com o custo cognitivo para a compreensão do texto.
Ao longo da evolução e da consolidação do movimento da lin-
guagem simples, foram apresentados vários conceitos. Inicialmente, ha-
via uma preocupação com aspectos gramaticais e semânticos do texto,
para que a mensagem fosse transmitida com clareza, usando apenas as
palavras necessárias (EAGLESON, s.d.). Depois, foram sendo incorpo-
radas preocupações com o acesso substancial à informação especializada
(CLAUSS, 2020), com aspectos formais e materiais da mensagem (estru-
tura, design, transparência, inteligibilidade), e com o custo econômico e
cognitivo para a compreensão do texto.

Uma comunicação está em linguagem clara se as palavras, a estrutu-


ra e o design forem tão transparentes que os leitores a quem se diri-
ge conseguem facilmente encontrar a informação de que precisam,
compreender o que encontram e usar essa informação. (INTERNA-
TIONAL PLAIN LANGUAGE FEDERATION, s.d., n.p.).

Segundo Schriver (2017), o conceito de linguagem simples ul-


trapassou a clareza da escrita e as questões relacionadas à topografia e ao
design para abarcar também critérios como eticidade, precisão, utilidade
e confiança da informação. A definição passa a contar com elementos
teleológicos e axiológicos.
Em uma preocupação que só viria a crescer conforme as tecno-
logias de informação e comunicação se desenvolveram, Norberto Bobbio
observou que:

[...] a crescente quantidade e intensidade das informações a que


o homem de hoje está submetido faz surgir, como força cada vez
maior, a necessidade de não ser enganado, excitado ou pertur-
bado por uma propaganda maciça e deformadora; começa a se
esboçar, contra o direito de expressar as próprias opiniões, o di-
reito à verdade das informações. No campo do do direito à par-
ticipação no poder, faz-se determinante nas decisões políticas e
148 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de


cada homem - a exigência de participação no poder econômico,
ao lado e para além do direito (já por toda parte reconhecido,
ainda que nem sempre aplicado) de participação no poder polí-
tico [...]. (BOBBIO, 2004, p. 33)

A inclusão é um aspecto intrínseco à linguagem simples, con-


forme se depreende da definição trazida pela agência norte-americana
OPM (The U.S. Office of Personnel Management), que advoga pela ideia
de uma linguagem universalmente compreensível, para evitar a criação
de barreiras comunicacionais.

A linguagem simples é uma linguagem gramaticalmente correta


e universalmente compreendida, que inclui a estrutura completa
da frase e o uso preciso das palavras. A linguagem simples não é
escrita não profissional ou um método de “se emburrecer” ou “se
diminuir” para alcançar o leitor. Escrever de forma clara e direta
ajuda a melhorar toda a comunicação, pois leva-se menos tempo
para ler e compreender. A escrita simples diz ao leitor exatamente
o que o leitor precisa saber sem usar palavras ou expressões des-
necessárias. Comunicar-se claramente é sua própria recompensa,
pois economiza tempo e dinheiro. Também melhora a resposta do
leitor às mensagens. Usar linguagem simples evita criar barreiras
que nos diferenciam das pessoas com quem estamos nos comu-
nicando. (The U.S. Office of Personnel Management, s.d., n.p.)6

O fundamento da linguagem simples consiste em colocar os


usuários da mensagem no centro da comunicação, a partir dos quais são

6 Tradução livre. No original: “Plain language is grammatically correct and univer-


sally understood language that includes complete sentence structure and accurate
word usage. Plain language is not unprofessional writing or a method of “dum-
bing down” or “talking down” to the reader. Writing that is clear and to the point
helps improve all communication as it takes less time to read and comprehend.
Clear writing tells the reader exactly what the reader needs to know without using
unnecessary words or expressions. Communicating clearly is its own reward as it
saves time and money. It also improves reader response to messages. Using plain
language avoids creating barriers that set us apart from the people with whom we
are communicating”.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 149

pensados o conteúdo e a forma do texto. Sua aplicação começa com o


planejamento do texto.
É importante que se saiba o objetivo pretendido e o comportamen-
to que se deseja estimular no leitor. Dessa maneira, é possível identificar
quais informações são necessárias e quais podem ser dispensadas. A in-
formação deve ser transmitida da maneira mais eficiente – de acordo, por
exemplo, com a faixa etária, o grau de instrução, o conhecimento prévio do
destinatário sobre determinado tema —, antecipando possíveis dúvidas e
sanando-as no decorrer do texto (CAPPELLI; NUNES; SANTOS, 2021).
Foscaches (2020) elenca uma série de recomendações que devem
ser observadas para escrever um texto em linguagem simples: utilizar pala-
vras comuns; evitar o uso de jargões, termos em latim e palavras de uso me-
nos frequente; utilizar verbos e evitar nominalizações; utilizar construções
afirmativas em vez de negativas; evitar sentenças longas e palavras desne-
cessárias; dar preferência a nomes concretos em vez de abstratos.
Em seu material de curso sobre linguagem de simples direcio-
nado ao setor público, o (011).lab (2020) recomenda que seja evitado o
uso de siglas; não sejam utilizados termos pejorativos, discriminatórios,
sexistas, nem palavras estrangeiras; seja dada preferência à construção
de frases em ordem direta; e sejam utilizados títulos e subtítulos, para
facilitar a localização da informação, bem como elementos visuais, como
diagramas, tabelas e gráficos, além de marcadores de tópicos para separar
informações em um parágrafo.
A preocupação com a redação de textos governamentais corrobo-
ra os achados bibliográficos no sentido da vantagem do uso de linguagem
simples por entidades governamentais, para aumentar a compreensibili-
dade do texto, potencializar a compliance e reduzir os custos da máquina
pública ((011).LAB, 2020). Nos tempos atuais, essa pauta é crescente:

Já que ler, entender e processar informações públicas no próprio


celular ou computador tornou-se uma questão de cidadania, go-
vernos devem se esforçar para oferecer serviços online fáceis de
utilizar. É preciso usar uma linguagem menos técnica e mais ob-
jetiva, além de promover as habilidades que a cidadania online
requer. (PIRES, 2021, p. 209)
150 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

Com efeito, ao analisar a evolução da linguagem simples, Pires


(2021) traz uma importante contribuição: para além de aspectos lexicais
e sintáticos, há que se pensar nas diretrizes de design da informação e
usabilidade. Tais elementos, apesar de já terem sido incorporados ao mo-
vimento, ganham cada vez mais relevância com o crescimento da lingua-
gem digital e com o surgimento de novas interfaces de comunicação.
A linguagem simples pode ser aplicada a textos governamentais
não normativos, o que impacta o custo da máquina pública e a qualidade
dos serviços oferecidos, segundo o (011).lab (2020). Isso é muito importan-
te, pois os percalços resultantes da linguagem complexa atingem até leitores
proficientes (PIRES, 2021), e a compreensão de quaisquer informações di-
vulgadas pelo Estado é um caminho para o estímulo da cidadania.

2.3. Legística

A Legística é uma metodologia e um campo de estudo do direito,


utilizada na avaliação legislativa, que busca analisar e aprimorar a qua-
lidade da lei. Seu objetivo é aumentar os níveis de eficácia e efetividade
tanto dos modos de produção do direito, no processo legislativo ou em
outros contextos de criação das normas jurídicas, quanto das normas re-
sultantes dessa produção. Por meio de um conjunto de técnicas e proce-
dimentos, ela promove “inteligibilidade, racionalidade e adequabilidade
prática (ou seja, a razão prática aristotélica) e linguística às normas, de
forma a conjuntamente atingirem um patamar de qualidade” (SOARES;
KAITEL; PRETE, 2019, p. 10).
A Legística divide-se em material e formal. O primeiro aspecto,
intimamente relacionado à avaliação legislativa ex ante, foca no impacto
das normas na realidade. Ou seja, por meio de estudos metódicos na fase
de elaboração da lei, busca-se compreender o problema que se pretende
sanar em sua complexidade, para que os vieses sejam afastados. A partir
disso, elenca-se um objetivo mais realista para a intervenção regulatória,
e constrói-se a lei que seja mais adequada ao problema que se tem – não
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 151

ao que se pensa ter –, para que seus efeitos sejam os mais positivos possí-
veis (DELLEY, 2004).
A Legística formal, por sua vez, está voltada para a linguagem e
para a comunicação normativa, tendo objetivos semelhantes aos da lin-
guagem simples. Por meio de preceitos linguísticos e técnicas de redação,
ambas pretendem alcançar um direito acessível, coerente com o restan-
te do ordenamento e inteligível. Afinal, somente a norma compreensível
será de fato compreendida e, consequentemente, seguida e aplicada. As
diretrizes da Legística formal abarcam, por exemplo, que o texto da lei
seja conciso e preciso, que evite estrangeirismos, que seja escrito na voz
ativa e na forma afirmativa (COLAÇO; ARAÚJO, 2020).
No ordenamento jurídico brasileiro, importantes diretrizes de
Legística formal foram introduzidas com a Lei Complementar (LC) nº
95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispôs sobre a elaboração, a redação,
a alteração e a consolidação das leis, como regulamentação determinada
pelo art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal (CF). Essa norma
institui, por exemplo, que o texto da lei busque expressar ideias repetidas
por meio das mesmas palavras, evitando o uso de sinônimos por razões
estilísticas – dessa maneira, confere-se maior clareza ao texto. Embora
a LC 95/1998 não tenha conquistado a eficiência esperada (SOARES,
2007), é um marco normativo relevante para a Legística formal.
Um exemplo de lei brasileira mais recente que estimula a apli-
cação prática da Legística formal é a Lei nº 12.527, de 18 de novembro
de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI). A LAI es-
tabelece que a informação prestada pelo Estado deve ser adequada para
a compreensão de todos os cidadãos e atores sociais. Verifica-se isso,
por exemplo, a partir de cuidados com o vocabulário, com a estrutura
sintática, com a organização do texto e com sua apresentação visual
(AZEVEDO, 2013, p. 26).
Sendo o principal objetivo da Legística aumentar a qualidade e a
efetividade das leis, uma ferramenta que merece destaque é a avaliação le-
gislativa, ou avaliação de impacto legislativo. Por meio dessa prática, bus-
ca-se antecipar os efeitos que se pretende produzir com a edição de uma
norma, incluindo deliberações acerca de sua necessidade e exequibilida-
152 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

de (avaliação ex ante ou prospectiva) e averiguar os efeitos concretamente


produzidos a partir de sua vigência (avaliação ex post ou retrospectiva).
A avaliação legislativa sustenta-se em três critérios básicos: efeti-
vidade, eficácia e eficiência. A conformação do comportamento dos des-
tinatários da norma ao que ela estabelece indica sua efetividade; o alcance
aos objetivos pretendidos pelo legislador demonstra a eficácia; e a relação
custo-benefício compõe a eficiência (CASTRO, 2007).
A avaliação legislativa fundamenta-se em técnicas e metodolo-
gias científicas, contribuindo para a tomada de decisão pública, mas sem
a pretensão de substituir ou diminuir o aspecto político da elaboração
legislativa. Pelo contrário, busca-se garantir que a decisão política seja
adequadamente informada (MATA; BRAGA, 2019). E mesmo quando a
avaliação legislativa não é usada para esse fim, por meio dela é possível
verificar “se os atores políticos pautaram suas ações pelo melhor interesse
dos cidadãos, ou se agiram orientados por seus próprios interesses [...] se
fizeram o melhor que podiam ou apenas se limitaram a cumprir meros
compromissos eleitorais” (MENEGUIN; SILVA, 2017, p. 16).
A avaliação legislativa pode conduzir à conclusão de que a me-
lhor escolha para a solução de um problema não é a criação de uma nor-
ma, mas, por exemplo, o incremento de uma política pública já existente,
a realização de parcerias público-privadas, a ampliação ou descontinui-
dade de um programa de governo, entre outras possibilidades. Nesse
sentido, a Legística é relevante para o controle da inflação legislativa e
estímulo a outras formas de organização social (PRETE, 2019). A criação
de uma lei desnecessária ou inadequada, de fato, tem o condão de apro-
fundar o problema que objetivou atacar (MENEGUIN; BIJOS, 2016).
Similar à avaliação legislativa é a avaliação de políticas públicas.
Tais conceitos, embora não se confundam, são intimamente relacionados.
Os aspectos comuns entre a avaliação legislativa e a avaliação de políticas
públicas estão no cerne e no propósito dessas análises, mas a primeira
tem um foco maior nas etapas do processo de elaboração e da norma e
seus efeitos, e a outra volta-se para um estudo de gestão.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 153

Toda política pública tem um marco legal. Nesse sentido, ao se


considerar os objetivos, a metodologia e os princípios aplicados,
pode-se afirmar que avaliação de políticas públicas e avaliação
de impacto legislativo partem dos mesmos pressupostos de ação
e compartilham dos mesmos resultados da avaliação de impacto
legislativo: avaliar a eficiência, eficácia e efetividade da norma que
institui uma política pública, seja ela distributiva, redistributiva ou
regulatória. (ANDRADE; SANTANA, 2017, p. 796)

Castro (2007) diferencia a avaliação de políticas públicas da ava-


liação legislativa a partir do objeto desta última: a lei.

É importante fazer algumas ressalvas acerca da abrangência e da na-


tureza da avaliação legislativa. Em primeiro lugar, deve-se lembrar
que, por se tratar de uma ciência jurídica, o interesse da avaliação
legislativa encontra limites dentro dos efeitos de normas legais, não
se ampliando, necessariamente, no sentido de uma avaliação de po-
líticas públicas. Outra ressalva refere-se ao fato de que está se tra-
tando de fenômenos sociais, que, por isso mesmo, não permitem
que se chegue a conclusões absolutas e inequívocas, mas somente a
possibilidades e probabilidades. (CASTRO, 2007, p. 7)

A avaliação de políticas públicas tem por objeto a análise do


cumprimento dos objetivos estabelecidos em determinado programa ou
intervenção estatal e dos impactos da ação estatal sobre a realidade social,
previstos ou não no momento da formulação da política. É um exercí-
cio importante em um Estado democrático de Direito que exige isolar,
mensurar e, segundo critérios definidos, fazer um juízo de valor sobre
os efeitos da política, sejam eles intencionais ou acidentais, positivos ou
negativos, diretos ou indiretos. A dificuldade metodológica de qualquer
avaliação consiste em distinguir, na realidade, quais efeitos são direta-
mente atribuíveis à política avaliada e quais foram identificados por fato-
res externos, não controláveis – ao menos a priori – pela administração
pública (TREVISAN; VAN BELLEN, 2008).
A avaliação compara o planejamento e a prática, no intuito de
analisar se essa cadeia é completa ou incompleta, coerente ou inconsis-
154 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

tente, válida ou inválida. Se forem encontrados problemas na implemen-


tação da política, deve-se identificar as origens de tais percalços e o nexo
de causalidade entre todos os elementos analisados (VARONE, 2009).
Sem avaliação, não há como saber se determinada política pública alcan-
çou os resultados esperados, se é preciso ajustá-la ou mesmo se, com a
intervenção, surgiu um novo problema.
A partir dos objetivos definidos no momento da elaboração da
política, o Estado deve conduzir os instrumentos selecionados de acor-
do com seus recursos disponíveis para modificar o comportamento de
determinados atores sociais. Os resultados dessa implementação, bem
como seus elos de conexão entre si, devem ser acompanhados e com-
preendidos. A avaliação possibilita, ainda, a adequação desses objetivos à
finalidade da política pública.

3. LINGUAGEM SIMPLES, AVALIAÇÃO LEGISLATIVA


E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3.1. Contexto de elaboração da EC nº 109/2021

Enquanto tramitava como Proposta de Emenda Constitucional


(PEC), a EC 109/2021 já era alvo de diversas críticas. A postura fiscal
brasileira atravessava um momento delicado, e mudanças significativas
já haviam ocorrido a partir da promulgação da PEC 55/2016, conheci-
da como PEC do Teto de Gastos. Tal proposta tornou-se a EC 95/2016,
que tinha como justificativa a busca por limitar, por pelo menos vinte
anos, o crescimento da despesa primária federal à variação da inflação.
Por submeter os investimentos em direitos sociais a uma limitação severa
– mesmo caso o quadro fiscal do país melhore significativamente –, essa
política econômica rompe com a ideologia constitucionalmente adotada
de vedação do retrocesso social (NOCE; CLARK, 2017).
A EC 109/2021, assim, foi introduzida no ordenamento com o
objetivo de conter as despesas obrigatórias para todos os níveis de go-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 155

verno, visando à concretização do ajuste fiscal indicado pela EC 95/2016.


Durante a tramitação da PEC no Senado, foi acrescentada uma emenda
ao texto original que inseriu um novo dispositivo à Constituição Federal.
Trata-se do §16 do art. 37, que assevera: “Os órgãos e entidades da admi-
nistração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação
das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e
dos resultados alcançados, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
A inserção de uma norma assertiva sobre avaliação de políticas
públicas no texto constitucional, em meio a uma EC marcada pela aus-
teridade, pode ser entendida como um jabuti do bem (MOTTA; BONI-
FÁCIO, 2021). Jabuti é uma expressão informal para o que se entende
como contrabando legislativo, ou seja, para a introdução de dispositivo
que verse sobre matéria estranha ao tema da proposta normativa, con-
forme se interpreta do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalida-
de 5127/DF (BRASIL, 2015).
No caso em análise, não se trata de um jabuti propriamente
dito: a avaliação de políticas públicas é uma atividade pertinente ao es-
forço pelo equilíbrio fiscal, e o aspecto financeiro faz parte da avaliação.
O que se ressalta é justamente o fato de a disposição ser positiva para
o desenvolvimento de direitos e garantias, diferentemente dos demais
conteúdos da EC 109/2021.

3.2. Qualidade e legitimidade da


avaliação de políticas públicas

A linguagem simples e a Legística possuem o objetivo comum


de fazer com que textos sejam mais acessíveis e compreensíveis, e com-
partilham, ainda, preocupações sobre aspectos substanciais da ativi-
dade legislativa. Ambas buscam favorecer racionalidade do processo
legislativo e sua abertura à participação democrática, bem como a ade-
quação da norma para o objetivo proposto e a substituição do paradig-
ma legalista – focado na quantidade – para o modelo interdisciplinar
– focado na qualidade da lei.
156 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

A aplicação da linguagem simples à luz da Legística possibilita


pensar a escolha pública de maneira ampla, para além do legalismo. A
avaliação legislativa e a avaliação de políticas públicas, quando realiza-
das nessa conjuntura, dotam-se de maior cientificidade, graças à meto-
dologia objetiva de análise apresentada pela Legística; e de maior legiti-
midade, em decorrência da maior participação social que a linguagem
simples promove, aproximando os atores sociais dos espaços decisórios
e dos textos normativos.

A ideia de participação e sua realizabilidade exige o estabelecimento


de um sistema comunicativo no qual os participantes tenham con-
dições de se informar acerca não só da situação, mas do sistema
normativo que a orienta. Escolhas verdadeiramente livres pressu-
põem o acesso às informações [...]. A concretização dos princípios
constitucionais da República se faz também mediante as políticas
públicas que, por sua vez, utilizam-se das leis para estabelecer com-
petências e orientar comportamentos. (SOARES, 2002, p. 301).

Inserir a linguagem simples nas metodologias de avaliação legis-


lativa contribui para que os atores sociais envolvidos em determinada po-
lítica pública sejam vistos como sujeitos, aptos a participar de todo o ci-
clo da política pública e, idealmente, serem protagonistas desse processo.
Nesse sentido, Garcia (2015) ressalta que a avaliação de políticas públicas
não se limita a mensurar indicadores de resultado. A atividade avaliativa
envolve o julgamento, a partir de um referencial de valores, sobre ações e
comportamentos de um indivíduo, grupo ou instituição.

Se a avaliação requer um referencial para que possa ser exercitada,


este deverá explicitar as normas (valores, imagem-objetivo, situa-
ções desejadas, necessidades satisfeitas) que orientarão a seleção
de métodos e técnicas que permitam, além de averiguar a presença
do valor, medir o quanto do valor, da necessidade satisfeita, da
imagem-objetivo se realizaram. (GARCIA, 2015, p. 256)

A comparação entre a situação ideal, que a política pública bus-


ca favorecer ou concretizar, e a situação real pressupõe um acordo sobre
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 157

o que seria esse ideal; quais objetivos são mais importantes e, por isso,
devem ser priorizados; qual o panorama atual; como verificar se os resul-
tados esperados foram, de fato, alcançados; que alterações na realidade
social a política promoveu, considerando as modificações previstas ou
não, positivas ou negativas.

A definição do quadro referencial e dos elementos constitutivos


do processo de avaliação requer um trabalho paciente de ne-
gociação cooperativa, com vistas a obter, pelo convencimento
racional, um entendimento compartilhado dos pontos comuns
aceitos por todos: avaliadores e avaliados. Disto dependerá, em
larga medida, a legitimidade da avaliação e, também, a sua vali-
dade. (GARCIA, 2015, p. 257)

Abre-se também a possibilidade de captar a percepção de sucesso


ou falha de uma ação governamental a partir das pessoas para as quais
essa ação se dirige, o que confere maior legitimidade à escolha adminis-
trativa e aos gastos públicos. Mas como participar do desenho de uma
política pública, do processo de definição de valores e de sua avaliação, se
as normas que a fundamentam são, muitas vezes, escritas em juridiquês?
E quanto às comunicações governamentais, escritas em burocratês?
O entendimento do texto das normas que regulamentam uma de-
terminada política pública é pressuposto para sua realização democrática:
uma norma de difícil compreensão torna-se uma norma de baixa adesão. A
ininteligibilidade dos textos normativos e governamentais promove, ainda,
como efeito negativo, uma maior desconfiança nas instituições.

O que percebemos é uma grande dificuldade do cidadão em com-


preender o que a lei está dizendo. E quando digo legislação, quero
dizer toda atividade de regulação operada também via adminis-
tração pública. A própria administração pública, às vezes, torna a
legislação contraditória e ambígua, o que dificulta a comunicação
ao invés de facilitá-la. Se não há clareza, teremos problemas no
plano da efetividade da legislação e, consequentemente, descon-
fiança nas instituições. (SOARES, 2007, p. 58)
158 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

Para que a avaliação de uma política pública tenha qualidade,


é preciso que haja atenção para o público-alvo, em toda a sua diversi-
dade, na discursividade que se pretende construir, desde o processo de
normatização da política.

É então indispensável ao ato comunicativo, para que este seja efi-


ciente, o acordo entre os sujeitos, reciprocamente comunicantes.
Isto é, a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida
dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito. Se não
há este acordo em torno dos signos, como expressões do objeto
significado, não pode haver compreensão entre os sujeitos, o que
impossibilita a comunicação. (FREIRE, 1983, p. 45-46)

Uma formulação normativa adequada deve apresentar um sig-


nificado inequívoco, sem ambiguidade, graças a um estilo límpido que
favoreça a inteligibilidade e a legibilidade do texto. As declarações devem
ser suficientemente concisas para serem acessíveis, mas suficientemente
precisas para garantir a aplicação da regra às diferentes situações. É um
equilíbrio delicado, mas importante para o Estado de Direito, até mesmo
para promover a segurança jurídica. A inteligibilidade não é mais apenas
uma opção de estilo, mas um padrão de qualidade textual que, em última
instância, assegura o cumprimento de direitos e garantias. A Constitui-
ção de 1988 expandiu a ideia de universalidade das políticas e dos servi-
ços públicos, o que exige uma comunicação inclusiva.
Pensar a avaliação de políticas públicas a partir dos aspectos da
inclusão social e da promoção da diversidade, elementos integrados ao
conceito de linguagem simples, permite vislumbrar uma relação entre a
obrigação estabelecida pela EC nº 109/2021 e os aspectos de qualidade e
legitimidade da legislação (substratos da Legística e da avaliação legisla-
tiva) e da atividade administrativa.

A melhoria da qualidade da lei e o desenvolvimento contínuo da


efetivação procedimental dos sistemas de garantias dos direitos
fundamentais são desafios da teoria do direito hodierna. [...] Para
que o estado cumpra o seu dever de informar aos cidadãos con-
forme a moldura democrática disposta na Constituição Federal,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 159

não é suficiente a disponibilização das leis (inclusive por meio


eletrônico). Cabe ao estado promover a dignidade da pessoa hu-
mana na sua dimensão de cidadão emancipado, chamando-o para
conhecer a vida política através de uma publicação que atraia a
leitura (e efetive o consequente conhecimento da lei) por meio de
uma linguagem concisa, simples e com o máximo de precisão (daí
a importância dos estudos na área da doutrina da legislação), dis-
posta e diagramada de modo a deixar o texto com uma aparência
menos formal e mais sedutor ao leitor destinatário. [...] A univer-
salização do acesso à informação e a devida publicidade do esta-
do são pressupostos à concretização histórica de uma cidadania
emancipatória e da otimização da efetividade das leis. (SOARES,
2002, p. 331-332)

Nesse sentido, o que Soares (2002) afirma sobre a melhoria na


qualidade da lei se aplica, também, à melhoria na qualidade das políticas
públicas em todo o seu ciclo: formação, implementação e avaliação. De
acordo com as conclusões da autora, não é suficiente a disponibilização
de políticas públicas. É preciso que elas sejam construídas, avaliadas e
adaptadas à realidade social a partir de uma escolha linguística e comu-
nicativa de viés democrático e emancipatório.

4. CONCLUSÃO

O modelo de Estado estabelecido pela Constituição Federal de 1988


implica a inclusão e a ampla participação popular na tomada de decisão
pública. Esses fenômenos se concretizam por meio de processos comuni-
cacionais, nos quais a linguagem é essencial. Quando o Estado se comunica
de maneira complexa, dificultando o entendimento de suas mensagens até
mesmo por parte de leitores acostumados com a linguagem burocrática, os
cidadãos e demais atores sociais se afastam do debate público.
Para dar tangibilidade às garantias sociais e para viabilizar a for-
mulação, implementação e avaliação de políticas públicas de qualidade, é
necessário reconhecer que tanto a efetividade dos direitos quanto a con-
quista de benefícios fiscais são dependentes da maneira como as normas
160 | PIETRA VAZ DIÓGENES DA SILVA | THÁBATA FILIZOLA COSTA

se apresentam perante os atores sociais. Se os atores não compreendem as


normas que instituem e regulamentam as políticas públicas que lhes dizem
respeito, não conseguem participar de seu ciclo, por mais vitais que sejam.
A legitimidade da norma, nesse sentido, não é oriunda apenas de
sua validação pelo próprio ordenamento, mas também de sua proximi-
dade com os atores sociais que a reconhecem. Quanto mais compreensí-
vel for o texto da lei, maior é sua presença junto à sociedade, e maiores
são suas chances de cumprimento adequado – especialmente no caso de
políticas públicas. A maior participação social, além de promover a com-
pliance, impactando na eficiência e na efetividade da política, representa
um ganho de legitimidade para o gasto público, o que se coaduna com a
interpretação teleológica da EC nº 109/2021.
A inteligibilidade dos textos normativos que regulamentam as polí-
ticas públicas é pressuposto para aumentar e qualificar a participação social
na elaboração de leis e em todo o ciclo de políticas públicas. É importante
que a linguagem simples integre a metodologia de avaliação legislativa para
auxiliar a mensurar a acessibilidade, a legibilidade e a inteligibilidade dos
textos normativos – e, ainda, a usabilidade de suas interfaces digitais.
A avaliação de políticas públicas pode ser fundamentada em uma
perspectiva colaborativa e libertadora, que se sustente na autonomia das pes-
soas que serão impactadas pelos programas governamentais. Nesse sentido,
pensar uma metodologia de avaliação que utilize os preceitos de linguagem
simples e da Legística pode favorecer a participação – e quem sabe, o prota-
gonismo – de cidadãos e demais atores sociais envolvidos na política pública,
tanto no processo de normatização da política quanto em seu ciclo.

REFERÊNCIAS

(011).LAB – LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO EM GOVERNO DA PREFEI-


TURA DE SÃO PAULO. Apostila do curso de linguagem simples no setor pú-
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AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
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(011).LAB – LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO EM GOVERNO DA PREFEI-


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RACIONALIDADE E ARGUMENTAÇÃO
LEGISLATIVA EM UMA
CULTURA DA JUSTIFICAÇÃO
DEMOCRÁTICA DAS LEIS

Rodrigo Élcio Marcelos Mascarenhas1

INTRODUÇÃO

Há alguns anos, a Teoria da Legislação busca sistematizar


o potencial e os limites da razoabilidade na criação das leis. Esse
movimento, como é possível perceber nesta obra, passa a chamar a
atenção para a necessidade de um olhar mais acurado para a fase da
elaboração legislativa, um campo de certa forma negligenciado, ao
longo dos anos, pela teoria do direito.
Nesta perspectiva, o estudo da elaboração legislativa é capaz
de explorar, nessa área, noções de racionalidade, qualidade, efetivida-
de e legitimidade no contexto da atividade legiferante. Ao lado dessas
temáticas, estaria um problema central da necessidade de demons-
trar as motivações ao impulso para legislar em um cenário de uma

1 Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre


em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2019). É bacharel
em Direito e em Comunicação Social – Jornalismo. Atualmente é advogado e
Analista legislativo – Jornalista, editor de texto, na TV Assembleia Legislativa
de Minas Gerais. No Direito, dedica-se principalmente ao direito público, em
áreas do Direito Constitucional, Administrativo e produção normativa. Em
Administração Pública, tem experiência em gestão, transparência e accounta-
bility. Contato: rodmarcelos@gmail.com.
170 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

cultura democrática da justificação2, em que o legislador deve compreen-


der que a norma consiste em uma intervenção na liberdade do indivíduo
e, nesse sentido, faz-se necessário apresentar e sustentar os fundamentos
dessa interferência. A avaliação das políticas públicas, institucionalizada
via Emenda Constitucional 109, é fruto desse movimento, que ainda ca-
minha a passos morosos no cenário legislativo nacional.
Por muito tempo, os críticos à Teoria da Legislação chegaram a
questionar essa abordagem, uma vez que estaria no campo da política, o
que não merece prosperar. Wintgens (2002, 2006, 2007, 2012) lembra que
a teoria da legislação tradicional estava mais focada na posição do juiz e,
por isso, desenvolveu e estudou diversas metodologias de aplicação da lei.
Dessa forma, o centro estava na interpretação judicial da norma, a par-
tir de uma ideia de uma subordinação institucional do Judiciário ao que
preconiza as normas exaradas pelo Poder Legislativo. Para o autor, havia
uma premissa de que a lei é racional e que essa racionalidade, portanto,
deveria ser preservada quando da aplicação da lei.
A ciência da legislação, na visão de Atienza (1997), passa a en-
xergar a lei enquanto produto, que deve possuir, portanto, características
formais e produzir determinados efeitos no sistema jurídico e no siste-
ma social. Neste contexto, estaria inserida ainda a técnica legislativa, em
que são considerados enquanto dados as normas jurídicas já existentes,
ao lado das necessidades sociais e outros elementos, como as peculia-
ridades da linguagem jurídica. O uso da técnica tem o condão de bus-
car a otimização da produção de normas tanto em cenários legislativos
quanto aquelas exaradas por órgãos administrativos com competência de
regulamentação, ideia em que se inserem instrumentos como a avalia-
ção legislativa. Nessa perspectiva, compreende-se que os destinatários da

2 A noção de cultura democrática de justificação é apresentada por Oliver-Lalana


(2019). “in a culture of justification legislators would be bound by a duty to offer
both “political justifications to the electorate for their laws” and “legal justifications
in terms of the values set out” in the constitution; this is much more than justifying
“why one policy is better than another since it is also a justification of why the policy
is consistent with the legally protected rights of those it affects”, with this justifica-
tion being addressed not only to citizens but also to the courts (Dyzenhaus 2015,
pp. 425–26)”. (OLIVER-LALANA. A. Daniel, p. 218).
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 171

técnica legislativa englobam os ditos intérpretes do direito, como juízes e


advogados, e ainda aqueles entendidos enquanto atores políticos, como
os membros do Parlamento e de altos órgãos da administração pública.
A ciência da legislação, por sua vez, possui um caráter hetero-
gêneo, já que deve se ocupar de uma pluralidade de funções. Além de
proceder à descrição da atividade legislativa, necessita ainda elucidá-la,
estabelecer críticas, bem como apresentar ferramentas para melhorar a
qualidade dela. Na trajetória da ciência jurídica, demasiada atenção sem-
pre foi dada à argumentação jurídica, aquela presente no contexto ju-
dicial, realizada por atores como juízes e advogados, enquanto ocorreu
uma negligência da análise da argumentação realizada por legisladores
e outros operadores jurídicos. Reyna (2007) entende a argumentação le-
gislativa enquanto uma variante da argumentação jurídica. Para ele, na
fase dita pré-legislativa, em que ocorre a identificação de um problema
social passível de regulação, estar-se-ia diante de uma argumentação cujo
caráter é mais político-moral do que jurídico e, no momento dito legisla-
tivo, quando a proposta de lei surge e é analisada por órgãos legislativos,
incidiria uma argumentação técnico-jurídica mais preponderante.
Nesse sentido, Reyna (2007) aponta para importância do estudo
da argumentação legislativa, tanto na perspectiva teórica quanto prática,
cuja análise permite indicar categorias e conceitos, extensões e limites,
em um cenário em que legisladores devam buscar justificar racionalmen-
te as proposições e decisões para que elas sejam aceitas dentro e fora do
Parlamento. Para esse autor, quando parlamentares argumentam de ma-
neira idônea, aumenta-se a possibilidade de proposições do parlamento
serem mais exitosas, bem como incrementa a racionalidade da elabora-
ção legislativa. Além disso, acredita-se que uma argumentação legislativa
mais clara e racional seria capaz, inclusive, de levar melhorias na apli-
cação da lei, pois a racionalidade argumentativa de uma lei pode servir
de subsídio à racionalidade argumentativa judicial, quando o intérprete
busca aplicar a norma.
A seguir, este capítulo apresenta três visões atuais e possíveis, no
contexto da Teoria da Legislação, para fundamentar e avaliar a racionali-
dade do legislador e, por conseguinte, buscar elementos da argumentação
172 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

e, o mais importante, desvendar e avaliar a justificação do impulso para


legislar. Além disso, está aqui um guia principiológico para fundamen-
tar e realizar a avaliação de impacto legislativo. A primeira dela, cujas
linhas gerais já foram abordadas na primeira edição desta obra, é a de
Luc Wintgens (2002, 2006, 2007, 2012), que dá o panorama principio-
lógico para a racionalidade e a fundamentação do impulso para legislar.
A segunda foi desenvolvida por Manuel Atienza (2019), que apresentou
uma taxonomia que visa a orientar e decupar a racionalidade legislativa
e a argumentação. Já a terceira e última está presente nos trabalhos de
Daniel Oliver-Lalana (2013, 2019). Dessa forma, Wintgens (2002, 2006,
2007, 2012) inaugura a justificação das leis enquanto que Oliver-Lalana
e Atienza acabam por apresentar uma concepção concatenada da racio-
nalidade legislativa, ao desenvolverem modelos de análise, que permitem
reconstruir e analisar as deliberações legislativas como uma importante
fonte para a justificação das leis, em que a avaliação de impacto emerge
enquanto instrumento acessório do debate.

LEGISPRUDÊNCIA: A TEORIA DA
LEGISLAÇÃO RACIONAL DE WINTGENS

Na visão de Wintgens (2006), enxergar a legisprudência enquan-


to uma teoria racional da legislação tem, como ponto de partida, a própria
maneira com que o espaço político se organizou desde a Modernidade,
cujo modelo basilar é o contrato social, um ato de vontade compartilhado
pelos sujeitos da sociedade. Um dos argumentos deste autor é posicionar
e articular a posição do legislador enquanto um ator legal, a partir de
uma visão alternativa do contrato social, em que a elaboração racional da
norma possa estar baseada em quatro princípios: a alternatividade, a den-
sidade normativa, a temporalidade e a coerência. Uma tentativa de se es-
tabelecer um quadro conceitual que seja capaz de integrar as várias partes
de um processo legislativo. Esses quatro postulados encontram sua base
principal na liberdade enquanto princípio, o que portanto, fundamenta a
justificação imprescindível ao processo legislativo, já que qualquer inter-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 173

venção na esfera da liberdade do indivíduo demanda que sejam apresen-


tadas as razões fundantes desse ato. O dever, portanto, de justificar a lei é
a pedra de toque, dessa forma, da legisprudência descrita por Wintgens.
Nesse sentido, a justificação da legislação caracterizar-se-ia por
um processo de ponderação e balanceamento de limitações morais e po-
líticas da liberdade e, de modo a racionalizar essa operação, o autor apre-
senta o quadro dos quatro princípios que podem ou não fornecer os mo-
tivos pelos quais uma limitação externa da liberdade pode ocorrer. Além
disso, justificar é parte integrante da construção da legitimidade da lei.
Essa visão alternativa do contrato social, como proposta por
Wintgens (2006, 2007, 2012), é chamada de trade-off model, em tradução
livre, um modelo de troca. Nele, o cidadão não dá uma procuração geral
para o legislador que seria totalmente soberano, mas sim que as restrições
à liberdade do indivíduo devem ser negociadas a cada momento em que
surge a possibilidade de uma limitação externa à liberdade do indivíduo,
ou seja, nessa visão alternativa do contrato social, os sujeitos não abrem
mão de agir quando se está em jogo é a concepção de liberdade, o legisla-
dor, portanto, não teria carta branca para atuar sobre ninguém.
Como dito, Wintgens (2007) passa a defender a construção de
uma teoria da legislação que seja racional, no que ele convencionou cha-
mar de legisprudence (legisprudência). Com o olhar voltado à deliberação
que, em tese, deveria ocorrer dentro do seio do Parlamento durante a
elaboração legislativa, o autor considera que essa deliberação é um pro-
cesso de legitimação de natureza política. Por outro lado, a justificação
da lei relaciona-se aos mecanismos argumentativos que dão suporte às
decisões, sejam elas de cunho judicial ou de outra natureza. Dessa forma,
na visão de Wintgens, a deliberação pode ter, em si, alguns efeitos de jus-
tificação, ao passo que o melhor seria considerar a deliberação enquanto
um elemento de apoio para construir a justificação da norma.
Dessa forma, Wintgens abandona um pouco o olhar para a deli-
beração, sem, no entanto, deixar de vislumbrar a importância dela, para
analisar o processo de justificação, entendida esta em um cenário em que
as regras nascidas de um processo deliberativo devem guardar sintonia
com o ambiente social em que irão operar. Paralela a essa concepção,
174 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

Wintgens (2007, 2012) entende que a premissa da racionalidade do le-


gislador relaciona-se ao conceito de soberania, principalmente em um
cenário de legalismo forte, isto é, em que a legalidade é uma condição ne-
cessária e suficiente para a existência e o sentido do direito. Nesse sentido,
para o autor, a legitimidade do legislador relaciona-se ao fato de que, sob
um forte legalismo, haveria uma presunção de que as regras construídas
são perfeitas, a partir de uma confirmação da soberania estatal. Apesar
disso, Wintgens salienta para a fragilidade de se estabelecer a raciona-
lidade, mas destaca a funcionalidade dela enquanto instrumento para
a interpretação da norma como contribuição para a análise da validade
delas. Dessa forma, de um lado, sob forte legalismo, um legislador não
deve dar razões para suas decisões, pois qualquer um deles é legitimado a
priori. A racionalidade, nesse caso, é presumida. Por outro, no legalismo
fraco, tem-se que a elaboração e aplicação das leis são vistas enquanto
uma construção e não uma reprodução da realidade. Essa característica,
portanto, situa a racionalidade em um contexto de um problema de justi-
ficação, isto é, na necessidade de se buscar a justificação do impulso para
legislar. Isso porque não se deve perder de vista que, muitas vezes, a lei
guarda em si limitações da liberdade do indivíduo, o que, por si só, passa
a exigir uma justificativa para tal ato.
Ciente dessas premissas, o autor introduz o quadro de princípios.
O princípio da alternatividade se sustentaria a partir de uma análise de
que a intervenção legislativa deve ocorrer enquanto uma alternativa a
uma falha na interação social. Ou seja, geralmente se espera que as rela-
ções sociais, por si mesmas, estabeleçam regras de interação em um sis-
tema de autorregulação que Wintgens entende como a criação de signifi-
cado entre as pessoas. Essa construção de sentido guardaria relação com
as regras inseridas nas práticas sociais, que podem ser de várias ordens,
como a pesquisa científica, educação e até mesmo a religião. Quando es-
sas regras inerentes às práticas sociais falham ou conflitam, a intervenção
estatal, na forma de uma norma por exemplo, emerge em um cenário em
que a limitação externa da liberdade seria necessária.
Já o princípio da densidade normativa apresenta um olhar para
a possibilidade de uma sanção estar prevista e, por isso, representar uma
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 175

segunda limitação à liberdade do indivíduo. Isto é, a própria existência da


norma, como exposto acima, já é uma restrição na vida das pessoas e se,
além dela, ainda está prevista uma punição ao descumprimento, ou estão
prescritos o propósito, objetivos, fins ou regras a serem seguidas para o
seu cumprimento, estarão presentes, portanto, uma segunda restrição à
liberdade. Por essa razão, justificar, por exemplo, uma sanção demanda
apresentar argumentos que expliquem a necessidade de uma limitação
de liberdade adicional. Assim, um extenso rol de possibilidades se abre
para se optar para uma sanção com o intuito de alcançar algum padrão
de comportamento. A variabilidade, portanto, de opções de sanções, con-
forme Wintgens, dá portanto à densidade normativa um grau dinâmi-
co. Mas cabe ressaltar que, para além de sanções, a densidade normati-
va pode se utilizar de outros meios de incentivo ao cumprimento da lei,
como desoneração fiscal e a existência de documentos de autorregulação.
O princípio da densidade normativa, assim, passa a exigir um processo
de ponderação e balanceamento das alternativas que serão ou não utili-
zadas para atingir os fins, propósitos ou metas trazidas pela norma. Di-
ferentes meios adotados terão diferentes densidades normativas, ou seja,
se houver o uso de sanções, a defesa de Wintgens é que, para justificá-la,
necessário demonstrar que outras soluções de menor impacto normativo
não poderiam ser utilizadas.
O terceiro princípio, o da temporalidade, dá atenção, como o pró-
prio nome diz, à dimensão temporal da produção normativa para o ordena-
mento jurídico. Em cenários de legalismo forte, na perspectiva de Wintgens
(2006), o sistema jurídico é composto de um conjunto de regras atemporais
representativas da realidade e que buscam trazer significado. Entretanto, na
visão legisprudencial, o autor lembra que leis são fruto de uma produção
do homem e, dessa maneira, como qualquer atividade humana, haverá a
sujeição da norma a um retrato do momento em que é editada, ou seja,
a temporalidade está entranhada na lei, uma vez que estarão ali presentes
condições históricas, sociais e outras características contemporâneas.
Além disso, Wintgens compreende que a preocupação com a ra-
cionalidade da legislação, colocada no centro da legisprudência, tem o
condão de incentivar que o legislador tome medidas efetivas nesse sen-
176 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

tido e, nesse contexto, essas ações sempre estarão arraigadas de tempo-


ralidade. Ademais, a questão da temporalidade leva ainda a refletir sobre
o fato de que as circunstâncias de um tempo podem logo se alterar e,
por isso, uma lei justificada hoje pode já não estar bem fundamentada
amanhã por alterações no ambiente futuro. Dessa forma, justificar a lei
enquanto uma limitação externa à liberdade do indivíduo passaria a ser
um processo contínuo, que demanda, portanto, que normas obsoletas ou
em desuso passam a carecer de legitimidade e, assim, devem ser retiradas
do ordenamento jurídico.
O quarto e último princípio é o da coerência, no qual a justifica-
ção para as limitações externas à liberdade do indivíduo deve vislumbrar
o sistema jurídico como um todo, ou seja, a partir da compreensão da
dinamicidade e complexidade do sistema jurídico, uma vez que diversas
proposições existentes preconizam o que pode ou não ser feito. Nesse
contexto, qualquer mudança legislativa trará efeitos e a coerência deter-
mina que as alterações guardem harmonia com o ordenamento vigente,
ou seja, estabeleçam conexões de forma consistente, sem contradições.
Enquanto a coerência estabelece um significado de fazer sentido dentro
de um quadro geral, com um olhar para o discurso e para o conjunto de
proposições, e pode ser medida em graus, a consistência seria um requi-
sito que está presente ou não. Interessante observar que Wintgens leva
em conta nesse princípio que, ao refletir sobre o sistema jurídico como
um todo, deve-se incluir o contexto de participação, uma vez as normas
regulam interações sociais.
Wintgens desenha, portanto, quatro níveis de coerência. O grau
zero determina o nível elementar de sentido, decorrente, por exemplo, de
uma fala inicial, como uma sentença judicial ou uma decisão legislativa,
sendo que qualquer contradição nesse aspecto primário já acabaria por
determinar equívocos subsequentes ao discurso, numa chamada coerên-
cia sincrônica. O grau um de coerência, a diacrônica, por sua vez, rela-
ciona-se ao fato de que uma norma deve ser aplicada, de maneira similar,
a casos parecidos, ou seja, de uma forma lógica. Isso porque, conforme
Wintgens, as regras, quando buscam limitar a liberdade do indivíduo, ex-
pressam um julgamento de valor, isto é, o valor da igualdade. No entanto,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 177

essa operação não é tão simples porque, ao se incluir uma dimensão tem-
poral na aplicação do direito, toda vez que um novo problema surge, faz-
-se necessário justificar porque há identidade com demandas anteriores e
apontar onde residem as similaridades. Logo a seguir, o grau dois de coe-
rência está ligado a uma questão sistemática, em que normas devem ser
compatíveis na fase operacional, na medida em que devem respeitar os
efeitos de outras normas. Por fim, o último grau, três, impõe a igualdade
na aplicação da norma, como requisito de não discriminação. Dessa for-
ma, estão apresentadas aqui linhas gerais do trabalho de Wintgens nessa
área, que passam a fundamentar a legisprudência enquanto uma teoria
racional da legislação, em que a justificação do impulso para legislar é
questão essencial. No tópico a seguir, a Teoria da Legislação avança um
pouco mais, no sentido de desenvolver uma taxonomia para alocar a ra-
cionalidade do legislador dentro de uma lógica própria da argumentação.

RACIONALIDADE LEGISLATIVA EM ATIENZA

A teoria da legislação, ao longo dos anos, veio da estudar a


ideia da racionalidade inserida no contexto do Parlamento. Isso permi-
tiu o surgimento de análises de elementos da atividade legislativa, seja
do ponto de vista interno ou externo. Em relação ao interno, Atienza
(1997) aponta que os modelos desenvolvidos apresentam disciplinas
orientadoras para essa área ou até mesmo avaliam a presença de uma
noção de irracionalidade, com a apresentação de técnicas para incre-
mentar a racionalidade. Já no campo de uma análise externa, o estudo
pôde ser capaz de indicar relações entre vários níveis de racionalidade,
seja de compatibilidade ou de dependência.
Os primeiros trabalhos de Atienza sobre a racionalidade e argu-
mentação legislativa datam da década de 1990, quando o autor, pela primei-
ra vez, reúne suas ideias na obra Contribución a una teoria de la legislación,
em 1997. Nesta edição, o autor já apresenta o modelo de racionalização da
atividade legislativa que vem desenvolvendo até os dias atuais. Esse autor
explica que o pensamento jurídico entre os séculos XIX e XX situava as
178 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

leis enquanto algo fixo, ou seja, um ponto de partida para se apontarem


problemas em relação à sua aplicação e interpretação e não como produto
cuja elaboração poderia sofrer melhorias. Dessa forma, o fenômeno da le-
gislação quase somente era estudado enquanto uma das fontes do direito,
sem se preocupar com a atividade legislativa que a origina.
Dessa forma, Atienza (1997) desenvolveu um olhar à raciona-
lidade legislativa, cujo fruto principal se dá com a construção de uma
estrutura em cinco níveis dessa racionalidade e, assim, apresentou um
modelo de caráter mais prático. Em síntese, uma racionalidade comu-
nicativa ou linguística avalia a fluidez da mensagem, a lei, transmitida
ou receptor/destinatário. A racionalidade jurídico-formal relaciona-se à
inserção, de forma harmônica, da nova lei no sistema jurídico. A racio-
nalidade pragmática preconiza a avaliação da conduta dos destinatários
para adequar-se aos ditames da nova lei. Já a racionalidade teleológica
investiga o alcance dos fins sociais desejados. Por fim, a racionalidade
ética traz um olhar à justificação ética, ou seja, os valores contidos nas
condutas descritas e no fim almejado pela nova lei.
Oliver-Lalana (2019), ao estudar o modelo de Atienza, afirma
que as várias camadas da racionalidade legislativa permitem estabelecer
dimensões e critérios para uma análise, mas não se traduzem em uma
check list para verificar os projetos de lei. Mas acredita que lidar com uma
série de critérios e de subcritérios de justificação pode induzir a conflitos
entre eles, ou apresentar dificuldades de categorizá-los de forma precisa.
Isso porque, muitas vezes, dimensões da justificação legislativa estarão
entremeadas ou até mesmo refratárias. Assim, diante de conflitos entre
fundamentos, é uma tarefa árdua e imprecisa estabelecer cadeias de prio-
ridade e proporções entre os argumentos. Ademais, outro ponto de aten-
ção, para Oliver-Lalana, é que o cenário pode visto em um aspecto gra-
dual e sem fronteiras bem definidas, já que em contextos de elaboração
legislativa, busca-se organizar o dissenso, em um cenário de negociação.
Essa característica impõe uma não binaridade, com a presença do sim ou
não, mas, em alguns momentos, o caminho do meio, quase numa escala
com graus entre esses dois polos.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 179

No modelo de Atienza, em relação ao nível de racionalidade lin-


guística e comunicativa, o legislador é visto como emissor e o destinatário
da lei como receptor das informações que se organizam dentro de um sis-
tema jurídico. Atienza entende que esse sistema organiza-se por meio de
uma série de enunciados linguísticos em um código comum de linguagem,
ou seja, o idioma, e com canais que devem assegurar a transmissão das
mensagens, isto é, as leis. Neste ponto, o autor ressalta que uma norma
pode não ser clara ao destinatário, sem que isso signifique que existam de-
feitos linguísticos. Atienza destaca, entretanto, a necessidade da comunica-
ção fluida das mensagens normativas, especialmente tendo em vista que a
clareza também deve estar presente em relação aos outros níveis de racio-
nalidade, como na verificação dos valores da norma na quinta racionalida-
de, o da ética. No primeiro nível, portanto, o exame proposto é se uma lei
é irracional ou racional, na medida em que falha ou não enquanto ato de
comunicação. O autor acredita que, nesse primeiro nível, na maioria das
vezes, a lei será racional, mas alerta que defeitos sintáticos ou obscuridades
semânticas podem afetar os outros quatro níveis de racionalidade.
Melhorar a racionalidade da lei no primeiro nível de racionalida-
de, para Atienza, passaria pelos recursos provenientes de outras ciências
como a linguística, a lógica, a informática e a psicologia cognitiva. São
contribuições, nesta perspectiva, para buscar a redação de textos que fa-
cilitem a compreensão, de modo a evitar incorreções de inferência. Neste
elemento, Atienza lembra a importância, para uma comunicação fluida,
da necessidade de que o redator da lei conheça, a fundo, o contexto social
envolvido no tema. Ele sugere, por meio de análise empírico sociológica,
a avaliação dos meios de comunicação segundo os quais espera-se que a
lei será conhecida pelos cidadãos. Os diretos, como o Diário Oficial, ou
indireto, no qual o autor inclui a imprensa, rádio e televisão, e os meios
informais, como familiares e amigos.
O segundo nível de racionalidade, o jurídico-formal, diz respeito
ao fato de que os editores e destinatários das leis são os órgãos e indiví-
duos previstos pelo ordenamento jurídico. Neste elemento, entende-se
que a atividade legislativa destina-se a respeitar uma sistematicidade, em
que não devem existir lacunas, contradições ou redundâncias, tendo em
180 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

vista que o Direito busca ser um mecanismo para a previsão da conduta


humana e das consequências dela. Neste ponto, a lei será irracional caso,
de alguma maneira, traga algum tipo de erosão à estrutura do ordena-
mento jurídico, ou seja, com a verificação da ocorrência de infrações aos
critérios desse ordenamento ou ainda pela presença das lacunas e con-
tradições. O remédio a esse tipo de problema estaria, para Atienza, na
promoção de melhorias da técnica jurídica, a partir da elaboração de di-
retrizes legislativas e oficinas técnicas.
O terceiro nível, da racionalidade pragmática, como apontado aci-
ma, leva em conta a adequação da conduta dos destinatários àquilo previs-
to na lei. Aqui não se trata de mera obediência, mas sim de que as medidas
adotadas na área de produção normativa sejam capazes de fazer nascer,
tanto nos operadores do Direito quanto nos cidadãos em geral, sentimen-
tos de adesão de modo a alcançar uma maior eficácia. Para tanto, neces-
sário verificar razões de ordem subjetivas ou objetivas que podem levar a
lei a problemas dessa nível de racionalidade. Para Atienza, o exemplo de
sanções inadequadas na norma podem reduzir a motivação do destinatário
da norma a cumpri-la no aspecto subjetivo. Já em relação a esfera objetiva,
tem-se critérios de fatores como a inexistência de incentivos financeiros ou
administrativos para o cumprimento. Mais uma vez, ressalta-se que as téc-
nicas para evitar esses problemas podem vir de outras ciências para além
do Direito, como a ciência política, a psicologia e a sociologia.
Os problemas na racionalidade pragmática podem ser detecta-
dos a partir da inadequação entre o comportamento dos destinatários e
os desejos ou intenções do legislador e não somente com o descumpri-
mento das regras. Interessante observar que Atienza, neste ponto, parece
indicar para uma avaliação ex post, com a norma já em vigor no orde-
namento jurídico, e não estabelece o uso desse critério para um cenário
de Direito em movimento, isto é, com a tramitação ainda ocorrendo, ao
espírito da Emenda Constitucional 109, foco desta obra.
Já na racionalidade teleológica, o quarto nível do modelo de
Atienza, percebe-se que também há uma atenção aos agentes impactados
pela norma, uma vez que, neste elemento, o legislador é visto enquanto o
portador dos interesses sociais, particulares ou gerais, estes que são veicu-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 181

lados por meio da lei. Os destinatários, por outro lado, são aqueles órgãos
administrativos ou particulares aos quais se dirigem as disposições nor-
mativas, mas não excluem os indivíduos ou grupos não necessariamente
comprometidos com o cumprimento delas. Neste sentido, investiga-se
o sistema jurídico enquanto meio para obtenção de determinados fins a
partir de um prisma científico e social. Isto é, identificar, dentro das mais
variadas possibilidades, a finalidade da norma da mais variadas ordens,
como econômica, social etc. Dessa forma, nesse quarto nível, a lei seria
irracional quando não produzir os fins desejados ou provocar efeitos não
inicialmente previstos. Para essa verificação, também deve se socorrer do
conhecimento de outras ciências sociais.
Por fim, o quinto nível, o da racionalidade ética, preconiza um
olhar sobre a legitimação do legislador para editar aquela norma, bem
como a obrigação ética do destinatário de cumprir ou não a lei. Como os
valores éticos podem variar de uma sociedade para outra, é preciso bus-
car referências que concretizem ideais de liberdade, igualdade e justiça, a
partir de postulados organizados em teorias éticas que justifiquem os fins
almejados pela lei. Assim, seria irracional uma lei cuja justificação ética é
defeituosa, isto é, seja porque impõe comportamentos imorais, ou por bus-
car fins ilegítimos. Atienza destaca a difícil missão, ao contrário dos outros
níveis de racionalidade, de se desenvolver uma técnica para a verificação
desse elemento, muitas vezes por partir de um instrumento baseado no
discurso moral que, segundo ele, pode se desnaturalizar quando o objetivo
é analisar finalidades. O modelo de Atienza está sintetizado a seguir.
Racionalidade legislativa e elementos do processo legislativo
182 |

Legislador Destinatário Sistema Legal Objetivos Valores


Conjunto de
R1 – Destinatários declarações
Racionalidade Transmissor da mensagem (mensagens) Clareza, precisão Comunicação
linguística (jurídica) e canais para
transmiti-los
Conjunto de
R2 – Indivíduos e
Órgão dotado normas (em um Sistematicidade:
Racionalidade órgãos para Segurança e
do poder de sentido amplo) plenitude e
Sistemática quem as leis são previsibilidade
produzir lei validamente coerência
(jurídico-formal) direcionadas
estabelecido
Burocracia; Conjunto
R3 – Órgão a que indivíduos de regras Conformidade com
Manutenção da
Racionalidade obediência é devida que devem efetivas (ou de o lei (tradução de
ordem, eficácia
pragmática (soberania) obediência comportamentos normas em ações)
(sujeitos) observáveis)
RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS
Legislador Destinatário Sistema Legal Objetivos Valores
Realização de
objetivos sociais:
Conjunto de
redistribuição de
meios para
Pessoas riqueza, aumento
Portadores de atingir os fins
R4 – afetadas pelo ou diminuição
interesses sociais sociais (a seleção Eficácia Social
Racionalidade regulamento em de proteções
(indivíduos, grupos meios a partir ou eficiência
teleológica interesses sociais sociais, redução
de pressão etc) da psicologia,
ou necessidades do desemprego,
sociologia,
manutenção de
economia, etc)
vantagens políticas
ou econômicas, etc
Conjunto de
Pessoas
R5 – norma, ações
moralmente Liberdade, Natureza, dignidade
Racionalidade Autoridade legítima e instituições
obrigadas a igualdade e justiça humana, consenso, etc
axiológica avaliáveis
obedecer a lei
eticamente
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

Fonte: Atienza (2019, tradução nossa, adaptado)


EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16
| 183
184 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

Em estudos mais atuais, Atienza (2019) sugere uma dupla aborda-


gem para a análise da argumentação legislativa, realizada dentro dos parla-
mentos, que combina duas perspectivas. Assim, na tentativa de reconstruir
o processo de argumentação legislativa, o autor esboça um esquema que
busca abordar as diferentes fases de uma discussão legislativa; para os pro-
blemas ou perguntas de cada etapa; para as atitudes dos argumentadores
em relação a essas questões (basicamente, aprovação ou recusa); e pelas ra-
zões apresentadas a favor e contra determinada temática. Dessa forma, essa
abordagem possibilita um estudo empírico dos fragmentos de argumenta-
ção legislativa - ou seja, da argumentação de um parlamentar em relação a
uma das questões discutidas nos debates parlamentares.
Atienza (2019) sintetiza a sua teoria da argumentação legislati-
va, apresentando um modelo de análise. O autor compreende o processo
legislativo enquanto uma série de interações em que se fazem presentes
vários elementos: (1) os legisladores ou emissores da norma. (2) os re-
ceptores da norma ou “destinatários”; (3) o “sistema jurídico”, aquele que
receberá novos atos legislativos; (4) os “fins” ou objetivos da norma – to-
mados no sentido mais amplo – que pode ser perseguido pela legislação;
e os (5) “valores” subjacentes a tais fins. Atienza ainda diferencia cinco
níveis de racionalidade legislativa: (R1) a linguística, (R2) a sistemática,
(R3) a pragmática, (R4) a teleológica e (R5) a axiológica. Esse modelo
dinâmico é apresentado na tabela seguinte:
Modelo dinâmico do processo legislativo racional

Fases Pré-legislativo Legislativo Pós-legislativo


Abordagem de um Recepção ou abordagem do problema
Início A lei entra em vigor
problema social por um corpo legislativo
1- Análise do problema 1- Análise do problema
2- Determinação 2- Determinação dos objetivos
Exame da adaptação da
dos objetivos 3- Propositura de meios
lei em suas dimensões:
3- Propositura de meios legais (conteúdo da lei)
Operações intermediárias Linguística, sistemática,
legais ou não-legais para 4- Justificação ética dos objetivos e meios
pragmática,
alcançar o objetivo 5 – Análises linguística,
teleológica e ética
4- Justificação ética sistemática e pragmática
dos objetivos e meios 6- Redação da lei
Propositura de uma Propositura de
Fim Promulgação da lei
solução legislativa modificações na lei
Controle de legalidade, orientações
Estudos do impacto
Método científico, legislativas, listas de verificação (check
das normas, técnicas
Conhecimento e técnicas conhecimento objetivo lists), técnicas de implementação,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

de implementação,
usadas para controlar disponível, critérios e técnicas reticulares, análise
dogmática legal, pesquisa
a racionalidade regras de argumentação de custo-benefício, técnicas
de com formadores de
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16

prática racional de redação de documentos,


opinião, checklists
dogmática e teoria do direito
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Fases Pré-legislativo Legislativo Pós-legislativo
186 |

R1 – Racionalidade linguística
R2 Racionalidade
R2 Racionalidade Sistemática
R4 Sistemática
R3 Racionalidade pragmática
Níveis de racionalidade Racionalidade teleológica R3 Racionalidade
R4
envolvidos R5 pragmática
Racionalidade teleológica
Racionalidade axiológica R4
R5
Racionalidade teleológica
Racionalidade axiológica
Fonte: Atienza (2019, tradução nossa, adaptado)
RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 187

A taxonomia de Atienza inaugura uma sistematicidade para a


análise da argumentação legislativa e, por isso, passou a ser estudada e
utilizada por outros autores da Teoria da Legislação. No tópico a seguir,
apresenta-se a perspectiva de um deles, Daniel Oliver-Lalana.

RACIONALIDADE LEGISLATIVA PARA DANIEL OLIVER-LALANA

Oliver-Lalana (2013, 2019) também vai na linha da importância


da justificação da produção normativa, uma vez que, para ele, seria atitu-
de esperada e recomendada por parte dos parlamentares discutir e avaliar
as razões pelas quais eles aprovam ou não uma proposta. Nesse sentido, o
autor defende que deve estar presente e clara pelo menos uma parte fun-
damental da justificação pública para a criação de leis. Essa fundamen-
tação, desse modo, é o que permitiria monitorar a solidez das decisões e
argumentos legislativos que guiam a tomada de decisões.
O autor sustenta que a legitimidade da lei depende dos argumentos
e que cabe, aos parlamentares, apresentar as razões que os levam a alterar
ou não o sistema jurídico. E essa responsabilidade demanda, portanto, o
desenvolvimento de modelos de análise do debate legislativo que possam
avaliar a performance da deliberação enquanto insumo para a justificação
da norma dentro de um panorama de uma teoria racional da legislação.
Apesar dessa visão, Oliver-Lalana (2013) não deixa de lado o
fato de que a deliberação legislativa ainda não conseguiu se estabelecer
enquanto uma forma de raciocínio que busque justificar as leis e nem
mesmo recebe o devido olhar de que é um componente da racionalida-
de e da legitimidade das leis. Isso justamente por causa das discussões e
estudos dos parlamentos terem mais tradição dentro da teoria política.
Tal característica teria levado, durante algum tempo, a um conflito entre
duas perspectivas. A primeira leva em conta a responsabilidade dos legis-
ladores de debater e justificar as normas, justamente por elas estatuírem
direitos e deveres ou possuírem decisões executórias. No segundo pris-
ma, tem-se a característica da ampla discricionariedade da política, que
acaba por impor dificuldades para a exigência da justificação, bem como
188 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

o fato de que, algumas vezes, o parlamento pode ceder a outras forças,


como a economia. Ciente dessa dicotomia, Oliver-Lalana (2013) insiste
na primeira perspectiva, na visão de que a deliberação na produção nor-
mativa deve ser considerada uma fonte de justificação das leis, um ponto
de partida, portanto, para a construção de uma teoria da argumentação e
justificação legislativa dentro do contexto da Teoria da Legislação.
Nesse sentido, o autor desenvolve um modelo para a reconstruir
e analisar as deliberações legislativas como insumos da justificação das
leis, bem como indica possíveis abordagens para a avaliação da quali-
dade dessa argumentação. Esse estudo caminha no sentido de que ra-
cionalidade legislativa e argumentação legislativa estão definitivamente
conectadas, já que a deliberação tem o condão de justificar e legitimar a
elaboração legislativa. O ponto de partida normativo preconiza que toda
lei já tem, em si, uma reivindicação de justificação, justamente porque
o seu conteúdo é coletivamente vinculante e está expressa ali uma deci-
são ou um conjunto delas. Essa exigência de justificação, no entanto, não
pode ser cumprida com a apresentação de qualquer motivo, mas com
boas razões, que, na visão de Oliver-Lalana (2013), exigem um processo
argumentativo que a sustentem.
Já em relação à legitimidade da lei, tem-se que este autor obser-
va que ela não decorre somente do fato de as leis serem exaradas por
legisladores eleitos democraticamente, em uma visão bem próxima das
ideias de Wintgens como apresentada em tópico anterior. A legitimida-
de depende, portanto, ainda dos argumentos que buscam a sustentar, de
instituições e procedimentos legislativos publicizados que acabam por
expressar uma racionalidade da legislação.
Além disso, Oliver-Lalana defende que há uma correlação clara
entre a qualidade da lei e a qualidade da argumentação legislativa, em
que a segunda, quando realizada, poderá garantir a primeira. Por isso,
é defensor de que a Teoria da Legislação desenvolva, em teu seio, uma
teoria da argumentação que se ocupe não só de como as decisões le-
gislativas são tomadas e motivadas, mas também das maneiras como a
justificação deve ser feita.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 189

Ao propor o olhar para a justificação enquanto uma prática social


argumentativa, a discussão passaria a considerar também a perspectiva
do participante. Oliver-Lalana ressalta que na jurisprudência, quando
busca a justificação legislativa, isso é pouco realizado, o que provoca a
ressonância de uma justificação monológica, isto é, rompe as barreiras do
Parlamento somente a versão e fundamentos que prevaleceram na vota-
ção final que acabariam por colocar luz sobre as razões da maioria, sem
espaço para as opiniões divergentes. Dar espaço à perspectiva do partici-
pante, portanto, permite, para o autor, explorar outros pontos argumen-
tativos e discursivos da justificação.
A deliberação é fonte rica ainda para transmitir as principais ra-
zões para editar ou não aquela lei, para Oliver-Lalana. No entanto, per-
cebe-se que elas devem ser ainda mais aprofundadas porque os debates
parlamentares atuais não comportariam um quadro de justificação com-
pleto. Justamente porque essa justificação, segundo o autor, decorreria
ainda de um processo mais amplo em que ocorrem atos dentro e fora do
Poder Legislativo, alguns que acontecem até mesmo antes ou no entorno
dos procedimentos legislativos formais. E se a deliberação é insumo para
a justificação racional das leis então tem-se que a produção normativa
pode ser racional. Com as possibilidades diversas para o conceito do que
seja a racionalidade e a sua complexidade, Oliver Lalana chega a se valer
dos estudos de Atienza.
O autor sustenta que a legitimidade da lei depende dos argu-
mentos e que cabe, aos parlamentares, argumentar sobre as razões que
os levam a alterar ou não o sistema jurídico. E essa responsabilidade de-
manda, portanto, o desenvolvimento de modelos de análise do debate
legislativo que possam avaliar a performance da deliberação enquanto
insumo para a justificação da norma dentro de um panorama de uma
teoria racional da legislação.
Oliver Lalana não deixa de destacar os desafios da argumentação
legislativa enquanto objeto de estudo, uma vez que pode estar diante de
um cenário vago, impreciso, em que há uma multiplicidade de vozes e de
audiências em um contexto ainda mais complexo por representar uma
interface entre dois campos: a política e o direito. Além disso, é um pro-
190 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

cesso em que atuam diversos procedimentos formais, em que os discur-


sos e debates também estão sujeitos a regras, o que, para o autor, impõem
várias dificuldades metodológicas. Por exemplo, uma análise que foque
somente nas audiências públicas, pode deixar, de fora, muitos argumen-
tos legislativos que circulam por outros meios, como pareceres, requeri-
mentos e outros tipos de reuniões e documentos e a própria avaliação de
impacto.. A utilização de registros somente escritos facilita a análise, mas
renega aspectos retóricos e de comunicação política. Mesmo ciente des-
sas questões, a proposição de Oliver-Lalana é não se complicar o quadro
de análise, tendo em mente que é possível descartar detalhes que terão,
no fim, pouca importância para a justificação racional da legislação.
De todo modo, na visão deste autor, parlamentares podem se en-
volver na deliberação por vários motivos e formas. Há a possibilidade de
querer atuar para convencer os oponentes ou pessoas da audiência presen-
te, a opinião pública. Ou ainda somente participar para valorizar o mo-
mento de deliberação, ouvir quais argumentos são, em tese, mais fortes ou
fracos, dando oportunidade aos colegas para tentar mudar a sua opinião.
Ainda assim, o autor acredita que os debates do Parlamento te-
riam a função justificatória, demonstrando as razões e posições dos parla-
mentares em relação às suas tomadas de decisões, não se podendo perder
de vista que os votos finais sofrerão a influência política, isto é, responde-
rão também a outros argumentos. Entretanto, Oliver-Lalana destaca que
há momentos em que a deliberação pode sim presenciar o surgimento
de pontos de vista compartilhados de forma mais ou menos unânime ou
que a discussão pode exercer influência significativa sobre o resultado
legislativo. Mas a análise não precisa se orientar a buscar o consenso dos
debates legislativos, mas sim dar sentido aos argumentos que ali surgem.
Nesse sentido, a abordagem deste autor mapeia três tarefas prin-
cipais: 1) a reconstrução do conteúdo da argumentação, 2) a análise da
argumentação enquanto insumo da justificação da lei, e 3) determina-
ção da qualidade dessa justificação (avaliação qualitativa). No entanto,
o autor explora os dois primeiros, mas deixa de oferecer critérios para a
avaliação qualitativa.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 191

Em relação à construção do conteúdo da argumentação, Oliver-


-Lalana (2013) afirma que vários temas podem aparecer nas discussões
parlamentares, mas inicialmente deve-se concentrar naqueles que pos-
suem ligação direta com o projeto de lei em debate. Nesse caso, inicial-
mente faz-se necessário definir o que seria ou não o argumento legisla-
tivo. Uma noção do termo engloba uma tese ou afirmação, apresentada
a partir de um conjunto de razões que a sustentam, em um cenário que
essa posição é defendida por um parlamentar, de modo a justificar al-
gum aspecto da legislação. Essa posição geralmente tem o objetivo de
reescrever, modificar ou retirar o projeto de lei em discussão. Ao lon-
go da elaboração normativa, os argumentos legislativos podem aparecer
de um ou mais parlamentares em várias sessões do Parlamento e essas
mais variadas intervenções vão construindo uma argumentação coletiva.
É comum, segundo o autor, que um mesmo argumento apareça repeti-
das vezes geralmente partilhados por parlamentares que pertençam a um
mesmo partido e, por isso, argumentos em uma mesma direção podem
ser unificados, sendo um erro tratar enquanto argumentos diferentes. A
reconstrução, portanto, está ligada à capacidade de identificar fragmen-
tos, argumentos incompletos ou que partam de uma mesma premissa e
colocar essas informações sob uma mesma categoria de argumentação.
Essa reconstrução pode enfrentar dificuldades hermenêuticas.
No entanto, ao compreender que os debates são apenas parte de um pro-
cesso mais amplo de justificação, elementos externos colaboram para essa
tarefa. Utilizar materiais ditos preparatórios e outras fontes externas ao
debate tornam possível reconstruir o conteúdo. Outras possibilidades de
ferramentas hermenêuticas, segundo Oliver-Lalana, são outros projetos
de lei, os dissensos parlamentares em relação a tema correlatos, o papel
do parlamento na sociedade e a autoconcepção dos parlamentares como
produtores de leis.
Quando se está diante de argumentos que se opõem, a maneira
de identificá-los passa por detectar a presença de contrarrazões, mesmo
que isso não ocorra de forma explícita. E mais argumentos que se contra-
põem devem aparecer quanto mais plural for o Parlamento, isto é, a maior
192 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

presença de vários partidos pode impor a existência de mais posições, o


que, para o autor, pode incrementar o valor informativo das discussões.
Em alguns momentos, a controvérsia entre os argumentos pode
ser menor, pode existir consenso entre os parlamentares e, mesmo assim,
as razões serem apresentadas por eles para diversos fins, seja para emen-
dar, suprimir, introduzir novas questões ou defender um argumento
como incontroverso e, portanto, com a apresentação de uma justificação
de forma explícita.
Com as questões apresentadas acima em mente, parte-se a segun-
da tarefa, de análise da argumentação enquanto insumo da justificação
da lei. Para realizar tal trabalho, após a reconstrução da argumentação,
Oliver-Lalana sugere a existência de vários níveis da justificação legisla-
tiva, momento em que o autor passa a utilizar a taxonomia proposta por
Atienza, explorada no tópico anterior, com algumas adaptações em uma
perspectiva constitucional.
No nível 2, o da racionalidade sistemática (jurídico-formal), Oli-
ver-Lalana estabelece distinções nos aspectos interno e externo, em que a
lei deve ser coerente e consistente, bem como adaptada à política pública
em discussão, sem apresentar antinomias com a lei vigente, com obser-
vância ainda ao procedimento formal das regras do processo legislativo.
No nível 3, o da Racionalidade pragmática, o autor chama atenção para
a necessidade de se verificar aspectos relacionados à efetividade, como a
observância da norma que preconiza obrigações, a implementação da lei
que apresenta proibições e seus meios de execução e, no caso de normas
com conteúdos permissivos ou de distribuição de competências, a capa-
cidade de mobilização e uso delas. Já no nível 4, o da racionalidade teleo-
lógica, devem estar presentes a análise da adequação entre os meios e fins,
dos impactos sociais ou não econômicos e da eficiência, como custos e
impactos econômicos, nível em que o autor cita, como exemplo expresso,
o instrumento da avaliação de impacto, em que é possível estabelecer um
esquema bem detalhado com questões a serem levadas em conta e res-
pondidas antes de os legisladores aprovarem ou não uma lei. Essa visão
está disposta a seguir:
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 193

Níveis de justificação legislativa, conforme Oliver-Lalana (2013)

1 Linguística
Sistemática (jurídico-formal)
- Aspectos interno e externo
2
- Base legal
- Procedimento do processo legislativo
Efetividade Social – Pragmática
- Observância
3
- Cumprimento / Aplicação / Implementação
- Capacidade de uso e/ou mobilização
Instrumental – Teleológica
- Adequação entre meios e fins
4
- Impactos sociais e não econômicos
- Eficiência – impactos econômicos e custos
5 Axiológica – Ética
Fonte: Oliver-Lalana (2013), adaptado

A crítica de Oliver-Lalana a Atienza está no fato de o segundo


não reservar espaço, na taxonomia desenvolvida, para as questões cons-
titucionais presentes nos argumentos. Apesar de ser algo comum uma
preocupação com as normas e princípios constitucionais ao longo da tra-
mitação, Oliver-Lalana defende que esse olhar deve estar presente para
a argumentação nos níveis dois a quatro, pois demanda um aprofunda-
mento de ordem legal, teleológica e ética.
O último passo desse trabalho, portanto, consiste em alocar os ar-
gumentos no seu nível de justificação e buscar perceber ainda como as ra-
zões se articulam entre elas, mesmo porque um ponto pode perpassar mais
de um nível de racionalidade. A taxonomia, dessa forma, tem o condão
de revelar o peso das questões que apareceram ou não durante o processo
de justificação legislativa e ainda de identificar as relações entre os argu-
mentos, seja de continuidade, independência ou conflito e, especialmente
no dissenso, torna mais clara a necessidade de ajustes na justificação. O
chamado balanceamento legislativo entra em cena então para indicar qual
argumento deve ou não prevalecer, em que busca se investigar, em uma
suposta antinomia, qual princípio normativo deve preponderar.
194 | RODRIGO ÉLCIO MARCELOS MASCARENHAS

Em relação à avaliação da qualidade da argumentação, Oliver-


-Lalana apresenta linhas gerais, tendo em vista a literatura. O estudo des-
se autor passa por modelos que vão desde a necessidade de haver a detec-
ção de falácias, da preexistência normativa de modelos de argumentação,
com critérios como aceitabilidade, verdade, relevância e suficiência, além
de sobreviver à objeções e críticas, de esquemas argumentativos em que
haja a avaliação de estruturas típicas dos argumentos. No entanto, diante
das críticas peculiares a depender da abordagem adotada, o autor sugere
a combinação de modelos de avaliação de qualidade da deliberação le-
gislativa com um panorama legisprudencial. Dessa forma, Oliver-Lalana
acredita que a avaliação de qualidade dos argumentos demanda a cons-
trução de critérios lógicos, substantivos e com correção pragmática, um
quadro ainda em construção pela literatura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da avaliação legislativa, tema central desta obra, per-


cebe-se que os estudos de Wintgens, Oliver-Lalana e Atienza sedimentam
os princípios que norteiam a justificação do impulso para legislar, e mais,
passam a oferecer, aos teóricos da legislação, um olhar sobre a racionali-
dade e a argumentação legislativas. Ao reafirmar a compreensão da nor-
ma enquanto uma intervenção na esfera da liberdade do indivíduo e, por
isso, a produção normativa necessita de ampla fundamentação, passa-se
a incentivar um aprofundamento, cada vez maior, de uma cultura demo-
crática da justificação.
Nesse sentido, a Teoria da Legislação oferece o arcabouço teórico
para que sejam inaugurados várias técnicas e procedimentos que forta-
leçam, a cada dia, essa cultura. O desenvolvimento dos estudos sobre a
racionalidade e, por conseguinte, a sedimentação das pesquisas sobre os
processos argumentativos que ocorrem no Parlamento jogam luz sobre a
tomada de decisão legislativa e, dessa forma, abrem ainda mais caminhos
para a institucionalização de instrumentos que busquem efetivar o di-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 195

reito à justificação, como a avaliação de políticas públicas, positivada na


Emenda Constitucional 109.

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blishing Limited. Surrey, 2012.
197

POR UMA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA


BASEADA EM EVIDÊNCIAS:
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA,
POLÍTICAS TRIBUTÁRIAS E A
RESPONSABILIDADE DO LEGISLADOR

Thiago Álvares Feital1

1. INTRODUÇÃO

O debate sobre a qualidade das leis remete, como aponta Fa-


biana Soares (2007), à crescente preocupação do direito com o pla-
nejamento e com o papel da legislação no êxito de políticas públicas.
Aponta também para a questão da publicidade e transparência dos
processos de elaboração das leis (GUIMARÃES; SOARES, 2020).
Mas este movimento, que se desenrola a partir da década de 70, não
se dá sem estranhamentos, nem de maneira linear. A aproximação
entre direito e políticas públicas — um movimento atrelado à legís-
tica material — apresenta riscos de duas ordens. Há, de um lado, o
risco de sobrevalorizar o pragmatismo, reduzindo a justiça à eficiên-
cia. Encontramos em Posner (2014) o seu cúmulo. De outro lado,
permanecendo preso ao paradigma moderno do direito, há o perigo

1 Doutor e mestre em Direito pela UFMG. Professor de Direito Tributário da


Especialização em Direito Tributário e do LLM em Direito Tributário da PUC
Minas. Vice-presidente da Terceira Câmara do Conselho de Contribuintes de
Minas Gerais. Consultor tributário na Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais. Contato: thiago.feitalv@gmail.com.
198 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

de mal compreender as formas jurídicas nascidas da hipercomplexidade


(MORAND, 1999, p. 20) e associar a fluidez dessas formas à degeneração
do direito ou a um retorno ao Medievo (Cf. BOUVIER, 2012, p. 295).
O direito tributário, enquanto disciplina voltada para o estudo da
tributação a partir da perspectiva jurídica, tem passado ao largo deste de-
bate. O silêncio da literatura sobre a avaliação e a racionalidade da legisla-
ção causa espanto. Isto, porque a relação entre tributação e políticas públi-
cas é bastante saliente na forma das políticas tributárias e fiscais. Pode-se
afirmar inclusive que o direito tributário é um amálgama de políticas fis-
cais implementadas em diferentes momentos. Tomando como exemplo
a atuação de um órgão como o Fundo Monetário Internacional — “[…]
o agente global primário em reformas de políticas fiscais” (REINSBERG;
STUBBS; KENTIKELENIS, 2020, p. 279) — esta relação torna-se ain-
da mais evidente na dinâmica do seu programa de condicionalidades,
quando este recomenda ao Estado que deseja obter um empréstimo que
reveja sua política tributária, por exemplo, adotando o imposto sobre o
valor agregado (EBRILL et al., 2001). Nas ciências sociais, a constatação
de que a tributação, ao lado dos demais elementos que compõem a estru-
tura financeira do Estado é determinante de todas as demais ações esta-
tais remete a uma literatura de mais de um século (GOLDSCHEID, 1958;
SCHUMPETER, 1991). No entanto, a preocupação com a qualidade e,
consequentemente, com a avaliação da lei tributária é marginal e não pa-
rece constar na agenda de pesquisa dos tributaristas2.
Argumentaremos neste trabalho que a Constituição determina a
realização de análises periódicas do sistema tributário brasileiro. Dirigin-
do-se ao Legislativo, esta obrigação fundamenta-se no artigo 52, XV e, em
relação ao Executivo, encontra-se positivada no artigo 37, § 16 da Cons-
tituição. Este último, incluído no ordenamento brasileiro pela Emenda
Constitucional n.º 109/2021. Considerando que os dispositivos não es-
tabelecem um método específico e tomando-os em conjunto é possível
esquematizar uma estrutura avaliativa adequada ao direito tributário.
Para tanto, este texto divide-se em quatro seções, além desta in-
trodução. Na segunda seção, apresentamos os paradigmas que orientam

2 A este respeito, veja-se o texto de Soares (2013).


AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 199

nossa visão do direito. A visão aqui sustentada baseia-se em uma teoria


do direito afinada com o giro linguístico. Esta constatação não é supér-
flua. Trata-se, em primeiro lugar, de identificar o direito como um espaço
no qual se travam os “combates semânticos” (MÜLLER, 1996, p. 376) que
resultarão nas normas jurídicas. E, em segundo lugar, como decorrên-
cia desta primeira premissa, trata-se de afirmar que a função legislativa
é, no Estado democrático de direito, um trabalho sujeito à racionalida-
de — como o são as demais funções — seja porque a interpretação do
direito não é um “jogo de esconde-esconde” (JOUANJAN, 2000, p. 67)
seja porque o seu resultado materializa uma decisão estatal (MADER,
2007) e como tal deve ser justificado. Na terceira seção, apresentamos os
fundamentos da teoria contemporânea dos direitos humanos que per-
mitem avaliar a legislação tributária à luz de sua capacidade de efetivar
estes direitos. Finalmente, na quarta seção, esboçamos um esquema para
possibilitar reflexões posteriores mais aprofundadas acerca da avaliação
da legislação tributária baseadas em direitos humanos.

2. A LEGISLAÇÃO COMO PROCESSO


DISCURSIVO E A RESPONSABILIDADE DO
LEGISLADOR SEGUNDO A LEGÍSTICA MATERIAL

Como a Constituição não é capaz de reificar o seu próprio signi-


ficado (MÜLLER, 1989, p. 09), o trabalho de criação de leis é precedido
pela interpretação da Constituição por parte do legislador. No papel de
intérprete, o Legislativo pratica atos de linguagem tanto quanto o Judiciá-
rio (MÜLLER, 1996, p. 163) e também deve proceder de modo verificável
e racional, pois sujeita-se aos requisitos do Estado democrático de direito.
A presunção de constitucionalidade das leis decorre justamente da pre-
sunção de que os atos do legislador são racionais (WINTGENS, 2002, p.
14), isto é, são praticados em conformidade com o paradigma constitu-
cional que orienta a atuação dos Poderes.
Afirmar a existência de requisitos de racionalidade que constran-
gem o Legislativo não implica tolher por inteiro a discricionariedade ine-
200 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

rente à tarefa de legislar. Diante dos comandos constitucionais — que são


muitas vezes vagos como “erradicar a pobreza” ou “garantir o desenvol-
vimento” — o Legislativo dispõe de significativa liberdade para projetar
soluções (DA SILVA, 2009, p. 73), desde que estas sejam democratica-
mente controláveis. É esta controlabilidade que permite, por exemplo, a
um tribunal constitucional analisar a posteriori os fatos legislativos que
fundamentaram a criação de uma lei para verificar “[…] a relação entre
a lei e o problema que se lhe apresenta em face do parâmetro constitu-
cional” (MENDES, 2000, p. 08). Reservado o espaço de prognóstico do
legislador — isto é, a discricionariedade que lhe é atribuída quando dian-
te de mais de uma alternativa para concretizar uma norma constitucional
— há uma linha tênue entre a vedação de controle das conjecturas feitas
pelo Legislativo e o poder judicial de avaliar a concretização de normas
formuladas na Constituição de modo vago.
É indiscutível, de qualquer forma, que o resultado da interpre-
tação legislativa dos fatos (da vida social, econômica, política etc.) e a
forma eleita para endereçá-los — a denominada “prognose legislativa”
(CANOTILHO, 2003, p. 1316) — não pode contrariar as normas cons-
titucionais. O desenvolvimento exaustivo desse argumento nos levaria a
refletir acerca dos limites do controle de constitucionalidade dos “fatos
legislativos” (MENDES, 2014). Em uma perspectiva paralela à do con-
trole de constitucionalidade em si e endógena à função legiferante, além
dos requisitos relativos à forma (campo da legística formal), a lei deve
ser avaliada considerando-se os resultados por ela alcançados com base
nos resultados constitucionalmente exigidos (MORAND, 1988, p. 394).
Analisando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Ale-
manha, corte pródiga na matéria (PHILIPPI, 1971) e que privilegia a in-
vestigação de dados empíricos3 na formação de suas decisões (MENDES,

3 “Até mesmo quando discute questões de princípio, relacionadas com concepções


filosóficas ou de convicção, procura o Tribunal proceder a uma análise racional
da controvérsia, evitando uma abordagem metafísica da questão. Temas relativos
à recusa de prestação do serviço militar, à opção homossexual ou à pena de morte
são tratados com base na experiência aferível e em verificações de índole fática.”
(MENDES, 2014, ed. eletr.)
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 201

2012, p. 664–665), Charles Morand (1988, p. 396) sistematizou quatro


obrigações atribuíveis ao legislador:

a) “[…] obrigação de estabelecer os fatos que fundamentam


a legislação […]”;
b) “[…] obrigação de apreciar os dados e as alternativas […]”;
c) “[…] obrigação de avaliar prospectivamente […]”; e
d) “[…] obrigação de observar e corrigir a legislação […]”.

A primeira obrigação determina que os fatos relativos à legis-


lação sejam estabelecidos com rigor. O processo legislativo vincula-se
a circunstâncias determinadas e pretende solucionar um estado de coi-
sas específico. Assim, um passo prévio indispensável é o estabelecimen-
to adequado dos fatos que reclamam a introdução de novos textos de
norma no sistema jurídico. Para tanto, o legislador deve considerar o
estado da arte relativo ao problema que pretende regular (WINTGENS,
2013, p. 21). Naturalmente, assim como o operador do direito deve bus-
car apoio nas ciências sociais para compreender o referencial factual das
normas que constrói (MÜLLER, 1996, p. 356), o legislador também deve
compreender adequadamente a realidade sobre a qual deseja intervir.
A investigação dos fatos deve ser realizada de forma transparente, não
apenas em relação a quais fatos justificam a apresentação da proposição,
mas igualmente em relação ao modo como o órgão identificou tais fatos
(WINTGENS, 2012, p. 296).
À determinação dos fatos associa-se a formulação correta do
problema que deve ser transparente e razoável (MORAND, 1988, p. 395).
Dentre as alternativas contidas no espaço de prognose legislativa, espe-
ra-se que seja escolhida aquela que produza o resultado ótimo. A falta
de razoabilidade da lei — que pode se manifestar na “[…] inconsequên-
cia, incoerência, ilogicidade, arbitrariedade, contraditoriedade, completo
afastamento do senso-comum e da consciência ético-jurídico comuni-
tária […]” (CANOTILHO, 2003, p. 1320) — pode derivar da adoção de
fatos equivocados. Naturalmente, se no momento da elaboração da lei o
202 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

legislador não conseguiu compreender a realidade sobre a qual desejara


intervir — o que caracteriza o erro de prognóstico —, ou se os disposi-
tivos da lei são inadequados para realizar o fim proposto, esta deverá ser
alterada ou revogada.
No Brasil, temos um exemplo patente da adoção de fatos legis-
lativos questionáveis no Projeto de Lei n.º 6.787/2016 que instituiu a re-
forma trabalhista4. Dentre outras premissas, o projeto partia do argu-
mento, reiterado na mensagem que o acompanhava, de que a quantidade
de ações trabalhistas no país seria elevada ou excessiva. Tendo em vista
que a excessividade de ações é uma medida relativa, resta determinar qual
o termo de comparação adotado pelo legislador. A questão — que não
está respondida na justificativa do projeto — foi abordada nos debates da
proposição, ocasião em que parlamentares em mais de uma vez alegaram
que nos Estados Unidos seriam ajuizadas apenas 75 mil ações trabalhistas
por ano. A afirmação não só é desprovida de embasamento metodológico
como não corresponde à realidade (CASAGRANDE, 2017).
Outro exemplo de utilização de fatos legislativos, desta vez acer-
tados, citado por Mendes (2014) e Humberto Ávila (2010), é a decisão
em sede de cautelar na ADI 855. Em face de norma que determinava a
pesagem de botijões de gás diante do consumidor, argumentou-se que a
medida seria antieconômica e pouco razoável, uma vez que implicaria
custos que seriam adicionados ao preço final da mercadoria sem uma
contrapartida substancial favorável ao consumidor. No voto do ministro
Sepúlveda Pertence, a Corte recorreu à análise de fatos e a “esclarecimen-
tos especializados5” como elementos determinantes para aferir a propor-
cionalidade e razoabilidade da norma impugnada.
Finalmente, as duas últimas obrigações sistematizadas por Mo-
rand correspondem a um dever de responsividade: a obrigação de avaliar
e monitorar os efeitos positivos e negativos da lei, documentando-os para
permitir o seu controle posterior e a correção das leis sempre que ne-
cessário. Na legística contemporânea, todas essas obrigações compõem

4 Mendes (2012) cita, dentre outros, os seguintes julgados nos quais o STF revisou os
fatos ou prognose legislativos ADI-MC 885, ADI 3.034, RE 438.639, ADPF 54.
5 ADI 855 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/1993.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 203

um “dever de refletir” (BICKENBACH, 2016, p. 244), o qual se ampara,


segundo Wintgens (2012, p. 290), na constatação de que o legislador não
tem condições de:

a) conhecer de antemão todas as circunstâncias nas quais a


lei será aplicada no futuro;
b) precisar com exatidão os efeitos futuros destas mesmas
leis; e
c) determinar o sentido definitivo dos enunciados postos na lei.

Diante de tais limitações, cabe ao legislador monitorar periodi-


camente a legislação (OLIVER-LALANA, 2016, p. 259). É por esta ra-
zão que se diz que o legislador racional é responsivo à realidade social
(WINTGENS, 2013, p. 19). O dever de monitorar os efeitos das leis de-
corre da temporalidade do direito. Cabe lembrar que “a contingência e
condicionalidade da vida histórica real são justamente a esfera de ação
da normatividade e o que a torna necessária” (MÜLLER, 1996, p. 70).
A legislação, que é inerentemente prospectiva, visa a modificar fatos fu-
turos (OLIVER-LALANA, 2016, p. 259), por este motivo, exige-se que
o legislador considere, na medida do possível, as circunstâncias futuras
que interagirão com a lei bem como os efeitos previsíveis da legislação ao
longo do tempo (WINTGENS, 2012, p. 301–302).
O dever de retrospecção, por outro lado, obriga o legislador a
levar em conta o histórico de efeitos já produzidos pela legislação. A jus-
tificativa de uma lei é algo dinâmico. Ela deve justificar-se diacronica-
mente e não apenas no momento de sua propositura. Uma alteração das
circunstâncias que levaram à criação da legislação pode se dar, segundo
Wintgens (2012, p. 301), por:

a) alteração dos fatos sociais independentemente da legislação;


b) alteração dos fatos sociais como resultado da legislação;
204 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

a. resultado almejado pela legislação;


b. resultado não almejado pela legislação;

a. resultado não almejado negativo (efeito negativo);


b. resultado não almejado positivo (efeito positivo).

A questão dos efeitos da legislação ao longo do tempo também


diz respeito aos conceitos de eficácia — a legislação atinge o seu propósito?
—, efetividade — é cumprida? — e eficiência — há relação adequada de
custo-benefício entre a legislação e os seus efeitos? (WINTGENS, 2013, p.
19–20). As combinações desses critérios apontam para a possibilidade
de múltiplas respostas e diferentes disfunções. De todo modo, a análise
retrospectiva deverá conduzir à revisão da legislação sempre que a reali-
dade contemporânea ao analista não mais justificar sua existência.
Todas essas exigências de racionalidade derivam não tanto das
pretensões teóricas de uma legística normativa, mas da própria estrutura
constitucional dos Estados democráticos de direito, em relação à qual o
Brasil não é exceção. Em matéria tributária, um dever de responsividade
encontra-se positivado no artigo 52, XV, o qual atribui ao Senado à com-
petência para avaliar periodicamente o sistema tributário. O dispositivo
foi incluído na Constituição pela Emenda Constitucional n.º 42/2003.
Proposto pelo relator da PEC n.º 41/2003, por sugestão de Misabel Derzi,
que buscou, segundo a justificativa da proposição (BRASIL, 2003), ins-
piração no Conseil des Prélèvements Obligatoires, órgão encarregado de
“[…] apreciar a evolução e o impacto econômico, social e orçamentário
do conjunto de tributos, bem como de formular recomendações sobre
toda questão relativa aos tributos” (FRANÇA, 1994), nos termos do ar-
tigo L351-1 do Código das Jurisdições Financeiras da França. Ao mes-
mo tempo, o recém promulgado artigo 37, § 16 da Constituição projeta
uma obrigação de avaliação semelhante para a Administração Pública.
Ao prescrever aos órgãos e entidades da administração o dever de “[…]
realizar avaliação das políticas públicas […]” (BRASIL, 1988), o disposi-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 205

tivo não distingue as “políticas públicas” por setores e, portanto, abarca a


política fiscal e a tributária.
Positivada a obrigação de avaliar, coloca-se a questão de como
fazê-lo. Considerando que os tributos ocupam posição central na ma-
terialização e manutenção do Estado democrático de direito, qualquer
que seja o método adotado, este deverá considerar o problema da justiça
tributária. E, como esta é uma norma multidimensional (FEITAL, 2021,
p. 170), é recomendável que o critério escolhido seja apto a mensurar não
apenas a eficiência da norma, mas também a sua capacidade de redistri-
buir recursos (igualdade tributária) e a transparência de seu processo de
elaboração (legalidade).

3. FUNDAMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DA LEGISLAÇÃO


TRIBUTÁRIA A PARTIR DOS DIREITOS HUMANOS

Todos os direitos têm um aspecto econômico (HOLMES; SUS-


TEIN, 1999), o que os insere no problema da escassez de recursos (HILL,
1992, p. 03). Neste sentido, é que se afirma que a realização concreta dos
direitos humanos, como a de qualquer direito, depende da existência de
recursos públicos (BALAKRISHNAN; HEINTZ; ELSON, 2016; ELSON;
BALAKRISHNAM; HEINTZ, 2013; GODOI, 2017, p. 07; INTERNA-
TIONAL BAR ASSOCIATION, 2017; SKOGLY, 2012, p. 394). Nos Es-
tados contemporâneos, estes recursos são obtidos majoritariamente por
meio da tributação, de modo que é possível afirmar sem sobressaltos que
a atividade impositiva, longe de ser uma confiscação ilegítima ou o ata-
que injustificável a um direito natural, como pretende a filosofia libertária
de direita (Cf. NOZICK, 2012; ROTHBARD, 2009), é o que torna possí-
vel a propriedade privada.
Liam Murphy e Thomas Nagel (2005, p. 46) argumentam, a pro-
pósito, que o mercado não subsiste sem o governo, de modo que é desa-
certado avaliar a legitimidade da tributação tomando como referencial
critérios que remetam à renda pré-tributária. Antes pelo contrário, entre
nós os tributos visam à construção da sociedade projetada Constituição
206 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

de 1988, o que leva inevitavelmente ao dever de adoção pelo Estado de


medidas redistributivas de caráter solidário (GODOI, 2005, p. 142), que
implicam, justamente, na obrigatoriedade de se interferir no esquema de
distribuição de recursos que as teorias libertárias consideram natural. É
por este motivo que a tributação desponta como determinante forte dos
direitos humanos, compreendidos aqui como o mínimo jurídico intrín-
seco à vida de todas as pessoas em todos os lugares, decorrente de sua
própria dignidade (NINO, 1989, p. 14).
A despeito de ser pouco tratado pela literatura nacional — tanto
por acadêmicos do Direito Internacional quanto do Direito Tributário
—, este nexo reflete-se muito claramente nos documentos internacionais
de direitos humanos (ALSTON; REISCH, 2019), sobretudo aqueles que
dizem respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais (UNITED
NATIONS, 1965, 1966a, 1979), tendo sido objeto de detida análise pelos
subscritores da Declaração de Lima sobre a Justiça Tributária e os Direitos
Humanos (CESR et al., 2015), por pesquisadores independentes (BALA-
KRISHNAN; HEINTZ; ELSON, 2016; DOWELL-JONES, 2015; ELSON;
BALAKRISHNAM; HEINTZ, 2013; NOHLE; GIACCA, 2018; NOLAN,
2014; O’CONNEL et al., 2014; SAIZ, 2013; SKOGLY, 2012), por Relato-
res Especiais da ONU (MATIAS; URTASUN, 2018; UNHRC, 1992, 2009,
2010, 2015) e, em mais de uma ocasião, pelo Comitê de Direitos Econô-
micos, Sociais e Culturais (CESCR, 2009, 2010, 2015a, 2015b, 2015c).
Brevemente, como sumariza Saiz (2013, p. 78), a realização dos
direitos, independentemente do caráter que se lhes atribuam classifica-
ções doutrinárias — humanos ou fundamentais; civis, políticos, econô-
micos, sociais ou culturais; positivos ou negativos —, depende da exis-
tência de recursos públicos. Mas, esta relação entre recursos estatais e a
garantia dos direitos se faz mais evidente nos direitos econômicos, sociais
e culturais, motivo pelo qual a obrigação de se devotar o máximo de re-
cursos disponíveis à sua realização encontra-se propriamente enunciada
no tratado que os positiva na ordem internacional, o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ICESCR), mais precisa-
mente no artigo 2(1):
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 207

Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar me-


didas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação
internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até
o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, pro-
gressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício
dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particu-
lar, a adoção de medidas legislativas. (UNITED NATIONS, 1966b)

A expressão adotada pelo tratado, até o máximo de seus recur-


sos disponíveis, em razão de seu conteúdo plurissignificativo e de sua re-
dação tosca (CRAVEN, 1998, p. 151), tem sido criticada pela literatura
(NOHLE; GIACCA, 2018). Por força desta obrigação, os Estados devem,
considerando a discricionariedade que lhes é inerente, adotar as medidas
legislativas e judiciais necessárias para garantir a maior fruição possível
dos direitos econômicos, sociais e culturais, sobretudo durante crises
econômicas (CIDH, 2009). A ausência de menção a este princípio do
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos deve-se, sobretudo,
à ideologia em voga quando de sua elaboração, que via nos direitos civis
e políticos direitos “negativos”, em relação aos quais subsistiam para os
Estados apenas obrigações de não fazer, ao passo que os direitos econô-
micos, sociais e culturais seriam “positivos”, justamente por demandar do
Estado obrigações de fazer. Tendo em vista que esta ideologia não encon-
tra mais amparo sequer na literatura majoritária, tanto menos nos órgãos
internacionais competentes, deve-se compreender o dever de utilização
máxima como aplicável à realização de todos os direitos humanos.
Em manifestação sobre a natureza da obrigação contida no artigo
2 do ICESCR, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais teve
a ocasião de esclarecer que “[…] com a frase ‘até o máximo de seus recur-
sos disponíveis’ os redatores do Pacto visavam simultaneamente aos re-
cursos existentes em um Estado e àqueles disponíveis na comunidade in-
ternacional, por meio da cooperação e assistência internacionais” (HRC,
1985). Além disso, o órgão destaca que se, por um lado, a realização dos
direitos econômicos, sociais e culturais está em geral sujeita à realização
progressiva, nos termos do próprio ICESCR, por outro lado, há direitos
208 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

cuja implementação deve ser imediata6. A própria obrigação de adotar


medidas para realizar os direitos econômicos, sociais e culturais deve ser
compreendida como uma obrigação imediata (HRC, 1985). Esta última
também integra o plexo normativo da obrigação de mobilizar recursos.
Segundo o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a
responsabilidade estatal pela ausência de medidas para realizar os direitos
humanos não pode ser afastada pela invocação de fatores econômicos. Esta
obrigação, que exige a iniciativa dos Estados na adoção de ações concre-
tas, não está sujeita a limitações. Tendo em vista os requisitos do Estado
democrático de direito, o tratado reconhece a prioridade das medidas le-
gislativas, mas não dispensa os Estados da adoção de providências de outra
natureza. Ao mesmo tempo, a mera promulgação de textos normativos,
desacompanhada do esforço para a sua efetivação não representa o adim-
plemento desta obrigação. É preciso que os Estados demonstrem o seu
comprometimento com a efetivação das normas promulgadas, por meio
do monitoramento, fiscalização e adoção de outras ações aplicáveis.
Finalmente, o núcleo normativo da obrigação de mobilizar re-
cursos é composto pela obrigação de buscar ou prover assistência inter-
nacional e cooperação. Desta forma, a locução máximo de seus recursos
disponíveis, deve ser interpretada no sentido de compreender também os
recursos que estão à disposição do Estado no plano internacional. Neste
sentido, a obrigação se bifurca para abarcar os Estados em condições de
prover auxílio e os Estados que necessitam de auxílio (INTERNATIO-
NAL BAR ASSOCIATION, 2017, p. 33–36).
A obrigação de mobilizar recursos é a chave para se compreender
a interdependência entre direito tributário e direitos humanos (FEITAL,
2019), passo necessário para se esboçar uma alternativa à compreensão
tradicional da relação entre direitos humanos e tributação no Brasil e
alhures. O princípio visa a compelir os Estados signatários a otimizar a

6 “[…] there are a number of other provisions in the International Covenant on Eco-
nomic, Social and Cultural Rights, including articles 3, 7 (a) (i), 8, 10 (3), 13 (2) (a),
(3) and (4) and 15 (3) which would seem to be capable of immediate application by
judicial and other organs in many national legal systems. Any suggestion that the
provisions indicated are inherently non self executing would seem to be difficult to
sustain.” (HRC, 1985)
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 209

obtenção de receitas (MATIAS; URTASUN, 2018, p. 20) e permite verifi-


car a adequação da legislação e das políticas públicas adotadas em relação
à sua capacidade de contribuir para a realização dos direitos garantidos
nos instrumentos internacionais de direitos humanos. No que diz res-
peito ao sistema tributário, a norma permite avaliar se a estrutura deste
sistema é adequada à realização dos direitos humanos e, portanto, se o
orçamento (no âmbito das receitas públicas) é adequado a este fim.
Um sistema tributário eficiente contribui para a criação do es-
paço fiscal necessário às alocações orçamentárias relativas à realização
dos direitos (ELSON; BALAKRISHNAM; HEINTZ, 2013, p. 17). É por
isso que as abordagens clássicas que interpretam o dever de mobilizar re-
cursos, a partir da presunção de que estes recursos estão definitivamente
estabelecidos em políticas prévias, cabendo ao Estado apenas adminis-
trá-los não são adequadas. Tais perspectivas assumem que o montante de
recursos à disposição dos Estados corresponde a uma quantia já determi-
nada e fixa, ignorando o papel e a dinâmica das políticas fiscais. Diversa-
mente, o dever de mobilizar recursos deve ser compreendido como um
princípio fundamental a orientar todo o sistema das finanças públicas,
particularmente no que diz respeito às definições políticas que impactam
na arrecadação (SAIZ, 2013, p. 78).
Ainda que sua execução seja bastante complexa (MANION;
MATTHEWS; RALSTON, 2016, p. 24), a análise das receitas orçamen-
tárias é um expediente importante para determinar o cumprimento das
obrigações relativas aos direitos humanos, pois permite voltar o debate
público — atualmente focado em questões técnicas mistificadoras da rea-
lidade política do “problema” orçamentário e tomado por uma concep-
ção equivocada de neutralidade — para os resultados esperados de um
sistema tributário democrático (BALAKRISHNAN; HEINTZ; ELSON,
2016, p. 64), sobremaneira, no que diz respeito à efetivação da justiça so-
cial (CESR et al., 2015) requerida entre nós pela Constituição que, incor-
pora ao bloco de constitucionalidade os direitos garantidos nos tratados
de direitos humanos ratificados pelo Brasil (CANÇADO TRINDADE,
1993, p. 30; PIOVESAN, 2015, p. 163).
210 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

A análise da legislação tributária à luz do dever de mobilizar recur-


sos, deve buscar identificar os principais obstáculos à obtenção de receitas
para realização dos direitos humanos (OHCHR, 2017, p. 69). Neste senti-
do, destaca-se como exemplo, no cenário brasileiro, a isenção dos lucros e
dividendos distribuídos a sócios e acionistas de pessoas jurídicas instituído
pela Lei nº 9.249/95. Trata-se da opção por uma redução de receitas que
não se justifica diante da débil progressividade do imposto sobre a renda
brasileiro, que já faz deste um tributo de arrecadação subótima.
Estudo recente aponta que a alíquota média da tributação inciden-
te sobre os lucros e dividendos pagos ou creditados a pessoas físicas nos
países da OCDE equivale a 24,1% (GOBETTI; ORAIR, 2016, p. 17). Esti-
mativas indicam que a tributação dos dividendos à alíquota de 15% vigente
até o advento da Lei nº 9.249/95, alcançaria um universo de 2,1 milhões de
pessoas, resultando em um incremento nas receitas públicas de 43 bilhões
de reais (GOBETTI; ORAIR, 2016, p. 26). A tributação, conforme a tabela
progressiva do IRPF, alcançaria 1,2 milhões de pessoas e resultaria na arre-
cadação de 59 bilhões de reais (GOBETTI; ORAIR, 2016, p. 26).
Ao ratificar o ICESCR, o Brasil livremente limitou o seu poder
soberano de estruturar as suas finanças como bem entender. Um aspecto
importante desta limitação, aqui desenvolvido, é a obrigação de otimi-
zar a sua arrecadação. Neste sentido, constitui violação desta obrigação a
adoção de medidas legislativas que, implicando na diminuição das recei-
tas, resultem na ausência ou escassez de recursos destinados à realização
dos direitos humanos, particularmente em economias em desenvolvi-
mento, cujas bases tributárias são estreitas.

4. A TÍTULO DE CONCLUSÃO: OS LIMITES


DO DEBATE SOBRE REFORMA TRIBUTÁRIA

Tomando a reforma tributária como um estudo de caso e partindo


da obrigação de estabelecer os fatos que fundamentam a legislação, é preci-
so considerar a formulação de um diagnóstico adequado acerca do estado
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 211

atual do sistema tributário. A nosso ver, este diagnóstico leva à conclusão


de que as deficiências na tributação brasileira são de quatro ordens:

a) cumulatividade tributária;
b) obsolescência da tributação do consumo;
c) excessiva complexidade das normas em vigor; e
d) má distribuição da carga tributária.

4.1. Cumulatividade

Um sistema tributário adequado é aquele em que a arrecadação


está apropriada e convenientemente distribuída entre os três fatos gera-
dores básicos — a renda, o consumo e a propriedade — e em que não há
cobrança de imposto sobre imposto, a chamada incidência em cascata ou
cumulativa. Espera-se que o sistema tributário não distorça as decisões
econômicas e os arranjos produtivos.
É por esta razão, que um dos princípios mais basilares da tributa-
ção do consumo é o princípio da não cumulatividade, por meio do qual se
garante que o contribuinte possa creditar-se do imposto recolhido nas ope-
rações anteriores em uma mesma cadeia econômica. A eficácia deste prin-
cípio no Brasil — a despeito de constar literalmente do texto constitucional
(art. 155, §2º, II e art. 153, § 3º, II da Constituição) — foi amesquinhada
pela legislação infraconstitucional e por diversas decisões judiciais.

4.2. Obsolescência e complexidade do sistema

Além de cumulativa, a tributação do consumo brasileira en-


contra-se extremamente defasada em relação à prática internacional.
Regras básicas seguidas pelos países da União Europeia — que adotam
o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) — não existem no direito brasi-
leiro. Dentre estas, o direito amplo e irrestrito ao creditamento quando
212 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

da aquisição de insumos, o que a literatura especializada denomina de


“créditos financeiros”.
É digno de nota que a legislação do IVA já é criticada há algumas
décadas pela literatura que afirma que o imposto estaria se afastando de
um tributo sobre o consumo ideal, graças às diversas modificações que
sofreu desde a sua adoção na década de 60 do século passado. Neste sen-
tido experiências mais recentes, como o indiano Goods and Services Tax
(GST) seriam modelos mais atuais. Não obstante, a situação brasileira é
tão crítica que, quando comparamos a legislação do ICMS (o principal
imposto sobre o consumo) com o IVA, ainda que este último padeça de
vários males, ele se apresenta como uma solução mais avançada do que a
legislação brasileira atual.
Uma legislação arcaica e excessivamente complexa conduz a que
parcela considerável dos gastos das empresas seja destinado aos custos
necessários ao cumprimento da legislação tributária, além de eventuais
pagamentos de multas e juros decorrentes do descumprimento invo-
luntário da legislação (por erro do contribuinte de boa-fé). Os custos de
conformidade (do inglês, “compliance costs”) podem ser definidos como
os recursos necessários ao cumprimento das obrigações tributárias pe-
los contribuintes. É digno de nota que estes custos também possui um
componente regressivo, uma vez que quanto menor a empresa (menor
faturamento), maior a proporção de recursos que têm que ser alocados
para o cumprimento de obrigações tributárias.

4.3. Má distribuição da carga tributária

Em relação à distribuição, os problemas também não são negli-


genciáveis. A regressividade do sistema tributário que, em uma definição
mais genérica é um fenômeno que se dá em desfavor dos mais pobres,
torna-se mais complexa no cenário brasileiro à medida em que, ao ser ob-
servada com mais vagar, notam-se os elementos da raça — pobres negros
são mais onerados do que os demais — e do gênero — mulheres negras
são mais oneradas do que todos os outros (SALVADOR, 2016), criando
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 213

uma cascata de exclusões cada vez menos visíveis às abordagens tradi-


cionais do problema. Há aqui inclusive uma tensão axiológica que não
pode ser negligenciada na avaliação da legislação tributária e das propos-
tas de sua reforma. É que a seguir-se a literatura econômica majoritária
à risca, no que diz respeito à tributação do consumo — cuja prevalência
no Brasil é causa maior da regressividade tributária — para se alcançar o
máximo de eficiência deve-se criar um sistema tributário regressivo (EL-
KINS, 2015, p. 59). É neste contexto que se inserem as discussões sobre
desoneração de produtos essenciais, um debate fundamental atualmente.
Visando a realizar a equidade vertical, concedem-se isenções e
alíquotas inferiores a mercadorias de primeira necessidade no intuito de
aliviar a regressividade do tributo. Como vimos, a literatura econômica
desencoraja essas medidas, pois há um consenso no sentido de que quais-
quer ganhos em termos de equidade seriam suplantados pelas perdas em
receita e em eficiência resultantes da complexidade criada pelas isenções
e multiplicidade de alíquota (JAMES, 2015, p. 59). Além das questões
intrínsecas à estrutura do tributo, que recomendam que ele não seja uti-
lizado como instrumento para realizar políticas redistributivas (JAMES,
2015, p. 69), há também motivos sistêmicos que tornam as desonerações
equitativas pouco recomendáveis.
Considerando que as pessoas mais ricas consomem uma quan-
tidade maior (em termos absolutos) de quaisquer produtos básicos, um
benefício que reduza a tributação destes bens beneficiaria mais estas pes-
soas do que os mais pobres (BIRD; GENDRON, 2007; JAMES, 2015).
Por esta ótica, as desonerações seriam ineficientes (Cf. PIKETTY, 2019)
quando comparadas com a tributação direta da renda ou com políticas de
transferência ou, ainda, com os gastos públicos direcionados para os mais
pobres (DE LA FERIA; KREVER, 2013). Para a literatura majoritária, o
remédio para corrigir as deficiências do IVA em termos de isonomia
não estaria nas desonerações, mas na utilização de outros impostos mais
sensíveis à capacidade econômica combinada com programas sociais de
transferência de renda (EBRILL et al., 2001, p. 74–82; JAMES, 2015, p.
60). Isto, porque quaisquer que sejam os benefícios que possam ser ob-
tidos com as desonerações, estes seriam suplantados por uma tributação
214 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

progressiva da renda e por transferências diretas7 (BIRD; GENDRON,


2007, p. 76; CRAWFORD; KEEN; SMITH, 2010; DE LA FERIA; KRE-
VER, 2013, p. 23; EBRILL et al., 2001, p. 112).
Por outro lado, na ausência de outros impostos ou de programas
de gastos sociais que compensem a inequidade vertical do IVA, países em
desenvolvimento têm um argumento forte para adotar alíquotas diferen-
ciadas (BIRD; GENDRON, 2007, p. 76; EBRILL et al., 2001, p. 74; JAMES,
2015, p. 118). Neste caso, seria razoável considerar que as desonerações
seriam o “mal menor” (BIRD; GENDRON, 2007, p. 110) de um sistema
disfuncional. É o que torna justificável a concessão de desonerações para
alimentos em países nos quais a base tributária do imposto sobre a renda
seja estreita. Naqueles países em que uma parte considerável da popula-
ção não recolhe imposto sobre a renda por auferir rendimentos inferiores
ao patamar de isenção têm razões mais fortes para adotar desonerações
na tributação do consumo (EBRILL et al., 2001, p. 74). A existência de um
imposto sobre a renda funcional, por outro lado, limita a pertinência das
desonerações do IVA, mas não elimina por inteiro a força do argumento.
Diante deste complexo debate, a solução para estes problemas
— que devem ser compreendidos como problemas complexos (RITTEL;
WEBBER, 1973) e que, portanto, não podem ser resolvidos por esquemas
simples — parece apontar para os seguintes valores:

a) Simplicidade: Os contribuintes devem conseguir com-


preender suas obrigações, cumpri-las e pagar os tributos
devidos facilmente.
b) Neutralidade: A tributação não pode criar distorções eco-
nômicas ou alterar significativamente os preços de produ-
tos e serviços.
c) Transparência: Os contribuintes devem conseguir identificar
facilmente os tributos que estão recolhendo em cada situação.

7 O Canadá e a Nova Zelândia são exemplos bem sucedidos, pois concedem créditos para
famílias de baixa renda que implicam a devolução do tributo pago por essas famílias.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 215

d) Igualdade: Contribuintes em situação econômica equiva-


lente devem receber tratamento igual.

Como visto acima, um sistema tributário desenhado para onerar


uma base tributária qualquer e desonerar outra provocará uma distorção
determinada no espaço fiscal, obrigando o Estado a buscar o equilíbrio por
meio da atuação sobre os gastos públicos; da obtenção de auxílios; do endi-
vidamento; ou da criação de políticas financeiras e monetárias. Um sistema
tributário desenhado de outro modo delineará outro espaço fiscal. Cada
forma gerará mais ou menos recursos a depender da estrutura econômi-
ca do Estado em questão. Ao mesmo tempo, o princípio da utilização do
máximo de recursos disponíveis — compreendido como uma obrigação
de mobilizar receitas — exige pelo menos (DE SCHUTTER, 2019, p. 72):

a) a estruturação de um sistema tributário progressivo (prin-


cípio da progressividade e da capacidade econômica);
b) o reforço da capacidade de arrecadação, por meio do
combate à evasão (princípio da igualdade); e
c) o fortalecimento de mecanismos de participação e trans-
parência (princípio da legalidade).

Conjugando as seções anteriores, é possível esboçar uma matriz


de avaliação da legislação tributária baseada em direitos humanos. Esta
matriz se desdobraria a partir de quesitos que podem ser esquematiza-
dos, partindo do modelo de Morand (1988, p. 13), o da seguinte maneira:

a) Identificação de um problema na legislação tributária;


b) Determinação dos limites da tensão entre os objetivos consti-
tucionais e os resultados alcançados pela legislação tributária;
c) Estabelecimento dos objetivos da reforma;
d) Análise dos fatos sociais e econômicos relacionados à refor-
ma, no intuito de determinar corretamente a realidade sobre
a qual a tributação incidirá e quem serão os seus sujeitos;
216 | THIAGO ÁLVARES FEITAL

e) Estabelecimento de soluções alternativas que deverão ser


debatidas abertamente;
f) Escolha do desenho tributário a ser adotado;
g) Avaliação prospectiva dos meios necessários à implemen-
tação do desenho escolhido;
h) Determinação dos instrumentos e implementação da re-
forma; e
i) Avaliação retrospectiva da solução escolhida e monitora-
mento do sistema em face da alteração efetivada.

Trata-se, pelo menos, de determinar (i) se fatos que justificam a


alteração das normas tributárias em vigor estão suficientemente esclare-
cidos; (ii) como a legislação tributária relacionada àquela que se deseja
alterar ou a legislação tributária objeto da alteração comportou-se des-
de a sua promulgação; (iii) se houve alguma alteração dos fatos sociais
relacionados à legislação tributária em questão e, em caso positivo, se a
alteração relaciona-se ao objetivo da norma (extrafiscalidade) ou se tra-
ta-se de alteração não almejada; (iv) se a mudança proposta contribuirá
para o incremento do espaço fiscal necessário à realização dos direitos
humanos; (v) se foram considerados os efeitos da reforma sobre diferen-
tes classes sociais; e (v) se a discussão sobre a reforma esteve aberta à
participação de todos os grupos interessados.
A complexidade destas questões nos leva a concluir que o foco
excessivo na questão da eficiência empobrece a discussão e descola as
propostas dos demais valores constitucionais. A introdução no direito
tributário dos desenvolvimentos mais recentes da legística e sua preo-
cupação com a qualidade das leis poderia contribuir para o aperfeiçoa-
mento das propostas existentes. Ao mesmo tempo, poderia contribuir
para o cumprimento da obrigação estabelecida nos artigos 52, XV e 37,
§ 16 da Constituição, a qual é atualmente negligenciada pela literatura
tributária brasileira.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 217

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225

OS REFLEXOS DA SAÚDE PÚBLICA


NO BRASIL E O SANEAMENTO
BÁSICO: ANÁLISE DA
SISTEMATIZAÇÃO NA CIDADE DE
MANAUS À LUZ DA LEGÍSTICA.

Bianor Saraiva Nogueira Júnior1


Berenice Miranda Batista2

1 Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia pelo Programa de Pós-Gradua-


ção - PPGSCA da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Doutorando
em Direito Público pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Con-
ceito 7 - CAPES). Doutorando em Antropologia pela Universidade Federal de
Pelotas - UFPel/RS. Mestre em Direito Ambiental pelo PPGDA da Universi-
dade do estado do Amazonas – UEA. Especialista em Direito Penal e Direito
Processual Penal pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Graduado
em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Professor Ad-
junto do curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
Professor Doutor do curso de Mestrado em Direito Ambiental da Universi-
dade do Estado do Amazonas - PPGDA/UEA. Professor Doutor do curso de
Pós-graduação em Direito Público, ED-AM/UEA. Pesquisador no Observató-
rio para a Qualidade da Lei (LEGISLAB-UFMG). Procurador Federal - PGF/
AGU (bianor.saraiva@agu.gov.br). Condecoração Jubileu de Bronze - Comen-
da - AGU, 2015; Condecoração Jubileu de Prata - Comenda - AGU, 2022. En-
dereço para acessar o CV: http://lattes.cnpq.br/3384857458869556. ORCID Id:
https://orcid.org/0000-0003-2189-2573.
2 Advogada (OAB/AM - 15.321). Especialista em Direito Público com Ênfase
em Gestão Pública pelo Instituto Damásio de Direito (2021); Especialista em
Direito Processual Civil pelo Instituto Damásio de Direito (2022) Mestranda
em Direito Ambiental pelo PPGDA da Universidade do estado do Amazonas
- UEA. Endereço para acessar o CV: https://lattes.cnpq.br/6930779959483496.
ORCID Id: https://orcid.org/0000-0001-6237-6466.
226 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

INTRODUÇÃO

Em épocas de tendências neoliberais, dilata-se a esfera da mer-


cadoria. Neste cenário, os governos dos países em desenvolvimento são
pressionados a adotarem políticas de privatização dos serviços públicos
de saneamento básico como forma de reduzir os gastos públicos e ampliar
a abrangência do acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário, subor-
dinando a provisão desses serviços à lógica dos interesses do mercado.
A história do saneamento básico no Brasil teve surgimento nas
políticas públicas em saúde, especialmente ao que tange o combate de
doenças proeminentes de causas estritamente alocadas à uma parcela
específica da população, em que não há o mínimo para a efetivação do
princípio da dignidade humana, ou seja, o direito de existir e as condi-
ções mínimas para tanto.
Não há, portanto, como dissociar o meio ambiente ecologica-
mente equilibrado com o saneamento básico essencialmente aplicado,
tão pouco, como desagregar os instrumentos de saúde pública, pautados
na tecnicidade e na ciência.
O objetivo desta pesquisa será o de analisar as questões históricas
que versam sobre o saneamento básico no Brasil e na cidade de Manaus,
como também, o de verificar se há o atendimento a questões mínimas de
existência, em um contexto aliado ao desenvolvimento científico, em am-
biente ecologicamente equilibrado e, por conseguinte, se o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana está sendo efetivado. A problemática que
envolve esta pesquisa é o de que forma se poderá garantir instrumentos
de saúde pública, acerca das questões sanitaristas, diante das questões
complexas que constituem a sociedade de consumo e as demandas ur-
gentes do papel do Estado na garantia de interesses difusos e coletivos.
A pesquisa se justifica uma vez que, o saneamento está longe de
alcançar questões exclusivas do meio ambiente, atinge à diretamente a
qualidade de vida da população envolvida, além de se tratar de um im-
portante marcador social em que se consegue atingir quais e quantas par-
celas e recortes da população estão sendo abarcadas e, precisam de maior
intervenção do Estado no que tange a proteção do bem coletivo.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 227

1. SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

Os problemas relacionados à saúde, saneamento e ao meio am-


biente envolvem grande parte da população brasileira.
A saúde pública no Brasil, no que abarca as questões de sanea-
mento básico, advém de resultados de políticas públicas, ou seja, de atos
normativos em que decisões políticas devem atender a realidade, uni-
versalidade e continuidade da prestação, que afetam diretamente a uma
coletividade, ao longo da história.
Neste viés, Tondatto, Faria, Ribeiro, Karine Cruz, e Martins
(2017, p. 89), destacam:

O saneamento pode ser definido como várias medidas que visam


manter ou alterar as condições ambientais para a prevenção de
doenças ou a promoção da saúde, visando também melhorar a
qualidade de vida da população e a produtividade das pessoas,
impactando positivamente no âmbito econômico do país.

Não obstante, o saneamento básico, possui implicações intrín-


secas no meio ambiente, saúde humana e nas atuações políticas, princi-
palmente enquanto construção de ideários ao desenvolvimento social e
econômico, ao longo da história.
Ressalta-se o papel do Estado no que se refere ao desenvolvimen-
to de medidas de saúde e saneamento, como também, a política de go-
verno, que marca a conjuntura adotada na inserção de políticas públicas.

1.1. Breve histórico do saneamento básico no Brasil

Os dilemas sanitários que envolveram o Brasil no período colonial,


estiveram distantes de ações progressivas, sem nenhum cunho estritamen-
te social. Bertolli Filho (2004, p. 05) relata que “já no século XVII a colônia
portuguesa da América era identificada como inferno, onde os colonizado-
res brancos e os escravos africanos tinham pouca chance de sobrevivência”.
228 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

Os caminhos tomados na saúde pública no Brasil, vieram de con-


ceitos estritamente higienistas, principalmente em áreas em que se apre-
sentava certo desenvolvimento econômico.
O projeto de modernização, conforme dispõe Bertolli Filho (2004,
p. 14) surgiu com a “Proclamação da República em 1889 embalada por uma
ideia: modernizar o Brasil a todo custo. A necessidade urgente de atualizar
a economia e a sociedade – escravista, com o mundo capitalista avançando
favoreceu a redefinição dos trabalhos brasileiros como capital humano.”
Ademais, Filho (2004, p. 14), reflete:

Apesar das repetidas promessas oficiais de criar condições para


a melhoria do padrão de vida da população, na verdade o Estado
acaba privilegiando os investimentos na expansão na produção.
[...]
O compromisso governamental com as necessidades básicas da
população tem sido relegado sempre a segundo plano, perpetuan-
do um ciclo tristemente vicioso: o desamparo e sem participação
decisiva nas decisões do governo, o trabalhador recebe salários
baixos e vive mal, adoecendo com facilidade. Doente e mal ali-
mentado, ele tem a sua vida produtiva abreviada, tornando muito
mais difícil a superação da pobreza.

Desta maneira, a doença não representava apenas o adoecimento


individual, que gerava impactos coletivos, da dinâmica social, mas sim,
interferência nos trabalhadores e sobre os meios de produção nacional
que pudessem ser atingidos ou estagnados. Não houve preocupação com
os reflexos para a saúde pública, para bem comum, havia apenas ressalvas
para o alcance do desenvolvimento econômico e pouca relevância coleti-
va e social, nas tomadas públicas na decisão.
A despeito disto, Freitas (2003, p. 139), traz a seguinte reflexão:

Nesse período, as preocupações e estratégias sanitárias tinham por


base a teoria dos miasmas, para a qual as sujeiras externas e os odo-
res detectáveis deveriam ser reduzidos ou eliminados para deter
a disseminação das doenças. A higiene é introduzida como uma
estratégia de saúde para as populações, envolvendo a vigilância e
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 229

o controle dos espaços urbanos (ruas, habitações, locais de lixos,


sujeiras e toxicidade) e grupos populacionais (pobres, minorias ét-
nicas e as classes trabalhadoras) considerados sujos e perigosos.

Hochman (1998, p. 133), relata que “As constantes epidemias de


febre amarela e de outras doenças nas primeiras décadas do século XX,
em diversas regiões do país, fizeram com que amplos setores da elite polí-
tica brasileira se mobilizassem no sentido de exigir a intervenção federal
nos assuntos de saúde pública, especialmente nos estados carentes de re-
cursos técnicos e financeiros”.
Houve então, neste período histórico, discussões sobre as pro-
postas de saneamento no Brasil, que de um lado, pleiteava a defesa da au-
tonomia estadual e municipal no atendimento às necessidades regionais
e, de outro, a centralização administrativa da ação sanitária pelo execu-
tivo federal, por meio da criação de um ministério para a saúde pública.
Em conseguinte, conforme designa, Tondatto, Faria, Ribeiro, Ka-
rine Cruz, e Martins (2017, p. 103):

A ideia de prevenir doenças no Brasil teve seu grande marco ini-


cial com o movimento sanitarista. Na década de 1910, a preocu-
pação passou a ser o interior do país. Até então, a atenção estava
direcionada prioritariamente sobre o sanitarismo urbano, com
destaque à cidade do Rio de Janeiro e aos portos.

Logo, uma busca urgente de padronização espacial para desen-


volvimento econômico. Bertolli Filho (2004, p. 16), destaca que “o meio
rural seria relegado a um sombrio segundo plano, só chamando a atenção
dos médicos e autoridades quando os problemas sanitários interferiam
na produção agrícola ou extrativista”
Nas palavras de Pontes, Lima e Kropf (2010, p. 75), ao que com-
preendem as três primeiras décadas do século XX:

Caracteriza-se, no Brasil, por uma intensa polêmica em torno de


um projeto para a nação. O foco de atenção dos debates centrava-
-se na constituição física e moral do brasileiro. País recém-saído
230 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

da economia escravista e inscrito formalmente na ordem repu-


blicana, o Brasil se via às voltas com o problema de integrar na
cidadania um imenso contingente populacional sem acesso aos
meios produtivos e abandonado pelo Estado.

Os conhecimentos dos médicos-higienistas sobre a saúde dos


brasileiros e sobre as condições sanitárias em grande parte do territó-
rio nacional, revelados ao público em meados da década de 1910, nos
absolviam enquanto povo e encontravam um novo réu. O brasileiro era
indolente, preguiçoso e improdutivo porque estava doente e abandonado
pelas elites políticas. Redimir o Brasil seria saneá-lo, higienizá-lo, uma
tarefa obrigatória dos governos.
Era necessário e urgente resolver problemas herdados do Impé-
rio, somados àqueles advindos com a instauração da República, orques-
trando uma modernidade, Freitas (2003, p. 146), remonta:

O ambiente sempre esteve presente nos discursos e práticas sanitárias.


Mas, foi somente com a intensificação do processo de industrializa-
ção e urbanização, o aumento da participação política da classe traba-
lhadora e a incorporação dos temas relacionados à saúde na pauta de
reivindicações dos movimentos sociais, que os problemas ambientais
passaram a ser compreendidos como resultantes de processos funda-
mentalmente políticos e sociais.
É nesse contexto de fortalecimento dos movimentos sociais que
emerge a medicina social no século 19, para a qual a participação po-
lítica era concebida como principal estratégia de transformação da
realidade de saúde. No século 20, a recuperação da dimensão social
e política dos problemas ambientais ocorre a partir do crescimento
dos movimentos contestatórios e ambientalistas entre os anos 60 e 70.

E nesta distinção, Tondatto, Faria, Ribeiro, Karine Cruz, e Mar-


tins (2017, p. 89): declaram que é “possível afirmar que as doenças negli-
genciadas prevalecem em condições de pobreza e precariedade de sanea-
mento, contribuindo para a manutenção do quadro de desigualdade, já
que estão relacionadas ao desenvolvimento de um país”.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 231

Nas palavras de Cohen, Barroso e Kligerman (2011, p. 275), per-


cebe-se que o cenário pouco mudou desde o período colonial ao início
do século XXI, e que as demandas sociais, atreladas ao conhecimento
científico, se tornam cada vez mais urgentes, neste contexto:

No ano de 2000, no Brasil, 80% da população era urbana e, 20%,


rural, segundo o censo demográfico. A situação habitacional era
composta, por um lado, de um extensivo quadro de déficit habita-
cional e, por outro, de um crescente número de inadequações habi-
tacionais, faltando, portanto, uma política pública mais eficiente e
eficaz para melhoria, a curto, médio e longo prazo, deste quadro. As
razões, dentre tantas, estão no campo da economia (concentração
de renda, natureza complexa do mercado de trabalho e ausência de
financiamento) e na forma como os agentes privados e públicos se
articulam na produção e apropriação do espaço construído.

Ao longo da história foram implementadas diversas medidas in-


dividuais e coletivas visando a prevenção de doenças, sendo estas relati-
vamente datadas de acordo com as diferentes crises na saúde.
A relação causal entre a falta de saneamento básico, a prolifera-
ção de doenças e problemas de saúde, além de ser ponto fundamental
para a efetivação do direito social à saúde, tem repercussão na efetivação
de outros direitos fundamentais, portanto, de provisão Estatal.

1.2. Estudo breve do Saneamento Básico em Manaus

A cidade de Manaus, conforme o IBGE (2021), a população esti-


mada na cidade é de 2.255.903 (Dois milhões, duzentos e cinquenta e cin-
co mil, novecentas e três) pessoas e de acordo com o Mapa de Densidade
Demográfica e Populacional Estimada por Bairro em Manaus (2015), a
cidade conta com 63 (sessenta e três) bairros, distribuídos em 06 (seis)
zonas administrativas.
A origem da cidade, remonta conforme Santos (2007, p. 230)
“nasceu no período colonial ao redor da Fortaleza de São José da Barra
232 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

do Rio Negro, localizada acerca de 18km do “encontro das águas”, subin-


do o Rio Negro”.
Ao que tange espaço geográfico e as características peculiares da
cidade, descreve Aragão (2017, p. 90) que a “preocupação com ausên-
cia de infraestrutura, saneamento e higiene, sempre foram presentes na
formação da cidade de Manaus, dadas as suas características singulares
como o clima úmido, a presença de igarapés cortando todas as regiões do
município e as doenças tropicais”
Com a elevação do Alto Amazonas à categoria de Província, a
Barra do Rio Negro (Manaus, a partir de 1856) tornou-se definitivamente
capital da mais nova unidade política e administrativa do Brasil. Com o
advento da República, capital do Estado do Amazonas.
A cidade de Manaus, entre os anos de 1890 e 1920, vivencia seu
primeiro momento de crescimento econômico expressivo, houve grande
surto de urbanização, isso graças aos investimentos propiciados pela acu-
mulação de capital, via economia agrária extrativista-exportadora, espe-
cialmente a economia da borracha.
Santos (2007, p. 232) alude que “segundo Barba Weinstein, em
fins da década de 1890, Manaus possuía um dos primeiros sistemas de
bonde movidos à eletricidade da América Latina. Tinha gás e água en-
canados, iluminação pública e elétrica, e um excelente porto artificial”.
Neste cenário, demonstra Torres (2022, p. 19):

Consoante a esse cenário, será visto que a história de “desenvol-


vimento” e progresso de Manaus está envolta pela conformação
de sucessivos “ciclos econômicos” que, segundo Lima (2021), ao
inserir o lugar em momentos de altas e baixas, sob exploração de
um mercado fiel aos interesses exógenos, vai repercutir negativa-
mente na promoção de direitos básicos dos habitantes locais. E é,
no contexto então do “Ciclo da Borracha” (1890-1910), que as ex-
periências iniciais de promoção de saneamento básico na cidade
foram executadas.

Para então obter a preconizada aparência europeia colonial para


advento do capital estrangeiro, relata Santos (2007, p. 232-233):
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 233

Essa promissão ditou a ordem do dia aos governantes amazonen-


ses: viver a modernidade. Modernizar, embelezar e adaptar Ma-
naus às exigências econômicas e sociais da época da Borracha,
passou a ser o objetivo maior dos administradores locais. Era ne-
cessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente,
para aqueles que a visitavam a negócios ou que pretendessem es-
tabelecer-se definitivamente.
[...]
A historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro nos informa que Ma-
naus do início do século XX, praticamente todos os serviços pú-
blicos estavam, por concessão, nas mãos de firmas inglesas, que
passaram a agenciar melhoramentos ou mesmo criar serviços en-
tão inexistentes na cidade.

Aragão (2017, p. 90) reforça ainda:

As grandes ações de saneamento na cidade iniciaram no governo


de Eduardo Ribeiro (1892-1896) com diversas intervenções reali-
zadas nos igarapés, pois, são locais propícios para proliferação de
doenças dentre as quais, a malária, que foi a grande preocupação
do governo no que se refere o saneamento na cidade.
Somente em abril de 1906, na Rua José Clemente, foi dado início a
construção da rede de esgotos de Manaus, contudo não atendia a
população dos bairros mais afastados abrangendo apenas parte do
centro da cidade. Até 1910 diversos investimentos estrangeiros in-
teressavam ao Estado do Amazonas, empreendimentos nas áreas
de comunicação, naval, transportes, saneamento entre outros.

Em especial aos serviços de saneamento básico, duas empresas


foram as responsáveis pelo gerenciamento do sistema: a Manaós Railway
Company e Manaós Improvements Limitid Company. Gerenciamento este,
que desde o período inicial de sua implantação, acerca da qualidade de
fornecimento do serviço de saneamento básico, rendeu conflitos locais,
ao setor privado.
A partir do ano de 1910, a cidade de Manaus passou a sentir os pri-
meiros sinais de enfraquecimento da economia da borracha. Ao que tange
a concessão deste serviço à empresa privada, Torres (2019, p. 17) relata:
234 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

No que diz respeito ao acesso à água, o aterro de igarapés teve


repercussões negativas no cotidiano dos manauenses. Os igara-
pés faziam parte da vida dos moradores e serviam como fontes de
abastecimento, indispensáveis para os usos domésticos e sanitá-
rios. Com o aterro dos igarapés e a deficiência do fornecimento de
água encanada, a falta de água passou a fazer parte do cotidiano
do povo, principalmente nos bairros mais afastados do centro da
cidade. A imprensa registrava, diariamente, as queixas contra a
falta do chamado precioso líquido. Consta que a partir de 15 de ju-
lho de 1913, a Manaós Improvements Limitid Company, prestadora
de serviços de saneamento básico, efetuou um elevado aumento
no preço da água e o povo, enfurecido, foi às ruas depredar os es-
critórios da concessionária. Os ingleses partiram da cidade e o pa-
trimônio da empresa, desde então, foi encampado pelo Governo
Estadual (ARSAM, 2014). Os serviços de água e esgoto passaram
a ser realizados pelo poder público até o ano 2000, quando foram
novamente transferidos para o setor privado.

Lógica esta, que sempre excluíram as periferias, produzindo e


reproduzindo a alienação da maioria dos moradores em relação à cida-
de e seus serviços.
O fim do ciclo da borracha, causada pela inserção do capital in-
ternacional investira intensamente na cultura da seringa no território
asiático, de clima tropical assemelhado ao amazônico, com produção de
melhor qualidade e menor custo, causou um abandono de investidores e
por consequência, da melhoria das estruturas da cidade.
Após o fim deste ciclo, houve a implementação e desenvolvimen-
to da Zona Franca de Manaus, através da Lei n. 3.173/1957 com o propó-
sito de viabilizar uma nova base para a economia da Amazônia Ocidental.
Destaca Torres (2022, p. 25), apesar da mudança de modelo eco-
nômico, as demandas básicas e sociais permaneciam as mesmas desde a
ciclo do látex:

Deduz-se, assim, que o plano de desenvolvimento, expresso pela


ZFM, repetiu a mesma linha anteriormente tracejada pelo período
do ciclo econômico da borracha: estímulo de aumento populacio-
nal mediante intenso processo migratório proveniente, tanto do in-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 235

terior amazonense quanto de outros Estados; ausência de projetos


de expansão sem ordenamento territorial de qualidade; construção
de moradias às margens dos igarapés remanescentes e produção de
assentamentos precários que vão reverberar na deficiente qualidade
dos serviços básicos disponibilizados para essas áreas, a exemplo do
abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Nota-se desta forma, que durante a história da formação e de-


senvolvimento da cidade de Manaus, em todos os ciclos econômicos, não
houve preocupação com a qualidade de vida, com a relação sustentável
com o meio ambiente. A prestação do serviço público de saneamento
sempre foi instituída como marcador de investimentos externos, atendi-
mento as questões mercantilista e principalmente segregando uma cida-
de, que está espacialmente deslocada dos principais serviços.

2. PAPEL DO ESTADO NA INSTRUMENTALIZAÇÃO


DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O Estado deve atuar sobre premissas constitucionalmente nor-


mativas em busca, tanto em deveres de abstenção e quanto de ações. E
nesta circunstância, Bahia e Abujamr (2009, p. 308), relatam:

“Ao Estado compete assegurar a ordem pública, tutelar a segurança


pública e a incolumidade das pessoas, bem como procurar realizar
o bem-estar social, possibilitando a igualdade de oportunidade a
todos, é necessário que o mesmo seja autorizado pela constituição,
nos estritos termos de suas normas, a regular, quer por conceitos
gerais, quer por lei, o exercício dos direitos e autonomias conferi-
dos aos indivíduos e entidades pelas normas constitucionais, cuja
eficácia e aplicabilidade ficam delimitadas ao equilíbrio socioeco-
nômico, na busca da efetivação do bem comum.”

Logo, o Estado deve atuar, na execução de políticas de saúde que


visem à efetivação desse direito, priorizando, dentro do princípio da re-
serva do possível, as ações e serviços de saúde que o mínimo existencial
impõe para a sobrevivência humana.
236 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

Desta forma, vem a função administrativa como a atividade su-


bordinada à lei e que tem finalidade a satisfação das necessidades coleti-
vas através de atos concretos. No artigo 197 da Constituição Federal de
1988, o legislador assim, expressa que são de relevância pública as ações
e serviços de saúde, vincula o Poder Público na promoção das políticas
sociais e econômicas para a consecução desse direito.
Segundo Sarlet; Fensterseifer, (2011, p. 35-36):

O Estado Socioambiental além de comprometer-se com a justiça


social (garantia de uma existência digna ao acesso aos bens sociais
básicos) assume a condição de um Estado de justiça ambiental,
pois implica a proibição de práticas discriminatórias que tenham a
questão ambiental de fundo, como decisão, seleção, prática admi-
nistrativa ou atividade material referente à tutela do ambiente ou
à transformação do território que onere injustamente indivíduos,
grupos ou comunidade pertencentes à minoria populacional em
virtude de raça, situação econômica ou localização geográfica.

Ao que tange a prestação de serviço público sob a tutela do Esta-


do no âmbito do saneamento, Lahoz e Duarte (2015, p. 331), descrevem:

A Constituição Federal de 1988, como evidência da perda de im-


portância do saneamento básico, menciona-o apenas três vezes: i)
quando determina a competência da União para estabelecer di-
retrizes para o saneamento básico (artigo 22, inciso XX); ii) para
afirmar a competência comum de todos os entes federativos na
promoção de programas de melhoria das condições de saneamen-
to básico (artigo 23, inciso IX); e iii) ao estabelecer a participação
do Sistema Único de Saúde na formulação da política e da execu-
ção de ações de saneamento básico (artigo 200, inciso IV).

Nesta seara Soares, Oliveira (2020, p. 445), reforçam:

Em caso de delegação do serviço público, forma-se uma relação


quadrilateral, que envolve quatro atores: o concedente, o con-
cessionário, o regulador e o usuário. Essa conformação enfatiza,
mais ainda, o fato de que o titular ou poder concedente é um só,
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 237

podendo o titular receber as contribuições que os demais entes


federativos são constitucionalmente obrigados a fornecer. Não há
a possibilidade de concessionário de serviço público responder a
vários entes federados funcionando como poder concedente, tam-
pouco há a possibilidade de o usuário perder-se em meio a essas
relações federativas, sem saber a quem deve demandar. O titular
de um serviço público é único, individual e identificável.

Desta forma, se evidencia a as sistemáticas presentes em todos os


entes federativos nesta prestação, elencando principalmente que não se
constitui saúde pública, sem saneamento básico, tão pouco, em evidên-
cias de caráter científico.

2.1. Serviço Público de Saneamento Básico


no Âmbito da Administração Pública

Cabe ao Estado, a atividade prestacional que constitui o serviço


público, em favor da coletividade, neste segmento, Lahoz e Duarte (p.
330, 2015) remontam que “A imperatividade de a Administração Pública
ofertar a todos o acesso a bens essenciais é decorrente do princípio da
universalidade dos serviços públicos, segundo o qual em sua prestação
o Poder Público deverá disponibilizá-lo à população sem fazer qualquer
distinção entre as pessoas”.
Soares, Oliveira (2020, p. 03), retratam à prestação de serviço:

No Brasil, os serviços de saneamento básico são considerados


como de titularidade municipal, enquadrados nos serviços públi-
cos de interesse local, mencionados na Constituição. No entan-
to, como a melhoria das condições do setor está entre as compe-
tências materiais comuns de todos os entes federativos, a União
tomou para si a organização e consolidação dos dados do setor.
Assim, o SNIS pode ser considerado uma iniciativa do Governo
Federal para cumprir sua obrigação constitucional de cooperar e
assim atuar como um agente para a concertação entre entes fede-
rados, tendo em vista a maior eficiência na prestação de serviços,
no incremento da efetividade de direitos fundamentais
238 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

Mas talvez o mais grave dessa situação é que o Município que não
possui dados planeja às cegas, e essa vulnerabilização pode ter
consequências funestas não só à satisfação dos interesses locais,
mas para gestores mal assessorados ou mesmo inescrupulosos

A saúde humana depende dos serviços de saneamento básico


como fatores determinantes as relações entre o meio ambiente e a saúde.
E neste contexto, Carvalho e Adolfo (2012, pg. 08) retrata que “Os servi-
ços de saneamento básico, tanto em seu caráter de cadeia industrial para
a provisão de bens públicos, quanto como rede de serviços públicos des-
tinados à efetivação de direitos sociais, vem passando por um substancial
processo de transformação institucional desde a aprovação da Lei 11.445,
de 2007 de Saneamento Básico”
No que concerne a universalização, Lahoz e Duarte (2015, p.
333) exprimem:

O regime jurídico dos serviços públicos impõe uma série de deveres


e princípios a serem observados pelo Estado – ou por quem lhe faça
as vezes – para a sua prestação. Trata-se de um conjunto de normas
finalísticas e cogentes, configuradas por alguns princípios explícitos
na Constituição Federal, como, por exemplo, o artigo 37, caput, que
apresenta os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e o artigo 1º, II e III, evidenciando o da ci-
dadania e o da dignidade da pessoa humana; além de implícitos,
como o da razoabilidade e da proporcionalidade.

A partir de tais considerações, Denise e Garcia (2017, p. 03) en-


tendem “que os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependen-
tes, sendo tais direitos, considerados em suas várias dimensões, comple-
mentam-se na tutela da dignidade humana.”
No que concerne a importância do Saneamento, Prestes e Pozzet-
ti (2018, p. 120), refletem:

O saneamento é um fator essencial para um país poder se desen-


volver, pois os serviços de água tratada, coleta e tratamento dos
esgotos levam à melhoria da qualidade de vida da população, so-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 239

bremodo na saúde infantil com redução da mortalidade, melhoria


na educação, na expansão do turismo, na valorização dos imóveis,
na renda do trabalhador, na despoluição dos rios e preservação
dos recursos hídricos.

Nesse sentido, é fundamental reconhecer o direito ao sanea-


mento básico e integrá-lo ao rol dos direitos fundamentais sociais que
compõem a garantia do mínimo existencial, na promoção do bem-estar
humano, assegurando as condições de sua própria dignidade, que inclui,
além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas
de existência, como descrevem Carvalho e Adolfo (2012, pg. 08).
Ainda segundo, Sarlet; Fensterseifer, (2010, p. 35-36):

A razão suprema da existência do Estado reside no respeito, prote-


ção e promoção da dignidade dos seus cidadãos, individual ou co-
letivamente considerados, devendo, portanto, tal objetivo ser con-
tinuamente concretizado e perseguido pelo Poder Público e pela
própria sociedade. Os deveres de proteção do Estado veiculam o
compromisso de tutelar e garantir uma vida digna e saudável aos
indivíduos e grupos sociais, o que passa pela tarefa de promover
a realização dos direitos fundamentais socioambientais, entre eles
a saúde e a qualidade ambiental, afastando possíveis óbices à sua
efetivação e impondo medidas de cunho protetor e promocional

A aplicação do instituto do mínimo existencial vincula à garantia


da dignidade da pessoa humana. Na atualidade, a dignidade da pessoa hu-
mana constitui requisito essencial e inafastável da ordem jurídico-constitu-
cional de qualquer Estado que se pretende democrático de direito
Reiteram Soares, Oliveira (2020, p. 445):

Em caso de delegação do serviço público, forma-se uma relação


quadrilateral, que envolve quatro atores: o concedente, o con-
cessionário, o regulador e o usuário. Essa conformação enfatiza,
mais ainda, o fato de que o titular ou poder concedente é um só,
podendo o titular receber as contribuições que os demais entes
federativos são constitucionalmente obrigados a fornecer. Não há
a possibilidade de concessionário de serviço público responder a
240 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

vários entes federados funcionando como poder concedente, tam-


pouco há a possibilidade de o usuário perder-se em meio a essas
relações federativas, sem saber a quem deve demandar. O titular
de um serviço público é único, individual e identificável.

Braga (2020, p. 158) reforça que “o agente público quando estiver


defronte às questões de saúde pública, tomar decisões de saúde pública,
tomar decisões contrárias à Constituição, contrária as leis e orientação da
ciência atrai para si encargos daí decorrentes de sua conduta destemida,
aventureira e ilegítima”.
Não obstante, José Afonso da Silva (2007, p. 307), reflete:

“Há de informa-se pelo princípio de que o direito igual à vida de


todos os seres humanos significa também que, nos casos de doen-
ça, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo
com o estado atual da ciência médica, independente da sua situa-
ção econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação
em normas constitucionais”

Freitas (pág. 02, 2002), traz a noção de problemas ambientais não


só permite uma maior incorporação das ciências sociais para a sua com-
preensão e resolução, mas se encontra mais em consonância com o projeto
da saúde coletiva, permitindo desta forma, que a saúde coletiva não seja tão
somente uma conquista história e social, mas também, um direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida.
Em virtude da ênfase que lhe confere, em razão, principalmente, da
sua elevação a caráter do direito fundamental, Oliveira (2021, p. 05), diz que
“o saneamento básico acaba por configurar o mínimo existencial em torno
do qual subjaz a concepção de que a dignidade da pessoa está intrinsecamen-
te relacionada à qualidade socioambiental, de modo que não existe
Por certo, a promoção, a proteção e a recuperação da saúde so-
mente se efetivam através da adoção de políticas sociais econômicas ao
encargo do Estado. Diante da matriz programático-sistêmica do direito à
saúde, a concretização dos preceitos constitucionais relativos a ela depen-
de da criação e execução dos programas necessários para a realização da
eficácia jurídica e social da constituição.
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 241

Contudo, o cenário do saneamento básico no Brasil pode ser descri-


to pela discrepância entre os recursos naturais disponíveis e a universalidade
do acesso a eles. Neste cenário, Prestes e Pozzetti (2018, p. 123), descrevem:

A desigualdade de acesso aos serviços de saneamento ambiental


em função da renda do cidadão em seus domicílios pode ser um
fator determinante na distribuição destes serviços, pois se observa
nas cidades brasileiras que áreas mais centrais e nobres dispõem
destes serviços em detrimento de outras áreas mais afastadas e po-
pulares onde não há estes serviços.

Nesta perspectiva, a concepção de um Estado de justiça so-


cioambiental conduz a proibição de práticas discriminatórias referentes
às questões sociais e ambientais. A qualidade ambiental abaliza para uma
população vivendo em condições insalubres e inadequadas, especialmen-
te a parcela dos excluídos social e economicamente, os quais não se ga-
rantem o mínimo de dignidade humana.
Por fim, ressaltam Carvalho e Adolfo (2012, pg. 02): “A popula-
ção, sem acesso as condições existenciais básicas assinala um conjunto de
desigualdades sociais, econômicas e ambientais”. Logo, o acesso se torna
um “termômetro social”

2.2. Aplicação da Legística nas políticas


públicas de saneamento básico

Dentre os instrumentos para a gestão pública e o atingimento das


necessidades sociais, a Legística absorve, atrelada a materialidade, torna-se
efetivo, em que a adequação e proliferação normativa, de maneira acessível.
Nesta seara, Soares (2007, p. 129) reforça a necessidade de uma
legislação mais eficaz, o questionamento da lei como o instrumento ex-
clusivo para o alcance de mudanças no plano social:

O contexto no qual este juízo de adequação se processa é aquele aonde


o planejamento legislativo surge no quadro de uma política pela quali-
dade da legislação que informe as ações de um programa de governo”.
242 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

Mas não é só a dimensão entre o contexto formal; material que


é o caro objeto de interação do qual a Legística se ocupa. A ideia
de um legislador onisciente foi uma falácia incutida na mente
da maior parte dos juristas e de boa parte dos cidadãos, talvez a
mitificação da lei e da intangibilidade do seu texto tão propalada
durante boa parte dos séculos XIX e XX respondam em parte por
esta distorção.

Logo, as reivindicações oriundas da complexa realidade, preci-


sam de respostas eficaz à sociedade. Deste modo, Delley (2004, p. 104)
declara que “A formulação de um problema, tal como ela chega ao legis-
lador ou ao governo, é o produto de um processo complexo ao curso do
qual se constroem, simultaneamente, a apreensão e a apreciação de uma
realidade que justifica uma demanda de regulação pública.”
Com esta configuração Soares (2007, p. 131) relaciona:

A aproximação entre legislador e cidadão pode propiciar proces-


sos de produção do Direito onde haja mais persuasão e menos
coerção e nos processos participativos a negociação do conteúdo
pode gerar uma corresponsabilidade pela efetivação do conteúdo
porque os participantes colaboraram com suas representações de
mundo, que é otimizada por uma gama de informações evidencia-
das na reconstrução da situação-fática-problema.

Retoma ainda Delley (2004, p. 102) que “A expressão de uma in-


satisfação em relação a uma situação de fato revela uma tensão entre uma
realidade vivida e uma realidade desejada”.
A realidade que se põe diante do cidadão, e não o colocar como
protagonista da própria materialidade, é fazer todo o contexto democrá-
tico insuficiente para o bem comum, cabendo-lhe apenas exercer a cida-
dania, quando há eleições vigentes.
Soares (2007, p. 130-131), complementa então:

O legislador também é cidadão e exerce uma função em nome


de alguém e, portanto, não pode se erigir em único porta voz de
anseios e/ou deva transformar o seu ofício em um fazer incessante
de atos normativos sem possibilidade de execução ou implemen-
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 243

tação, inclusive gerando expectativas efêmeras quando legisla de


forma inconstitucional que obviamente repercutem na esfera das
relações pessoal, na ética de cada dia, por vezes reproduzindo pa-
drões de desconsideração do direito. Deve ser ressaltado que sua
função fiscalizadora acaba por ser obliterada pela necessidade em
exibir uma linha de produção de proposições legislativas.

Reforça ainda Delley (2004, p. 103), em que atribui:

O procedimento proposto foi concebido particularmente para


as legislações finalizáveis, que visam transformar profundamen-
te uma realidade social, articulando os objetivos e os meios. Esse
tipo de legislação se refere, por definição, à noção de eficácia. O
procedimento se adapta, entretanto, às legislações condicionais,
que, como o Código Civil, o Código Penal ou os códigos proces-
suais, servem simplesmente para fornecer um paradigma para os
comportamentos sociais e não visam à concretização de objetivos
precisos. Em particular, a necessidade de avaliar os efeitos das re-
formas e corrigir as leis em função dos resultados dessa avaliação,
indispensável para as legislações finalistas de caráter dinâmico,
revela-se muito útil para as legislações condicionais mais estáticas.

A atuação do legislador, não obstante, remete ao legislador o


conhecimento prévio da realidade demandada, cuja leis que serão pro-
postas, não tenham caráter unicamente para sanar a demanda, mas criar
mecanismo de controle social, previstos na Constituição Federal, mais
atribui Soares (2007, p. 131):

A discricionariedade do legislador quanto à escolha do conteú-


do da lei é limitada seja pela cultura jurídica que congrega todas
as manifestações do fenômeno jurídico, quanto pelos princípios
estruturantes da Constituição. Tais princípios incluem tanto os
garantidores do sistema representativo quanto aqueles de demo-
cracia direta e semi-direta e da dignidade da pessoa humana. E se
a pessoa humana é prioridade na ordem de fundamento do esta-
do brasileiro, para tal necessita de condições de se desenvolver de
forma plena, dentro de um estado cujo fim é ser materialmente
democrático e que deve minimamente compreender e conhecer
244 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

seus direitos e deveres vigentes, o que neste caso pode se revelar


uma verdadeira odisseia.

De tal modo, Marco (2013, p. 61) retoma a função precípua da


Administração em que atribui:

Tendo que a atividade legislativa da Administração é um fato


como expressão da necessidade de execução e implementação da
lei, na falta de uma regulação, o emaranhado proveniente de do-
mínios diversos coloca em xeque a completude do sistema. O que
se pretende é uma uniformidade na técnica de sua escrituração.

Em suma, a verdadeira aplicação democrática, está na ampliação


do círculo de demandadores, sejam estes com finalidade de consulta e in-
formação aos interessados, população atendida, na relação de elaboração
legislativa proposta pela Legística, que antecipa à elaboração legal.

CONCLUSÃO

Urge destacar que dentre os mais importantes instrumentos para


atingir a faticidade e efetividade das políticas e da gestão pública em prol
das necessidades sociais, emerge a Legística, adstrita a ideia de materialida-
de, eficiência, eficácia e efetividade, com escopo de equacionar o problema
em suas múltiplas dimensões. É certo que a dor e doença, são preocupa-
ções antigas, sendo evidente que a saúde requer ações em todos os níveis
verticais e horizontais da estrutura de um governo, ou seja, requer políticas
públicas nas diferentes áreas que tem relação com a própria existência da
vida, sobretudo às diretamente relacionadas com a prevenção de doenças.
O ser humano vive de maneira incessante em busca da saúde.
Para a garantia do Direito a saúde e todos os princípios elencados, o que
se nota no Brasil moderno, é uma falta de cobertura em termos de saúde
pública, capazes de atingir todas as camadas sociais.
Dentro dos instrumentos que garantem a sadia qualidade de vida e
um ambiente ecologicamente equilibrado o saneamento básico vem como
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL
EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109, ART. 37, §16 | 245

serviço público de designação urgente. O que se nota é a discrepância de


cobertura e de qualidade de serviços entre regiões e populações; o descom-
passo entre a prestação dos serviços de abastecimento e a de esgotamento;
o acesso para populações de baixa renda gera um status de iniquidade.
Não obstante, a abertura à iniciativa privada passa a descon-
centrar a prestação dos serviços realizados pela administração pública,
em que se pese os recursos financeiros necessários, sendo insuficientes
a serem supridos exclusivamente pelos atores privados. Dessa forma, os
efeitos do novo marco no processo de universalização do acesso ao sanea-
mento acabam sendo insuficientes.
A garantia desse direito, no contexto de ampliação da partici-
pação do setor privado em um país com tamanha desigualdade social,
somente se efetivará por meio da regulação eficiente pela administração
pública, que estiver aliada à Biossegurança no sentido de gerar estraté-
gicas que fortaleçam a promoção, a prevenção e a assistência em saúde,
para a prevenção de riscos à saúde ambiental e humana.
A adoção de técnicas movidas na Biossegurança se faz necessário
e urgente, diante de contextos tão complexos e dinâmicos em que a socie-
dade brasileira é constantemente inserida. A busca incessante por instru-
mentos que protejam a saúde públicas, devem ser tomados pelo Estado,
de maneira normativa e constitucional. A busca do mínimo existencial é
dever do Estado e deve ser concedido a todos sem qualquer distinção, e
principalmente quanto as decisões políticas que geram políticas públicas
tenham o caráter de continuidade na prestação, para que se possam esta-
belecer metas e alcançar os devidos objetivos na prestação, tendo em vista
que os problemas ambientais devem ser compreendidos também como
problemas de saúde, uma vez que atingem os seres humanos.

REFERÊNCIAS

BAHIA, Claudio José Amaral; ABUJAMRA, Ana Carolina Peduti. A Justiciabi-


lidade do direito fundamental à saúde: Concretização do princípio constitu-
cional da dignidade da pessoa humana. Revista Argumentum-Argumentum
Journal of Law, v. 10, p. 295-318, 2019.
246 | BIANOR SARAIVA NOGUEIRA JÚNIOR | BERENICE MIRANDA BATISTA

BERTOLLI FILHO, Cláudio. História da saúde pública no Brasil. In: História da


saúde pública no Brasil. 2004. p. 04-16.

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Este livro foi impresso sob demanda, sem estoques. A tecnologia
POD (Print on Demand) utiliza os recursos naturais de forma
racional e inteligente, contribuindo para a preservação da natureza.

"Rico é aquele que sabe ter o suficiente"


(Lao Tze)

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