Você está na página 1de 3

RESENHA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E RELIGIÕES DE MATRIZES


AFRICANAS

THIAGO TEIXEIRA SANTOS

Formação de professores e religiões de matrizes africanas: um diálogo


necessário. Belo Horizonte: Nandyala. 2015.

O objetivo central a que se propõe é a A construção da autoestima de


apresentação de uma obra que causa negros que, longe de uma posição
impacto e provocação: Formação de hegemônica religiosa – judaico-cristã –
professores e religiões de matrizes , se reconhecem e ratificam sua raiz
africanas: um diálogo necessário. cultural e religiosa, bem como a
Essa obra, tão rica, que extrapola as celebração da tolerância, não como
paredes da academia, permite ao leitor relação com o outro de forma passiva e
reconhecer a ancestralidade negra. A subjugada, mas nos moldes do debate,
coragem do autor é notória, na medida são pontos importantes e basilares às
em que coloca em evidência a discussões ali travadas.
importância do resgate, ensino e Dividido em cinco capítulos, o livro
valorização da cultura negra como apresenta, de modo progressivo, o que
parte ativa e efetiva da construção de são e de que modo se manifestam as
um ensino democrático e plural. Religiões de matriz africana.
O ensaio escrito pelo Professor e Inicialmente ver-se-á a importância do
Babalorixá Erisvaldo Pereira dos caráter comunitário, sobretudo, numa
Santos reage contra uma educação atmosfera candomblecista.
religiosa que oblitera as manifestações A proposta de dar ao Candomblé
de origem africana. Ademais, acusa o espaço na formação religiosa escolar é
cenário racista e higienizador que se uma ação de empoderamento e luta
esconde por trás de uma educação contra o preconceito, tanto racial,
religiosa parcial e que não promove o quanto religioso.
que é diferente. Entende-se que essa
modalidade de ensino é nociva à O fato é que as práticas discursivas
que desvalorizam as heranças
construção de um espaço comum. Não africanas e desqualificam o sentido
saber do outro e vetar o seu acesso é, sagrado presente nesse patrimônio
cultural, constituindo-se como um
em alto grau, impedir uma formação
tipo de intolerância religiosa, nem
humana ampla e ética. sempre foram enfrentadas como
problemas sérios no espaço e no
409
INTERAÇÕES, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.12 N. 22, P. 409-411, AGO./DEZ. 2017
ISSN 1983-2478

ERISVALDO PEREIRA SANTOS

tempo, do cotidiano escolar. Isso promoverem, de forma orgânica, a


porque, durante muito tempo,
experiência da alteridade, no instante
predominaram atitudes de silêncio
marcadas pelo esforço de tornar em que a história do Brasil e dos
invisível esses conteúdos na escola. brasileiros não suprime o que é negro.
(SANTOS, 2015, p. 27-28).
Falar sobre as religiões de matriz
Nesse ínterim, entende-se que o africana é retirar de sobre elas os véus
Ensino Religioso tem a função de de demonização que são alimentados
promover a construção dialógica e por perspectivas pouco empáticas,
tolerante dos sujeitos. O autor, então, sobretudo – como ensina Santos
integra o leitor no panorama do (2015) –, por algumas posições cristãs
“diálogo respeitoso” (SANTOS, 2015, p. neopentecostais. Lê-se nesse livro uma
40) como um exercício de apreciação, ou melhor, uma bela
compreensão e abertura ao outro, por apreciação, dos fundamentos que dão
intermédio da palavra. É-se conduzido, sentido e valor à fé nos Orixás,
através de sua obra, ao horizonte da Inquices e Vodunsis.
valorização da diferença, nesse caso, Todo o itinerário da obra acontece
religiosa e racial, ao mesmo tempo. de forma muito generosa. Há nesse
Afirma-se que o vigor dessa obra percurso um cuidado em trazer o leitor
está na constante posição de ensino. para esse lugar de proximidade. Cada
Logo, entende-se que a cada página, ao página ensina sobre o Candomblé,
trazer a força das Religiões de matriz sobre a tolerância e suas faces, mas
africana, Candomblé e Umbanda, o também ensina sobre cada um. É
autor estabelece um discurso que retira possível dizer que extrapola o ensino:
de uma posição à margem tais ela forma o leitor.
doutrinas e seus adeptos. Ademais, A cada página mergulha-se na
revisita um problema que tanto assola herança do Candomblé, na sua
o Brasil: o racismo. importância e, mais ainda, na força
Esse manifesto nos tenciona de para combater o maniqueísmo, que se
forma dúbia: reflexivamente e estrutura na constante demonização
ativamente. Pensar, sobretudo o dessa religião. Pensa-se, assim, que
Candomblé, como uma Religião de essa obra é mesmo um manifesto, cujo
ancestralidade, e que move o sagrado fim se elucida a cada parágrafo:
numa dimensão pessoal e comunitária, devolver aos adeptos das religiões de
proporciona compreender que há uma matriz africana a autoestima que tanto
força vital interior que precisa ser lhes é arrancada em nome daquele
celebrada e elucidada quando se fala de maniqueísmo e, na mesma medida,
Religião e sua interface com o ensino. trazer tais religiões ao lugar do ensino,
Essa reflexão incita a todos e, em no enquadramento do diálogo.
particular aos professores, a

410
RESENHA

A sua lógica é clara: não se trata de diferença. Destarte, a obra tem como
uma doutrinação, tampouco uma importância resgatar a identidade
promoção de disputa religiosa. Seu negra e promover, nas escolas e para
discurso perpassa, por toda a escrita, a além delas, o diálogo inter-religioso e
dinâmica do encontro, do democrático.
enaltecimento da comunidade, e da

_________________________
THIAGO TEIXEIRA SANTOS
Mestre em Filosofia pela FAJE e
Professor do Departamento de
Filosofia da PUC Minas. E-mail:
thiagoteixeiraf@gmail.com

Recebido em 11/09/2017
Aprovado em 17/11/2017

411
INTERAÇÕES, BELO HORIZONTE, BRASIL, V.12 N. 22, P. 409-411, AGO./DEZ. 2017
ISSN 1983-2478

Você também pode gostar